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O ensino religioso nas escolas

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Agenda 05/02/2014 às 09:16

A disciplina ensino religioso poderia influenciar diretamente na formação religiosa de cada aluno, de cada pessoa, não estando em conformidade com os princípios legais constitucionais relativos à liberdade de crença?

Resumo: O texto é sobre a liberdade de crença. O objetivo geral do texto é analisar a liberdade de crença como princípio constitucional assegurado. Especificamente, pretende-se analisar a liberdade em questões de natureza religiosa contraposta ao ensino religioso como disciplina nas escolas públicas. O artigo 210, §1º da Constituição Federal prevê que ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Pergunta-se se o ensino religioso como disciplina nas escolas fere a liberdade do indivíduo. Conclui-se que o objetivo da disciplina não é uma formação religiosa específica, mas a apresentação da diversidade do espírito religioso, a formação cidadã, que respeita as diferenças. A Escola, ao trazer para seus espaços as diversas manifestações de cada religião, ensina o princípio da tolerância e o exercita na rotina escolar e na sala de aula..

Palavras-chave: direitos fundamentais – liberdade de crença – ensino religioso


INTRODUÇÃO

O texto é sobre a inviolabilidade do direito à liberdade, expressa no art. 5º da Constituição Federal brasileira de 1988. O “caput” do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, afirma que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; garante-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

A liberdade é considerada pela doutrina um direito de primeira geração. As gerações ou dimensões são processos evolutivos das conquistas dos direitos do homem. De acordo com o lema revolucionário do século XVIII, consoante os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade: primeira geração, segunda geração e terceira geração, respectivamente. A distinção foi estabelecida com o propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem jurídica. Todavia, falar em sucessão de gerações não significa dizer que os direitos previstos num momento tenham sido suplantados pelos surgidos no instante seguinte; os direitos de cada geração permanecem válidos juntamente com os direitos da nova geração. Assim, um antigo direito pode ter seu sentido adaptado às novidades constitucionais.

Os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais e realçam o princípio da liberdade. Os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas e acentuam o princípio da igualdade. Os direitos de terceira geração materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais e consagram o princípio da solidariedade.

A primeira geração busca a efetivação da liberdade, sem amarras estatais, para que o indivíduo pudesse percorrer sua trajetória sem qualquer intervenção por parte do Estado. Essa fase pleiteia uma abstenção do Estado nas relações intersubjetivas privadas, com intuito de proteger o indivíduo dos ataques do Estado, a sua essência (integridade física e psíquica) e a sua propriedade. São os direitos da liberdade, os direitos civis e políticos.

Os direitos de primeira geração têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. O paradigma de titular desses direitos de primeira geração é o homem individualmente considerado. Refere-se a liberdades individuais, como a de consciência, de culto, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de culto e de reunião.

A princípio, é o Poder Público o destinatário precípuo das obrigações decorrentes dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais possuem feição objetiva, que não somente obriga o Estado a respeitar os direitos fundamentais, mas que também o obriga a fazê-los respeitados pelos próprios indivíduos, nas suas relações entre si. A incidência das normas de direitos fundamentais no âmbito das relações privadas passou a ser conhecida como a “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”.

A liberdade, direito humano fundamental de primeira geração, é algo basilar ao homem e aos Estados Democráticos. Sua existência é baseada na capacidade de pensamento do ser humano bem como na sua autonomia.

O texto trata da liberdade de crença, constitucionalmente assegurada, e o enfoque é o ensino religioso nas escolas públicas. A pergunta que se pretende responder é se o ensino religioso como disciplina nas escolas fere a liberdade religiosa do indivíduo.


A LIBERDADE E A LIBERDADE DE CRENÇA NO TEXTO CONSTITUICIONAL

O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, além de conter a previsão da liberdade de ação, que é a base das demais, confere fundamento jurídico às liberdades individuais e coletivas e correlaciona liberdade e legalidade. Liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis não proíbem. Pelo principio da legalidade fica certo que qualquer comando jurídico impondo comportamentos forçados há de provir de uma das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional.

A liberdade torna possível que a consciência do indivíduo possa ser exteriorizada através da liberdade de pensamento. A liberdade de consciência é de foro íntimo, interessando apenas ao indivíduo. Por sua própria natureza, é de caráter indevassável e absoluto e não está sujeita a qualquer forma de controle pelo Estado. A consciência, em si, é absolutamente livre. O pensamento pertence ao próprio indivíduo, é uma questão de foro íntimo.

A liberdade de consciência pode ser entendida como subdividida em duas outras liberdades: a liberdade de consciência em sentido estrio e a liberdade de crença.

A liberdade de consciência em sentido estrito é a liberdade de pensamento de foro íntimo em questões não religiosas, trata-se de convicções de ordem ideológica ou filosófica. A liberdade de crença é a liberdade de pensamento de foro íntimo em questões de natureza religiosa (CF, art. 5º, VI).

A liberdade de pensamento, consagrada na primeira geração dos direitos fundamentais, possibilitou a exteriorização da crença religiosa dos indivíduos. Houve um tempo em que os brasileiros eram proibidos de exteriorizar o seu pensar e mais ainda de divulgar a sua fé. A liberdade de crença iniciou seu caminho no Brasil com a separação da Igreja do Estado, com a Proclamação da República. A separação político-religiosa, conjugada com neutralidade religiosa adotada pelo Estado brasileiro, possibilitou a criação de mecanismos constitucionais capazes de permitir o exercício da liberdade de crença.

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Após anos de censura política e ideológica durante o regime militar instaurado em 1964, o constituinte de 1988, com a redemocratização do País, evidenciou sua preocupação em assegurar ampla liberdade de manifestação de pensamento, o que fez em diversos dispositivos constitucionais. O art. 5º, IV, estabelece que "é livre a manifestação do pensamento". O inciso IX desse mesmo artigo reitera, de forma mais específica, que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

Saliente-se que a liberdade de crença inclui o direito de professar ou não uma religião, de acreditar ou não na existência de um ou diversos deuses. O próprio ateísmo deve ser assegurado dentro da liberdade de crença, ou seja, tal liberdade inclui o direito de professar ou não uma religião, de acreditar ou não na existência de um ou diversos deuses.

A liberdade de culto é a exteriorização da liberdade de crença. Se a Constituição assegura ampla liberdade de crença, a de culto deve ser exteriorizada "na forma da lei", como estabelece o art. 5º, VI, da Constituição. A liberdade de culto inclui o direito de honrar as divindades preferidas, celebrar as cerimonias exigidas pelos rituais, a construção de templos e o direito de recolher contribuições dos fiéis. Estão tuteladas as liberdades de cultos, bem como os templos, os cultos podem ser realizados formalmente, dentro dos templos, como em locais informais (fora dos templos).

Segundo o artigo 19 da Constituição federal de 1988, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Todavia, a liberdade de crença poderá ser restringida se ela causar danos à ordem pública. Exemplificando, se uma seita religiosa pregar o terrorismo, seus membros que o cometerem serão sancionados, pois o terrorismo é ilícito, conforme determina o artigo 4º, inciso VIII, da Magna Carta.

A lei infra-constitucional também protege os cultos e pune as perturbações ligadas a eles, conforme o artigo 208 do Código Penal vigente. A conduta passível de punição é escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa e/ou impedir ou perturbar cerimônia ou pratica de culto religioso. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

Existem diversas decorrências da ampla liberdade religiosa asseguradas no Texto Constitucional: direito de assistência religiosa, objeção de consciência, ensino religioso facultativo nas escolas públicas de ensino fundamental (art. 210, § 1º) e reconhecimento da validade do casamento religioso para efeitos civis (art. 226, § 22).

O artigo 210, parágrafo 1º da Constituição Federal prevê que ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. A pergunta que se pretende aqui tentar responder é: A disciplina ensino religioso poderia influenciar diretamente na formação religiosa de cada aluno, de cada pessoa, não estando em conformidade com os princípios legais constitucionais relativos à liberdade de crença?

Acreditamos que não, se respeitadas as orientações basilares da natureza da disciplina postas pelo Ministério da Educação. Não se tem como objetivo da disciplina a formação religiosa, mas a apresentação da diversidade do espírito religioso. Não se abre mão do caráter laico das escolas e da promoção da diversidade.


O PLANO NACIONAL DA EDUCAÇÃO E O CARÁTER LAICO DAS ESCOLAS PÚBLICAS

O texto da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96), de dezembro de 1996, definia: 

"O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter: 

I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou 

II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa." 

Em julho de 1997, passou a vigorar uma nova redação do artigo 33 da LDB 9394/96 (a lei n.º 9.475): 

"O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. 

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. 

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso." 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 214, dispõe que a lei estabelecerá o Plano Nacional da Educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis. O Plano Nacional de Educação define as diretrizes para a gestão e o financiamento da educação, as diretrizes e metas para cada nível e modalidade de ensino e as diretrizes e metas para a formação e valorização do magistério e demais profissionais da educação, para um período de dez anos.

O PNE é a legislação mais abrangente na história da educação brasileira, ele traz diferenças marcantes em relação a outras leis, pois detalha políticas para a educação em todos os níveis, firma compromisso e estabelece prioridades para a nossa educação.

O primeiro Plano Nacional de Educação, produzido no fim do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi aprovado pelo Poder Legislativo em janeiro de 2001 e estabeleceu diretrizes e metas para um período de dez anos, a contar da data da publicação da lei, com base em diagnóstico do ano de 1997. O Plano Nacional de Educação chegou ao fim e o Executivo federal apresentou nova proposta para os próximos dez anos. O projeto apresentado é fruto de debates, estudos e pesquisas que vem ocorrendo desde 2008. Com a realização da Conferência Nacional de Educação (Conae), no período de 28 de março a 1º de abril de 2010, o Ministério da Educação cumpriu o compromisso institucional de sua organização, assumido, em 2008, durante a Conferência Nacional de Educação Básica.

A parceria que se estabeleceu entre os sistemas de ensino, os órgãos educacionais, o Congresso Nacional e a sociedade civil constituiu fator determinante para a mobilização de amplos setores que acorreram às conferências municipais ou intermunicipais, realizadas no primeiro semestre de 2009, e conferências estaduais e do Distrito Federal, no segundo semestre de 2009, além da organização de vários espaços de debate, com as entidades parceiras, escolas, universidades, e em programas transmitidos por rádio, televisão e internet, sobre o tema central da conferência – Conae: Construindo o Sistema Nacional  Articulado: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação.

O resultado do processo de mobilização e debate sobre a educação brasileira está consolidado no “Documento Final” que apresenta diretrizes, metas e ações para a política nacional de educação, na perspectiva da inclusão, igualdade e diversidade, o que se constitui como marco histórico para a educação brasileira na contemporaneidade. O “Documento Final” resultou de um processo de construção coletiva, desencadeado pela decisão política de submeter ao debate social as idéias e proposições em torno da construção do Sistema Nacional de Educação, que assegurasse a articulação entre os entes federados e os setores da sociedade civil.

O que é interessante no “Documento Final” do Conae é, no que toca ao nosso tema, principalmente, o Eixo VI que trata da Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade. No contexto de um sistema nacional de educação e no campo das políticas educacionais, as questões que envolvem a justiça social, a educação e o trabalho e que tenham como eixo a inclusão, a diversidade e a igualdade permeiam todo o processo. Embora se possa reconhecer a especificidade de cada um dos conceitos envolvidos no tema do eixo, não há como negar, especialmente, o papel estruturante do racismo na produção das desigualdades. Além disso, na prática social, todas essas dimensões se realizam no contexto das relações de poder, das rede?nições do capitalismo e das lutas sociais.

Centrado nas demandas da Conferência Nacional de Educação (Conae) do ano passado, o Ministério da Educação (MEC) preparou um projeto de plano que começa agora, em 2011, a ser debatido pelo Congresso, aguardando a aprovação dos parlamentares. Sucinto, o documento tem 20 metas, a grande maioria quantificável por estatísticas. Foram estabelecidas punições para quem não cumprir as metas. O instrumento para essa tarefa, o conceito de responsabilidade educacional, também está em discussão no Congresso.

Das quase 3 mil emendas que o projeto de lei do novo Plano Nacional de Educação (PNE) recebeu na Câmara, a proposta para incluir uma determinação que reforce o caráter laico das escolas públicas e a promoção da diversidade foi apresentada 17 vezes. É a proposta mais repetida ao lado do aumento do ensino profissionalizante na rede federal e do aumento do financiamento a partir do estabelecimento de um valor mínimo a ser investido por aluno.


A DISCIPLINA ENSINO RELIGIOSO

De acordo com as orientações do Ministério da Educação, pretende-se que as questões ligadas à justiça social, ao trabalho e à diversidade estejam presentes nas diversas instituições educativas e em todos os níveis e modalidades de educação. Todavia, em uma sociedade marcada por profundas desigualdades, a garantia de uma educação pautada na justiça social, que considere o mundo do trabalho para além da teoria do capital humano e que reconheça e dialogue com a diversidade ampliando a noção de inclusão e igualdade social, constitui um desa?o.

Atualmente as questões de reconhecimento, justiça social, igualdade, diversidade e inclusão são colocadas na agenda social e política, na mídia, na esfera jurídica e, também, na política educacional. Tais questões sempre  ?zeram parte do desenvolvimento da própria educação brasileira, entretanto, nem sempre elas foram reconhecidas pelo poder público como merecedoras de políticas, compreendidas como direito, ao qual se devem respostas públicas e democráticas.

Ao contrário das demais disciplinas que são previstas em lei específica (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei Nº 9394/96), o Ensino Religioso é matéria constitucional (art. 210 § 1º da Constituição Federal).

A existência da disciplina “Ensino Religioso” no currículo da escola fundamental brasileira, a primeira vista, pode parecer contradição, quando se considera que o Brasil é um Estado laico.

O princípio da laicidade é, ao mesmo tempo, o de afastamento da religião do domínio do Estado, e do respeito ao direito de cada cidadão de ter ou não ter uma convicção religiosa e de professá-la dentro dos limites da Lei. O princípio baseia-se na igualdade na diversidade, no respeito às particularidades e na exclusão dos antagonismos. Pretende-se o igual respeito e tolerância ao outro, suas crenças e práticas e, ainda, o respeito àqueles que não professam nenhuma religião. Muito mais do que a recusa do controle religioso sobre a vida pública, o que a laicidade implica, é o reconhecimento do pluralismo religioso, a possibilidade do indivíduo viver sem religião e a neutralidade do Estado. A laicidade garante aos cidadãos que nenhuma religião poderá cercear os direitos do Estado ou apropriar-se dele para seus interesses.

Assim, a laicidade não exclui as religiões e suas manifestações públicas, nem o ensino religioso, muito menos interfere nas convicções pessoais daqueles que optam por não professar nenhuma religião.

Podemos apontar três princípios contidos no princípio da laicidade: a neutralidade do estado, a liberdade religiosa e o respeito ao pluralismo. A neutralidade face a todas as crenças ou opiniões diz respeito à igualdade de tratamento que deve ser dada aos cidadãos: todos devem ser iguais perante a lei, no que concerne aos direitos e deveres. É o princípio também que deverá garantir que o Ensino Religioso ministrado nas escolas públicas não se detenha na formação religiosa específica para uma ou outra religião; que as práticas de cada religião sejam apresentados, descritos, de forma objetiva e com igual destaque, por professores realmente habilitados nesta área do conhecimento.

A laicidade garante o caráter não obrigatório da religião. Pressupõe a neutralidade confessional do Estado e das instituições. As diferenças não são negadas, mas respeitadas.

Na escola laica, os alunos de todas as confissões religiosas, assim como os ateus, devem ser admitidos indistintamente e igualmente respeitados na sua condição de indivíduos em formação.

As aulas de ensino religioso não podem ser aulas de catequese ou de classe de catecúmenos. As instituições religiosas têm seus programas de Educação religiosa que visam suas doutrinas aos seus fiéis, portanto a prática do ensino religioso nas escolas precisa de uma definição bem clara de seus objetivos, antes mesmo da elaboração de seu currículo. A elaboração de um currículo depende em muito da realidade vivencial (contexto) em que está sendo elaborado. Quando se pensa em ensino religioso pode-se seguir a linha da história das religiões, das doutrinas religiosas, da teologia cristã, da ética e cidadania, etc.

Nenhum representante de comunhão religiosa deve ter acesso à escola e nem exercer sobre ela nenhuma autoridade. Isso não significa uma interdição ao exercício dos cultos ou o não reconhecimento à autoridade neles investida, mas apenas que não cabe aos representantes religiosos utilizar a escola como local de pregação religiosa. A eventual concessão do espaço escolar a um representante de confissão religiosa obrigaria a escola a concedê-lo a todas as outras que assim solicitarem. A laicidade inclui, portanto, o reconhecimento e o respeito aos espaços próprios de cada domínio, escolar e religioso.

A Lei afirma que o Ensino Religioso será facultativo. Ser facultativo é não ser obrigatório, não ser um dever. O caráter facultativo é salvaguarda para não ofender o princípio da laicidade. Augusto Cury explica:

“Ora, para que o caráter facultativo seja efetivo e a possibilidade de escolha se exerça como tal, é necessário que, dentro de um espaço regrado como o é o das instituições escolares, haja a oportunidade de opção entre o ensino religioso e outra atividade pedagógica igualmente significativa para tantos quantos que não fizerem a escolha pelo primeiro. Não se configura como opção a inatividade, a dispensa ou as situações de apartamento em locais que gerem constrangimento. Ora, essa(s) atividade(s) pedagógica(s) alternativa(s), constante(s) do projeto pedagógico do estabelecimento escolar, igualmente ao ensino religioso, deverão merecer, da parte da escola para os pais ou alunos, a devida comunicação, a fim de que estes possam manifestar sua vontade perante uma das alternativas. Este exercício de escolha, então, será um momento importante para a família e os alunos exercerem conscientemente a dimensão da liberdade como elemento constituinte da cidadania” (CURY, 1993, p. 20).

Muito se fala e escreve no meio acadêmico sobre as práticas reflexivas, sobre o respeito à bagagem que o aluno traz de fora da escola e a construção de novos aportes a partir dessa bagagem. A Escola, ao respeitar a liberdade de crença, com base no princípio da neutralidade, respeita a individualidade do seu aluno e as convicções de suas famílias.

A Escola, ao conceder seu espaço para o ensino religioso, ao dar o mesmo espaço no ambiente escolar ao conhecimento de cada religião, ensina o princípio da tolerância para a diferença e o exercita.

O essencial é que o Ensino Religioso deve ser pensado como área do conhecimento, a partir da escola, como disciplina curricular, e não a partir das crenças ou religiões individuais; tendo como objeto de estudo o fenômeno religioso na sua diversidade, nas suas diferentes manifestações.

Portanto, a disciplina Ensino Religioso, como campo científico, deve pautar-se pela análise, pelo estudo crítico, objetivo, criterioso e consciente dos fatos religiosos.

Sobre a autora
Célia Cristina Muraro

Graduada em Direito, especialista em Filosofia do Direito, Mestre em Educação e Ensino Jurídico. Advogada, Professora no ensino superior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MURARO, Célia Cristina. O ensino religioso nas escolas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3871, 5 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26608. Acesso em: 23 dez. 2024.

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