6 . ALARGAMENTO DO CONCEITO DE FAMÍLIA E AS IMPLICAÇÕES GERADAS NAS IMUNIDADES DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
Passa-se agora à analise do cerne do tema e assim ater-se-á às questões que sofreram influência do alargamento do conceito de família. São estas as seguintes imunidades: “Art. 181, I do cônjuge, na constância da sociedade conjugal”; e “Art. 182, I do cônjuge desquitado ou judicialmente separado”.
Em relação à imunidade do cônjuge na constância do casamento, o ponto conflituoso é se tais imunidades devem ser aplicadas somente ao casamento ou também à união estável. A doutrina majoritária entende que tais imunidades somente são cabíveis ao casamento. Contudo, e de acordo com as informações ora trazidas no presente artigo, discorda-se de tal entendimento em consonância com a linha de raciocínio do professor Rogério Greco (2011, p.352):
A nosso ver, se a lei penal se preocupa com a preservação familiar, de tal modo que afasta a possibilidade de aplicação de pena àquele que praticou uma infração contra alguém que lhe é extremamente próximo, não se justificaria a sua não aplicação numa situação reconhecida legalmente como entidade familiar. (GRECO, 2011)
Conforme o exposto pelo ilustre professor, o objetivo do ordenamento, ao prever as imunidades em estudo, é a proteção do meio familiar de uma invasão do Estado que lhe causaria dano maior que o já sofrido.
O Código Civil de 2002 estabelece em seu art. 1.723 o reconhecimento da união estável como entidade familiar. Por conseguinte, pode-se inferir que há uma família tanto entre cônjuges casados quanto entre parceiros de união estável.
Visto de tal ângulo, percebe-se que ambas as situações, exceto por questões formais, são praticamente iguais. Conforme o brocado “Ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio” (Onde se depara razão igual à da lei, ali prevalece a disposição correspondente da norma referida), a mesma razão aplicada ao casamento é aplicada à união estável e, portanto, a norma penal deverá também ser aplicada de modo igual. Não há impedimento legal ou lógico à tal aplicação, levando-se em consideração que é possível a aplicação da analogia in bonam partem.
Pelo parágrafo supra, verifica-se certa influência do novo conceito de família no que tange à ampliação da aplicação das imunidades dos crimes patrimoniais. Contudo, deve-se ainda ir além naquilo que se refere às relações homoafetivas.
Por meio da ADIN 4.277/DF, o STF deu ao art. 1.733 do Código Civil interpretação conforme a constituição “para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar” entendida esta como sinônimo perfeito de família. Reconhecimento este que há de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesas consequências da união estável heteroafetiva”. Logo, é certo que também se deve aplicar tais imunidades às uniões estáveis homoafetivas.
O problema surge em pontuar o início e o fim da união estável. Entende-se como constância da sociedade conjugal (no casamento) o período que vai do momento em que os noivos declaram sua vontade de contrair núpcias e que o juiz os declara casados, até o momento em que o mesmo se extingue seja pela morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou anulação do casamento, tanto pela separação judicial quanto pelo divórcio (nos termos do art. 1.571 do Código Civil).
Qual seria então o parâmetro considerado para delimitar o início e o fim da união estável? Não basta que se prove que os companheiros vivam ou não juntos no momento do crime, uma vez que é pacifico que não basta a coabitação e também que esta não é pré-requisito necessário para a configuração da união estável, conforme trecho extraído do AI 731.947/RJ – STF:
...Configuração do convívio comum, com indicações de fidelidade no procedimento do casal e de publicidade da relação familiar. Coabitação que não representa requisito imprescindível à caracterização da união estável. Aplicação da súmula nº 382 do E. STF... [Grifos Nossos] (Supremo Tribunal Federal, 2010)
Para tanto, a solução encontrada é a de que cada caso deve ser analisado intrinsecamente, ao passo em que a verificação da existência ou não da união estável deva ser feita utilizando-se de todos os meios de provas aceitos no Direito como um todo.
Quanto à imunidade relativa, prevista no inciso I do art. 182 do Código Penal, entende-se que também deve haver equiparação da união estável ao casamento, pelas mesmas razões lógicas e jurídicas já explicadas anteriormente.
Dessa forma, tal como os ex-cônjuges serão abarcados por esta norma, entende-se que os ex-companheiros também devam ter esta benesse legal.
7. CONCLUSÃO
A partir da Teoria Psicanalítica de Freud, uma nova forma de pensar tomou conta do mundo, havendo assim uma transição do ser humano de indivíduo puro e simples á sujeito de direitos e também de desejos.
Essa nova compreensão da subjetividade (desejo) levando-se em conta a objetividade (leis) é que revoluciona e impulsiona a nova concepção de família: atualmente existem novas estruturas parentais e/ou conjugais, as quais incitam o Direito a se reorganizar e reinventar, a fim de regularizar as novas relações jurídicas existentes.
Diante do exposto, pode-se concluir que a aplicação das escusas absolutórias e das imunidades relativas dos crimes contra o patrimônio, ora analisadas, devem ser estendidas aos casos de união estável, pois não se justifica tanto lógica quanto juridicamente - atentos ao princípio da isonomia – o tratamento diferenciado, sobretudo após as evoluções jurídicas que hodiernamente têm seguido no sentido da inclusão e do respeito às diversidades.
REFERÊNCIAS:
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ABSTRACT: This article will address the Immunity Sheet, under articles 181 and 182 of the Brazilian Penal Code, in view of the changing social and hence the modification and evolution of the concept of family. This new concept has expanded the institution of family in law as a whole, reflecting both its civil sphere as in criminal cases.
Key words: Evolution of the Concept of Family, New Family Concept; Immunity Sheet.