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A concorrência do companheiro com os colaterais

Agenda 21/03/2014 às 10:15

Uma tentativa de solucionar o conflito entre a concorrência dos companheiros e a equiparação constitucional da união estável.

1 - Os Direitos Sucessórios

O Direito sucessório tem por finalidade, dentro do Direito Civil, regulamentar a transmissão dos bens deixados pela pessoa natural em decorrência de sua morte; para isso, utilizando-se das classificações do direito de família, separa os herdeiros em descendentes, ascendentes, cônjuge e colaterais.

Na ordem sucessória, respeita-se exatamente essa ordem, incluindo-se nas duas primeiras classes, descendentes e ascendentes, a concorrência do cônjuge, ou seja, além da meação proveniente do direito de família, o cônjuge concorre na herança com os herdeiros da classe sucessória anterior a sua.

Essa concorrência obedece algumas regras que disciplinam o regime de bens em que ocorre,  patrimônio a que concorre e a cota parte a que tem direito.

2 - A união estável na sucessão

Por evolução histórica, social, jurisdicional e doutrinária, os companheiros foram equiparados aos cônjuges, sendo porém, suas regras de concorrência na herança, disciplina de forma diferente.

Os companheiros concorrem com os descendentes em primeira classe de concorrência (1790, I e II, CC) e com os demais herdeiros (ascendentes e colaterais) em segunda classe (1790, III, CC), sendo que essa concorrência não abrange os bens particulares do de cujos, recaindo apenas sobre os bens adquiridos onerosamente na duração da união estável.

Sem o intuito de adentrar no mérito da disparidade sucessória entre cônjuge e companheiro, em que vezes este é mais beneficiado do que aquele e vice-versa, cabe esclarecer e entender as diversas interpretações e aplicações adotadas perante o disposto no inciso III do artigo 1790 do código civil.

2.1 - Interpretação Positivista (minoritária)

A interpretação puramente positivada da norma, faz com que o companheiro, respeitada a meação (salvo acordo em contrario – 1725, CC), concorra com os ascendentes e colaterais de uma única vez, ou seja, não havendo descendentes, o companheiro receberá somente 1/3 do bens havidos onerosamente durante a união estável, restando os 2/3 aos ascendentes ou, não havendo estes, aos colaterais.

Esta interpretação vem sendo rechaçada por doutrinadores e juristas. Reinaldo Franceschini Freire, em sua obra “Concorrência Sucessória na União Estável” coloca tal situação como incompreensível já que, na hipótese em que haja apenas um único filho comum, os bens comuns seriam divididos em ½ para cada um (½ para o companheiro e ½ para o filho comum), diferentemente da hipótese da inexistência de descendentes, onde a cota fixa do companheiro é de 1/3. Como é compreensível que um ascendente ou colateral possa vir a herdar mais do que o que iria ao filho?

Traz ainda este autor a atual questão histórica da rara proximidade com parentes de graus tão distantes, in verbis:

“Muitas vezes esses parentes raramente mantiveram contato com o falecido, enquanto o companheiro sobrevivente esteve ligado com ele pelo vinculo do amor, do companheirismo, da afinidade. (...) No entanto, esse companheiro só vai herdar na falta de descendentes, ascendentes ou colaterais de 4o grau.” 1

Zeno Veloso, em “Direito de Família e o novo Código Civil” acrescente nesta mesma ótica:

Na sociedade contemporânea, já estão muito esgarçadas, quando não extintas, as relações de afetividade entre parentes colaterais de quarto grau... (...)E o atual Código Civil brasileiro, que começou a vigorar no Terceiro Milênio, resolve que o companheiro sobrevivente, que formou família, manteve uma comunidade de vida com o falecido, só vai herdar, sozinho, se não existirem descendentes, ascendentes, nem colaterais até o quarto grau do de cujos.” 2

Desta forma, entende-se incabível a interpretação simplesmente positivada no artigo, tendo em vista que a mesma não cumpre sua função social e tampouco obedece a proteção constitucional consolidada no art. 226, §3o da CF.

2.2 – Interpretação Constitucional

Uma interpretação mais moderna, traz ao debate a observância da Constituição Federal e da norma que disciplina a ordem vocação hereditária.

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Segundo esta interpretação, o disposto no 1790, III deve ser aplicado somente aos ascendentes, não abrangendo-se os colaterais, ou seja, não havendo descendentes ou ascendentes, deve a totalidade da herança (bens particulares e comuns) ser destinada ao companheiro, não se quer permitindo a habilitação de colaterais.

Esta interpretação fundamenta-se no art. 226, §3o da CF, onde equipara-se o companheiro ao cônjuge, causando por analogia do disposto no 1829, III do CC, a impossibilidade do colateral antecipar-se na ordem sucessória.

Tal interpretação fundamenta-se ainda na Lei 8971/94, que apesar de estar revogada, garante ao companheiro a totalidade da herança, caso não haja descendentes ou ascendentes.

Entende Euclides Benedito de Oliveira, em sua obra “Direito de Herança”, que houve evidente retrocesso no critério do sistema protetivo da União Estável, tendo em vista a retirada dos direitos garantidos pela L. 8971/94.

Acrescenta Reinaldo Franceschini Freire que, “o ideal, a exemplo do que ocorre com o cônjuge, seria que os colaterais herdassem apenas na falta de companheiro sobrevivente.” 1

2.3 - A união estável e sua função social

Há ainda uma terceira interpretação, a qual alcança a finalidade da união estável e traz uma solução mais adequada ao problema.

Segundo esta interpretação, o artigo 226, §3o da CF, equipara a união estável ao casamento com a finalidade de proteger os direitos e deveres de família e os direitos patrimoniais derivados somente dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável.

Dessa forma, seguindo a ordem de vocação sucessória, não havendo ascendentes, deve ir ao companheiro a totalidade dos bens comuns, não alcançando os bens particulares, que devem ir aos colaterais.

A universalidade dos bens do de cujus só irá ao companheiro não havendo nenhum outro herdeiro sucessível (descendentes, ascendentes ou colaterais), obedecendo assim o inciso IV do 1790 do CC.

Entende-se esta interpretação como a mais justa pois, havendo concorrência entre companheiro e colateral, destina-se a totalidade dos bens comuns ao companheiro e a totalidade dos particulares aos colaterais.

Este também tem sido o entendimento de Silvio Rodrigues, em seu livro “Direito Civil – Direito das Sucessões” (Atualizado por Zeno Veloso), in verbis:

“Não vejo razão alguma para o companheiro sobrevivente concorra – e apenas com relação à parte da herança que for representada por bens adquiridos onerosamente durante a união estável – com os colaterais do de cujus.” 3

Reinaldo Franceschini Freire, em sua singela interpretação do inciso IV do artigo 1790 do CC, traz o mesmo entendimento sobre a abrangência do patrimônio ao qual o companheiro tem direito, vejamos:

“...Entende-se por “totalidade da herança”os bens adquiridos onerosamente durante a união estável, não abrangendo os bens particulares do de cujus,... (...)Nada receberá o companheiro sobrevivo se o falecido só tiver deixado bens adquiridos anteriormente ao inicio da união estável... (...) Ocorrendo essa situação, o companheiro nada herdará, indo o patrimônio do de cujus para os colaterais.” 3

Deste mesmo entendimento, compartilham também alguns juristas, fazendo-se perceber em seus julgados.


Agravo de instrumento. Inventário. Concorrência da companheira com os colaterais. Aplicação do art. 1790, III do Código Civil. Efeito suspensivo indeferido. Agravo regimental que não se conhece. Art. 527, III e parágrafo único, do Código de Processo Civil.
“A expressão “herança” utilizada na aludida disposição legal refere-se tão-somente aos bens adquiridos onerosamente na Constancia da união estável, não abrangendo os bens particulares e recebidos pelo de cujus por doação ou sucessão. Eventual iniqüidade ou injustiça da lei não é molde a acarretar a sua não aplicação. Constitucionalidade da referida disposição que reconhece os colaterais como herdeiros em concurso com o(a) companheiro(a). Entendimento doutrinário a respeito e precedentes pretorianos. Manutenção da decisão agravada e desprovimento do recurso. Unânime.” (Agravo de instrumento – TJRJ – 2007.002.04909, Rel. Dês. Antônio Carlos Nascimento Amado, julgado em 30.05.2007.)

Tal interpretação respeita a equiparação feita pela CF, pois coloca o companheiro na mesma ordem sucessória do cônjuge, todavia limita-o aos bens adquiridos durante a união estável, respeitando assim o disposto do 1790 “caput” e o entendimento de que os efeitos patrimoniais da união estável recaem somente sobre os bens comuns, devendo os bens particulares serem destinados aos colaterais.

Considerações finais

Entende-se que a equiparação consolidada pela Constituição não visava tornar a união estável um casamento, mas sim garantir a aqueles relacionamentos a mesma proteção dadas a estes.

Deve-se salientar que no §3o do art. 226 da CF, in fine, determina-se que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento, ou seja, há diferença entre as duas instituições, não sendo assim, não seria facultada sua conversão, já que ambas seriam uma forma de casamento com formalidades distintas.

Conclui-se que a proteção patrimonial destinada ao companheiro, limita-se ao patrimônio construído onerosamente durante a união estável, alcançando o patrimônio particular somente na ocasião em que não houver outros herdeiros sucessíveis.

Bibliografia

1 FREIRE, Reinaldo Franceschini. Concorrência Sucessória na União Estável, cit., p. 141-145. 1. Ed. Curitiba: Juruá Editora. 2009

2  VELOSO, Zeno. Direito de família e o novo Código Civil, cit., p. 248-249.

3 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Sucessões. 25. Ed. Atual. Zeno Veloso. São Paulo: Saraiva, 2002. vol. 7.

SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A sucessão dos companheiros no novo Código Civil. Disponível em: <WWW.gontijo-familia.adv.br/tex243.htm>. Acesso em: 12 fev. 2008.

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de herança: a nova ordem da sucessão, cit., p. 173.

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