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A eficácia positiva e o efeito cliquet na seara dos direitos fundamentais sociais

Agenda 30/03/2014 às 10:10

Em direitos sociais, o efeito cliquet designa um movimento em que só é permitida a subida no percurso. Trata-se da ideia de vedação de retrocesso em relação aos direitos já conquistados.

Em 5 de outubro de 2014, a Constituição brasileira completou 26 anos de sua promulgação. A data coincidiu com as eleições em nível nacional. Em 1988, reinaugurou a democracia no país, após 21 anos de regime militar. A sociedade, hoje, tem o privilégio de ter uma Lex Mater que consagra como fundamentos da República Federativa do Brasil a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como o pluralismo político.

 A Lex Mater brasileira contém normas de eficácia limitada, que dependem de outras normas para que atinjam seu máximo alcance.  Elas são dotadas de normatividade, ainda que de baixa densidade. Os direitos sociais são os exemplos por excelência. Dependem de políticas públicas para que sejam efetivados.

Uadi Lammêgo Bulos, explicando o conceito de normas de eficácia limitada, assim leciona (2007, p. 362): “Normas constitucionais de eficácia limitada e aplicabilidade diferida são as que dependem de lei para regulamentá-las. No momento que são promulgadas, apresentam eficácia jurídica, mas não efetividade (eficácia social). Logo, não produzem todos os seus efeitos, os quais dependem de lei para se concretizar. Daí a aplicabilidade reduzida dessas normas (...)”.

Lembre-se que a Constituição de 1988, em seu art. 5º, § 1º, determina que as normas constitucionais que conferem direitos fundamentais têm eficácia imediata. Esse dispositivo deve ser lido sob a forma de um princípio: o da máxima efetividade. Trata-se fde elemento de aplicabilidade da própria Constituição.

Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 284) menciona: “Levando em conta esta distinção, somos levados a crer que a melhor exegese da norma contida no art. 5º, §1º, de nossa Constituição é a que parte da premissa de que se trata de norma de cunho inequivocamente principiológico, considerando-a, portanto, uma espécie de mandado de otimização (ou maximização), isto é, estabelecendo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais (...)”.

A respeito do princípio da máxima efetividade, ou máxima realização, pode-se dizer que seu objetivo é conferir efetividade às normas constitucionais, extraindo-lhes o maior conteúdo possível, principalmente em matéria de direitos fundamentais. Buscam-se, portanto, as soluções densificadoras das normas da Constituição.

Ocorre que já há uma corrente de doutrinadores que encara as normas de direitos sociais como normas de eficácia plena, defendendo a tese de que o titular do Poder Constituinte Originário - o povo - não teria deixado normas tão importantes, a exemplo daquelas que dispõem sobre saúde, numa condição de meros programas. A eficácia dessas normas poderia ser extraída direramente do texto constitucional.

Podem ser mencionados como exemplos Felipe Dutra Asensi, Herberth Costa Figueiredo e Aluísio Iunes Monti Ruggero Ré.

Asensi (2013, p. 87) entende as normas de eficácia plena como aquelas que o Poder Constituinte teria dotado de normatividade suficiente para que produzam efeito. O autor tece o raciocínio com relação às normas de direito à saúde.

Figueiredo (2013, p. 72) também faz comentários relativos às normas constitucionais de direito à saúde. Afirma que, apesar de os direitos sociais dependerem de prestações positivas do Estado, não deixam de ser normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata.

Aluísio Iunes Monti Ruggeri Ré (2013, p. 96) assim dispõe:

Outro grave equívoco cometido por parcela da doutrina que trata do tema é taxar de meramente programáticas as normas constitucionais de direitos sociais. Ora, negar eficácia às regras que consagram direitos humanos é negar a própria essência da Constituição Federal de 1988, cujo âmago nuclear é composto pelo valor da dignidade da pessoa humana. É negar nosso passado, nossa história. É negar a luta contra a ditadura militar e todo o peso que a sociedade brasileira suportou até a conquista da sua liberdade, enfim, de seu humanismo ético.

A Constituição Federal proíbe a assunção de despesas e o começo de projetos ou programas sociais que não estejam previstos na lei orçamentária e isso vem disposto no art. 167, I da CF.  Assim, entra em cena a chamada reserva do possível, que vai ser aquilo que a sociedade pode esperar do Poder Público em termos de serviços públicos, dentro dos parâmetros de razoabilidade.

A reserva do possível é um argumento de defesa da Fazenda Pública que não pode ser levado em consideração quando se estiver diante do mínimo existencial. Essa teoria foi construída pelo Tribunal Constitucional Alemão, significando que o Estado é o garante do bem-estar social até o limite de sua saúde financeira. Trata-se da restrição à concretização dos direitos fundamentais sociais.

A maranhense Cláudia Maria da Costa Gonçalves, em sua obra “Direitos Fundamentais Sociais: releitura de uma constituição dirigente” (2006, p. 199) aduz:

Ora, o que a sociedade pode esperar razoavelmente, no que concerne aos serviços sociais e bens que lhes sejam disponibilizados, condiciona-se, de um lado, ao grau de desenvolvimento econômico social do país e, de outro, às opções políticas realizadas tanto pelos poderes públicos quanto pela sociedade civil. Cuidando-se de país economicamente desenvolvido, que tenha optado por políticas sociais baseadas no modelo Institucional Redistributivo, o princípio aqui estudado aproxima-se da universalização. Noutros termos: satisfeitas as necessidades básicas de todos, os serviços sociais vão se generalizando para o conjunto da sociedade. Tal possibilidade, hoje, é mais restrita, considerando-se tanto os condicionantes fiscais quanto – e sobretudo – os influxos do neoliberalismo (...).

Há de se notar que alguns direitos sociais têm seu núcleo densificado de uma forma tal que eles se tornam verdadeiros direitos subjetivos. São direitos sociais dotados de eficácia positiva ou simétrica, e essa eficácia faz com que possam ser demandados em juízo. É o caso do direito à saúde. Esse direito tem um duplo aspecto: o de mínimo existencial (aspecto em que ele ganha eficácia simétrica) e o de qualidade de vida (aspecto em que deve ser gradualmente impementado com políticas sociais).

Marcelo Novelino assim conceitua o mínimo existencial (208, p. 375-376):

O ‘mínimo existencial’ consiste em um grupo menor e mais preciso de direitos sociais formado pelos bens e utilidades básicas imprescindíveis a uma vida humana digna. Na formulação e execução das políticas públicas, o ‘mínimo existencial’ deve nortear o estabelecimento das metas prioritárias do orçamento. Somente após serem disponibilizados os recursos necessários a sua promoção é que se deve discutir, em relação ao remanescente, quais serão as demandas a merecer atendimento.

Até a efetividade do mínimo existencial ou do núcleo fundamental dos direitos sociais fica na dependência da reserva do possível. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político administrativa criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (posicionamento do ministro Celso de Mello na ADPF 45/DF).

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A dignidade da pessoa humana, que é fundamento da República Federativa do Brasil e ganhou notoriedade internacional após a Segunda Guerra Mundial, devido as atrocidades do Holocausto, é que vai fundamentar as decisões judiciais que concedem direitos fundamentais, configurando aquilo que se denomina ativismo judicial.

Lazari (2012, p. 40) entende que o princípio da dignidade da pessoa humana é relativizável. O autor compreende que ao consagrar a dignidade da pessoa humana numa Constituição, atribuem-se-lhe os valores da segurança jurídica e humanização aos que se submetem à Lei fundamental, retirando-se qualquer privilégio quando do encontro de diferentes normas constitucionais. A importância do princípio não estaria na sua positivação, mas na forma como é utilizado para interpretar o direito.

Ana Paula de Barcellos, em seu artigo “Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas”, publicado na obra “Direitos Fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres”, discorre (2006, p. 37):

Além dos conflitos específicos, o neoconstitucionalismo convive ainda com um conflito de caráter geral, que diz respeito ao próprio papel da Constituição. Trata-se da oposição entre duas idéias diversas acerca desse ponto. A primeira delas sustenta que cabe à Constituição impor ao cenário político um conjunto de decisões valorativas, que se consideram essenciais e consensuais. Essa primeira concepção pode ser descrita, por simplicidade, como substancialista. Um grupo importante de autores, no entanto, sustenta que apenas cabe à Constituição garantir o funcionamento adequado do sistema de participação democrático, ficando a cargo da maioria, em cada momento histórico, a definição de seus valores e de suas opções políticas. Nenhuma geração poderia impor à seguinte suas próprias convicções materiais.  Esta segunda forma de visualizar a Constituição pode ser designada de procedimentalismo.

 A dignidade da pessoa humana é um atributo do ser, um núcleo em torno do qual gravitam direitos fundamentais. José Afonso da Silva, em sua obra intitulada Comentário Contextual à Constituição, assim dispõe (2007, p. 38): “(...) Portanto, a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo sua existência e sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica, quando  declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito”.

De acordo com o princípio da concordância prática ou da harmonização, deve-se buscar a realidade ótima (Optimale Wirklichkeit) para cada caso por meio da ponderação. Havendo normas que colidem no caso concreto, o intérprete tem o dever de coordenar e combinar bens jurídicos, realizando a redução proporcional de cada um deles.Se o Estado deixar de prestar os serviços públicos, não concedendo aos indivíduos a efetivação dos direitos sociais básicos, aqueles direitos dotados de núcleo altamente densificado (núcleo duro) devem gozar de tutela por parte do Judiciário. No caso do direito à saúde, por exemplo, a distribuição de medicamentos para tratamento de doenças graves deve ser garantida pelos magistrados, pois a eficácia positiva do direito à saúde quanto ao mínimo existencial confere ao indivíduo direito subjetivo a tais medicações.

O STJ, a respeito do tema:

CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA - ELA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA (ART. 5º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196, CF/88). ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA.

1 - A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para garantia do maior de todos os bens, que é a própria vida.

2 - É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos artigos 6º e 196.

3 - Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, AG nº 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, REsp nº 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000).

4 - Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art. 196).

5 - Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida.

6 - Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos.

7 - Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente público(Estado do Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek)indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente (STJ, RMS 11.183-PR).

O Supremo Tribunal Federal, a respeito do tema:

E M E N T A: PACIENTE PORTADORA DE DOENÇA ONCOLÓGICA – NEOPLASIA MALIGNA DE BAÇO – PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS – DIREITO À VIDA E À SAÚDE – NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEIOS INDISPENSÁVEIS AO TRATAMENTO E À PRESERVAÇÃO DA SAÚDE DE PESSOAS CARENTES – DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, “CAPUT”, E 196) – PRECEDENTES (STF) – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS PESSOAS POLÍTICAS QUE INTEGRAM O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO – CONSEQUENTE POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO CONTRA UM, ALGUNS OU TODOS OS ENTES ESTATAIS – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO (STF, RE 716.777 AgR - RS).

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL. PODER JUDICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORIA DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A repercussão geral é presumida quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (artigo 323, § 1º, do RISTF ). 2. A controvérsia objeto destes autos – possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública – foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 30.4.10. 3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do “mínimo existencial” e da “reserva do possível”, decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (RE 642.536 AgR - AP).

Pensar de forma diferente seria desvirtuar o princípio da unidade da Constituição, que deve ser vista como um todo, num sentido de interpretação sistemática de suas normas. Segundo esse princípio, cabe ao intérprete harmonizar as tensões e contradições entre as normas constitucionais. Afinal, inexiste hierarquia entre normas originárias da CF.

Agir de forma diferente seria ferir o princípio da força normativa da Constituição, que não dita meros conselhos, mas sim regras e princípios que devem ser observados pelos três Poderes. Para Konrad Hesse, as normas jurídicas e a realidade devem ser consideradas em seu condicionamento recíproco. A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade, e a Constituição não configura apenas a expressão de um ser, mas também de um dever ser. Assim, para ser aplicável, a Constituição deve ser conexa à realidade jurídica, social e política. Ela não é apenas determinada pela realidade social, mas também determinante desta.Cabe ao Poder Judiciário tutelar os direitos sociais dos cidadãos nesses casos, porém com a devida cautela: lembre-se do princípio da justeza ou princípio da conformidade funcional (mais um dos postulados do catálogo de Konrad Hesse), que tem por finalidade impedir que os órgãos encarregados da interpretação constitucional cheguem a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório funcional estabelecido pela Constituição. O Judiciário não pode subverter competências . Assegurar direitos, sim. Subverter os papéis do Legislativo e do Executivo, não.

O Supremo admite o controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário:

EMENTA. Agravo regimental no agravo de instrumento. Constitucional. Ação civil pública. Obrigação de fazer. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Precedentes. 1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. 2. Agravo regimental não provido (STF, AI 708.667 AgR - SP).

Atuará o Judiciário como agente de transformação social, promovendo políticas públicas, somente quando os outros dois Poderes se omitirem de forma a anular/prejudicar direitos individuais ou coletivos.

Jurisprudência do STF sobre o direito à educação:

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina (STF, RE 410.715 AgR - SP).

Pois bem. Dentro dessa seara dos direitos sociais, o que vem a ser o efeito cliquet? A expressão, de origem francesa, é utilizada pelos alpinistas e significa “seguir para cima”.  Designa um movimento em que só é permitida a subida no percurso. Trata-se da ideia de vedação de retrocesso daqueles direitos já conquistados e que a comunidade tem como profundo senso de consolidação. Saúde, alimentação, educação, entre outras prestações estatais que não podem ser objeto de “piora”, sem que haja as devidas medidas compensadoras. Aqui, pode-se lembrar do princípio do efeito integrador, segundo o qual a interpretação das normas constitucionais deve ser atualizada de forma tal a permitir a integração das comunidades e a unidade política e social.

Cláudia Maria da Costa Gonçalves (2006, p. 199) assim dispõe a respeito da vedação de retrocesso: ”É importante lembrar que o princípio em tela é, acima de tudo um avanço na busca de patamares mais justos e dignos de vida material. A proibição de retrocesso impede que direitos sociais já disciplinados e garantidos pela legislação infraconstitucional e implementados através de ações e programas de políticas sociais sejam, ao alvedrio dos Poderes Públicos, extintos, configurando o vácuo do direito (RECHTVAKWUM). O referido princípio, desse modo, decorre da segurança jurídica enquanto um dos direitos fundamentais (art. 5º, caput), que hoje, diversamente do constitucionalismo liberal, não contempla apenas as mediações do direito de propriedade, mas ampara também as necessidades humanas básicas, sobretudo dos mais necessitados. É dizer-se que a segurança que emana das constituições é garantia que deve ser compartilhada verdadeiramente por todos (...)”.

A vedação de retrocesso também é chamada de entrenchment (entrincheiramento). Veja-se a lição de Walber de Moura Agra (2012, p. 302): “De maneira bem sucinta, pode-se dizer que entrenchment ou entrincheiramento, também chamado de proibição de retrocesso, princípio do não retorno da concretização ou princípio da desnaturação do conteúdo da Constituição, é a tutela jurídica do conteúdo mínimo dos direitos fundamentais, respaldada em uma legitimação social, evitando que possa haver um retrocesso, seja através de sua supressão normativa ou por intermédio da diminuição de suas prestações à coletividade. Dessa forma, as prerrogativas dos cidadãos são fixadas em uma determinada intensidade e essa intensidade é protegida para que sua eficácia não se torne cambiante de acordo com variáveis sociais, acarretando uma proteção à precisão dos valores constitucionais, o que impede sua modificação para atender a particularidades e, ao mesmo tempo, serve para aumentar a segurança jurídica do conteúdo das normas constitucionais e efetivar a jurisdição constitucional”.

O retrocesso sem medidas compensatórias significaria desrespeito à proporcionalidade – e aqui seria possível entender  proporcionalidade como vedação de excesso (Übermassferbot). As Constituições Mexicana de 1917 e Weimar (Weimarer Verfassung) de 1919, foram marco de todo um processo em que os direitos sociais passaram a se desenvolver/consolidar e isso foi grande conquista da sociedade. Entrenchment, efeito cliquet ou vedação de retrocesso são três expressões que designam a mesma realidade no âmbito desses direitos, sendo essa realidade verdadeiro corolário da dignidade da pessoa humana em um Estado Democrático de Direito.

E lembre-se: a nortear os operadores do direito estarão sempre as normas de segundo grau (postulados) que estabelecem a estrutura de aplicação das normas constitucionais, quais sejam: princípio da unidade; princípio do efeito integrador; princípio da concordância prática; princípio da força normativa da Constituição; princípio da máxima efetividade; e, por último, o princípio da conformidade funcional ou da justeza.


Referências bibliográficas:

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ASENSI, Felipe Dutra.  Sistema único de saúde: Lei 8.080/1990 e legislação correlata. Brasília: Alumnus, 2015.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentaise controle das políticas públicas. In: GALDINO, Flavio; SARMENTO, Daniel (organizadores). Direitos Fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 31-60.

FIGUEIREDO, Herberth Costa. O Sistema Constitucional Assimétrico de Saúde no Brasil: paradigmas para a construção de um modelo democrático. 488 f. Tese (Doutorado em Direito Constitucional) − Fundação Edson Queiroz, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, Universidade de Fortaleza, 2013.

FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner; SARLET, Ingo Wolfgang. O Direito Fundamental à Proteção e Promoção da Saúde no Brasil: Principais Aspectos e Problemas. In: RÉ, Aluísio Iunes Monti (org.). Temas Aprofundados da Defensoria Pública. Salvador: JusPodivum, 2013, p. 111-146.

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LAZARI, Rafael José Nadim de. Reserva do Possível e Mínimo Existencial: a pretensão da eficácia da norma constitucional em face da realidade. Curitiba: Juruá, 2012.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2008.

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SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007.

Sobre o autor
Thiago dos Santos Rocha

Thiago dos Santos Rocha é um advogado e autor de livros e artigos jurídicos, graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. É especialista em Direito do Consumidor, em Direito Constitucional Aplicado e em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Em seus textos acadêmicos, promoveu o diálogo entre Direito e Game Studies, abordando temas como: videogames e epilepsia; advergames e publicidade infantil; gameterapia e planos de saúde; videogames e política nacional de educação ambiental; etc. Também publicou obras na área de Direito Médico, tendo escrito os livros "A violação do direito à saúde sob a perspectiva do erro médico: um diálogo constitucional-administrativo na seara do SUS" (Editora CRV) e "A aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação médico-paciente de cirurgia plástica: visão tridimensional e em diálogo de fontes do Schuld e Haftung" (Editora Lumen Juris).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Thiago Santos. A eficácia positiva e o efeito cliquet na seara dos direitos fundamentais sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3924, 30 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27230. Acesso em: 22 dez. 2024.

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