3. Breve Painel da Preservação do Meio Ambiente Natural Ecologicamente Equilibrado e sua relação com o alcance e desdobramento da Dignidade da Pessoa Humana
Em sede de comentários inaugurais, cuida salientar que o meio ambiente natural, também denominado de físico, o qual, em sua estrutura, agasalha os fatores abióticos e bióticos, considerados como recursos ambientais. Nesta esteira de raciocínio, cumpre registrar, a partir de um viés jurídico, a acepção do tema em destaque, o qual vem disciplinado pela Lei Nº. 9.985, de 18 de Julho de 2000, que regulamenta o art. 225, §1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências, em seu artigo 2º, inciso IV, frisa que “recurso ambiental: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”17. Nesta esteira, o termo fatores abióticos abriga a atmosfera, os elementos afetos à biosfera, as águas (inclusive aquelas que se encontram no mar territorial), pelo solo, pelo subsolo e pelos recursos minerais; já os fatores bióticos faz menção à fauna e à flora, como bem assinala Fiorillo18. Em razão da complexa interação entre os fatores abióticos e bióticos que ocorre o fenômeno da homeostase, consistente no equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e o meio em que se encontram inseridos.
Consoante Rebello Filho e Bernardo, o meio ambiente natural “é constituído por todos os elementos responsáveis pelo equilíbrio entre os seres vivos e o meio em que vivem: solo, água, ar atmosférico, fauna e flora”19. Nesta senda, com o escopo de fortalecer os argumentos apresentados, necessário se faz colocar em campo que os paradigmas que orientam a concepção recursos naturais como componentes que integram a paisagem, desde que não tenham sofrido maciças alterações pela ação antrópica a ponto de desnaturar o seu aspecto característico. Trata-se, com efeito, de uma conjunção de elementos e fatores que mantêm uma harmonia complexa e frágil, notadamente em razão dos avanços e degradações provocadas pelo ser humano. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento jurisprudencial que:
Ambiental e processual civil. Ação civil pública. Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Unidade de proteção integral. Suspensão de atividades agressoras ao meio ambiente. Recuperação do dano causado. Possibilidade. Preliminares de incompetência, decadência e nulidade processual rejeitadas. Agravo retido desprovido. [...]
III - Na inteligência jurisprudencial do egrégio Superior Tribunal de Justiça, "o tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados - as gerações futuras - carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome" (REsp 948.921/SP, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11/11/2009). Em sendo assim, não merece prosperar a preliminar de ocorrência do prazo prescricional de cinco anos para que o Poder Público pudesse requerer a inibição do dano ambiental, pois, no caso, a ação visa a tutela de direitos indisponíveis e, por isso, se afigura imprescritível.
IV - Quanto à preliminar de incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito, também não merece prosperar a pretensão recursal, eis que o imóvel descrito na petição inicial localiza-se na Zona de Amortização do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, tratando-se, portanto de Unidade de Proteção Integral, integrante do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, nos termos do art. 8º, III, da Lei nº 9.985, de 18/07/2000. Assim, a disciplina da utilização de Parque Nacional, como no caso, não se submete aos ditames da legislação estadual ou municipal. A utilização de área inserida dentro dos limites territoriais de Parque Nacional deve observar a disciplina da legislação federal, inclusive, no tocante à sua área de amortecimento. Ademais, ainda que assim não fosse, o aludido imóvel encontra-se localizado em terreno de marinha, que é patrimônio nacional (CF, art. 225, § 4º), de uso comum do povo e fora da ganância do mercado e do comércio, caracterizando-se, portanto, competente a Justiça Federal para julgar e processar o presente feito. [...]
III - A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada) , exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV).
IV - O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é área de conservação da natureza, a merecer proteção integral, nos termos da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, tendo como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. É uma área de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei, e a visitação pública e a pesquisa científica, estão sujeitas às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento, hipótese não ocorrida, na espécie.
V - Na hipótese dos autos, o imóvel descrito na petição inicial está localizado no interior de Área de Preservação Permanente - APP, encravado na Zona de Amortecimento do PARNA dos Lençóis Maranhenses (unidade de conservação da natureza de proteção integral), no Município de Barreirinhas, no Estado do maranhão, integra o patrimônio da União, em zona costeira, devendo ser demolido, no prazo de 60 (sessenta) dias, por inobservância das determinações legais pertinentes, com as medidas de precaução e de prevenção do meio ambiente, adotadas na sentença recorrida, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atraso no cumprimento desta decisão mandamental.
VI - Apelação, remessa oficial e agravo retido desprovidos. Sentença confirmada.
(Tribunal Regional Federal da Primeira Região – Quinta Turma/ AC 0002797-29.2006.4.01.3700/MA/ Relator: Desembargador Federal Souza Prudente/ Publicado no DJe em 12.06.2012, p. 173).
Ao lado do esposado, faz-se carecido pontuar que os recursos naturais são considerados como tal em razão do destaque concedido pelo ser humano, com o passar dos séculos, conferindo-lhes valores de ordem econômica, social e cultural. Desta feita, tão somente é possível à compreensão do tema a partir da análise da relação homem-natureza, eis que a interação entre aqueles é preponderante para o desenvolvimento do ser humano em todas as suas potencialidades. Patente se faz ainda, em breves palavras, mencionar a classificação dos recursos naturais, notadamente em razão da importância daqueles no tema em testilha. O primeiro grupo compreende os recursos naturais renováveis, que são os elementos naturais, cuja correta utilização, propicia a renovação, a exemplo do que se observa na fauna, na flora e nos recursos hídricos.
Os recursos naturais não-renováveis fazem menção àqueles que não logram êxito na renovação ou, ainda, quando conseguem, esta se dá de maneira lenta em razão dos aspectos estruturais e característicos daqueles, como se observa no petróleo e nos metais em geral. Por derradeiro, os denominados recursos inesgotáveis agasalham aqueles que são “infindáveis”, como a luz solar e o vento. Salta aos olhos, a partir das ponderações estruturadas, que os recursos naturais, independente da seara em que se encontrem agrupados, apresentam como elemento comum de caracterização o fato de serem criados originariamente pela natureza. O meio ambiente natural encontra respaldo na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 225, caput e §1º, incisos I, III e IV.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; […]
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade20.
Ora, como bem manifestou o Ministro Carlos Britto, ao apreciar a Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 3.540, “não se erige em área de proteção especial um espaço geográfico simplesmente a partir de sua vegetação, há outros elementos. Sabemos que fauna, flora, floresta, sítios arqueológicos concorrem para isso”21. Verifica-se, assim, que o espaço territorial especialmente protegido do direito constitucional ao meio ambiente hígido e equilibrado, em especial no que atina à estrutura e funções dos diversos e complexos ecossistemas. As denominadas “unidades de conservação”, neste aspecto de afirmação constitucional, enquanto instrumentos de preservação do meio ambiente natural, configuram áreas de maciço interesse ecológico que, em razão dos aspectos característicos naturais relevantes, recebem tratamento legal próprio, de maneira a reduzir a possibilidade de intervenções danosas ao meio ambiente.
Diante do exposto, o meio ambiente, em sua acepção macro e especificamente em seu desdobramento natural, configura elemento inerente ao indivíduo, atuando como sedimento a concreção da sadia qualidade de vida e, por extensão, ao fundamento estruturante da República Federativa do Brasil, consistente na materialização da dignidade da pessoa humana. Ao lado disso, tal como pontuado algures, a Constituição da República estabelece, em seu artigo 225, o dever do Poder Público adotar medidas de proteção e preservação do ambiente natural. Aliás, tal dever é de competência político-administrativa de todos os entes políticos, devendo, para tanto, evitar que os espaços de proteção ambiental sejam utilizados de forma contrária à sua função – preservação das espécies nativas e, ainda, promover ostensiva fiscalização desses locais.
4. Meio Ambiente Natural e Tutela Jurídica: A Proteção do Bioma do Cerrado
Em sede de comentários introdutórios, cuida assinalar que as florestas, na condição de formações arbóreas densas, de alto porte, que recobrem área de terra de extensão variável, encontram-se alcançadas pela pluralidade de realidades contidas no vocábulo flora, sendo caracterizadas como recurso ambiental, em consonância com o ideário contido na Lei Nº. 9.985, de 18 de Julho de 2000, que regulamenta o art. 225, §1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências, em seu artigo 2º, inciso IV, que, com clareza solar, destaca que “recurso ambiental: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”22, definido no plano constitucional como bem ambiental. Denota-se, assim, que na contemporânea sistemática, impulsionada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 198823, as florestas desempenhar papel proeminente para o alcance da dignidade da pessoa humana, revelando-se como pilar de desenvolvimento do indivíduo e da coletividade, notadamente em razão da biodiversidade existente.
Como bens ambientais, é possível destacar que “as florestas não se submetem atualmente à tradicional interpretação, hoje superada, vinculada ao regime jurídico destacado pela relação jurídica de propriedade”, como bem assinala Fiorillo24, conquanto, evidentemente, estejam subordinadas ao regime jurídico-econômico do uso comum em proveito da orientação constitucional estabelecida a brasileiros e estrangeiros residentes no território nacional. Salta aos olhos que as florestas, no cenário fortemente impregnado pelos direitos de terceira dimensão, cristalizados no princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado, são alocadas como elementos inerentes ao desenvolvimento do indivíduo, em especial devido a concentrar a biodiversidade de espécies da fauna e da flora, bem como desempenhar a função de bem do uso do povo, sem qualquer titular individual, remetendo à coletividade a titularidade do bem.
Em razão do exposto, infere-se que a nova norma fixa critérios de índole econômica destinada a viabilizar os recursos florestais na condição de produtos e serviços, com o fito de compatibilizar as relações jurídicas de consumo com o uso racional e sustentável dos bens ambientais, atentando-se, imperiosamente, ao que é afixado nos artigos 1º e 3º da Carta de Outubro de 1988. Desta feita, incumbe ao Estado democrático de direito, em razão da competência que lhe foi imposta pelo Texto Constitucional de 1988, gerir as florestas, obedecendo aos comandos constitucionais e sempre objetivando usar os bens ambientais em proveito da orientação indicada pelo sistema jurídico vigente. Ora, neste cenário, não há que se falar no desenvolvimento de uma visão na qual o Estado se apropria apenas do bem ambiental, mas sim uma ótica pautada em uma gestão das florestas, a fim de otimizar a sua utilização, propiciando a materialização do objetivo maior, consistente na concreção da dignidade da comunidade.
Em um primeiro momento, ao analisar o cerrado, cuida salientar que se trata do segundo maior bioma da América do Sul, ocupando uma área de 2.036.448 km2 (dois milhões, trinta e seis mil e quatrocentos e quarenta e oito quilômetros quadrados), cerca de 20% (vinte por cento) do território nacional25, abrangendo áreas dos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além dos encraves do Amapá, Roraima e Amazonas. Neste domínio ambiental, encontram-se as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul, quais sejam: Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata, o que resulta em um robusto potencial aquífero e a sua pungente biodiversidade. Trata-se, pois, de importante bioma, eis que encerra biodiversidade substancial, tanto no que concerne à fauna quanto à flora, carecendo, pois, de tutela jurídica, notadamente em decorrência do feixe axiológico advindo do corolário do meio ambiente ecologicamente equilibrado, princípio de matriz constitucional. Ao lado disso, é possível salientar que:
Considerado como um hotspots mundiais de biodiversidade, o Cerrado apresenta extrema abundância de espécies endêmicas e sofre uma excepcional perda de habitat. Do ponto de vista da diversidade biológica, o Cerrado brasileiro é reconhecido como a savana mais rica do mundo, abrigando 11.627 espécies de plantas nativas já catalogadas. Existe uma grande diversidade de habitats, que determinam uma notável alternância de espécies entre diferentes fitofisionomias. Cerca de 199 espécies de mamíferos são conhecidas, e a rica avifauna compreende cerca de 837 espécies. Os números de peixes (1200 espécies), répteis (180 espécies) e anfíbios (150 espécies) são elevados. O número de peixes endêmicos não é conhecido, porém os valores são bastante altos para anfíbios e répteis: 28% e 17%, respectivamente. De acordo com estimativas recentes, o Cerrado é o refúgio de 13% das borboletas, 35% das abelhas e 23% dos cupins dos trópicos26.
Cuida, pois, explicitar que a Constituição Federal no inciso I do §1º do artigo 225, com clareza solar, dispõe que incumbe ao Poder Público preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais. Nesta linha, em tom de explicitação, quadra enfatizar que os processos ecológicos essenciais são os governados, sustentados ou intensamente afetados pelos ecossistemas, sendo indispensáveis à produção de alimentos, à saúde e outros aspectos da sobrevivência humana e do desenvolvimento sustentado. Ao lado disso, o termo restaurar, na dicção de solidariedade albergada pelo dispositivo constitucional em comento, viabiliza a interpretação assentada em uma dinâmica de restabelecimento, resgatando aquilo que, de certa forma, foi deturpado. Assim, denota-se que a restauração dos processos ecológicos essenciais desborda da premissa de apenas preservar o meio ambiente, assumindo, doutro modo, proeminente destaque, em especial diante da moldura de fraternidade densamente abrigada no princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrada e sua umbilical relação com o alcance da dignidade da pessoa humana. Como paradigmático entendimento, é possível trazer à colação a visão jurisprudencial cristalizada:
Processual Civil e Ambiental. Código Florestal (Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965). Reserva Legal. Mínimo ecológico. Obrigação propter rem que incide sobre o novo proprietário. Dever de medir, demarcar, especializar, isolar, recuperar com espécies nativas e conservar a reserva legal. Responsabilidade civil ambiental. Art. 3º, incisos II, III, IV e V, e art. 14, § 1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81). [...]
2. O Código Florestal, ao ser promulgado em 1965, incidiu, de forma imediata e universal, sobre todos os imóveis, públicos ou privados, que integram o território brasileiro. Tal lei, ao estabelecer deveres legais que garantem um mínimo ecológico na exploração da terra - patamar básico esse que confere efetividade à preservação e à restauração dos "processos ecológicos essenciais" e da "diversidade e integridade do patrimônio genético do País" (Constituição Federal, art. 225, §1º, I e II) -, tem na Reserva Legal e nas Áreas de Preservação Permanente dois de seus principais instrumentos de realização, pois, nos termos de tranquila jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, cumprem a meritória função de propiciar que os recursos naturais sejam "utilizados com equilíbrio" e conservados em favor da "boa qualidade de vida" das gerações presentes e vindouras (RMS 18.301/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 3/10/2005. No mesmo sentido, REsp 927.979/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 31/5/2007; RMS 21.830/MG, Rel. Min. Castro Meira, DJ 1º/12/2008).
3. As obrigações ambientais ostentam caráter propter rem, isto é, são de natureza ambulante, ao aderirem ao bem, e não a seu eventual titular. Daí a irrelevância da identidade do dono - ontem, hoje ou amanhã -, exceto para fins de imposição de sanção administrativa e penal. "Ao adquirir a área, o novo proprietário assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para o desmatamento" (REsp 926.750/MG, Rel. Min. Castro Meira, DJ 4/10/2007. No mesmo sentido, REsp 343.741/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 7/10/2002; REsp 264.173/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 2/4/2001; REsp 282.781/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 27.5.2002).
4. A especialização da Reserva Legal configura-se "como dever do proprietário ou adquirente do imóvel rural, independentemente da existência de florestas ou outras formas de vegetação nativa na gleba" (REsp 821.083/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 9/4/2008. No mesmo sentido, RMS 21.830/MG, Rel. Min. Castro Meira, DJ 01/12/2008; RMS 22.391/MG, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 3/12/2008; REsp 973.225/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 3/9/2009). 5. Embargos de Divergência conhecidos e providos.
(Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ EREsp 218.781/PR/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 09.12.2009/ Publicado no DJe em 23.02.2012).
Releva sublinhar que compete ao Poder Público, ainda, prover o manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas. Ora, ao partir do pilar de corresponsabilidade que orienta a proteção do meio ambiente, constata-se o dever em comento configura dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio ambiente permaneça intacto. Nesta esteira de ponderação, é possível entender que o manejo ecológico repousa na utilização dos recursos naturais pelo homem, fundada em princípios e métodos que preservam a integridade dos ecossistemas, com redução da interferência humana nos mecanismos de autorregulação dos seres vivos e do meio físico. Infere-se, por mais uma vez, que a mens legis ambiciona promover a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, notadamente em decorrência do aspecto encerrado no ideário de solidariedade intergeracional, oportunizando as futuras gerações, no mínimo, as mesmas condições de existência e desenvolvimento da atual geração. Sobre o tema em questão, cuida colacionar:
Mandado de Segurança. Preliminar de legitimidade ativa ad causam acolhida. Exame do mérito da impetração. Projeto energia verde. Suspensão da autorização do IBAMA para desmatamento na última grande floresta do semiárido nordestino. Aumento da desertificação do sul do Piauí. Suspensão da licença anteriormente concedida fundada no princípio da precaução. Legalidade. Denegação da segurança. [...]
4. Metade da área do referido projeto é recoberta por floresta estacional decidual, tipo de vegetação que integra as formações florestais cuja utilização e proteção está amparada pelo pela Lei nº 11.428/2006, pelo Decreto nº 750/93 e pela Resolução CONAMA nº 26/94. A leitura da legislação atinente à espécie não deixa margem de dúvidas sobre o nível de proteção que a floresta estacional decidual merece e a necessidade de realização de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) para o empreendimento.
5. A mata atlântica é definida pela Constituição em seu art. 225, § 4º, como patrimônio nacional. O Decreto nº 750/93, as Resoluções CONAMA nº 26/94, 278/2001 e 317/2002 atribuem à mata atlântica um caráter de intocabilidade, não admitindo a autorização para o corte raso de vegetação nativa primária ou nos estágios médio e avançado de regeneração e, tampouco, a exploração ou corte de espécies nativas ameaçadas de extinção. [...]
14. A floresta de Serra Vermelha fica a uma distância de 50 km do núcleo de desertificação no sul do Piauí e a destruição da vegetação contribuirá para o processo de degradação ambiental já instalado. O cerrado brasileiro, de forma geral, merece tratamento especial por parte não somente dos agentes públicos, como também dos particulares, com vistas à manutenção desse rico ecossistema. Segundo dados fornecidos em julho de 2004, imagens captadas por satélites apontam que 57% (cinqüenta e sete por cento) do cerrado brasileiro já foram destruídos. Especificamente no Estado do Piauí, os cerrados estão ameaçados de desertificação. A destruição da última floresta do semi-árido nordestino brasileiro, que dista 80 km do cerrado, será mais um elemento no processo de esterilização do solo.
15. Ainda que seja preservada a atividade econômica da empresa, há que se fazê-lo dentro de parâmetros ambientais razoáveis. Ou seja, o princípio da precaução recomenda que não seja admitida a exploração de madeiras nesse importante ecossistema, sem prévio EIA/RIMA que tenha analisado todos os riscos ambientais envolvidos na atividade. Não se afigura jurídico nem moralmente aceitável que, sob o fundamento de que a população é pobre, se possa sem justificativa real destruir o que resta de mata virgem no Estado.
16. O desmatamento indiscriminado do cerrado piauiense sob o argumento de que as empresas criam empregos não é aceitável, pois pode haver atividade economicamente sustentável desde que as empresas estejam dispostas a diminuírem seus lucros, utilizando-se de matrizes energéticas que não signifiquem a política de terra arrasada.
17. Em sede de matéria ambiental, não há lugar para intervenções tardias, sob pena de se permitir que a degradação ambiental chegue a um ponto no qual não há mais volta, tornando-se irreversível o dano. 18. Segurança denegada.
(Tribunal Regional Federal da Primeira Região – Quinta Turma/ AMS 0022132-27.2007.4.01.3400/DF/ Relatora: Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida/ Julgado em 17.07.2009).
Ocorre, contudo, que, mesmo sendo um bioma de expressiva biodiversidade, em termos jurídicos, é renegado a segundo plano, não gozando da mesma proeminência e respaldo que outros biomas, a exemplo da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica. É imperioso, notadamente impregnado pela incumbência que repousa sobre o Poder Público, no que tange à preservação e restauração dos processos ecológicos, dispensar tutela jurídica ao bioma do cerrado, de maneira a assegurar a manutenção da integralidade da biodiversidade existente, sobretudo em decorrência dos aspectos característicos do bioma, os quais, por si só, vindicam atenção especial.