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As revistas realizadas nos bens de uso pessoal do empregado e nos bens de propriedade da empresa

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Agenda 14/04/2014 às 14:51

Este artigo traz à baila a discussão acerca da prática das revistas que são realizadas nos bens de uso pessoal do empregado, bem como sobre os bens de propriedade da empresa.

Sumário: Introdução; 1. As revistas realizadas nos bens de uso pessoal do empregado; 2. As revistas realizadas sobre os bens de propriedade da empresa; Conclusão.


Introdução

Este artigo traz à baila a discussão acerca da prática das revistas que são realizadas nos bens de uso pessoal do empregado, bem como sobre os bens de propriedade da empresa.  

Ressalta-se, no presente trabalho, o caráter abusivo e violador da intimidade, vida privada, honra e dignidade do empregado pelo empregador quanto à prática das revistas que são realizadas sobre os bens de uso pessoal do empregado, bem como sobre os espaços que são cedidos pelo empregador para que o empregado possa guardar os bens de uso pessoal. Questiona-se, por óbvio, a proibição de tais práticas erigidas pelo empregador no que tange ao respeito e à inviolabilidade dos direitos da personalidade do empregado, que têm como base a dignidade humana resguardada pela Constituição Federal de 1988.

 Defende-se, ainda, nesta oportunidade, a adoção de meios tecnológicos que poderão ser utilizados pelo empregador no local de trabalho, com o objetivo de serem afastadas as revistas sobre os bens de uso pessoal do empregado ou sobre os espaços cedidos pelo empregador para que o empregado possa guardar os seus objetos pessoais. O atual estágio da evolução tecnológica oferece uma gama de métodos capazes de propiciar uma fiscalização eficaz sem que haja a necessidade de revistar os bens de uso pessoal dos empregados para a efetivação do exercício do poder fiscalizatório do empregador.


 1. As revistas realizadas nos bens de uso pessoal do empregado

O problema da revista realizada pelo empregador nos bens de uso pessoal do empregado, bem como nos espaços cedidos por aquele para que este possa guardar os seus objetos pessoais possui ampla relação com o direito à privacidade.

Ao se analisar, contudo, a possibilidade ou não de revista por parte do empregador, é necessário estabelecer a diferença entre a revista íntima e a revista realizada sobre os bens de uso pessoal do empregado, assim como a que é praticada nos espaços cedidos pelo empregador para o empregado guardar seus objetos pessoais. Tal diferenciação é relevante porque o art. 373-A, VI, da CLT, ao vedar a prática de revistas em relação às mulheres empregadas, não traz qualquer indicação a respeito do completo significado da expressão “revistas íntimas”.

Considera-se revista íntima aquela que é realizada na pessoa do trabalhador, mediante a coerção para se despir ou mediante qualquer ato de molestamento físico realizado por funcionário da empresa para que o empregado ponha à mostra ou exponha o seu corpo, ainda que de modo parcial.

A revista praticada nos bens de uso pessoal do empregado, por sua vez, é aquela que o sujeita a abrir seu veículo, suas bolsas, sacos, sacolas e a despejar o conteúdo deles sobre uma mesa. Já a revista realizada sobre os espaços cedidos pelo empregador para o empregado guardar os seus objetos pessoais é aquela que o sujeita a abrir armários e gavetas no local de trabalho. O objetivo de ambas as revistas é averiguar a possível ocorrência de furto pelo empregado na empresa e a possibilidade de o empregado entrar no local de trabalho com algum objeto proibido.

Naturalmente que tal situação de revista não se enquadra, regra geral, para a maioria da jurisprudência no conceito de revista íntima, inserido no art. 373-A da CLT.

Como a Lei nº 9.799, de 26 de maio de 1999, ao inserir o art. 373-A, VI, da CLT, não definiu de forma exata o significado da expressão “revista íntima”, aqui se entende que a sua vedação deve ser aplicável a quaisquer de suas modalidades, seja a revista realizada na pessoa do trabalhador, seja a realizada em seus bens de uso pessoal, ou mesmo nos espaços cedidos pelo empregador para que o empregado possa guardar os seus objetos pessoais.

 Apesar de no presente estudo se seguir esse raciocínio, Souza (2008, p 174) assinala que “com lamentável frequência, grandes empresas – em especial lojas de departamentos – promovem diariamente revistas a seus funcionários”.

Relata Souza (2008, p 174) que é tolerada a prática de se permitir que o segurança da loja veja o que há dentro das bolsas e bolsos dos empregados. Além de normalmente haver previsão nos regulamentos de empresa sobre o fato. Os contratos individuais de trabalho vêm estabelecendo a permissão para tal tipo de intromissão do empregador na intimidade dos seus funcionários. Neste sentido:

Argumentam as empresas que se trata de prerrogativa advinda do poder de proteção de seu patrimônio, que não há vedação na legislação trabalhista e que o próprio trabalhador adere à rotina. Evidentemente, trata-se de cláusula contratual – ou regulamentar – a que adere o empregado, sem possibilidade de discussão. A inadequação da cláusula contratual não ocorre simplesmente porque é imposta, mas em vista da sua abusividade e lesividade. (SOUZA, 2008, p. 174).

Quanto à revista realizada em bens de propriedade da empresa, argumenta Mori (2011, p. 96) que, em muitas situações, os armários e as gavetas são abertos pelos chefes e supervisores sem a presença e a autorização do trabalhador. Mesmo que esse espaço seja concedido pelo empregador para que o trabalhador possa guardar objetos de uso pessoal, tal espaço reservado ao trabalhador dentro da empresa integra o seu direito à privacidade.

Percebe-se, assim, que o empregador realiza as duas modalidades de revista nos empregados como uma forma de assegurar a proteção ao seu patrimônio. Algumas empresas sorteiam os empregados a serem revistados, outras as realizam diariamente em todos os seus empregados, mesmo quando não há suspeita de prática de ato ilícito no ambiente de trabalho.

Não obstante inexistam no ordenamento jurídico brasileiro regras claras que disciplinem a revista sobre os bens de uso pessoal do empregado ou sobre os espaços destinados aos trabalhadores no local de trabalho para que possam guardar os seus objetos pessoas, todas elas integram o patrimônio da intimidade do trabalhador.

Consoante ensina Mori (2011, p. 99), a proteção da propriedade privada do empregador e de outros colegas de trabalho não justifica a realização de tais revistas. A revista de diversos trabalhadores (muitos dos quais inocentes, ou mesmo a sua totalidade) constitui meio não eficaz e não adequado para proteger o direito de propriedade do empregador, visto que há risco de não ser encontrado nenhum objeto junto ao empregado, sendo ele submetido a constrangimento de forma desnecessária.

Desse modo, o empregador que submete o empregado à revista contraria o princípio da boa-fé objetiva, que consiste numa regra obrigatória do Direito do Trabalho, do qual emanam os deveres de cooperação, colaboração e lealdade entre as partes.

Para Baracat (2003, p. 244), a revista do empregado, seja pessoal, seja em armários ou bolsas, viola o princípio da igualdade entre as partes, uma vez que o empregador, com o argumento da dispensa, coage o empregado a permitir a revista. Este autor também assevera, com exatidão, que a revista viola a intimidade do trabalhador, e, por consequência, o princípio da dignidade da pessoa humana. Para ele, não importa se a revista é feita nas partes íntimas ou no armário, a ofensa à intimidade e à dignidade da pessoa humana haverá em qualquer das hipóteses, em virtude da humilhação a que é submetido o empregado, por ter sua honestidade questionada dentro de uma relação de confiança, que é a de emprego.

Na mesma linha, tem-se a visão de Gosdal (2010, p. 126). Para a autora, a revista realizada em bolsas e pertences do empregado é ilícita por acarretar danos psíquicos ao trabalhador por ofender-lhe a sua dignidade e a sua honra.

Para Gurgel (2010, p. 168), a revista nos pertences do empregado afronta o direito à propriedade privada do trabalhador.

Na mesma linha, tem-se a visão de Gosdal (2010, p. 126). Para a autora, a revista realizada em bolsas e pertences do empregado é ilícita por acarretar danos psíquicos ao trabalhador por ofender-lhe a sua dignidade e a sua honra.

Segundo Válio (2009, p. 45): “É impossível conceber o homem trabalhador sem as devidas garantias aos seus direitos humanos e de personalidade”.

Ainda consoante Válio (2009, p. 52): “Os direitos fundamentais repousam sobre o valor básico do reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Sem este reconhecimento, inviabiliza-se a própria noção de direitos fundamentais”.

Segue-se aqui, portanto, o pensamento dos autores que afastam a prática das revistas realizadas nos bens de uso pessoal do empregado, assim como nos espaços cedidos pelo empregador para que o empregado possa guardar os seus objetos pessoais, tendo em vista a esfera privada, particular e íntima do trabalhador compreender não apenas o seu corpo, mas também aquela destinada aos bens de uso pessoal e aos espaços destinados a guardá-los no local de trabalho. Todas essas práticas submetem o trabalhador a constrangimento. Além disso, a falta de confiança mútua entre os contratantes constitui fator capaz de abalar a boa-fé instituída na relação de emprego, e a desconfiança não condiz com a fidúcia inerente ao contrato de trabalho.

Evidente, contudo, que podem existir situações excepcionalíssimas nas quais o tipo de atividade empresarial imponha maior controle sobre as entradas e as saídas das empresas. Ilustrativamente: indústrias fabricantes de drogas lícitas, de substâncias tóxicas ou explosivas, por demandarem controle das autoridades e por implicarem risco à sociedade. Do mesmo modo, empresas que lidem com joias e armamentos. Importante observar, contudo, que, nestes casos exceptivos, a revista deve ser o mais cuidadosa possível de modo a equilibrar o respeito ao indivíduo com o imperativo fiscalizatório.

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Então, em situações excepcionais, é preciso que a revista seja realizada com prudência, razoabilidade e em harmonia com os princípios que visam a assegurar a proteção aos direitos da personalidade do empregado (intimidade e vida privada). Ademais, essas revistas devem representar o último recurso para satisfazer ao interesse empresarial à falta de outros meios. Portanto, somente em tais casos a revista se justifica. Mesmo assim, é necessário que haja forte suspeita e não mera desconfiança sobre a prática de ato de improbidade praticado pelo empregado no trabalho.

Consoante ensina Maschietto (2010, p 88), existem determinados segmentos do ramo farmacêutico que possuem, entre seus produtos industriais, determinadas drogas que, se o desvio não for eficazmente coibido, poderão ser objeto de comércio ilegal. A utilização de meios rigorosos para que seja realizada a fiscalização com a finalidade de impedir a saída ilícita do medicamento do estabelecimento representa uma forma de obrigação da empresa. Ela deve impedir ou ao menos contribuir para que tais medicamentos não sejam desviados e comercializados indiscriminadamente no mercado negro, em decorrência do risco de afetarem a saúde pública. Esta é uma hipótese cabível de permissão da revista na empresa, já que o seu propósito seria o de evitar o desvio de medicamentos legalmente controlados.

Ainda conforme Maschietto (2010, p 88), no que tange à indústria de armamentos, a revista também se justifica pela sua finalidade de coibir o furto de armas, bem como de objetos que coloquem em risco a paz social.

É preciso observar, contudo, que nos casos supraelencados, qualquer limitação aos direitos da personalidade do empregado deve estar fundada no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista que é preciso estabelecer limite ao exercício do poder diretivo do empregador, bem como a possibilidade de limitação aos direitos da personalidade do empregado no Direito do Trabalho.

Deve o empregador investir em tecnologia para fiscalizar o seu patrimônio sem precisar recorrer às revistas realizadas sobre os bens de uso pessoal do empregado ou sobre os espaços cedidos pelo empregador para que o empregado possa guardar os seus objetos pessoais. O atual estágio da evolução tecnológica oferece uma gama de métodos capazes de propiciar uma fiscalização eficaz sem que haja a necessidade de revistar os bens de uso pessoal dos empregados para a efetivação do exercício do poder fiscalizatório do empregador.

Portanto, em respeito ao princípio da função social da empresa, o empregador deve investir em tecnologias para a fiscalização de seu patrimônio. É possível ao empregador exercer seu poder de fiscalização mediante a utilização de determinados métodos tecnológicos, tais como a colocação de etiquetas magnéticas em seus produtos, o controle de entrada e saída de estoque, as filmagens por meio de circuito interno ou o uso de detectores de metais, sem ter de realizar as revistas sobre os bens de uso pessoal do empregado ou sobre os espaços que são cedidos pelo empregador para o empregado guardar os seus bens pessoais.

Segundo Nunes (2011):

A tecnologia apresenta hoje inúmeras formas para o controle do patrimônio do empregador, somente sendo possível a revista em objetos pessoais dos empregados caso não seja possível o alcance de solução por meio da tecnologia. (NUNES, 2011, p. 119).

Como bem expressa Mori (2011, p.100), não é necessário que homens e mulheres retirem suas roupas ou parte delas em frente a outras pessoas, ou abram suas bolsas, armários e gavetas de uso pessoal, ou ainda veículos próprios para demonstrar que nada furtaram, quando existem diversas outras possibilidades de proteção da propriedade privada. Além disso, o controle de estoque permite saber o exato fluxo de bens contidos no espaço empresarial. Sendo assim:

A tecnologia permite a detecção de materiais existentes na matéria-prima, evitando que produtos ou pertences da empresa passem pela porta de saída de uma fábrica, tal como ocorre nas portas das bibliotecas e nos aeroportos, sem agredir com isto a intimidade do transeunte. Ainda, se as câmeras de vídeo não podem servir para controlar o desempenho profissional do trabalhador, podem servir para controlar a matéria-prima e os equipamentos da empresa, desde que observadas as formalidades legais para sua instalação. (MORI, 2011, p. 100).

A tecnologia, por meio da colocação de etiquetas magnéticas em livros e roupas, torna desnecessária a inspeção em bolsas e sacolas dos empregados.

Neste sentido, destaca-se decisão proferida pelo Ministro do TST Maurício Godinho Delgado em 2011:

É público e notório que grandes redes de lojas dispõem de vigilância constante através de aparelhos eletrônicos, não só para fiscalizar seus empregados e colaboradores, mas também seus clientes. E diante deste monitoramento é injustificável a manutenção de revista pessoal dos empregados. A preservação do patrimônio não pode se sobrepor à dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 2011).

Souza (2008) compartilha a mesma visão. Para este autor, diversos outros meios podem ser utilizados para impedir riscos de funcionários, como a colocação de dispositivos de segurança eletrônica (câmeras, sensores). Destaca o autor que as empresas, infelizmente, preferem os mais baratos e os mais indignificantes, como a humilhação de seus funcionários por meio da prática das revistas, tendo em vista que o objetivo é conservar o seu patrimônio, evitando gastos com equipamentos, mesmo que por meio da readequação do espaço físico de suas lojas à custa da dignidade de seus colaboradores.

Pertinente trazer à baila o pensamento de Nunes (2011), ao também apontar como sugestão:

A utilização de armários externos, fora dos vestiários, com a presença de segurança se for o caso, para guarda de bens pessoais dos trabalhadores, o uso de uniformes para prevenir a ocorrência de furto, as portas giratórias com detectores de metais, contagem de estoque no início e no término das jornadas, dentre outros meios que visem à proteção do patrimônio do empregador, sem ferir o patrimônio íntimo do empregado. (NUNES, 2011, p. 120).

A respeito das filmagens, estas só poderão ser realizadas em áreas comuns, sendo proibidas aquelas reservadas e íntimas dos empregados, como nos vestiários, banheiros, refeitórios e dormitórios, ou em quaisquer outros locais em que se exija ter o empregado preservada a sua intimidade.

Vale registrar decisão já destacada, na qual Maurício Godinho Delgado, Ministro do TST, considerou ilícita a revista realizada nos bens de uso pessoal do empregado:

Não se olvida que o poder empregatício engloba o poder fiscalizatório (ou poder de controle), entendido este como o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno. Medidas como o controle de portaria, as revistas, o circuito interno de televisão, o controle de horário e frequência e outras providências correlatas são manifestações do poder de controle. Por outro lado, tal poder empresarial não é dotado de caráter absoluto, na medida em que há em nosso ordenamento jurídico uma série de princípios limitadores da atuação do controle empregatício. Nesse sentido, é inquestionável que a Carta Magna de 1988 rejeitou condutas fiscalizatórias que agridam a liberdade e dignidade básicas da pessoa física do trabalhador, que se chocam, frontalmente, com os princípios constitucionais tendentes a assegurar um Estado Democrático de Direito e outras regras impositivas inseridas na Constituição, tais como a da “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à  igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º, caput), a de que “ ninguém será  submetido (...) a tratamento desumano e degradante” (art. 5º,  II, I) e a regra geral que declara “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5º, X). Todas essas regras criam uma fronteira inegável ao exercício das funções fiscalizatórias no contexto empregatício, colocando na franca ilegalidade medidas que venham cercear a liberdade e a dignidade do trabalhador [...]. (BRASIL, 2011).

E prossegue com exatidão:

Sob uma interpretação sistemática e razoável dos preceitos legais e constitucionais aplicáveis à hipótese, este Relator entende que a revista diária em bolsas e sacolas, por se tratar de exposição contínua da empregada a situação constrangedora no ambiente de trabalho, que limita sua liberdade e agride sua imagem, caracteriza, por si só, a extrapolação daqueles limites impostos ao poder fiscalizatório empresarial, mormente quando o empregador possui outras formas de, no caso concreto, proteger seu patrimônio contra possíveis violações. Destarte, as empresas, como a Reclamada, têm plenas condições de utilizar outros instrumentos eficazes de controle de seus produtos, como câmeras de filmagens e etiquetas magnéticas. Tais procedimentos inibem e evitam a violação do patrimônio da empresa e, ao mesmo tempo, preservam a honra e a imagem do trabalhador. (BRASIL, 2011).

Inclina-se aqui, também, no sentido de não assegurar a sua possibilidade de realização. Ainda que não haja contato físico, a revista nos bens de uso pessoal do trabalhador implica exposição indevida à sua intimidade e inegável violação à sua honra e à sua dignidade. Além disso, a revista realizada em objetos de uso pessoal do empregado faz presumir a desonestidade deste trabalhador que está sendo revistado, o que viola, portanto, o princípio geral da boa-fé objetiva no contrato de trabalho.

Observa-se que a jurisprudência prevalecente do TST vem se posicionando favoravelmente quanto à prática das revistas sobre os bens de uso pessoal do empregado, bem como sobre os espaços que são cedidos pelo empregador para que o empregado possa guardar os seus objetos pessoais no ambiente de trabalho, desde que realizada de modo impessoal, geral e sem contato físico, como sinalizam diferentes julgados:

DANO MORAL. OFENSAS RELACIONADAS À IDADE DA RECLAMANTE. REVISTA VISUAL DE BOLSAS E SACOLAS 1. O Tribunal Regional consignou que as ofensas relacionadas à idade da Reclamante não foram comprovadas e que, portanto, o dano alegado pela Autora não foi demonstrado. 2. Quanto às revistas, este Tribunal tem reiteradamente entendido que a inspeção visual de bolsas, pastas e sacolas dos empregados, sem contato corporal ou necessidade de despimento, e ausente qualquer evidência de que o ato possua natureza discriminatória, não é suficiente para, por si só, ensejar reparação por dano moral. (BRASIL, 2009).

REVISTA REALIZADA EM BOLSAS DOS EMPREGADOS. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. Esta Corte tem entendido que o poder diretivo e fiscalizador do empregador permite a realização de revista em bolsas e pertences dos empregados, desde que procedida de forma impessoal, geral e sem contato físico ou exposição do funcionário à situação humilhante e vexatória. Desse modo, a revista feita exclusivamente nos pertences dos empregados não configura, por si só, ato ilícito, sendo indevida a reparação por dano moral. No caso dos autos, o Regional não informou a existência de eventual abuso de direito, mas apenas concluiu, a partir dos fatos narrados, pela existência de dano moral por entender que a prática realizada pela empresa, a priori e por si só, expunha o empregado à situação vexatória e constrangedora, passível de reparação. Estando essa conduta amparada pelo poder diretivo do empregador, à vista do quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias, e se constatando ter havido abuso de direito, deve ser reformada a decisão em que se reconheceu a existência de dano moral bem como condenou a reclamada ao pagamento a ele correspondente. Recurso de revista conhecido e provido. (BRASIL, 2011).

Percebe-se, por meio dos julgados transcritos, que revistas sobre os bens de uso pessoal do empregado e sobre os espaços cedidos pelo empregador para o empregado guardar os seus objetos pessoais no ambiente de trabalho têm sido toleradas tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência trabalhista brasileira. A análise dos julgados trazidos à baila permite a conclusão de que a revista deve ser admitida, desde que exercida dentro dos limites do Direito.

Apesar de a doutrina e a jurisprudência trabalhistas brasileiras dominantes se posicionarem de modo a favorecer o procedimento de tais modalidades de revista nos empregados, inclina-se aqui no sentido de não assegurar a sua possibilidade de realização. Ainda que não haja contato físico, a revista nos bens de uso pessoal do trabalhador implica exposição indevida à sua intimidade e inegável violação à sua honra e à sua dignidade. Além disso, a revista realizada em objetos de uso pessoal do empregado faz presumir a desonestidade deste trabalhador que está sendo revistado, o que viola, portanto, o princípio geral da boa-fé objetiva no contrato de trabalho.

Como bem explana Marilda Silva (2007, p. 778): “São criadas na relação de emprego obrigações de ordem pessoal, onde a confiança recíproca é necessária, e a boa-fé torna-se indispensável”.

Assim sendo, a prática das revistas sobre os bens de uso pessoal do empregado não se coaduna com a função social a que se destina o contrato de trabalho, que corresponde à aplicação do princípio da proteção ao trabalhador, parte economicamente mais fraca da relação de emprego, com vistas a assegurar a sua dignidade.

Qualquer modalidade de revista viola o direito à intimidade e os princípios da presunção de inocência e da dignidade do trabalhador, causando constrangimento e desconforto ao empregado. Como o empresário é o legítimo detentor do poder empregatício, cabe a ele não só o dever de investir em outros meios para proteger o seu patrimômio, mas também o de assumir os riscos de sua atividade econômica.

Outrossim, o exercício do poder fiscalizatório do empresário, fundamentado no direito de propriedade, encontra substanciais limites nos princípios constitucionais que visam a tutelar a intimidade, a honra e a dignidade do trabalhador.

Importante observar que, com o advento da Constituição Federal de 1988, fixou-se a prioridade na proteção da dignidade da pessoa humana no âmbito das relações de trabalho. Portanto, não se pode admitir a revista sobre os bens de uso pessoal do empregado, tendo em vista que a Constituição Federal eleva, por meio do seu art. 1º, III, o foco à pessoa humana e sua dignidade.

Neste sentido, defende Souza (2008):

O argumento de legitimidade de proteção do patrimônio da empresa é hipócrita. Não há dúvidas de que, sendo a propriedade privada garantida constitucionalmente, cabe aos titulares obrarem para sua perpetuação. Mas desde a superação do liberalismo clássico de constitucionalismo garantidor dos chamados direitos de primeira geração (os direitos de liberdade), a propriedade não é mais o paradigma vigente. (SOUZA, 2008, p. 175).

Portanto, caracteriza nítido e evidente constrangimento a imposição de revista sobre os bens de uso pessoal do empregado, pois estabelece a presunção de culpa deste em face da suspeita da empresa de que possa estar sendo furtada.

 Recorrendo à visão assaz bem traçada de Desembargador Gerson Paulo Taboada Conrado (2008), o fato de todos os empregados estarem sujeitos à revista não desnatura a violação à dignidade da pessoa humana, à boa-fé, porque uma conduta ilícita não o deixa de ser pelo fato de ser aplicada a todos indistintamente.

Nesta ótica, apresente-se o pensamento de Simón (2000):

A indispensabilidade para a tutela do patrimônio é requisito que limita a própria realização da revista. Se há, por exemplo, outro tipo de controle (entrada e saída de estoque, filmagens através de circuito interno, colocação de etiquetas magnéticas, vigilância feita por serviços especializados, etc.), não há justificativa para efetivação das revistas. (SIMÓN, 2000, p. 147).

Logo, os procedimentos de revista a empregados, mesmo que realizados com ponderação e apenas com a abertura da bolsa para averiguação pelo segurança da empresa, são vexatórios e configuram, por si só, condutas ensejadoras a direito à indenização por danos morais, porquanto sua prática viola preceitos constitucionais fundamentais erigidos pela Carta Magna de 1988.

Souza (2008) também considera falho o argumento daqueles que defendem a prática da revista mesmo que apenas com a abertura de bolsas para averiguação no local de trabalho, pelas seguintes razões:

Primeiro, porque, se não fosse prática humilhante, todos os clientes seriam revistados. Segundo, porque as bolsas, mochilas e pastas não são transparentes por um motivo óbvio. Há diversos objetos de uso pessoal que podem causar vergonha caso mostrados a desconhecidos: remédios, absorventes íntimos, preservativos e outros métodos contraceptivos são apenas os mais óbvios. Apenas a particularidade psicológica de cada indivíduo pode afirmar o que lhe causa vergonha. Sobre a intimidade dos objetos pessoais do trabalhador, o empregador não tem poder diretivo ou fiscalizatório. O que se leva consigo na bolsa é para uso pessoal, não compartilhado, que faz da individualidade de cada sujeito; mostra-se o que se quer, para quem se quer e quando se desejar, não é o empregador quem decide. (SOUZA, 2008, p. 176).

Azado destacar-se posicionamento do Ministro do TST Maurício Godinho Delgado de que este tipo de ato praticado pelo empregador parte do pressuposto equivocado de presunção de má-fé de seus empregados e colaboradores. Os poderes de direção, regulamentação, disciplinamento e fiscalização do empregador não justificam atos que firam a dignidade da pessoa do trabalhador, submetendo-o a situações constrangedoras. Neste sentido, não resta dúvida, veja-se:

Obrigar o empregado a mostrar seus pertences, notoriamente fere a dignidade do ser humano, mesmo não havendo contato físico entre o segurança e o vistoriado. O trabalhador na revista fica exposto a situação vexatória e flagrantemente constrangedora sem poder contra ela se indispor porque sabe que se assim o fizer perderá a fonte de sua subsistência, aumentando a fila de desempregados. (BRASIL, 2011).

Portanto, a revista em bolsas e sacolas dos empregados, mesmo que realizada de modo impessoal, geral e sem contato físico no empregado, submete este à situação vexatória, sendo capaz de abalar o princípio da presunção da boa-fé no âmbito das relações de trabalho.

Pertinente trazer à baila ainda o pensamento de Barbosa Júnior (2008):

As revistas representam uma maneira simplista e acomodada e, acima de tudo, ilegítima e ilegal de defesa da propriedade privada, já que violam preceito fundamental do ordenamento pátrio, que coloca a dignidade humana como fundamento da República Federativa do Brasil. Nesse sentido, a prática viola o princípio da presunção de inocência, posto no inciso LVII, do art. 5 da Constituição Federal, até porque, se aos acusados são garantidos o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV), como excluir da incidência deste dispositivo os simples suspeitos? (BARBOSA JUNIOR, 2008, p. 82).

Na exposição sempre oportuna de Barbosa Júnior (2008, p. 82), vê-se que a prática das revistas sobre os bens de uso pessoal do empregado viola o princípio da igualdade, pois posiciona o empresário sob o aspecto de importância em patamar acima ao do trabalhador, valorizando o patrimônio como bem superior ao da dignidade pessoal, o que é inaceitável na Democracia.  Ademais:

É função da polícia investigar e punir possíveis furtos. Assim está estruturado o Estado brasileiro. Dessa maneira, ao desenvolver tal atividade, o empresário passa a agir como policial em atitude de fiscalização pessoal eventual, há casos também de rotina da revista sem nenhum indício de crime. Neste caso, além de desenvolver ilegitimamente a função reservada à polícia, passa a perpetrar verdadeiro assédio moral. (BARBOSA JUNIOR, 2008, p. 82).

Defende-se na presente trabalho, portanto, o posicionamento da 6ª Turma do TST, bem como da doutrina justrabalhista que afasta a prática das revistas que são realizadas sobre os bens de uso pessoal do empregado, ainda que exista autorização em norma coletiva ou previsão em regulamento empresarial para assim proceder o empregador, haja vista interferir na intimidade, honra e dignidade do trabalhador.

De forma lapidar, destaca o Ministro do TST Maurício Godinho Delgado:

Submeter os empregados e colaboradores à revista diária é partir do princípio da má-fé e o ato danoso reside exatamente neste pressuposto-regra de que o empregado e colaborador está furtando bens e produtos da loja. Ou seja, a revista decorre da presunção de que todos os empregados e colaboradores são suspeitos de ato ilícito. (BRASIL, 2011).

Há, portanto, uma relação de confiança que é estabelecida entre empregado e empregador, que nasce no momento de celebração do contrato de trabalho e que perdura no decorrer da prestação de serviços. Esta obrigação de confiança, conforme já vastamente demonstrado, representa um dos deveres oriundos do contrato de trabalho.

Ademais, como já também amplamente ilustrado, existem meios de fiscalização disponíveis ao empregador, capazes de promover a detecção automática de objetos potencialmente nocivos sem que haja a inspeção sobre os bens de uso pessoal do empregado, evitando-se, assim, situações de constrangimento ou de violação à sua intimidade, honra e dignidade.

Neste aspecto, somente em situações excepcionais, a revista poderá ser realizada, desde que necessária e de forma equilibrada, sobretudo para salvaguardar produtos da empresa de valor elevado, bem como a segurança da sociedade. Tal possibilidade deverá ser levada em conta mediante a atuação conjunta dos princípios da proporcionalidade. E tal observância faz-se necessária para evitar o excesso do poder fiscalizatório. Trata-se do caso das indústrias do ramo farmacêutico, de armamentos e de joias.

Para o caso da empresa que dispõe de informações privilegiadas e de questões afetas à segurança industrial por fabricar equipamentos aeronáuticos para a indústria civil e militar, o Ministro do TST Maurício Godinho Delgado, em decisão proferida pelo TST em 2011, estabelece que as revistas, quando realizadas, não podem ser consideradas abusivas ou arbitrárias, tendo em vista o fornecimento de armários pelo empregador na entrada da empresa para aqueles empregados que fazem a opção pela não realização da revista. Ressalta o referido Ministro do TST que, neste caso, não existe colisão entre o direito de propriedade com o direito à inviolabilidade da intimidade, por tratar-se de um uso moderado do poder fiscalizatório para o resguardo do seu patrimônio, cuja finalidade é resguardar as informações sigilosas e confidenciais da empresa.  Além disso, repita-se, abriu-se ao trabalhador a possibilidade de evitar, plenamente, tais revistas. Vale registrar trecho do seu acórdão:

[...] é inquestionável que a Carta Magna de 1988 rejeitou condutas fiscalizatórias que agridam a liberdade e a dignidade básicas da pessoa física do trabalhador, que se chocam, frontalmente, com os princípios constitucionais tendentes a assegurar um Estado Democrático de Direito e outras regras impositivas inseridas na Constituição, tais como a da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º, caput), a de que ninguém será submetido (...) a tratamento desumano e degradante (art. 5º, III) e a regra geral que declara invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X). Todas essas regras criam uma fronteira inegável ao exercício das funções fiscalizatórias no contexto empregatício, colocando na franca ilegalidade medidas que venham cercear a liberdade e a dignidade do trabalhador. Há, mesmo na lei, proibição de revistas íntimas a trabalhadoras – regra que, evidentemente, no que for equânime, também se estende aos empregados, por força do art. 5º, caput e I, CF/88 (Art. 373-A, VII, CLT). Nesse contexto, e sob uma interpretação sistemática e razoável dos preceitos legais e constitucionais aplicáveis à hipótese, este Relator entende que a revista diária em bolsas e sacolas, por se tratar de exposição contínua da empregada a situação constrangedora no ambiente de trabalho, que limita sua liberdade e agride sua imagem, caracterizaria, por si só, a extrapolação daqueles limites impostos ao poder fiscalizatório empresarial, mormente quando o empregador possui outras formas de, no caso concreto, proteger seu patrimônio contra possíveis violações. Contudo, na hipótese, o eg. TRT deixou consignado que a Reclamada fornecia armários na entrada da empresa para os empregados que optassem por não ser revistados, ou seja, havia a possibilidade de os empregados evitarem as revistas. Ressalte-se ter sido também assentado pelo Regional que as revistas se justificavam pelo fato de a Reclamada dispor de informações privilegiadas e de questões afetas à segurança industrial, pelo fato de produzir equipamentos aeronáuticos para a indústria civil e militar. Assim, em face das particularidades do caso concreto, conclui-se que as revistas realizadas não podem ser consideradas abusivas ou arbitrárias. Incólumes, portanto, os dispositivos tidos por violados no recurso de revista. (BRASIL, 2011, grifos nossos).

Sobre a autora
Rúbia Zanotelli de Alvarenga

Doutora e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MG. Professora de Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e de Direito Previdenciário. Advogada.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. As revistas realizadas nos bens de uso pessoal do empregado e nos bens de propriedade da empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3939, 14 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27514. Acesso em: 26 dez. 2024.

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