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A conjuntura da advocacia corporativa e a proposição de um departamento jurídico estratégico fundamentado nas perspectivas legal, gerencial e econômica

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Agenda 18/03/2014 às 07:45

3. METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA

A elaboração do presente artigo utilizou as experiências narradas por profissionais de departamentos jurídicos de empresas localizadas em território nacional, documentadas através de artigos publicados no único livro brasileiro dedicado exclusivamente ao tema, “Gestão Estratégica do Departamento Jurídico Moderno”, obra coordenada por Lara Selem e Leonardo Barém Leite, de modo que, do ponto de vista procedimental, a pesquisa teve um caráter híbrido – bibliográfico e de estudo de casos.

Aliaram-se à bibliografia supramencionada, trabalhos apresentados em Congressos, obras voltadas ao planejamento estratégico e financeiro, e trabalhos versando sobre Administração Legal.

Exploratória e qualitativa, a pesquisa comprovou, ainda, que apesar da realização de inúmeros seminários debatendo o tema da advocacia corporativa, a produção acadêmica acerca do assunto é bastante escassa, destacando-se, dentre os poucos trabalhos, a Dissertação apresentada pela Dra. Celia Regina Gyarfi Cleim de Andrade, no ano de 1998, junto à Fundação Getúlio Vargas, intitulada “Unidade Jurídica de Negócios nas Corporações”, o que só vem a salientar a importância e urgência de um novo estudo para discutir os departamentos jurídicos.

Cumpre destacar que o trabalho científico baseou-se em um pequeno questionário aberto disponibilizado através do Fórum de Departamentos Jurídicos (FDJUR), um espaço virtual que tem como objetivo disseminar experiências corporativas e incentivar o intercâmbio de informações, dirigido exclusivamente a advogados de companhias dos mais variados portes e ramos de atividade.

Os questionamentos propostos foram os seguintes:

“1. Quais as principais mudanças estruturais pelas quais passaram o departamento jurídico da sua organização nos últimos 15 anos?

2. É possível afirmar que referidas mudanças estão relacionadas com aspectos externos, políticos, legislativos e/ou econômicos?

3. Considerando a ascensão do departamento jurídico dentro das organizações nos últimos anos, na sua opinião qual é o futuro da advocacia corporativa?”

E as respostas às perguntas formuladas vieram a confirmar tudo o que fora exposto na introdução deste trabalho quanto à mudança no perfil do advogado corporativo, que deixou de ser processualista e passou a ser consultor da empresa, com status de profissional estratégico para o crescimento dos negócios. Além disso, restou evidenciado que fatores externos, políticos, legislativos e/ou econômicos tanto quanto aspectos internos, organizacionais, tiveram papel fundamental nessa transição.

Por fim, pesquisa apresentada pela Fundação Getúlio Vargas, nomeada “Métricas de Benchmarking para Departamentos Jurídicos das Empresas Brasileiras”, apresentou inúmeros dados relativos a aspectos estruturais, funcionais e financeiros que serviram de base para a argumentação teórica que se segue.


4. ANÁLISE DO ATUAL MODELO DE GESTÃO DO DEPARTAMENTO JURÍDICO FUNDAMENTADO NAS PERSPECTIVAS LEGAL, GERENCIAL E ECONÔMICA

Com base no que fora apresentado sobre a evolução da advocacia corporativa nos últimos quinze anos (BACCUS; SAPPER, 2012), e a partir de uma análise apurada de alguns cases – os quais serão citados no decorrer do presente capítulo –, é possível propor um modelo atual de gestão do departamento jurídico, que está consubstanciado nas perspectivas legal, gerencial e econômica, consoante se verifica a seguir:

GRÁFICO 2 – AS PERSPECTIVAS LEGAL, GERENCIAL E ECONÔMICA NO ATUAL MODELO DE GESTÃO DO DEPARTAMENTO JURÍDICO.

Constata-se que o gráfico considera a perspectiva legal como base do modelo de gestão por tratar-se do trabalho per si do departamento jurídico. De outra sorte, a perspectiva econômica encontra-se no topo, pois o núcleo da empresa é financeiro, sendo seu principal objetivo a distribuição de lucro aos acionistas. Por fim, entre estas, encontra-se a perspectiva gerencial por onde passa a conversão do trabalho intelectual em financeiramente palpável, através do planejamento estratégico, gestão de pessoas e tecnologia da informação.

Assim, não obstante recorra-se à análise individual das três perspectivas, o que será feito a seguir, verifica-se que estas estão intrinsicamente entrelaçadas.

4.1. PERSPECTIVA LEGAL (A importância do trabalho técnico-jurídico para o negócio da empresa)

Sedimentada a concepção moderna na qual o departamento jurídico não está inserido no cronograma das empresas para fornecer serviços legais, mas sim para atuar de maneira estratégica com as demais áreas do negócio (SELEM; LEITE, 2010), é possível vislumbrar um modelo de gestão modernamente adotado na advocacia corporativa, o qual divide a atividade técnico-jurídica em consultiva e contenciosa. Trata-se da perspectiva legal supramencionada e corresponde à razão existencial do departamento jurídico, ou o trabalho especializado propriamente dito.

Entende-se como consultiva, num aspecto amplo, sua atuação no que concerne às orientações diárias – prestadas através de e-mail, conversas, ou pareceres complexos nas mais variadas áreas do direito, à gestão da propriedade intelectual (marcas e patentes), à análise/revisão/elaboração de contratos, assessoria societária, e ao compliance da empresa.

É onde mais se observa o trabalho do advogado corporativo como “facilitador do negócio” (SELEM; LEITE, 2010). Mas, ao mesmo tempo, são os expedientes mais difíceis de ter seus resultados medidos em termos financeiros, por se tratar de um trabalho essencialmente intelectual.

É mandamental, sob o aspecto consultivo, que o profissional conheça o mínimo acerca de finanças, marketing, segurança do trabalho, gestão de pessoas, logística e tecnologia da informação, para prestar a devida assessoria/consultoria para essas áreas no que diz respeito a aspectos jurídico-tributários, trabalhistas, cíveis, ambientais, regulatórios e criminais.

Sobretudo, o profissional deve conhecer o ramo de atuação da empresa para a qual presta serviços e saber, efetivamente, quais riscos a Companhia está disposta a enfrentar em nome do crescimento, rompendo definitivamente com o pensamento tradicional “legalista” do advogado, considerando ameaças e oportunidades. Destaque-se que, apesar de não ser administrador do negócio, as orientações do departamento jurídico devem servir como alicerce para a tomada de decisões.

No cenário atual espera-se do departamento jurídico proatividade neste campo de atuação, tendência observada no rastreamento de futuras/eventuais alterações normativas, ou no marco regulatório, que possam impactar o setor de atuação da empresa, e na conscientização das demais áreas sobre riscos jurídicos através de palestras e workshops internos, como se observa na Gerdau S.A. (SELEM; LEITE, 2010) e na Xerox do Brasil S.A. (GONÇALVES, 2008).

No que concerne ao registro e gestão de marcas e patentes observa-se mais um nicho de trabalho do departamento jurídico difícil de ser medido em termos financeiros, mormente pelo fato de que a propriedade intelectual é um ativo intangível da empresa. Contudo, é extremamente estratégico o labor desenvolvido neste particular, que envolve áreas diversas como P&D e Marketing, funcionando o departamento jurídico como “ponte” entre eles, de forma a proteger o ativo intelectual e disseminar a cultura da empresa, resultando na valorização da intensidade do desenvolvimento científico e tecnológico em um mundo no qual se verifica uma constante redução no ciclo de vida dos produtos (BUAINAIN et al, 2004).

Ainda, considerando que a empresa é um feixe de contratos com o objetivo de maximizar o lucro através da redução dos custos de transação (PINHEIRO; SADDI, 2005), conceito que se associa àquele proposto pelo Código Civil de 2002, o qual destaca a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços, é de suma importância que o departamento jurídico esteja envolvido na produção/revisão de todo e qualquer documento firmado entre a empresa e seus fornecedores, distribuidores, prestadores de serviços e parceiros.

Importante destacar que segundo a pesquisa realizada pela FGV, já mencionada anteriormente, 43,3% das empesas consideram a atuação na área de contratos como a mais valorizada dentro da estrutura legal das empresas, motivo pelo qual o maior número médio de advogados está ligado a esse ramo nas assessorias jurídicas internas (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2011).

O perfeito monitoramento interno dos contratos permite mensurar a participação de cada um dos stakeholders e disseminar informações acerca dos objetos convencionados e do cumprimento das obrigações (PEREIRA et al, 2011), num modelo de gestão baseado na transparência.

Também as reestruturações societárias, causadas pelo crescente movimento de fusões e aquisições em território nacional – caso da Elektro Eletricidade e Serviços S.A. (SELEM; LEITE, 2010) – por estratégias baseadas em planejamento tributário (ANDRADE, 1998), ou mesmo em razão dos princípios de governança corporativa – como na Aços Villares S.A. (SELEM; LEITE, 2010) – tornam estratégico o trabalho do departamento jurídico neste particular, pois visam a expansão do negócio e resultam no aperfeiçoamento gerencial e no incremento da liquidez patrimonial.

Por fim, continuando com olhos postos na governança corporativa, transparência e nos padrões éticos empresariais, observa-se que o departamento jurídico, em muitos casos, assumiu a responsabilidade de monitorar o cumprimento das normas internas da Companhia, passando a responder também pela função de compliance associada à gestão de riscos jurídicos, num modelo que resultou em bons proventos em empresas como a General Electric do Brasil Ltda., Elevadores Otis Ltda., Laboratório Aché S.A. e na Bristol-Myers Squibb Farmacêutica S.A. (SELEM; LEITE, 2010).

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É indubitável que a postura ética observada no respeito aos controles internos e externos que ajuda na construção da boa reputação empresarial, verdadeiro ativo da empresa (ANDRADE, 1998), influencia positivamente acionistas, funcionários, prestadores de serviço e consumidores, portanto, mais uma vez evidencia-se a importância do departamento jurídico como parceiro do negócio, contribuindo com a valorização da empresa e contribuindo para sua perenidade.

De outra sorte, a atuação contenciosa diz respeito à gestão dos processos administrativos e judiciais das empresas, desde a sua gênese até o arquivamento. Frisa-se aqui a expressão “gestão dos processos”, em contraponto à “atuação nos processos”, pois, conforme dito, para o advogado corporativo, o processo não tem um fim em si mesmo e o aspecto econômico deste é por vezes muito mais relevante do que o aspecto legal ou jurisprudencial.

Conforme explanado na introdução deste artigo, com a facilitação do acesso à justiça e o surgimento quase diário de novas normas no ordenamento jurídico pátrio, as Companhias têm enfrentado um crescente número de demandas, o que resultou na reestruturação do Poder Judiciário – com destaque para a adoção do processo eletrônico, que aumentou a celeridade dos julgamentos.

Consequentemente, as empresas tiveram que renovar seu departamento jurídico adotando ferramentas de gestão para acolher e responder de forma adequada a essa querela, seja conduzindo os processos, administrativos ou judiciais, internamente ou através da contratação de escritórios de advocacia.

No caso de um departamento jurídico de menor porte, no qual os advogados atuam em várias áreas, o perfil generalista dos profissionais se contrapõe à pequena quantidade de processos. Desta feita, em demandas específicas e que requeiram maior conhecimento específico de determinadas matérias faz-se necessário contratar escritórios de advocacia.

Contudo, em estruturas maiores, a atuação do departamento jurídico no contencioso o transforma num verdadeiro escritório de advocacia dentro da estrutura da empresa, em razão do grande volume de processos. Esse era o caso da Ampla Energia e Serviços S.A. cuja assessoria jurídica passou por uma grande mudança na última década quando terceirizou seu contencioso, passando a assumir um papel consultivo e estratégico (SELEM; LEITE, 2011).

É importante esclarecer que com o presente artigo não se pretende adentrar na discussão alusiva à conveniência ou não da terceirização do contencioso, particular a cada empresa e que já motivou calorosos debates, tendo em vista que são inúmeras variantes a ser consideradas, não só sob a perspectiva legal, fundada em fatores técnico-jurídicos (mormente o know-how dos advogados terceirizados), mas também na perspectiva gerencial, no que diz respeito aos procedimentos e controles (internos e externos) e na perspectiva econômica, no que tange ao custo (honorários).

Todavia, num cenário em que 82% das empresas contratam escritórios de advocacia sempre ou quase sempre, 14,8% de vez em quando, enquanto apenas 3,2% raramente ou nunca efetua tal tipo de contratação (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2011), faz-se mister dedicar um breve espaço ao tema da relação entre departamento jurídico e bancas de advogados, a qual passou por várias mutações nas últimas décadas.

Se em algum momento os interesses das partes eram antagônicos e estavam sedimentados em discussões relativas aos honorários ou ao custo benefício de se manter uma estrutura interna face à possibilidade de terceirização das demandas, hoje os escritórios de advocacia prestadores de serviço funcionam verdadeiramente como braço direito do departamento jurídico, seja na atuação em milhares de demandas, na chamada advocacia de massa, na condução de casos específicos, que exigem maior expertise.

De todo modo, considerando a terceirização como ferramenta de gerenciamento que busca o aumento da eficácia operacional, redução de custos e racionalização de processos (DORIA; THIESEN, 2000) esta depende de um planejamento estratégico tanto do departamento jurídico como do escritório parceiro e a relação entre estes deve estar pautada na boa comunicação, principalmente nas grandes corporações, que têm advogados as representando em todo o território nacional.

A avaliação formal dos escritórios terceirizados, apesar de ainda pouco adotada pelas empresas nacionais (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2011), mostra-se como uma boa alternativa no aperfeiçoamento desta relação, pois gera a competitividade entre os prestadores de serviços jurídicos, aumentando a qualidade. Porém, é preciso entender que nessa relação de dualidade o departamento jurídico também é fornecedor, pois muitas vezes emanará dele os subsídios para elaboração de teses jurídicas em razão do conhecimento acerca do negócio da empresa.

Ex positis, independente da terceirização ou não do contencioso, estes produzem consequências de natureza econômica/contábil, portanto, a análise de riscos e o provisionamento das demandas por vezes são mais importantes do que seu resultado do ponto de vista jurídico. Indicadores devem ser desenvolvidos a partir da análise apurada do contencioso.

Importante entender, por fim, que o contencioso deve deixar de ser vilão. A partir do correto mapeamento de processos trabalhistas, por exemplo, é possível verificar quais são os pleitos mais comuns, de modo que o departamento jurídico pode identificar falhas e propor soluções para os gestores de pessoal ou para os profissionais dedicados à medicina e segurança do trabalho.

Foi o que aconteceu no departamento jurídico d’O Boticário, que através de indicadores do contencioso desenvolveu um plano de ação preventivo envolvendo o departamento de recursos humanos, no qual propôs que a empresa implementasse entrevistas de desligamento e também o treinamento técnico de prepostos, que a representarão em audiências (SELEM; LEITE, 2010).

4.2. PERSPECTIVA GERENCIAL (O alinhamento do departamento jurídico ao planejamento estratégico da empresa)

A perspectiva gerencial do atual modelo de gestão proposto dá suporte à atividade técnico-jurídica, servindo como ponte entre esta e a perspectiva financeira, que será tratada a seguir, alinhando a assessoria jurídica à liderança da corporação e aos demais setores e reduzindo custos operacionais (BACCUS; SAPPER, 2012).

Nesse sentido, salutar que o departamento legal tenha o seu próprio planejamento estratégico, de modo que restem definidos quais são os seus valores e qual o seu propósito, sempre em consonância com a visão e missão da empresa em que está inserido, aproximando-o da liderança e dos demais setores da corporação (MÜLLER, 2003).

O departamento jurídico da Amil Assistência Médica Internacional S.A., por exemplo, identificou valores como a defesa do papel do advogado, valorização da ética, correção e independência na atividade legal, preparação pessoal e busca por perfeição e comprometimento com a empresa e definiu como missão “prestar suporte jurídico ao Grupo”, nas esferas judicial e extrajudicial (SELEM; LEITE, 2010). A missão do departamento jurídico deve comunicar o compromisso deste para com a empresa (MÜLLER, 2003).

De outra sorte, a visão demonstra a intenção estratégica, o direcionamento a ser seguido pelo departamento jurídico (MÜLLER, 2003). Nesse sentido, a assessoria legal da Elektro Eletricidade e Serviços S.A., pautou sua visão nos princípios éticos da advocacia e nos valores da organização com o objetivo de tornar-se “uma fonte de excelência em saber jurídico” (SELEM; LEITE, 2010).

Observa-se, assim, que ferramentas de gestão como o Balance Scorecard são adotadas por empresas nacionais, caso da Gerdau S.A. (SELEM; LEITE, 2010), para delimitar os objetivos estratégicos do departamento jurídico e adequá-los ao plano do negócio, estipulando metas, que por sua vez são calcadas sobre cronogramas e avaliadas através de indicadores de desempenho tais como índice de retrabalho, prazo para respostas, etc.

Entretanto, antes de implantar o planejamento estratégico é necessário fazer um diagnóstico preliminar, que leve em consideração diferentes aspectos. Essa análise do ambiente serve para verificar em que aspectos o departamento jurídico afaste-se dos objetivos da organização, para segmentar as áreas estratégicas dentro do seu organograma, e para identificar o nível de agressividade em relação às mudanças a serem propostas (MÜLLER, 2003).

A avaliação do departamento jurídico pelos clientes internos é interessante ferramenta que serve para verificar como este é visto perante a organização, identificando necessidades eventualmente não satisfeitas. A busca pelo feedback constante, aliás, foi um dos alicerces do departamento jurídico d’O Boticário (SELEM; LEITE, 2010), que tem sua gestão devidamente mensurada por indicadores financeiros e também de desempenho nas atividades diárias.

Cita-se também o departamento jurídico da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (EMBRAER), onde foram analisados tópicos ligados à organização, às pessoas, cultura e clima organizacional, aos processos e à comunicação, numa análise SWOT que serviu de base para seu redirecionamento (SELEM; LEITE, 2010), pois foi possível identificar em que medida o setor entrava em atrito com os objetivos estratégicos de outras áreas ou da empresa como um todo.

Implementada uma gestão por processos cuja premissa básica seja identificar o profissional do departamento jurídico que trabalha em cada um destes e os respectivos stakeholders, aumenta-se a confiabilidade com menor tempo de resposta e custo e, consequentemente, melhorando a capacidade de produção intelectual (MÜLLER, 2003).

A informalidade do workflow no departamento jurídico do Laboratório Aché S.A. foi superada com a adoção do sistema de controle gerencial baseado no PDCA (plan, do, check, action), que trouxe resultados positivos no que tange à gestão do contencioso, contratação de escritórios de advocacia e fluxo de contratos, promovendo a eficiência e a melhora na qualidade dos serviços prestados (SELEM; LEITE, 2010).

Também na perspectiva da gestão orientada para resultados, e ainda sob a égide da procedimentalização, edificante mencionar o Legal Project Management (LPM), incensado atualmente pela doutrina e prática jurídica norte-americanas.

Este modelo, baseado na premissa de que o advogado corporativo não resolve demandas legais, mas sim business issues – financeiros, operacionais, comerciais, regulatórios (LEVY, 2009), vê o direito como negócio, de modo que os clientes devem receber algo que possa ser efetivamente valorado por eles – o que leva novamente à concepção de conversão do trabalho intelectual em financeiramente palpável.

O arquétipo norte-americano não difere substancialmente do modelo adotado nas empresas nacionais supramencionadas, tendo por finalidade estruturar o departamento jurídico de tal forma que possa realizar os trabalhos legais administrando-os dentro de orçamentos com objetivos pré-estipulados (LEVY, 2009). Em realidade, a assessoria jurídica da MRS Logística S.A. funciona sob essas mesmas premissas há alguns anos, apenas sem abraçar oficialmente o pomposo nome em língua estrangeira.

A adoção do Legal Project Management permite o controle de custos e alocação dos recursos internos e externos e dos prazos, facilita o gerenciamento do contencioso sob responsabilidade de escritórios terceirizados, aumenta a produtividade dos advogados internos principalmente com a adoção de procedimentos para trabalhos repetitivos e agiliza respostas no caso de eventos não planejados (PENTEADO, 2012).

Em suma, o Legal Project Management não diz respeito à prática da atividade legal no departamento jurídico, mas à sua mecânica (procedimento), baseada na planificação, organização e gerenciamento de recursos para atingir determinados objetivos (LEVY, 2009), conforme se verifica no gráfico abaixo:

GRÁFICO 3 – LEGAL PROJECT MANAGEMENT

(Traduzido de PENTEADO, 2012).

Independente do modelo de gestão a ser empregado, o alinhamento do departamento jurídico com o planejamento estratégico da empresa depende de profissionais com formação multidisciplinar e com forte conhecimento do negócio. Assim, a gestão de pessoas deve se basear não só na competência técnico-jurídica, mas na capacidade de liderança, facilidade de comunicação corporativa, proatividade e foco no negócio (SELEM; LEITE, 2010).

Em vários cases de sucesso, a gestão de pessoas baseou-se em pesquisas de clima organizacional com o objetivo de revelar a percepção dos colaboradores sobre o departamento jurídico (BORANGA; SALOMÃO, 2009). Citam-se a Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (EMBRAER), já mencionada acima, e a Aços Villares S.A. (SELEM; LEITE, 2010), que, baseadas em pesquisas realizadas com colaboradores do próprio departamento e com clientes internos profissionalizaram a gestão na área jurídica através da mudança de valores dos profissionais. Frise-se, que cada vez mais empresas realizam essa pesquisa de clima organizacional – segundo dados da FGV somente um terço dos departamentos jurídicos que participaram da pesquisa não o fazem (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2011).

No que concerne ao desenvolvimento de pessoas, cursos de MBA e LLM e o intercâmbio de profissionais nas empresas multinacionais passaram a ser valorizados, reconhecendo a atuação do advogado mais como business partner do que sob a perspectiva legalista, num enfoque maior a perspectivas financeiras e da administração, e de modo a oferece uma formação que o advogado não encontra nas escolas de direito (SELEM; LEITE, 2010). E quando o desenvolvimento constante do profissional é subsidiado pela empresa possibilita-se a retenção de talentos e o comprometimento com metas e resultados (BORANGA; SALOMÃO, 2009).

Importante, também sob o aspecto interpessoal, que o advogado corporativo estabeleça um networking com colegas que atuam em empresas do mesmo ramo. Nesse sentido, participar de associações profissionais ou de empresas e de comissões temáticas da Ordem dos Advogados do Brasil, e frequentar cursos voltados para a área do negócio é importante, pois permite ao profissional, de forma ética, monitorar, coletar e analisar informações sobre o macro ambiente em que a organização está inserida, num processo de aprendizagem contínua a fim de sustentar processos de decisão estratégica (CANONGIA et al, 2004).

Assim, tem-se que a boa gestão de pessoas, aliada à gestão do conhecimento, forma o capital intelectual do departamento jurídico, e cabe à tecnologia da informação criar ferramentas para que os profissionais dessa área possam trabalhar, na maior parte do tempo com questões efetivamente estratégicas, de modo que questões corriqueiras sejam resolvidas de forma mais rápida (SELEM; LEITE, 2010).

A procedimentalização do planejamento estratégico e, consequentemente, do trabalho técnico jurídico passa pela implantação de um sistema informatizado de gestão para cadastro de contratos, pareceres e principalmente do contencioso, e para mapear através deste os workflows internos e externos.

O planejamento tecnológico do departamento jurídico, denominação adotada nos Estados Unidos, é fundamental principalmente em se tratando de empresas globais. A limitação do orçamento, o fato de operar com um departamento jurídico mundial único, a necessidade de padronização dos processos e de alavancar o capital de conhecimento fez com que a Dell adotasse o planejamento tecnológico para suportar a gestão operacional e financeira, reduzindo os custos, melhorando a capacidade de gerenciamento de risco, garantindo a identificação fiscal internacional e o pagamento correto e tempestivo de todas as invoices (SELEZNOV; WRIGHT, 2011).

Um bom sistema de gestão do departamento jurídico deve permitir o acompanhamento permanente dos passivos, depósitos e garantias judiciais, proporcionando seu provisionamento de forma segura e confiável, e possibilitando a construção de indicadores de desempenho financeiros através de relatórios que irão amparar tomadas de decisão, conforme se verificará a seguir.

Nessa essência, as experiências do departamento jurídico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), empresa estatal, e da Katoen Natie do Brasil Ltda., empresa privada multinacional, demonstraram que a total integração do sistema de gestão legal com o ERP da organização traz inúmeros benefícios além da automatização dos procedimentos, tais como controle e integridade dos documentos, acesso múltiplo e simultâneo ao banco de dados e segurança da informação (SELEM; LEITE, 2010).

Resumidamente, faz-se imperioso abolir quaisquer tipos de controle manual por ferramentas de informática próprias para o departamento jurídico, sejam elas customizadas ou não. As soluções jurídicas de tecnologia da informação estão em constante evolução, assim como o próprio ordenamento normativo e jurisprudencial. Num futuro próximo os softwares jurídicos estarão disponíveis para inúmeras plataformas e os dados serão armazenados em nuvem (cloud computing). Além disso, a aceitação do bring your own device fará com que cuidados sejam tomados principalmente quanto ao vazamento de dados e o acesso de pessoas não autorizadas ao sistema de informação (BUTT, 2013).

Para finalizar, importante destacar que antes de qualquer mudança, seja ela no planejamento estratégico, na gestão de pessoas ou relativas à tecnologia da informação, devem ser avaliados os riscos culturais. É necessário verificar se a empresa está preparada para um processo de reestruturação, analisando experiências anteriores e seus respectivos impactos e resultados, além de ter a certeza da inocorrência de qualquer outra iniciativa que possa sobrecarregar a corporação (SELEZNOV; WRIGHT, 2011).

4.3. PERSPECTIVA ECONÔMICA (Transformando o trabalho essencialmente intelectual em financeiramente palpável)

O trabalho do departamento jurídico afasta-se cada vez mais da atividade legal realizada pelos escritórios de advocacia e passa por uma fase de maturação e consolidação como atividade consultiva negocial. Além disso, como unidade de negócios o departamento jurídico deve atingir metas e alocar seu orçamento e seus custos próprios (ANDRADE, 1998).

Cabe ao advogado corporativo fornecer aos gestores os instrumentos necessários para a tomada de decisões, sejam eles legais ou financeiros. Estes últimos tomarão a forma de indicadores, e deverão ser municiados com dados necessários e oportunos, tais como valor do ativo e do passivo judicial e perspectiva de valores a serem pagos a título de condenações e depósitos judiciais entre outros. Conforme visto, a precisão das informações depende de ferramentas de tecnologia da informação como o business intelligence, portanto os softwares precisam ser alimentados periodicamente (SELEZNOV; WRIGHT, 2011).

Em resumo, a linguagem jurídica, doutrinária ou jurisprudencial, deve se restringir aos advogados. Aos gestores não cumpre e nem interessa decifrá-la, mormente àqueles que são os guardiões do capital financeiro da empresa. Os sucessos do departamento jurídico, principalmente no contencioso administrativo e judicial, devem ser divulgados de maneira mais palatável para a administração da empresa do que através de decisões judiciais, e a melhor maneira de fazê-lo é através dos indicadores financeiros, em linguagem comum e adequada (SELEM; LEITE, 2010).

Os indicadores financeiros, ressalte-se, não são estáticos, e dependem do ciclo de vida da empresa (crescimento, sustentação e maturidade), de modo que não podem estar voltados apenas para análise do passado, mas permitir que se planeje o futuro (MÜLLER, 2003), corrigindo eventuais desvios através de decisões estratégicas.

Salutar esclarecer que os indicadores financeiros e não financeiros têm a mesma importância, não devendo, sobremaneira, serem analisados de forma isolada – a empresa é composta por ativos tangíveis e intangíveis. A perspectiva econômica encontra-se no “topo da pirâmide” do modelo proposto porque se entende que o departamento jurídico deve quantificar seus êxitos, demonstrando que também participa dos resultados financeiros da empresa de algum modo. Contudo, esses resultados financeiros estão diretamente ligados aos indicadores de desempenho da equipe jurídica.

N’O Boticário, o departamento jurídico desenvolveu indicadores relativos ao passivo judicial, ao passivo oculto (demandas ainda não ajuizadas) e às despesas decorrentes da postulação em juízo, com efetivo controle financeiro, adotando uma gestão de risco e estipulando metas de redução dos custos (SELEM; LEITE, 2010). Da mesma forma, criou um indicador financeiro para demonstrar o total de receitas decorrentes do trabalho desenvolvido através de planejamento tributário, por exemplo.

De outra sorte, na empresa Aços Villares S.A. os indicadores financeiros permitiram que fossem adotadas medidas visando a diminuição do passivo, dentre as quais se destaca a adoção de uma política de acordos judiciais (SELEM; LEITE, 2010).

A proposição de indicadores financeiros é fundamental para afastar do departamento jurídico a ideia de centro de custo e aproximar da concepção de unidade de negócio e pode recompensar os colaboradores envolvidos a partir do atingimento de metas (ANDRADE, 1998). Na Gerdau S.A. os indicadores financeiros estão intrinsicamente atrelados ao desempenho dos advogados e servem de base para fins de remuneração variável (SELEM; LEITE, 2010).

Ainda, por uma questão de controladoria, é fundamental dar especial atenção à classificação de risco dos processos judiciais e administrativos, e, por consequência, ao provisionamento de valores dos mesmos. A provisão financeira deve ser a mais precisa possível, pois esta afetará diametralmente o planejamento estratégico da empresa como um todo, mormente nos casos em que as condenações são alocadas em centros de custo diversos do departamento jurídico, o que acontece na maioria das empresas atualmente, segundo pesquisa (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2011), caso em que esta indiretamente influi na gestão orçamentária de outro setor.

Ademais, a provisão invariavelmente será objeto de auditorias internas e externas, motivo pelo qual faz-se necessário proceder a uma análise técnica minuciosa dos processos mais complexos e de maior vulta, como ocorre na Elektro Eletricidade e Serviços S.A. (SELEM; LEITE, 2010).

Considerando que a atividade empresarial pauta-se pela eficiência, no sentido de se fazer mais com menos, não obstante atualmente o foco não esteja unicamente na redução de custos, mas também na criação de valor, deve-se direcionar especial atenção ao centro de custo próprio do departamento jurídico, cujos maiores gastos, segundo pesquisa, são com a contratação de escritórios de advocacia, a folha de pagamento dos advogados e com os funcionários administrativos (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2011). Conforme visto no início do presente estudo, atualmente o advogado corporativo trabalha com recursos controlados, para não dizer reduzidos, enquanto cada vez mais assume novas responsabilidades.

O orçamento do departamento jurídico deve ser visto como forma de monitoramento e permanente mensuração de sua performance financeira, sendo um compromisso formal com o planejamento estratégico da organização como um todo, e servindo também para difundir as metas da empresa, proporcionando a otimização na alocação de recursos (SANTANA et al, 2009).

A gestão orçamentária do departamento jurídico prescinde de um processo devidamente estruturado em quatro fases: a priorização do trabalho; a estimativa do orçamento departamental; detalhamento do orçamento e, por fim, a gestão do orçamento per si.

GRÁFICO 4 – A GESTÃO ORÇAMENTÁRIA DO DEPARTAMENTO JURÍDICO

(Traduzido de RIPLEY; BACCUS, 2013).

A priorização do trabalho consiste em apontar todos os serviços prestados pelo departamento jurídico, determinar os papéis dos advogados internos e externos e quando o trabalho será terceirizado e por quem, de modo que os recursos possam ser devidamente mapeados e alocados de forma apropriada (RIPLEY; BACCUS, 2013).

A estimativa do orçamento pode ser realizada a partir dos gastos do último ano, o que não se mostra muito seguro, ou a partir de um apurado estudo do departamento jurídico, considerando algumas variáveis tais como custos imprevistos, manutenção ou não dos escritórios terceirizados e se os valores gastos anteriormente serão mantidos (RIPLEY; BACCUS, 2013). Fatores externos e variáveis ambientais devem ser consideradas na elaboração do orçamento, num processo sistêmico de previsão (SANTANA, 2009).

O orçamento do departamento jurídico é composto, dentre outras coisas, pela remuneração dos profissionais que o compõe, gastos com prestadores de serviços (escritórios terceirizados), material de escritório, viagens e aperfeiçoamento profissional. Destaque-se, novamente, que os custos dos processos devem ser alocados no centro de custo que deu origem à demanda. De outra sorte, os custos relativos ao sistema de gestão devem ser alocados junto ao centro de custo da tecnologia da informação (RIPLEY; BACCUS, 2013).

O detalhamento do orçamento deve ser realizado especialmente nos casos de contratação de escritórios externos por tarefa ou por hora, tanto no contencioso como no consultivo.

Na elaboração do orçamento faz-se uma projeção realística dos honorários com base nos valores informados pelos escritórios para o período e esta deverá ser monitorada e eventualmente atualizada em intervalos pré-determinados (RIPLEY; BACCUS, 2013). O departamento jurídico da Elektro Eletricidade e Serviços S.A. faz o provisionamento dos honorários para um intervalo de 5 (cinco) anos (SELEM; LEITE, 2010)

A gestão do orçamento per si, ou sua execução, diz respeito ao periódico monitoramento pelos mesmos responsáveis pela projeção, assegurando que as metas serão atingidas (SANTANA et al, 2009). Não obstante represente o planejamento futuro, expresso em termos quantitativos formais, sua constante revisão é o que permite a atuação em curto prazo da empresa.

Sobre o autor
Fernando Henrique Zanoni

Advogado Corporativo, especialista em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito de Curitiba e em Gestão de Direito Empresarial pela FAE Business School. Pós-Graduando em Direito e Processo Tributário pela Academia Brasileira de Direito Constitucional.Inscrito na OAB/PR sob o n.º 39.444 e na OAB/DF sob o n.º 39.627. MBA em Inteligência de Negócios na Universidade Federal do Paraná concluído no ano de 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANONI, Fernando Henrique. A conjuntura da advocacia corporativa e a proposição de um departamento jurídico estratégico fundamentado nas perspectivas legal, gerencial e econômica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3912, 18 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26983. Acesso em: 22 dez. 2024.

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