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Direito das minorias e a seletividade penal

Agenda 04/04/2014 às 13:40

O presente artigo busca tratar sobre a desigualdade penal que as minorias sociais sofrem no sistema penal brasileiro e busca mostra os esforços do judiciário para dar efetividade aos direitos das minorias.

INTRODUÇÃO

Em nosso ordenamento jurídico e tribunais sempre se busca dar a igualdade de direitos  a todos, no entanto há minorias na sociedade que são menosprezadas pela maioria social, que gera os mais diversos tipos de preconceito, e muita das vezes a propiciadora desta exclusão e discriminação é a lei de forma indireta, ainda mais na seara criminal.

Assim veremos os quem são as minorias e os direitos que conquistaram e os problemas da seletividade penal brasileira.


MINORIAS E DIREITOS

Na Declaração Universal de Direitos Humanos em seu artigo 1º diz"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos", no entanto de devido a asserção de classes econômicas e padronização de culturas e crenças, alguns grupos acabam sendo menosprezados e excluídos por não se encaixarem nos ditames impostos pela classe dominante, gerando a desigualdade, criando as ditas ‘’Minorias’’.

Entende-se por minorias grupos sócias que são estigmatizados, excluídos e discriminados devido às questões econômicas, étnicas e culturais. O termo ‘’minoria’’ não tem uma relação a quantidade ou números populacional de determinado grupo social, seu sentido esta ligado ao baixo poder de expressão devido a discriminação em relação a cultura e etnia ou o baixo poder econômico, um exemplo histórico foi o apartheid[1].

No decorrer da historia da humanidade tais classes conquistaram vários direitos que lhe garantiam  maior proteção, igualdade e poder de participação na vida política. Dentre os vários direitos temos o de desfrutar de sua própria cultura, de praticar sua própria religião e de usar sua própria língua, e em nossa Carta Magna no art.5º,VIII da CF/88 vem garantido esta proteção de liberdade de cultural e religiosa, sendo visto como um direito e garantia fundamental, Direito á igual proteção diante das leis como previsto também em nossa Constituição no art.5º caupt, Direito de pedir asilo por razões bem fundamentadas pelo receio de perseguição com base na raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social particular ou opinião política, este é vislumbrado no art 4º, X da CF/88, Direito à assistência, neste vemos o papel do Estado em garantir uma tutela jurisdicional efetiva igualitária, desta forma temos o trabalho brilhante e honroso da Defensoria Publica que busca da uma assistência jurídica adequada para as pessoas que não podem custear as custas judiciais e  os honorários advocatícios e  Direito de se beneficiar de medidas afirmativas adotadas pelo Estado para promover a harmonia[2], temos exemplos  das cotas raciais nas universidades e recentemente em concursos públicos e outros programas sociais, tais direitos  são consagrados em vários países.

Em nossas Cortes também se ver a busca de efetivar os direitos dispostos anteriormente, assim cito o STJ e suas ilustres decisões que garantiram e efetivaram tais direitos. Dentre as decisões em defesa das minorias temos:

 ‘’O STJ também já firmou jurisprudência quanto à legalidade e constitucionalidade das políticas de cotas. Em uma delas, em que o relator foi o ministro Humberto Martins, a Segunda Turma manteve a vaga, na universidade, de uma aluna negra que fez parte do ensino médio em escola privada devido a bolsa de estudos integral (REsp 1.254.118). O colegiado considerou que a exclusão da aluna acarretaria um prejuízo de tal monta que não seria lícito ignorar, em face da criação de uma mácula ao direito à educação, direito esse marcado como central ao princípio da dignidade da pessoa humana. “A aluna somente teve acesso à instituição particular porque possuía bolsa de estudos integral, o que denota uma situação especial que atrai a participação do estado como garantidor desse direito social”, assinalou o relator.’’ [3]

Também versando os direito dos índios;

‘’Outra questão julgada pelo Tribunal foi com relação à legitimidade do cacique para reivindicar judicialmente direito coletivo da tribo (MS 13248). Segundo o STJ, apesar de ser o líder da comunidade indígena, isso não lhe garante a legitimidade. O relator do caso, ministro Castro Meira, observou que a intenção do mandado de segurança impetrado pelo cacique era defender o direito coletivo, o que é restrito, de acordo com a Constituição Federal, a partido político com representação no Congresso Nacional e a organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída há pelo menos um ano. No caso, o meio adequado seria a ação popular.’’ [4]

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Direito dos portadores de HIV, como se vê na REsp 650.400;

’EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. PLANO DE SAÚDE. AIDS. EXCLUSAO DE COBERTURA. CLÁUSULA POTESTATIVA. PRECEDENTES. PROVIMENTO.

 I. É abusiva a cláusula contratual inserta em plano de assistência à saúde que afasta a cobertura de tratamento da síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS/SIDA).

II. As limitações às empresas de prestação de serviços de planos e seguros privados de saúde em benefício do consumidor advindas com a Lei9.656/98 se aplicam, em princípio, aos fatos ocorridos a partir de sua vigência, embora o contrato tenha sido celebrado anteriormente, porquanto cuida-se de ajuste de trato sucessivo . Precedente.

III. Recurso especial provido.’’[5]

Não obstante ao que foi dito anteriormente, é notório a luta dos  tribunais para garantir tais direitos e acabar com esses preconceitos, principalmente a atuação do ‘’ tribunal cidadão’’, STJ , que vem garantindo direitos e reprimindo as ofensas  contra as minorias. Mas e quando a própria lei é preconceituosa? A partir deste questionamento é que gostaria de tratar sobre a seletividade penal em relação aos mais pobres.


SELETIVIDADE PENAL

Como se sabe a lei penal é igual para todos como esta prevista na Constituição Federal/88, não importando a classe social a que pertença. Sabemos também que a ideia de pena é para a proteção da sociedade e seus bens jurídicos mais importantes, tendo uma grande vinculação entre pena e interesse majoritário da sociedade em preservar a ordem, assim afirma Magalhães de Noronha:

"Com efeito, e Estado, como já se disse mais de uma vez, tem como finalidade a consecução do bem coletivo, que não pode ser alcançado sem a preservação do direito dos elementos integrantes da sociedade, e, portanto, quando se acham em jogo direitos relevantes e fundamentais para o indivíduo, como para ele próprio, Estado, e as outras sanções são insuficientes ou falhas, intervém ele com o jus puniendi, com a pena, que é a sanção mais enérgica que existe, pois, como já se falou, pode implicar até a supressão da vida do delinquente." [6]

Então de acordo com o que foi anteriormente dito surge um questionamento. Por que certas condutas que são tidas como criminosas perseguem certos indivíduos devido sua raça ou condição econômica? Como vimos no caput do art. 5º da Constituição Federal diz que ‘’ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]’’, no entanto o que se ver é uma classe mais forte oprimindo uma classe mais fraca, e com isso vemos os que tem poder econômico estigmatizando e etiquetando atrás de um discurso como o da ‘’defesa social’’, sustentado por um dogma jurídico.

 Assim sustenta Loic Wacquant:

‘’Em primeiro lugar, por um conjunto de razões ligadas à sua história e sua posição subordinada na estrutura das relações econômicas internacionais (estrutura de dominação que mascara a categoria falsamente ecumênica de "globalização"), e a despeito do enriquecimento coletivo das décadas de industrialização, a sociedade brasileira continua caracterizada pelas disparidades sociais vertiginosas e pela pobreza de massa que, ao se combinarem, alimentam o crescimento inexorável da violência criminal, transformada em principal flagelo das grandes cidades.’’[7]

Com base em analises do nosso sistema punitivo e pesquisas empíricas sobre os mecanismos de criminalização surge à teoria da negação radical do ‘’ mito do direito penal igualitário’’, e é sintetizado por Alessandro Baratta considerando três posições que a constituem:

‘’a)o direito penal não defende a todos e somente os bens essenciais nos quais todos os cidadãos estão igualmente interessados e quando castiga as ofensas aos bens essenciais, o faz com intensidade desigual e de modo parcial (fragmentário); b) a lei penal não é igual para todos. O status criminal é desigualmente distribuído entre os indivíduos; c) o grau efetivo de tutela e da distribuição do status de criminal é independente da danosidade social das ações e da gravidade das infrações à lei, pois estas não constituem as principais variáveis da reação criminalizadora e de sua intensidade.[8]’’

Então conforme o que foi dito por Baratta, existe uma desproporcionalidade quanto à intensidade punição devido à desigualdade distribuída entre os indivíduos, mas para compreendemos melhor, visualize um empresário culpado de praticar um crime de ‘’colarinho branco’’, ou seja, pela pratica de abuso do poder financeiro ou político,  por consequência gera efeitos  devastadores e nefastos na vida de muitas pessoas,  e um individuo de classe baixa que é pego furtando alimentos para alimentar a si mesmo ou sua família, apesar de ter colocado extremos faço a seguinte pergunta, será que o empresário vai ser punido com a mesma intensidade que e o sujeito de classe baixa? Acredito que não.

 Apesar de a exemplificação parecer meio exagerada, eu queria mostra é que, muitas das vezes, parecem serem levados alguns fatores na hora da aplicação da pena que mitiga a conduta praticada, ou seja, surge um direito penal do autor que valora a posição social do individuo ou quem é o autor para a aplicação da pena, e assim leciona Zaffaroni sobre esta questão:

‘’Ainda que não haja um critério unitário acerca do que seja o direito penal do autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma “forma de ser” do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma personalidade; o proibido e reprovável ou perigoso, seria a personalidade e não o ato. Dentro desta concepção não se condena tanto o furto, como o “ser ladrão”, não se condena tanto o homicídio como o ser homicida, o estupro, como ser delinquente sexual etc.’’ [9]


CONCLUSÃO

Concluindo, apesar de sabermos sobre a legitimidade do nosso sistema penal e sua importância em nossa sociedade, tais desproporcionalidades e desigualdades  acabam  desentoa a verdadeira função, que é defender a sociedade e seus bens jurídicos sem desigualdade, devido uma dominação de classe social sobre outra, fazendo com que o  direito penal  acabe se tornar  um sistema de seletividade com base no poder econômico e tendo isso como referencial maior na aplicação da pena.

Dessa forma parabenizo os tribunais e a Defensoria Pública que lutam para acabar com as desigualdades judiciais e dar efetividade os direito que tutelam as classes desfavorecidas e excluídas e espero que com a reforma em nosso código penal venha uma melhora no modo de executar e aplicar as penas, fazendo jus ao principio da isonomia e tutelando a sociedade e seus bens de forma geral sem qualquer distinção.


Bibliografias

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.7. ed. rev. e atual. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007.

BARATTA, Alessandro, Criminologia crítica e critica do direito penal ,1997.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Vol. 1, 33 edição. São Paulo. Saraiva.

WACQUANT, Loic, As Prisões da Miséria, 1999, Coletivo Sabotagem.

http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106621


Notas

[1] O termo apartheid se refere a uma política racial implantada na África do Sul. De acordo com esse regime, a minoria branca, os únicos com direito a voto, detinha todo poder político e econômico no país, enquanto à imensa maioria negra restava a obrigação de obedecer rigorosamente à legislação separatista.

[2] ‘’As ações afirmativas são medidas especiais que têm por objetivo assegurar progresso adequado de certos grupos raciais, sociais ou étnicos ou indivíduos que necessitem de proteção, e que possam ser necessárias e úteis para proporcionar atais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais’’.( RECURSO ESPECIAL Nº 1.254.118 – RS, Min. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, STJ.)

[3] http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106621

[4]http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106621      

[5] RECURSO ESPECIAL Nº 650.400 – SP, Min.  ALDIR PASSARINHO JUNIOR, STJ.

[6] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Vol. 1, 33 edição. São Paulo. Saraiva

[7]  WACQUANT, Loic, As Prisões da Miséria, 1999, Coletivo Sabotagem, p.4.

[8] Baratta, Alessandro, Criminologia critica  e critica ao direito penal, 1997, p.282.

[9] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.7. ed. rev. e atual. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007, p.107.

Sobre o autor
Felippe Souza

Estudante de Direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB <br>Formado em teoria geral do direito público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Felippe. Direito das minorias e a seletividade penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3929, 4 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27362. Acesso em: 26 nov. 2024.

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