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Interceptação telefônica à luz da Lei 9.296/96

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A Lei n. 9.296/96, que regulamenta a interceptação telefônica, foi inovadora para a época de sua elaboração, mas enseja inúmeras dúvidas, as quais são objeto de conflito na doutrina e na jurisprudência.

1 INTRODUÇÃO

Em muitas oportunidades as investigações realizadas pelos órgãos encarregados de realizar a persecução penal colidem com os direitos fundamentais, entre os quais esta o direito à intimidade. No confronto existente entre a segurança social (tutela da coletividade) e a liberdade individual (tutela da pessoa humana) esta a problemática que será tratada.

A criminalidade, nos grandes centros urbanos, tomou proporções elevadas diante dos inúmeros problemas sociais brasileiros. O Estado contemporâneo, minado pela grande quantidade de tarefas que lhe incumbe, mostra-se incapaz de manter a segurança pública, especialmente por meio da persecução penal.

A Assembléia Nacional Constituinte de 1988, diante dos avanços tecnológicos que permitem a invasão da privacidade (captação de som, de imagem, de dados, dentre outros), no intuito de qualificar a persecução penal, oportunizou, em caráter excepcional, a violação do sigilo das comunicações telefônicas, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer. Somente em 1996, com a Lei n. 9.296, foi regulamentada a interceptação telefônica.

Por meio deste trabalho se pretende narrar as principais interpretações existentes sobre a lei, tanto na doutrina como na jurisprudência, a fim de amenizar a complexidade do tema.


2 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

O artigo 5°, inciso XII, parte final, da Constituição Federal, norma constitucional de eficácia limitada (não auto-aplicável), autoriza, excepcionalmente, a violação das comunicações telefônicas, desde que observados três requisitos constitucionais, quais sejam: por meio de ordem judicial; a elaboração de lei regulamentadora infraconstitucional que estabeleça às hipóteses e a forma que possibilitem a autorização judicial; e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, veja:

CF, artigo 5º, inciso XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Inicialmente, as interceptações das comunicações telefônicas tinham como fundamento o artigo 57, inciso II, alínea “e”, do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117/62). No entanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu por reconhecê-las como provas ilícitas, pois a legislação supracitada não foi recepcionada pela Carta Política por não enumerar, exigência do constituinte, as hipóteses e a forma que permitem a autorização judicial. Pertinente a jurisprudência abaixo:

EMENTA: HABEAS-CORPUS. CRIME QUALIFICADO DE EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO (CP, ARTIGO 357, PÁR. ÚNICO). CONJUNTO PROBATÓRIO FUNDADO, EXCLUSIVAMENTE, DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, POR ORDEM JUDICIAL, PORÉM, PARA APURAR OUTROS FATOS (TRÁFICO DE ENTORPECENTES): VIOLAÇÃO DO ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO. 1. O artigo 5º, XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, não é auto-aplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes. a) Enquanto a referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é considerada prova ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando haja ordem judicial (CF, artigo 5º, LVI). b) O artigo 57, II, a, do Código Brasileiro de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição (artigo 5º, XII), a qual exige numerus clausus para a definição das hipóteses e formas pelas quais é legítima a violação do sigilo das comunicações telefônicas. 2. A garantia que a Constituição dá, até que a lei o defina, não distingue o telefone público do particular, ainda que instalado em interior de presídio, pois o bem jurídico protegido é a privacidade das pessoas, prerrogativa dogmática de todos os cidadãos. 3. As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, artigo 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente. 4. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo. 5. Habeas-corpus conhecido e provido para trancar a ação penal instaurada contra o paciente, por maioria de 6 votos contra 5. (HC 72588, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/1996, DJ 04-08-2000 PP-00003 EMENT VOL-01998-02 PP-00289 RTJ VOL-00174-02 PP-00491).

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. NÃO-ACOLHIMENTO. Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de censura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica - prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, e que contaminava as demais provas que dela se originavam - não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus indeferido. (HC 74599, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 03/12/1996, DJ 07-02-1997 PP-01340 EMENT VOL-01856-02 PP-00380).

EMENTA: HABEAS CORPUS. ACUSAÇÃO VAZADA EM FLAGRANTE DE DELITO VIABILIZADO EXCLUSIVAMENTE POR MEIO DE OPERAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA ILÍCITA. AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA. ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no artigo 5º, inc. XII, da Constituição não pode o Juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica -- à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la -- contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. Habeas corpus concedido. (HC 73351, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/1996, DJ 19-03-1999 PP-00009 EMENT VOL-01943-01 PP-00007).

A violação das comunicações telefônicas (artigo 5º, inciso XII, parte final, da Constituição Federal) somente foi regulamentada com a Lei n. 9.296/96, a qual permite que seja utilizada como meio de prova tanto na investigação criminal como na instrução processual penal, sempre condicionada à ordem judicial, bem como o respeito aos requisitos legais e constitucionais. 

A nova lei não legitimou as interceptações telefônicas que foram autorizadas antes de 25.07.96 (a Lei n. 9.296/96 foi publicada e entrou em vigor nesta data), isto porque o ato deve ser regido pela lei do tempo e, neste período, não havia legislação alguma.


3 CONCEITO

Por interceptação das comunicações telefônicas entende-se a captação, realizada por terceiro, de conversa telefônica alheia, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o conhecimento e assentimento de apenas um deles, com objetivo de colher informações. Assim, a violação da conversa via telefone pressupõe a existência de, no mínimo, três sujeitos, duas pessoas em processo de interação e o terceiro que obtém acesso ao conteúdo da conversa. Merece evidência o artigo 1° da Lei n. 9.296/96:

A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. 

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Neste momento, mostra-se prudente explicitar as formas de interceptação das comunicações:

a) Interceptação telefônica em sentido estrito: é a captação da conversa telefônica realizada por terceiro sem o conhecimento dos comunicadores;

b) Interceptação ambiental: é a captação da conversa ambiente realizada por terceiro sem o conhecimento dos interlocutores. Inexiste comunicação telefônica;

c) Escuta telefônica: é a captação da conversa telefônica realizada por terceiro com o conhecimento e assentimento de apenas um dos comunicadores. Nesse sentido, preleciona CAPEZ (2008, p. 512):

A escuta telefônica ocorre quando um terceiro realiza a gravação, mas com o conhecimento de um dos interlocutores (a polícia costuma fazer a escuta em casos de seqüestro; a família geralmente consente nessa prática, obviamente sem o conhecimento do seqüestrador do outro lado da linha).

Escuta ambiental: é a captação da conversa ambiente realizada por terceiro com o conhecimento e assentimento de apenas um dos interlocutores. Não há comunicação telefônica. AVOLIO (2010, p. 100) elucida que:

Quando a interceptação de conversa entre presentes, realizada por terceiro, se faz com o conhecimento de um ou alguns dos interlocutores, pode ser denominada escuta ambiental, guardando, assim, afinidade terminológica com as precedentes modalidades de interceptação ambiental e escuta telefônica. Sujeita-se, contudo à mesma disciplina das interceptações ambientais. 

d) Gravação telefônica ou gravação clandestina: captação da conversa telefônica realizada por um dos comunicadores, sem o conhecimento do outro. Inexiste a figura do terceiro interceptador. O Supremo Tribunal Federal entende pela licitude desta forma de violação das comunicações telefônica, independentemente de ordem judicial, em razão de não haver interceptação. Apenas a conversa íntima sofre restrição. Neste sentido, a jurisprudência abaixo:

EMENTA: PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao artigo 5º, incs. X, XII e LVI, da CF. Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou. (RE 402717, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 02/12/2008, DJe-030 DIVULG 12-02-2009 PUBLIC 13-02-2009 EMENT VOL-02348-04 PP-00650 RTJ VOL-00208-02 PP-00839 RT v. 98, n. 884, 2009, p. 507-515).

e) Gravação ambiental ou gravação clandestina: captação da conversa ambiente realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro. Inexiste a figura do terceiro interceptador. Não há comunicação telefônica. A Lei n. 9.034/95 (organizações criminosas) permite que a polícia realize gravação ambiental, desde que com ordem judicial. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral e manifestou o entendimento no sentido de que se trata de prova válida / lícita, por não ser caso de interceptação telefônica. Novamente sofre limitação a conversa íntima. Ademais, a cúpula do judiciário manifestou-se pela ilicitude da gravação ambiental de conversa informal entre o policial e o indiciado, por se tratar de interrogatório clandestino que viola as garantias constitucionais e processuais, como a ausência da advertência sobre o direito de permanecer calado (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, artigo 5º, LXIII):

EMENTA: AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida.  Recurso extraordinário provido. Aplicação do artigo 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. (RE 583937 QO-RG, Relator(a): Min. MIN. CEZAR PELUSO, julgado em 19/11/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-10 PP-01741 RJSP v. 58, n. 393, 2010, p. 181-194).

EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, artigo 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, artigo 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. III. Gravação clandestina de "conversa informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente - quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita "conversa informal", modalidade de "interrogatório" sub- reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., artigo 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. 4. O privilégio contra a auto-incriminação - nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do artigo 186 C.Pr.Pen. - importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em "conversa informal" gravada, clandestinamente ou não. IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. 5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores - cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito - mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. 6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. 7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina - ainda quando livre o seu assentimento nela - em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree). 9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido. (HC 80949, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 30/10/2001, DJ 14-12-2001 PP-00026 EMENT VOL-02053-06 PP-01145 RTJ VOL-00180-03 PP-01001).

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Em decorrência do conceito de interceptação das comunicações telefônicas, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça afirmam que o regime da Lei n. 9.296/96 abarca apenas a interceptação telefônica em sentido estrito e a escuta telefônica, pois somente nas duas há comunicação telefônica e terceiro interceptador:

EMENTA: - 1. Interceptação telefônica e gravação de negociações entabuladas entre seqüestradores, de um lado, e policiais e parentes da vítima, de outro, com o conhecimento dos últimos, recipiendários das ligações. Licitude desse meio de prova. Precedente do STF: (HC 74.678, 1ª Turma, 10-6-97). 2. Alegação improcedente de perda de objeto do recurso do Ministério Público estadual. 3. Reavaliação do grau de culpabilidade para fins de revisão de dosagem da pena. Pretensão incompatível com o âmbito do habeas corpus. 4. Pedido, em parte, deferido, para suprimento da omissão do exame da postulação, expressa nas alegações finais, do benefício da delação premiada (artigo 159, § 4º, do Código Penal), mantidas a condenação e a prisão. (HC 75261, Relator(a):  Min. OCTAVIO GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em 24/06/1997, DJ 22-08-1997 PP-38764 EMENT VOL-01879-03 PP-00472).

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO. PROVA. ESCUTA TELEFÔNICA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI Nº 9.296/96. - Não contamina de nulidade o processo penal instaurado com base em prova obtida por meio de interceptação de linha telefônica, realizada com autorização judicial deferida após a edição da Lei nº 9.296/96, que regulamentou o inciso XII, do artigo 5º, da Carta Magna.

- Em sede de investigação do crime de extorsão mediante seqüestro, em face da imensa dificuldade de sua apuração, é de se admitir a escuta telefônica como meio de prova para identificação da autoria. - "Habeas corpus" denegado. (HC 7.869/SP, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 13/10/1998, DJ 09/11/1998, p. 174). CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ESCUTA TELEFONICA. GRAVAÇÃO FEITA POR MARIDO TRAIDO. DESENTRANHAMENTO DA PROVA REQUERIDO PELA ESPOSA: VIABILIDADE, UMA VEZ QUE SE TRATA DE PROVA ILEGALMENTE OBTIDA, COM VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE INDIVIDUAL. RECURSO ORDINARIO PROVIDO. I - A IMPETRANTE/RECORRENTE TINHA MARIDO, DUAS FILHAS MENORES E UM AMANTE MEDICO. QUANDO O ESPOSO VIAJAVA, PARA FACILITAR SEU RELACIONAMENTO ESPURIO, ELA MINISTRAVA "LEXOTAN" AS MENINAS. O MARIDO, JA SUSPEITOSO, GRAVOU A CONVERSA TELEFONICA ENTRE SUA MULHER E O AMANTE. A ESPOSA FOI PENALMENTE DENUNCIADA (TOXICO). AJUIZOU, ENTÃO, AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA, INSTANDO NO DESENTRANHAMENTO DA DECODIFICAÇÃO DA FITA MAGNETICA. II - EMBORA ESTA TURMA JA SE TENHA MANIFESTADO PELA RELATIVIDADE DO INCISO XII (ULTIMA PARTE) DO ARTIGO 5. DA CF/1988 (HC 3.982/RJ, REL. MIN. ADHEMAR MACIEL, DJU DE 26/02/1996), NO CASO CONCRETO O MARIDO NÃO PODERIA TER GRAVADO A CONVERSA A ARREPIO DE SEU CONJUGE. AINDA QUE IMPULSIONADO POR MOTIVO RELEVANTE, ACABOU POR VIOLAR A INTIMIDADE INDIVIDUAL DE SUA ESPOSA, DIREITO GARANTIDO CONSTITUCIONALMENTE (ARTIGO 5., X). ADEMAIS, O STF TEM CONSIDERADO ILEGAL A GRAVAÇÃO TELEFONICA, MESMO COM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL (O QUE NÃO FOI O CASO), POR FALTA DE LEI ORDINARIA REGULAMENTADORA (RE 85.439/RJ, MIN. XAVIER DE ALBUQUERQUE E HC 69.912/RS, MIN. PERTENCE). III - RECURSO ORDINARIO PROVIDO.(RMS 5352/GO, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Rel. p/ Acórdão Ministro ADHEMAR MACIEL, SEXTA TURMA, julgado em 27/05/1996, DJ 25/11/1996, p. 46227).

A lição de GOMES (2010, p. 425-426) segue o mesmo entendimento:

Estamos convencidos de que é vontade da lei, aqui, abarcar tanto a interceptação em sentido estrito quanto a escuta telefônica. Porque ambas consistem em processo de captação de comunicação alheia. Estão fora do regime jurídico instituído pela Lei 9.296/96, consequentemente, a gravação telefônica, a gravação ambiental, a interceptação ambiental, assim como a escuta ambiental.

(...).

... O fato de um dos comunicadores saber da captação não afasta a idéia de interceptação, mesmo porque é um terceiro que está tomando conhecimento da comunicação. De outro lado, urge a proteção do sigilo em relação a quem não está sabendo da interceptação. Logo, para se quebrar esse sigilo, é imprescindível autorização judicial... Em conclusão, a lei se aplica tanto à interceptação em sentido estrito quanto à escuta telefônica.

Em sentido contrário, alguns doutrinadores, dentre eles FILHO (2005, p. 5) e ANDREUCCI (2010, p. 399), defendem que a lei não disciplina a escuta telefônica, porque é irregulamentável no âmbito do artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal. A licitude deste tipo de prova, assim como das demais espécies de violação, dependerá do embate entre a intimidade e a justa causa (princípio da proporcionalidade), como o estado de necessidade e defesa de direito:

...o artigo 5º, XII, da CF e a Lei n. 9.296/96 disciplinam apenas a interceptação telefônica estrito senso, ao passo que o artigo 5º, X, da CF (direito à intimidade) rege a escuta e a gravação telefônica, assim como a interceptação, escuta e gravação ambiental.

HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. Gravações de conversas por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal, máxime se a ela se agregam outros elementos de prova. “Pelo Princípio da Proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cuja harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade.” Precedentes do STF e do STJ. Ordem denegada. (HC 33110/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2004, DJ 24/05/2004, p. 318).

A interceptação e a escuta telefônica não violam a garantia constitucional ao silêncio, direito de não se incriminar, previsto no artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Federal. Apesar do autor do fato realizar declaração contra si mesmo, não o faz diretamente aos órgãos da persecução penal ou autoridade, não é por ela incitado a responder e não esta sob pressão. A garantia de ficar calado objetiva apenas preservar a liberdade moral do agente perante a autoridade. A violação de comunicações telefônicas capta interações do dia a dia do sujeito.

O magistrado poderá autorizar a interceptação de comunicação telefônica tanto na fase investigativa quanto na instrução processual penal (fins exclusivamente penais), jamais em processo de outra natureza (administrativa, tributária, civil e etc). A jurisprudência é pacífica em relação à possibilidade de captação antes da instauração do inquérito policial, porque a investigação criminal é preexistente e independentemente. Neste sentido:

Habeas Corpus. NARCOTRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA TRÁFICO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NO PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO DEVIDAMENTE AUTORIZADA. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO OU AÇÃO PENAL. PRECEDENTES DO STJ. POSSIBILIDADE DAS TRANSCRIÇÕES SEREM REALIZADAS POR POLICIAIS CIVIS. PRECEDENTES DESTE STJ. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA ACUSATÓRIA QUE DESCREVE TODO O FATO CRIMINOSO, APTA A PERMITIR O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. INEXISTE A ALEGADA NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO QUE AFASTA A TESE DEFENSIVA SEM A MENÇÃO EXAUSTIVA DE CADA UMA DAS HIPÓTESES DEFENSIVAS QUE NÃO FORAM ACOLHIDAS. APLICAÇÃO DA REDUTORA PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4o. DA LEI 11.343/06. ACÓRDÃO QUE RECONHECE QUE O PACIENTE INTEGRA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. DILAÇÃO PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM O WRIT. PENA-BASE FIXADA EM 6 ANOS E 2 MESES DE RECLUSÃO (COMINAÇÃO MÍNIMA DE 5 ANOS). POSSIBILIDADE DE EXASPERAÇÃO, EM RAZÃO DE SER O PACIENTE USUÁRIO DE DROGAS (CONDUTA SOCIAL DESFAVORÁVEL) E PELA GRANDE QUANTIDADE DE DROGAS (449 COMPRIMIDOS DE ECSTASY). DESPENALIZAÇÃO QUE VISA, SOMENTE, AO USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. Esta Corte já decidiu ser prescindível a prévia instauração de inquérito ou ação penal para a decretação de quebra de sigilo telefônico; isso porque, a interceptação telefônica, disciplinada na Lei 9.296/96, tem natureza de medida cautelar preparatória, exigindo-se apenas a demonstração da existência de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal punida com reclusão (REsp. 827.940/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJU 03.03.08 e HC 20.087/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, DJU 20.09.03). (...) 12.  Habeas Corpus denegado, em conformidade com o parecer ministerial. (HC 136659/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 03/05/2010).

Atualmente, este meio de prova tem sido utilizado com ressalvas, como consequência do uso abusivo e indiscriminado pelas autoridades judiciais que, rotineiramente, por motivos pessoais, a utilizavam para obter confidências de pessoas de seu intimo convívio, objetivo este bem distante da motivação da interceptação telefônica, qual seja, auxiliar a justiça. Diante disso, foi criada a Resolução 59, de 09 de setembro de 2008, do Conselho Nacional de Justiça, a qual uniformizou no Poder Judiciário o uso da interceptação telefônica pelos juízes a fim de coibir abusos.

O artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal determina que a violação da comunicação telefônica depende de ordem judicial (reserva de jurisdição). O artigo. 1º da Lei n. 9.296/96 exige ainda mais, em complemento ao dispositivo constitucional, ao explicitar que a autorização judicial deve emanar do juiz competente para a ação principal. Assim, o aval para a captação da conversa telefônica não poderá advir de qualquer magistrado, somente daquele competente para a ação penal. Caminha nesse sentido a decisão abaixo:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES MILITARES. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DECRETADA PELA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. INCOMPETÊNCIA. NULIDADE DA PROVA COLHIDA. 1. Somente o juiz natural da causa, a teor do disposto no artigo 1.º, Lei n.º 9.296/96, pode, sob segredo de justiça, decretar a interceptação de comunicações telefônicas 2. Na hipótese, a diligência foi deferida pela justiça comum estadual, durante a realização do inquérito policial militar, que apurava a prática de crime propriamente militar (subtração de armas e munições da corporação, conservadas em estabelecimento militar). Deve-se, portanto, em razão da incompetência do juízo, declarar a nulidade da prova ilicitamente colhida. 3. Ordem concedida. (HC 49179/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 05/09/2006, DJ 30/10/2006, p. 341).

Nas comarcas onde houver mais de um magistrado competente para a ação penal, o pedido de violação da comunicação telefônica deverá ser encaminhado, em envelope lacrado, a distribuição, conforme determina o artigo 2º, da Resolução 59/2008 do Conselho Nacional de Justiça.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que se durante a fase investigatória ocorrer a modificação de competência – inicialmente fixada a partir do fato investigado, mas que, posteriormente, pode ser modificada em razão do andamento das investigações criminais –, a prova produzida por meio de interceptação telefônica, autorizada por magistrado supostamente competente, será válida / lícita:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. RECORRENTE DENUNCIADO POR INFRAÇÃO AOS ARTS. 90 E 95 DA LEI N.º 8.666/93 E ARTS. 288, 332, PARÁGRAFO ÚNICO, 317, § 1º E 321, NA FORMA DO ARTIGO 69, ESTES DO CÓDIGO PENAL. EXERCÍCIO DO CARGO ELETIVO DE VEREADOR DE MUNICÍPIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO À ÉPOCA DOS FATOS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DETERMINADA POR MAGISTRADO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, NA FASE INVESTIGATÓRIA, ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. VALIDADE, NO CASO. 1. Tem-se, no artigo 1º da Lei n.º 9.296/96, que "[a] interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça". Tal regra não impede, entretanto, o deferimento de autorização de referida diligência por Juízo diverso daquele que veio a julgar a ação penal, quando concedida ainda no curso das investigações criminais. Precedentes. 2. "Quando [...] a interceptação telefônica constituir medida cautelar preventiva, ainda no curso das investigações criminais, a mesma norma de competência há de ser entendida e aplicada com temperamentos, para não resultar em absurdos patentes" (STF, HC 81260/ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 19/04/2002). 3. Em 28/05/2007, o Órgão Especial do Tribunal Impetrado, no julgamento de Arguição de Inconstitucionalidade n.º 01/06, declarou inconstitucional a prerrogativa de foro dos vereadores dos municípios do Estado do Rio de Janeiro, prevista no artigo 161, inciso IV, alínea d, item 3, da Constituição Estadual. Portanto, no momento dos fatos ora questionados, aparentemente, os parlamentares municipais deveriam ser processados e julgados por Juízes de primeira instância. Porém, os Tribunais de hierarquia superposta continuaram a entender por válida a regra afastada em controle difuso de constitucionalidade pela Corte fluminense. Por tal razão, reconheceu-se, no caso, posteriormente, a competência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para julgar e processar o Paciente, ocupante do cargo eletivo de vereador à época dos fatos. Tal fato, entretanto, não impede que se considerem válidas as medidas cautelares requeridas ao tempo das investigações ao órgão julgador supostamente competente – qual seja, o Juízo Singular –, e por este deferidas, pois sua incompetência, evidentemente, não era patente.4. Recurso desprovido. (RHC 24905/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 28/06/2010).

Na hipótese de o crime investigado se estender por mais de uma jurisdição, pelo princípio da prevenção, será competente o magistrado que primeiro tomar ciência da infração e praticar qualquer dos atos processuais, tornando-se prevendo o juízo. Assim caminha o Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PREVENÇÃO. EXAME DA LEGALIDADE. 1. Quando o tráfico ilícito de entorpecentes se estende por mais de uma jurisdição, é competente, pelo princípio da prevenção, o Juiz que primeiro toma conhecimento da infração e pratica qualquer ato processual. No caso, o ato que fixou a competência do juiz foi a autorização para proceder a escuta telefônica das conversas do Paciente. 2. O exame da legalidade da autorização para a escuta telefônica não foi suscitado perante o STJ. Impossibilidade de conhecimento neste Tribunal sob pena de supressão de instância. Precedentes. HABEAS conhecido em parte e nessa parte indeferido. (HC 82009, Relator(a):  Min. NELSON JOBIM, Segunda Turma, julgado em 12/11/2002, DJ 19-12-2002 PP-00129 EMENT VOL-02096-03 PP-00586).

Em algumas comarcas há a figura do juiz corregedor ou da central de inquéritos, que, de acordo com as normas de organização judiciária local, não tem competência para julgar a ação penal, mas apenas para cuidar do processamento dos inquéritos e seus incidentes. Os tribunais superiores, entretanto, entendem que esses magistrados podem autorizar interceptações telefônicas, mesmo sem competência para a demanda principal, pois a regra de competência para a captação de comunicação telefônica deve ser mitigada quando a interceptação ocorrer na fase investigatória, para evitar eventual obstáculo da atuação da Justiça.

CRIMINAL. RHC. FALSIDADE IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA EMBASADA EM MATERIAL PRODUZIDO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO CONDUZIDO PELO PARQUET. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. INCOMPETÊNCIA DO JUIZ DA CENTRAL DE INQUÉRITO. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA DE PLANO. AUSÊNCIA DE DOLO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. RECURSO DENEGADO. I. Não obstante se verifique, atualmente, o debate em torno da questão pelo Supremo Tribunal Federal, o entendimento consolidado desta Corte é no sentido de que são válidos, em princípio, os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público. II. A interpretação sistêmica da Constituição e a aplicação dos poderes implícitos do Ministério Público conduzem à preservação dos poderes investigatórios deste Órgão, independentemente da investigação policial. III. Independentemente da investigação policial, o Ministério Público pode se valer de outros elementos de convencimento, como diligências complementares a sindicâncias ou auditorias desenvolvidas por outros órgãos, peças de informação, bem como inquéritos civis que evidenciem, além dos fatos que lhe são próprios, a ocorrência, também, de crimes. IV. A vedação dirigida ao Ministério Público é quanto a presidir e realizar inquérito policial. Precedente do STF. V. Quando a interceptação telefônica constitui medida cautelar, no curso da investigação criminal, a exigência de que a autorização seja feita pelo juiz competente da ação principal deve ser entendida e aplicada com temperamento, para evitar eventual obstáculo da atuação da Justiça. Precedente do STF. VI. O trancamento da ação penal por falta de justa causa, na via estreita do habeas corpus, somente é possível se constatado, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo dos elementos dos autos, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. VII. Hipótese em que a conduta narrada constitui, em tese, o crime previsto no artigo 299 do Código Penal, vindo a denúncia acompanhada de veementes indícios de materialidade e autoria dos crimes, cuja participação também é atribuída ao recorrente, não sendo possível, initio litis, o trancamento da ação penal. VIII. A verificação a respeito da existência, ou não, do elemento subjetivo necessário à caracterização do crime de falsidade ideológica, representado pela intenção dirigida para criar, alterar ou extinguir uma obrigação com prejuízo ou dano de um terceiro, dependeria de minuciosa análise do conjunto probatório, sendo imprópria a via estreita do habeas corpus. IX. Recurso desprovido. (RHC 15128/PR, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2005, DJ 07/03/2005, p. 281).

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. VARA DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS E ANEXO DA CORREGEDORIA DOS PRESÍDIOS E POLÍCIA JUDICIÁRIA. ESTADO DE SÃO PAULO. COMPETÊNCIA ESTABELECIDA NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E DEMAIS ATOS PROCESSUAIS. VALIDADE. ARTS. 148, 150, §§ 1º E 2º, E 316, CAPUT, COMBINADOS COM OS ARTS. 29 E 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDDE. RECURSO DESPROVIDO. I - É competente o Juízo da Vara das Execuções Criminais e Anexo da Corregedoria dos Presídios e Polícia Judiciária para conhecer de investigação, autorizar interceptação telefônica e decretar a prisão preventiva de policiais investigados, nos termos de regra de competência estadual. II - Conjunto probatório que, ademais, não se resume às evidencias colhidas ao longo da interceptação telefônica. III - Trancamento da ação penal que não se mostra factível. IV - Recurso desprovido. (RHC 92354, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 20/11/2007, DJe-157 DIVULG 06-12-2007 PUBLIC 07-12-2007 DJ 07-12-2007 PP-00059 EMENT VOL-02302-02 PP-00358 RJSP v. 56, n. 363, 2008, p. 183-186).

A Constituição Federal, no artigo 58, parágrafo 3º, concede as Comissões Parlamentares de Inquérito poderes de investigação próprios de autoridade judicial, mas não idênticos, de acordo com a interpretação do Supremo Tribunal Federal. Em razão disso, entende-se que nos casos em que a Carta Política exige expressamente a ordem judicial, o ato só poderá ser autorizado por juiz ou tribunal, conforme preceitua o princípio da reserva de jurisdição. Assim, Comissão Parlamentar de Inquérito não pode autorizar: busca e apreensão domiciliar; prisão, salvo em casos de flagrante; interceptação telefônica. Já a quebra de sigilo telefônico – acesso ao histórico de ligações, não ao teor das conversas – está dentro dos poderes conferidos às Comissões Parlamentares de Inquérito:

E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA - ATO PRATICADO EM SUBSTITUIÇÃO A ANTERIOR QUEBRA DE SIGILO QUE HAVIA SIDO DECRETADA SEM QUALQUER FUNDAMENTAÇÃO - POSSIBILIDADE - EXISTÊNCIA SIMULTÂNEA DE PROCEDIMENTOS PENAIS EM CURSO, INSTAURADOS CONTRA O IMPETRANTE - CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPEDE A INSTAURAÇÃO DA PERTINENTE INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR SOBRE FATOS CONEXOS AOS EVENTOS DELITUOSOS - REFERÊNCIA À SUPOSTA ATUAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO ESTADO DO ACRE, QUE SERIAM RESPONSÁVEIS PELA PRÁTICA DE ATOS CARACTERIZADORES DE UMA TEMÍVEL MACRODELINQÜÊNCIA (TRÁFICO DE ENTORPECENTES, LAVAGEM DE DINHEIRO, FRAUDE, CORRUPÇÃO, ELIMINAÇÃO FÍSICA DE PESSOAS, ROUBO DE AUTOMÓVEIS, CAMINHÕES E CARGAS) - ALEGAÇÃO DO IMPETRANTE DE QUE INEXISTIRIA CONEXÃO ENTRE OS ILÍCITOS PENAIS E O OBJETO PRINCIPAL DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR - AFIRMAÇÃO DESPROVIDA DE LIQUIDEZ - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. A QUEBRA FUNDAMENTADA DO SIGILO INCLUI-SE NA ESFERA DE COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. - A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer pessoa sujeita a investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique, com apoio em base empírica idônea, a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária. Precedente: MS 23.452-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno). PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO E QUEBRA DE SIGILO POR DETERMINAÇÃO DA CPI. - O princípio constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, artigo 5º, XI), de interceptação telefônica (CF, artigo 5º, XII) e de decretação da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal (CF, artigo 5º, LXI) - não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República (CF, artigo 58, § 3º), assiste competência à Comissão Parlamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas. AUTONOMIA DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR. - O inquérito parlamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se como procedimento jurídico-constitucional revestido de autonomia e dotado de finalidade própria, circunstância esta que permite à Comissão legislativa - sempre respeitados os limites inerentes à competência material do Poder Legislativo e observados os fatos determinados que ditaram a sua constituição - promover a pertinente investigação, ainda que os atos investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre aspectos referentes a acontecimentos sujeitos a inquéritos policiais ou a processos judiciais que guardem conexão com o evento principal objeto da apuração congressual. Doutrina. Precedente: MS 23.639-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno). O PROCESSO MANDAMENTAL NÃO COMPORTA DILAÇÃO PROBATÓRIA. - O processo de mandado de segurança qualifica-se como processo documental, em cujo âmbito não se admite dilação probatória, pois a liquidez dos fatos, para evidenciar-se de maneira incontestável, exige prova pré-constituída, circunstância essa que afasta a discussão de matéria fática fundada em simples conjecturas ou em meras suposições ou inferências.(MS 23652, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/11/2000, DJ 16-02-2001 PP-00092 EMENT VOL-02019-01 PP-00106).

ANDREUCCI (2010, p. 401) assume posicionamento diverso: “desde que por ato motivado e fundamentado, esta comissão (Comissão Parlamentar de Inquérito) é competente para decretar a interceptação telefônica”.

A Comissão Parlamentar de Inquérito, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, não pode requisitar diretamente às operadoras de telefonia cópias do procedimento judicial de interceptação telefônica, pois estão protegidas pelo segredo de justiça:

EMENTAS: 1. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. Interceptação telefônica. Sigilo judicial. Segredo de justiça. Quebra. Impossibilidade jurídica. Requisição de cópias das ordens judiciais e dos mandados. Liminar concedida. Admissibilidade de submissão da liminar ao Plenário, pelo Relator, para referendo. Precedentes (MS nº 24.832-MC, MS nº 26.307-MS e MS nº 26.900-MC). Voto vencido. Pode o Relator de mandado de segurança submeter ao Plenário, para efeito de referendo, a liminar que haja deferido. 2. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - CPI. Prova. Interceptação telefônica. Decisão judicial. Sigilo judicial. Segredo de justiça. Quebra. Requisição, às operadoras, de cópias das ordens judiciais e dos mandados de interceptação. Inadmissibilidade. Poder que não tem caráter instrutório ou de investigação. Competência exclusiva do juízo que ordenou o sigilo. Aparência de ofensa a direito líquido e certo. Liminar concedida e referendada. Voto vencido. Inteligência dos arts. 5º, X e LX, e 58, § 3º, da CF, artigo 325 do CP, e artigo 10, cc. artigo 1º da Lei federal nº 9.296/96. Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de, mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponível a Comissão Parlamentar de Inquérito, representando expressiva limitação aos seus poderes constitucionais. (MS 27483 REF-MC, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/08/2008, DJe-192 DIVULG 09-10-2008 PUBLIC 10-10-2008 EMENT VOL-02336-01 PP-00189 RTJ VOL-00207-01 PP-00298).

A Lei n. 9.296/96 abarca, ainda, a captação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática (telecomunicação mais informática), como as interações realizadas por meio de endereço eletrônico, internet, entre outros.

Há ferrenha discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito da constitucionalidade do artigo 1º, parágrafo único da lei em estudo. O argumento dos defensores da inconstitucionalidade é que a Constituição Federal permitiu apenas a captação da comunicação realizada por meio de voz. As interações via informática ou telemática estariam protegidas pela impossibilidade de violação do sigilo de dados, à qual a Carta Política não abriu exceção. Destacam-se as lições de STUM (1995, p. 65): “a comunicação telefônica deve restringir-se às conversas telefônicas, pois representa uma limitação ao direito individual à intimidade, e desse modo devem ser interpretadas estritamente de acordo com a dicção constitucional” e GRINOVER (2007, p. 215) e LIMA NETO (1997, internet), respectivamente:

Em sentido técnico, só pela telemática pode haver a comunicação do fluxo de dados via telefone, donde já se vê a impropriedade da referência da lei à informática. Mas, mesmo com relação à telemática, deve-se dizer que o texto constitucional só parece permitir a interceptação de “comunicação telefônica” stricto sensu (ou seja, da voz), e não da “comunicação via telefone” (compreendendo a telemática). E como as regras limitadoras de direitos, sobretudo quando excepcionais, devem ser interpretadas restritivamente, poderia afirma-se que a previsão de interceptação do fluxo de comunicações, tanto pela informática como pela telemática, é inconstitucional.

Concluindo, as "comunicações telefônicas", entendidas em stricto sensu, não se confundem com as "comunicações em sistemas de informática ou telemática". São expressões distintas, com fins autônomos. Como a Constituição dispõe somente a respeito da violabilidade das primeiras, não pode o legislador ordinário pretender disciplinar hipóteses de violação das segundas. Ainda que se sustente que as "comunicações em sistemas de informática ou telemática" são abrangidas pelo termo "comunicações telefônicas", persiste a inconstitucionalidade, visto que as comunicações de telemática se perfazem através da transferência de dados e estes são invioláveis por determinação expressa da Constituição.

As comunicações de dados podem e devem ser interceptadas quando da ocorrência de necessidade de se resguardar interesse ou direito constitucional de igual relevância, através da aplicação do princípio da proporcionalidade.

Já os doutrinadores que opinam pela constitucionalidade afirmam que a comunicação efetuada por meio de sistema de informática ou telemática deriva da comunicação telefônica, pois é efetivada por aparelho que se utiliza de linha telefônica, o modem. Ademais, quando a Constituição de 1988 foi promulgada não existia conversa por modem ou skype; assim, a interpretação da Carta Política deve ser progressiva, para abarcar tais situações. Dessa forma compreende GOMES (2010, p. 457) e STRECK (1998, p. 217), respectivamente:

No que concerne às “comunicações telemáticas” por telefone (uma comunicação modem by modem, por exemplo, ou via internet) parece-nos indiscutível a incidência da lei. Porque no fundo não passa de uma comunicação telefônica. Como o artigo 1º dispõe sobre “comunicações telefônicas de qualquer natureza”, está claro, conforme nosso juízo, que aí também estão inseridas as comunicações telefônicas que resultam da combinação da telefonia com a informática.

(...) não vislumbro inconstitucionalidade no dispositivo em comento. O parágrafo único, ao estender a possibilidade de interceptação também ao fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, apenas especificou que a lei também atingirá toda e qualquer variante de informações que utilizem a modalidade ‘comunicações telefônicas’. Ou seja, objetivou a Lei estender a aplicação das hipóteses de interceptação de comunicações telefônicas a qualquer espécie de comunicação, ainda que realizada mediante sistemas de informática existentes ou que venha a ser criados, desde que tal comunicação utilizar a modalidade ‘comunicações telefônicas’. Isto porque o constituinte, ao utilizar a expressão ‘comunicações telefônicas’, deixou patente que abarcava a possibilidade de o Estado interceptar ‘informes em tráfego’, conforme muito bem lembra o Juiz Federal Ivan de Lira Carvalho. Quisesse o constituinte limitar a interceptação simplesmente aos telefonemas entre pessoas, não teria usados ‘comunicações’ lato sensu. Sabe-se que, com o avanço da informática, permite-se a prática de comunicações via computador, por exemplo, a Internet, cujo veículo é o telefone. Já a telemática vem a ser a ciência que trata da manipulação e utilização da informação através do uso combinado do computador e meios de telecomunicação

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, as conversas das salas de bate papo em ambiente virtual não estão amparadas pelo sigilo das comunicações, pois se trata de local com acesso irrestrito e de interações informais:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL. ARTIGO 241. INTERNET. SALA DE BATE PAPO. SIGILO DAS COMUNICAÇÕES. INVIABILIDADE. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.1. A conversa realizada em "sala de bate papo" da internet, não está amparada pelo sigilo das comunicações, pois o ambiente virtual é de acesso irrestrito e destinado a conversas informais. 2. O trancamento do inquérito policial em sede de recurso em habeas corpus é medida excepcional, somente admitida quando constatada, prima facie, a atipicidade da conduta ou a negativa de autoria. 3. Recurso que se nega provimento, com a recomendação de que o juízo monocrático determine a realização imediata da perícia requerida pelo parquet nos autos, sob pena de trancamento da ação penal. (RHC 18116/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 16/02/2006, DJ 06/03/2006, p. 443).

Da interpretação literal do texto constitucional verifica-se que o constituinte só se preocupou com a possibilidade de violar a comunicação via telefone, deixando de abranger a comunicação telemática independente (sem o uso de telefone). Dessa forma, o criminoso, diante dos avanços tecnológicos, poderá ser beneficiado pela redação constitucional, haja vista a impossibilidade de se realizar a captação quando da utilização deste tipo de tecnologia. Com entendimento diverso GOMES (2010, p. 458) afirma que:

...só ele (legislador) pode disciplinar qualquer tema que cuide da convivência humana e das liberdades fundamentais. A intenção era regulamentar a parte final do inciso XII, tão-somente (que cuida das comunicações telefônicas). Mas acabou fixando regras também para outras formas de comunicação, chamadas “comunicações telemáticas independentes”. Assuntos correlatos que não podiam mesmo deixar de ser disciplinados conjuntamente.

(...).

Do ponto de vista da repressão penal, do mesmo modo, pouco adiantaria só a interceptação das clássicas “conversações telefônicas”. Se assim fosse, como já dissemos, bastaria o criminoso “digitar” a comunicação (entrar na era digital) e estaria fora de qualquer controle. 

A Constituição Federal determina o sigilo da comunicação de dados, que não se confunde com os dados armazenados no computador. O que se protege é a conversa, não os documentos em pastas virtuais. Os dados gravados são como arquivos que poderiam estar em um armário. Esta distinção foi realizada pelo Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: I. Decisão judicial: fundamentação: alegação de omissão de análise de teses relevantes da Defesa: recurso extraordinário: descabimento. Além da falta do indispensável prequestionamento (Súmulas 282 e 356), não há violação dos artigo 5º, LIV e LV, nem do artigo 93, IX, da Constituição, que não exige o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas apresentadas pelas partes, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão; exige, apenas, que a decisão esteja motivada, e a sentença e o acórdão recorrido não descumpriram esse requisito (v.g., RE 140.370, 1ª T., 20.4.93, Pertence, DJ 21.5.93; AI 242.237 - AgR, 1ª T., 27.6.00, Pertence, DJ 22.9.00). II. Quebra de sigilo bancário: prejudicadas as alegações referentes ao decreto que a determinou, dado que a sentença e o acórdão não se referiram a qualquer prova resultante da quebra do sigilo bancário, tanto mais que, dado o deferimento parcial de mandado de segurança, houve a devolução da documentação respectiva. III. Decreto de busca e apreensão: validade. 1. Decreto específico, que somente permitiu que as autoridades encarregadas da diligência selecionassem objetos, dentre aqueles especificados na decisão e na sede das duas empresas nela indicadas, e que fossem "interessantes à investigação" que, no caso, tinha pertinência com a prática do crime pelo qual foi efetivamente condenado o recorrente. 2. Ademais não se demonstrou que as instâncias de mérito tenham invocado prova não contida no objeto da medida judicial, nem tenham valorado qualquer dado resultante da extensão dos efeitos da decisão determinante da busca e apreensão, para que a Receita Federal e a "Fiscalização do INSS" também tivessem acesso aos documentos apreendidos, para fins de investigação e cooperação na persecução criminal, "observado o sigilo imposto ao fe ito". IV - Proteção constitucional ao sigilo das comunicações de dados - artigo 5º, XVII, da CF: ausência de violação, no caso. 1. Impertinência à hipótese da invocação da AP 307 (Pleno, 13.12.94, Galvão, DJU 13.10.95), em que a tese da inviolabilidade absoluta de dados de computador não pode ser tomada como consagrada pelo Colegiado, dada a interferência, naquele caso, de outra razão suficiente para a exclusão da prova questionada - o ter sido o microcomputador apreendido sem ordem judicial e a conseqüente ofensa da garantia da inviolabilidade do domicílio da empresa - este segundo fundamento bastante, sim, aceito por votação unânime, à luz do artigo 5º, XI, da Lei Fundamental. 2. Na espécie, ao contrário, não se questiona que a apreensão dos computadores da empresa do recorrente se fez regularmente, na conformidade e em cumprimento de mandado judicial. 3. Não há violação do artigo 5º. XII, da Constituição que, conforme se acentuou na sentença, não se aplica ao caso, pois não houve "quebra de sigilo das comunicações de dados (interceptação das comunicações), mas sim apreensão de base física na qual se encontravam os dados, mediante prévia e fundamentada decisão judicial". 4. A proteção a que se refere o artigo5º, XII, da Constituição, é da comunicação 'de dados' e não dos 'dados em si mesmos', ainda quando armazenados em computador. (cf. voto no MS 21.729, Pleno, 5.10.95, red. Néri da Silveira - RTJ 179/225, 270). V - Prescrição pela pena concretizada: declaração, de ofício, da prescrição da pretensão punitiva do fato quanto ao delito de frustração de direito assegurado por lei trabalhista (C. Penal, arts. 203; 107, IV; 109, VI; 110, § 2º e 114, II; e Súmula 497 do Supremo Tribunal). (RE 418416, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2006, DJ 19-12-2006 PP-00037 EMENT VOL-02261-06 PP-01233).

Por meio do “Internet Protocol” – IP é possível identificar o proprietário e o endereço onde esta instalado o computador (dados e qualificações), os quais, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, não estão amparados pelo sigilo, e nem tampouco pelo direito à intimidade. Em razão disso, não se faz necessária a autorização judicial. Trata-se de uma ferramenta eficaz para individualizar o agente que se utilizou do ambiente virtual para praticar crimes:

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A HONRA.PROVA ILÍCITA. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. A simples titularidade e o endereço do computador do qual partiu o escrito criminoso não estão resguardados pelo sigilo de que cuida o inciso XII do artigo 5º da Constituição da República, nem tampouco pelo direito à intimidade prescrito no inciso X, que não é absoluto. 2. É legítima a requisição do Presidente do Superior Tribunal de Justiça à empresa de telefonia local de informações sobre mensagem eletrônica amplamente divulgada, dando conta da existência de fraude em concurso público para provimento de cargos efetivos do quadro de pessoal do próprio Tribunal a que preside, cuja honorabilidade restou afetada. 3. A complementação de diligência pela autoridade policial não requisita forma sacramental, senão o exame da legalidade da ordem primitiva. 4. Ordem denegada.(HC 83338/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 29/09/2009, DJe 26/10/2009).

Eventual reconhecimento judicial de ilicitude da violação da comunicação telefônica acarreta em exclusão / desentranhamento da prova dos autos (inadmissibilidade das provas ilícitas – Constituição Federal, artigo 5º, LXI e Código de Processo Penal, artigo 157), salvo se favorável ao acusado, porque interessa mais a proclamação da inocência que a preservação da intimidade. Se a interceptação era a única prova de autoria ou de materialidade, haverá ausência de justa causa para a ação penal, o que importará no reconhecimento da rejeição da denúncia ou queixa (Código de Processo Penal, artigo 395, inciso III). Caso existam outras provas lícitas de autoria e materialidade e independentes da interceptação ilícita, o processo continuará válido, pois continua havendo justa causa para a ação penal. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PECULATO E LAVAGEM DE DINHEIRO.PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM DENEGADA NA ORIGEM. ÓRGÃO COLEGIADO. COMPOSIÇÃO MAJORITÁRIA POR JUÍZES CONVOCADOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. CONVOCAÇÃO QUE ATENDE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL E À LEI FEDERAL. NULIDADE DA PROVA QUE FUNDAMENTA A ACUSAÇÃO. INEXISTÊNCIA. DIÁLOGO ENTRE CORRÉUS GRAVADO EM COMPUTADOR, REGULARMENTE APREENDIDO. PRESENÇA DE OUTROS ELEMENTOS INDICIÁRIOS. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. ORDEM DENEGADA. 1. (...). 2. (...). 3. Acolher a alegação de ausência de elemento material indiciário que justifique a pretensão punitiva da denúncia, requer um exame acurado do conjunto fático-probatório, uma vez que tal questão não se encontra evidenciada de forma  inequívoca nos autos, afigurando-se, pois, incabível na via estreita do habeas corpus trancar a ação penal.

4. Eventual nulidade da gravação ambiental da conversa realizada por um dos corréus, sem o conhecimento do outro, não teria o condão de acarretar a inépcia da denúncia, uma vez que a exordial está embasada em diversos outros elementos indiciários, como provas documentais relativas às pessoas físicas e jurídicas envolvidas nas investigações e degravações de interceptações telefônicas, obtidas mediante autorização judicial.

5. Ordem denegada.(HC 117537/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 02/08/2010).

Sobre os autores
Vinicius Almeida de Medeiros

Advogado / Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná / Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina / Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná.

Juliana Carvalho Tyminski

Advogada / Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná / Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Vinicius Almeida; TYMINSKI, Juliana Carvalho. Interceptação telefônica à luz da Lei 9.296/96. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3811, 7 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26052. Acesso em: 30 dez. 2024.

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