A Constituição de 1988 garantiu a todos os trabalhadores, urbanos e rurais, o direito à percepção do adicional de insalubridade, conforme a redação do seu art. 7º, XXIII:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
omissisXXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
Por sua vez, a norma constitucional encontra regulamentação no art. 189 da CLT, in verbis:
Art . 189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.
Obviamente, a simples leitura do art. 189 já revela um problema: como definir quais são os agentes nocivos à saúde do trabalhador?
Dada a vagueza da redação do dispositivo, o art. 190 do Diploma Consolidado complementa-o, atribuindo ao Ministério do Trabalho (MTE) a competência para fixar as atividades e operações insalubres. Vejamos:
Art . 190 - O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes.
Parágrafo único - As normas referidas neste artigo incluirão medidas de proteção do organismo do trabalhador nas operações que produzem aerodispersóides tóxicos, irritantes, alérgicos ou incômodos.
Em observância ao art. 190, o MTE editou a Norma Regulamentadora nº 15 (NR 15), publicada na portaria 3.214/78. A NR 15 disciplina, portanto, quais são os agentes prejudiciais à saúde dos empregados, sejam eles de ordem química, física e biológica. A importância dessa NR é tão grande que a jurisprudência tem afastado o pagamento do adicional de insalubridade ao obreiro em casos nos quais a atividade insalubre não conste do ato administrativo ministerial. Tal é o entendimento firmado na OJ-4 da SDI-1 do TST. Reproduzo-a (grifos meus):
4. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. LIXO URBANO (nova redação em decorrência da incorporação da Orientação Jurisprudencial nº 170 da SBDI-1) - DJ 20.04.2005
I - Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional,sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho.
II - A limpeza em residências e escritórios e a respectiva coleta de lixo não podem ser consideradas atividades insalubres, ainda que constatadas por laudo pericial, porque não se encontram dentre as classificadas como lixo urbano na Portaria do Ministério do Trabalho.
Coube também à norma regulamentadora estabelecer os limites de tolerância em relação aos agentes cuja nocividade à saúde do trabalhador tenha sido reconhecida. A própria NR 15 define o significado da expressão:
15.1.5 Entende-se por "Limite de Tolerância", para os fins desta Norma, a concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará dano à saúde do trabalhador, durante a sua vida laboral.
A NR 15 possui vários anexos. Um deles é o de nº 13, que prevê o rol dos agentes químicos nocivos. Ei-los: arsênico, carvão, chumbo, cromo, fósforo, hidrocarbonetos e outros compostos de carbono, mercúrio, silicatos, substâncias cancerígenas e o benzeno (anexo nº 13-A). Há, por fim, um tópico dedicado a “operações diversas”. Nele, destaco a “fabricação e manuseio de álcalis cáusticos”, agente químico caracterizador de insalubridade no seu grau médio.
Os álcalis cáusticos têm sido iterativamente objeto de questionamentos perante os tribunais. Justifica-se a tendência ao constatar-se que eles são muito usados na composição de produtos de limpeza. Consequentemente, não são poucos os precedentes em grau de recurso de revista que chegam ao TST pleiteando o reconhecimento do adicional de insalubridade na espécie.
Foi o que ocorreu no recente julgamento do RR 943-74.2011.5.04.0008 pela Quinta Turma do TST. Nesse precedente, uma empresa recorreu de revista contra decisão do TRT4 (RS) que havia determinado o pagamento do adicional de insalubridade a um empregado que trabalhava manuseando sabões e detergentes. Segundo o Regional gaúcho, a insalubridade configurar-se-ia independentemente da concentração de álcalis cáusticos, da finalidade do seu emprego ou do tempo de exposição, dado o alto risco oferecido por esses produtos.
O problema é que a jurisprudência do TST caminha em sentido contrário ao posicionamento consignado no acórdão a quo. Para a Corte Trabalhista, o manuseio habitual de produtos de limpeza não gera por si só direito ao adicional de insalubridade, em face da baixa concentração de álcalis cáusticos na composição dos saponáceos e da detergência. Vejamos algumas decisões nesse sentido (grifos meus):
RECURSO DE REVISTA. 1. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. MANUSEIO DE PRODUTOS HABITUAIS DE LIMPEZA. ÁLCALIS CÁUSTICOS. Indevido o adicional de insalubridade, na medida em que o manuseio de produtos de limpeza que contenham álcalis cáusticos em sua composição, em soluções diluídas, não está classificado como insalubre pelo Ministério do Trabalho. A atividade não equivale ao contato direto com a substância. Incidência da Orientação Jurisprudencial nº 4, I, da SBDI-1/TST. Recurso de revista conhecido e provido. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Na Justiça do Trabalho, os pressupostos para deferimento dos honorários advocatícios, previstos no art. 14 da Lei nº 5.584/70, são cumulativos, sendo necessário que o trabalhador esteja representado pelo sindicato da categoria profissional e, ainda, que perceba salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal ou, recebendo maior salário, comprove situação econômica que não lhe permita demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Delimitada a ausência dos citados pressupostos, desmerecido o benefício. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 127300-65.2008.5.04.0021, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 12/06/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: 14/06/2013)
RECURSO DE REVISTA. 1. HORAS EXTRAS. O recurso de revista não preenche os requisitos previstos no art. 896 da CLT, pelo que inviável o seu conhecimento. Recurso de revista não conhecido, no aspecto. 2. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - LIXO URBANO - ÁLCALIS CÁUSTICOS. A jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento no sentido de que -... a limpeza em residências e escritórios e a respectiva coleta de lixo não podem ser consideradas atividades insalubres, ainda que constatadas por laudo pericial, porque não se encontram dentre as classificadas como lixo urbano na Portaria do Ministério do Trabalho - (OJ 4, II, SDI-I/TST). De outra face, esta Corte Superior vem entendendo que o manuseio de produtos comuns de limpeza para higienização de escritórios, inclusive de banheiros, não implica o pagamento do adicional de insalubridade. Ademais, registre-se que a jurisprudência desta Corte vem decidindo no sentido de que o Anexo 13 da NR 15, ao tratar da insalubridade proveniente do manuseio e da fabricação de álcalis cáusticos, refere-se ao contato direto com a substância álcalis cáusticos, em sua composição plena, sem diluição em outros produtos, o que não é o caso da atividade exercida pela Reclamante, que utilizava produto de limpeza com alta alcalinidade. Recurso de revista conhecido e provido no aspecto. 3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. Tal é o entendimento consubstanciado na Súmula 219/TST e na OJ 305/SBDI-I/TST. Recurso de revista conhecido e provido no aspecto. (RR - 10112-57.2011.5.04.0761, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 19/06/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: 21/06/2013)
RECURSO DE REVISTA - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - LIMPEZA DO LOCAL DE TRABALHO - CONTATO COM ÁLCALIS CÁUSTICOS NO MANUSEIO DE PRODUTOS HABITUAIS DE LIMPEZA. A previsão da atividade insalubre pelo manuseio de álcalis cáusticos e pelo trabalho em ambiente úmido, constante nos Anexos 13 e 10, respectivamente, da NR 15 da Portaria nº 3.214/78, não tem a abrangência dada na decisão regional, não alcançando aqueles trabalhadores que exercem a função de limpeza em locais de trabalho, ainda que públicos, não obstante a presença de álcalis cáusticos nos produtos de limpeza utilizados habitualmente em seu mister. Isso porque o Anexo 13 da NR-15 da Portaria nº 3.214/78, ao cuidar do manuseio de substâncias químicas, está se referindo ao produto bruto, em sua composição plena, e não ao diluído em produtos de limpeza habituais, destinados ao asseio e conservação das dependências do trabalho. Fixadas essas premissas, o deferimento do adicional de insalubridade em casos como o presente importa discrepância com a Orientação Jurisprudencial nº 4, I, da SBDI-1, pois a atividade desempenhada escapa de seus ditames. Recurso de revista conhecido e provido.(RR - 43-93.2010.5.02.0263 , Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 29/05/2013, 7ª Turma, Data de Publicação: 07/06/2013)
Não sem razão, ao julgar o RR 943-74.2011.5.04.0008, a Quinta Turma do TST, de forma unânime, reiterou a ratio decidendi firmada nos precedentes citados acima. Vejamos como ficou redigido o aresto (grifo meu):
RECURSO DE REVISTA. 1. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CONTATO COM PRODUTOS DE LIMPEZA E PERFUMARIA. SUBSTÂNCIA ÁLCALIS CÁUSTICOS. A jurisprudência deste colendo Tribunal Superior do Trabalho tem se firmado no sentido de que o manuseio de produtos de limpeza não enseja a percepção de adicional de insalubridade. Isso porque o contato com álcalis cáusticos que ocasiona insalubridade é aquele em grandes concentrações (conforme previsto na NR 15 da Portaria 3.214 do Ministério do Trabalho -"fabricação e manuseio de álcalis cáusticos"). Produtos comuns de limpeza possuem baixa concentração da substância álcalis cáusticos, de forma que o seu manuseio não enseja a percepção do vindicado adicional de insalubridade.Recurso de revista conhecido e provido. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ASSISTÊNCIA SINDICAL. SÚMULA 219. O benefício da justiça gratuita não se confunde com o direito à percepção de honorários assistenciais. Estes, nos termos da Súmula nº 219, I, decorrem da insuficiência econômica do demandante somada à assistência jurídica sindical. Não estando comprovada a assistência sindical na hipótese, deve ser afastada a condenação ao pagamento de honorários. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 9437420115040008 943-74.2011.5.04.0008, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 22/05/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/05/2013)
Sendo assim, à luz da jurisprudência do TST, é preciso considerar que a mera presença de álcalis cáusticos na composição química dos produtos de limpeza não induz, de per si, ao pagamento do adicional de insalubridade. Argumenta-se que o MTE, ao incluir tal agente no anexo 13 da NR 15, fê-lo tomando em consideração a substância em sua composição plena, em valores brutos. Como, no entanto, nos produtos de limpeza os álcalis cáusticos aparecem diluídos – portanto, em baixa concentração -, não há que se falar no reconhecimento do adicional de insalubridade, só admissível na hipótese de alta concentração da substância química.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 09 de nov. 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 09 de fev. 2014.
BRASIL. NR 15 – Atividades e Operações Insalubres. Portaria nº 3.214, de 8 de junho de 1978. Disponível em: www.portal.mte.gov.br. Acesso em: 09 de fev. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial nº 4 (Adicional de insalubridade. Lixo urbano), Seção de Dissídios Individuais I – SDI I, p. DJ 20/04/2005. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 09 de fev. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Quinta Turma. Recurso de Revista 943-74.2011.5.04.0008, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, j. 22/05/2013, p. DEJT 31/05/2013. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 09 de fev. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Sétima Turma. Recurso de Revista 43-93.2010.5.02.0263, Rel. Min. Luiz Philippe, j. 29/05/2013, p. DEJT 21/06/2013. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 09 de fev. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Terceira Turma. Recurso de Revista 127300-65.2008.5.04.0021, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, j. 12/06/2013, p. DEJT 14/06/2013. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 09 de fev. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Terceira Turma. Recurso de Revista 10112-57.2011.5.04.0761, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, j. 19/06/2013, p. DEJT 21/06/2013. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 09 de fev. 2014.