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Zona azul. Sua natureza jurídica

Agenda 04/01/2014 às 07:23

Não há prestação de serviço privado pelo Município no ato de autorizar o uso da via pública por meio de zona azul, muito menos a prestação de serviço público que enseja a instituição da taxa de serviços.

Questão que vem suscitando dúvidas e incertezas no meio jurídico é aquela concernente à natureza jurídica da zona azul.

O preço cobrado pelo Município pela utilização da via pública seria taxa ou tarifa?  Se for tarifa, sua cobrança configura a prestação de serviço de estacionamento a impor responsabilidade pela guarda do veículo?

Procuraremos responder às essas indagações em termos doutrinários e com base na legislação vigente.

Sabemos que existem algumas decisões judiciais de primeiro grau impondo responsabilidade ao Município pelo furto ou roubo de veículo estacionado em zona azul, mediante pagamento do respectivo preço público.

Essa tese, que despertou simpatia por parte de parcela da classe jurídica, como temos visto nas manifestações veiculadas pela Internet, parte do princípio de que o Município ou outra entidade em nome dele vem operando o serviço de estacionamento impondo-se, dessa forma, o dever de vigilância.

Penso não ser acertado esse posicionamento porque o Município não presta esse tipo de serviço, valendo-se de bem de uso comum do povo. Pode, entretanto, o Município manter um serviço de estacionamento, hipótese em que o imóvel ocupado pelo estacionamento passa a ter a classificação de bem público de uso especial.

Por outro lado, se o Município estivesse prestando algum tipo de serviço público ut singuli, o regime jurídico a ser observado é o regime tributário, isto é, de direito público.

Se um veículo vier a ser furtado ou roubado no interior de um bem público como, por exemplo, no estacionamento existente no pátio de um mercado municipal sujeito à vigilância e controle de um agente público,  poderá o Município vir a ser responsabilizado pela respectiva indenização, independentemente ter ou não cobrado o preço do estacionamento. É que essa responsabilidade decorre da culpa in vigilando. Da mesma forma, o dono de um supermercado poderá vir a ser responsabilizado pelo furto ou roubo do veículo estacionado  no pátio sob sua vigilância. Idem em relação ao condomínio que disponibiliza manobristas para a  guarda de veículo na garagem de sua propriedade, e não na de propriedade do condômino.

O preço percebido pelo Município pelo estacionamento de veículo em via pública constitui receita originária do Município pela exploração de bens de seu patrimônio, tal como ocorre que a cobrança pela utilização de calçadas para instalação de bancas de jornais e revistas, a utilização de vias públicas para colocação de andaimes, para instalação de feiras-livres etc., consoante escrevemos.[1]

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 A exploração econômica do bem público de uso comum do povo mediante paga passou a ter previsão legal no art. 103 do novo Código Civil que prescreveu:

“Art.103 – O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem”.

Esse dispositivo legal,  ao mesmo tempo em que dirime a confusão entre taxa ou tarifa ou simplesmente preço,  afasta a cogitação da prestação de serviço de estacionamento a acarretar a responsabilidade do poder público pelo furto ou roubo do veículo estacionado em via pública mediante paga.

A prevalecer essa ideia de responsabilidade do poder público municipal, no caso de veículo estacionado na zona azul, segue-se que na hipótese de furto ou roubo de jornais e revistas ocorridos nas bancas instaladas nas calçadas, mediante pagamento do respectivo preço, o poder público deverá ser igualmente responsabilizado. E ninguém sustenta essa tese, pois é sabido que o dono da banca de jornal ocupa a calçada pública mediante autorização de uso a título precário, pagando o preço unilateralmente estipulado pelo poder público.

E aqui é oportuno esclarecer que não estamos falando da responsabilidade do poder público por omissão no desempenho de sua atividade no âmbito da segurança pública, que abrange o policiamento preventivo, matéria que se insere na seara da responsabilidade objetiva do Estado a exigir o exame aprofundado de cada caso concreto.

O objetivo deste trabalho é o de demonstrar que o Município pode explorar a utilização de bens de seu patrimônio ainda que classificados dentre aqueles de uso comum do povo. A cobrança do preço nessa hipótese, no dizer de Regis Fernandes de Oliveira, insere-se no âmbito do poder-dever do poder público que sempre está lutando com dificuldades financeiras.[2]

Não há prestação de serviço privado pelo Município no ato de autorizar o uso da via pública por meio de zona azul, muito menos a prestação de serviço público que enseja a instituição da taxa de serviços. Como dissemos anteriormente, o que é possível é a manutenção pelo poder público de um  estacionamento mediante paga em um bem de uso especial, localizado em pontos estratégicos da cidade, até mesmo para suprir a deficiência do setor privado.


Notas

[1] Direito financeiro e tributário. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.42.

[2] Receitas não tributárias. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.130,

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Zona azul. Sua natureza jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3839, 4 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26171. Acesso em: 21 nov. 2024.

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