Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

As revistas realizadas nos bens de uso pessoal do empregado e nos bens de propriedade da empresa

Exibindo página 2 de 2
Agenda 14/04/2014 às 14:51

2. As Revistas realizadas sobre os bens de propriedade da empresa

Cabe destacar neste ponto que as mesmas conclusões relativas às revistas efetivadas sobre os bens de uso pessoal do empregado também se aplicam às revistas realizadas sobre os bens de propriedade da empresa (armários, gavetas de secretaria e outros espaços), que compreendem os espaços cedidos pelo empregador para que o empregado possa guardar os seus bens de uso pessoal.

Neste sentido, segue a visão de Mori (2011):

Os bens dos trabalhadores por estes transportados para o local de trabalho tais como bolsas, sacos e veículos, são continentes de objetos que podem revelar a intimidade da pessoa. No mesmo sentido, armários e gavetas de uso pessoal têm estas funções. Ainda que nestes últimos casos se possa argumentar que os continentes são de propriedade do empregador, deve-se considerar que houve temporária cessão de uso pessoal ao trabalhador, especialmente quando o empregador admite que tais compartimentos sejam trancados pelo usuário. Todos os cidadãos, homens e mulheres, são livres e têm em relação a seus bens uma legítima expectativa de privacidade sobre o conteúdo destes bens materiais. (MORI, 2011, p. 99).

Apesar de a doutrina e a jurisprudência serem permissivas em relação às revistas realizadas sobre os bens de propriedade da empresa, Simón (2000, p. 151) assinala: “Tem o agravante de que a noção constitucional de domicílio abrange os objetos, bens e locais reservados ao empregado pelo empregador, de maneira que gozam da (sic) proteção insculpida no art. 5º, XI, da Constituição Federal”.

Simón (2000) considera:

Da mesma forma que o direito de propriedade não autoriza que o locador adentre no imóvel alugado, o empregador não poderá fiscalizar, sem o consentimento do empregado, esses bens e locais. Trata-se de dar nova dimensão à noção constitucional de domicílio, que é ampla e não pode ser confundida com uma mera conceituação teórica, pois a sua essência concentra-se na função que representa o indivíduo. (SIMON, 2000, p. 150).

Barbosa Júnior (2008) também entende que a nova dimensão da noção constitucional de domicílio não deve estar atrelada ao conceito de residência. Para o autor, a noção de domicílio não compreende apenas o âmbito de recolhimento para proteção da intimidade, mas, sob avaliação constitucional, compreende-se também como entidade que permite a exclusão de pessoas indesejadas, mesmo que não se esteja se referindo à moradia habitual, incluído aí o automóvel. Nesse sentido:

Estão incluídos não só as habitações como as adjacências e outros lugares mesmo que de natureza precária e meramente ocasional, seja fixada moradia, assim sendo, sedes de associações de qualquer natureza dos estabelecimentos industriais. (BARBOSA JÚNIOR, 2008, p. 90).

É exatamente este o entendimento adotado pelo STF, ao fazer referência ampla à noção de casa ao proferir julgamento na Ação Penal nº 307-3-DF e decidir que o conceito de residência, para fins de proteção à inviolabilidade é amplo no sentido de proteger a liberdade e a privacidade pessoal do indivíduo. [2]

Desse modo, conforme Edilton Meireles (2005, p. 118): “Não se tem apenas a residência do empregado como protegida de invasões, mas, também, os locais onde exercer seu direito à privacidade, ainda que não destinados à moradia”.

Simón (2000, p. 150), ao comentar a referida decisão, afirma que essa noção de casa se revela plenamente consentânea com a exigência constitucional de proteção à esfera de liberdade individual e de privacidade pessoal. É por essa razão que a doutrina, ao destacar o caráter abrangente desse conceito jurídico, adverte que o princípio da inviolabilidade estende-se ao espaço em que alguém exerce, com exclusão de terceiros, qualquer atividade de índole profissional.

Também aqui se acolhe e se defende o entendimento dos autores que afastam a prática das revistas realizadas sobre os espaços cedidos pelo empregador para que o empregado possa guardar os seus bens de uso pessoal, como armários, mesas, gavetas, escrivaninhas, escaninhos, veículos e outros. Quando o empregador destina espaços exclusivos para os empregados agasalharem alguns objetos ou locais de uso pessoal, para seu uso e gozo, estes também passam a integrar a sua esfera íntima e privada, o que obriga, automaticamente, o empregador a respeitar a sua intimidade.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Para Manoel Jorge e Silva Neto (2005, p. 118), não assiste razão à empresa que instala equipamentos de fiscalização eletrônica e paralelamente pratica a revista íntima em seus empregados, seja pessoal ou em seus pertences e armários. Desse modo:

Se há fiscalização da planta industrial e de local qualquer onde se dá a execução do serviço, é com convicção que concluímos a respeito do rigor excessivo da empresa ao determinar as revistas, abrindo-se a possibilidade, destarte, para a rescisão indireta do contrato de trabalho, de iniciativa do empregado, conforme faculta o art. 483, “b”, da CLT, face à desproporcionalidade da atitude do empregador. (SILVA NETO, M. J., 2005, p. 118).

Deve prosperar a lição traçada por Mori (2011, p. 101) quanto ao tema em comento. Segundo o autor, não se pode concordar que somente sejam proibidas as revistas íntimas. Estatui ele com exatidão que o regime de proteção da revista íntima deve ser igual em relação às revistas de bens de propriedade ou de uso pessoal dos trabalhadores. Apesar de a exposição do corpo a terceiros e a submissão a contatos físicos indesejados sejam circunstâncias que atingem valores muito mais íntimos que aquelas que submetem os bens das pessoas a uma publicidade indesejada na escala progressiva bipolar que define a privacidade, ainda assim a exposição do conteúdo desses bens a terceiros, apenas pela subordinação jurídica de uma das partes à outra decorrente de um contrato de trabalho, não deixa de representar um desrespeito à intimidade da pessoa. Entender de forma contrária reduz eficazmente o sistema de proteção ao trabalhador. Este autor assevera que as suspeitas graves também não justificam a realização de revista diretamente pelo empregador. Sugere, assim, que as graves suspeitas sejam investigadas pela autoridade pública.

Assaz pertinente a visão traçada por Barbosa Júnior (2008), ao destacar sobre o elo de confiança que norteia a relação entre empregado e empregador:

Deverá ser destinada uma consideração de confiança total aos empregados, mantendo-os livres de constrangimentos fiscalizatórios em seus corpos e roupas, em seus espaços privativos e sobre seu patrimônio material e imaterial, observada a sua presunção de inocência e honestidade, pois o inverso caracteriza uma afronta desrespeitosa à incolumidade moral e social humana. (BARBOSA JÚNIOR, 2008, p. 92).

Como bem destaca Simón (200, p. 148), a opção da doutrina e da jurisprudência brasileiras em tolerar a realização de revistas, como expressão do poder de direção do empregador, ainda que com observância de alguns requisitos, não é feita com base no juízo de ponderação que norteia a solução das colisões de princípios e direitos. Para a autora, o entendimento até hoje dominante a respeito da revista não surgiu de um correto juízo de ponderação, visto que protege apenas o direito de propriedade em detrimento do direito à intimidade e à vida privada, bem como de todos os demais valores constitucionais (honra, imagem, igualdade, presunção de inocência, garantias dos acusados, monopólio estatal da segurança). Ao se permitir, assim, a prática de revistas, estar-se-á negando a premissa idealizada pelos autores Canotilho e Moreira (1998), segundo a qual, no confronto entre direitos, devem-se encontrar formas para se buscar a máxima observância e a mínima restrição. E mais:

Interpretando-se a Constituição como um todo e não um dispositivo isolado (princípio da unidade da Constituição), automaticamente busca-se a harmonização entre os seus preceitos, objetivando a máxima concretização dos direitos (princípio da concordância prática). Dessa forma, ao fazer prevalecer um direito sobre o outro, a restrição deve ser proporcional ao valor dos bens envolvidos (princípio da proporcionalidade). Só assim haverá justificativa para a prevalência do outro direito. (SIMÓN, 2000, p. 148).


Conclusão

Face ao exposto, avaliadas e delimitadas as noções acerca do problema das revistas realizadas pelo empregador nos bens de uso pessoal do empregado, bem como nos espaços cedidos por aquele para que este possa guardar os seus objetos pessoais, ressaltam-se a importância e a necessidade de se resguardar os princípios constitucionais da personalidade acima de quaisquer interesses da empresa ou do empregador.

Logo, serão consideradas impertinentes as práticas e intoleráveis o controle exercido pelo empregador relativo à prática de tais revistas, assim como inadmissível que o empregador submeta o empregado à situação que desrespeite ou afronte a sua integridade psíquica e moral ou que traga algum prejuízo à sua dignidade no ambiente de trabalho.

Trata-se, portanto, de se estabelecer limites ao poder empregatício, de modo que somente em situações excepcionalíssimas, nas quais o tipo de atividade empresarial imponha maior controle sobre as entradas e a s saídas das empresas, as revistas se tornam válidas. Ilustrativamente: indústrias fabricantes de drogas lícitas, de substâncias tóxicas ou explosivas, por demandarem controle das autoridades e por implicarem risco à sociedade. Do mesmo modo, empresas que lidem com joias e armamentos. Importante observar, contudo, que, nestes casos exceptivos, a revista deve ser o mais cuidadosa possível de modo a equilibrar o respeito ao indivíduo com o imperativo fiscalizatório.


Referências Bibliográficas

BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalhador. São Paulo: LTr, 2003.

BARBOSA JÚNIOR, Floriano. Direito à intimidade: direito fundamental e humano na relação de emprego. São Paulo: LTr, 2008.

BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. RR 1580800.02.2007.5.09.0007. Relator: Ministro Maurício Godinho Delgado, DEJT, Brasília, 25 mar. 2011.

BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. RR 7177/2001.003.09.00. Relatora: Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, DEJT, Brasília, 18 set. 2009.

BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. RR 131900.02.2005.5.09.0020, Relator: Ministro José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, DEJT, Brasília, 28 out. 2011.

GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos humanos, princípio da igualdade e não discriminação. São Paulo: LTr, 2010.

MASCHIETTO, Leonel. Revista íntima. Efetividade dos direitos fundamentais do empregado. Limites do poder de direção do empregador. In: CALVO, Adriana; ROCHA, Andrea Presas (Coord.). Direitos fundamentais aplicados ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2010.

MEIRELES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego. São Paulo: LTr, 2005.

MORI, Amaury Haruo. O direito à privacidade do trabalhador no ordenamento jurídico português. São Paulo: LTr, 2011.

NUNES, Rosana Marques. A revista íntima como cláusula restritiva de direitos fundmaentais no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011.

SANTA CATARINA, Tribunal Regional do Trabalho. RO 01103. 2007.035.12.00.0. Relator: Des. Gerson Paulo Taboada Conrado, 3ª Turma, DEJT, Santa Catarina, Florianópolis, 10 set. 2008.

SILVA, Marilda Silva Farracioli. O uso do correio eletrônico na relação de emprego e sua proteção jurídica. In: DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo; POMBO, Sergio Luiz da Rocha (Coord.) Direito do trabalho: reflexões atuais. Curitiba: Juruá, 2007.

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direitos fundamentais e o contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2005.

SIMÓN, Sandra Lia. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do empregado. São Paulo: LTr, 2000.

SOUZA, Rodrigo Trindade. Função social do contrato de emprego. São Paulo: LTr, 2008.

VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos da personalidade nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006.


Nota

[2] STF, Pleno, Ação Penal nº 307-3-DF, Serviço de Jurisprudência do STF, Ementário STJ nº 18.094-11.

Sobre a autora
Rúbia Zanotelli de Alvarenga

Doutora e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MG. Professora de Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e de Direito Previdenciário. Advogada.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. As revistas realizadas nos bens de uso pessoal do empregado e nos bens de propriedade da empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3939, 14 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27514. Acesso em: 2 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!