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A ação monitória e seu cabimento contra a fazenda pública

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Agenda 01/03/2002 às 00:00

8. O Procedimento Monitório no Direito Comparado

Os processos monitórios podem ser de dois tipos diferentes: o processo monitório documental, que requer que o direito do autor se baseie em prova documental e o processo monitório não documental, que não o exige, como na Alemanha e na Áustria que têm procedimento monitório puro, que prescinde de prova documental..

Nelson Nery Júnior9 esclarece que " há ordenamentos que optaram pelo procedimento monitório puro, que prescinde da existência de prova documental para ser iniciado. Outros adotaram o modelo do procedimento monitório documental, no qual se exige esteja aparelhado com documento comprobatório da probabilidade da existência do direito alegado pelo autor."

No direito comparado, o procedimento monitório é praticamente acolhido em quase todas as legislações do direito romano-germânico. Na Itália, temos o procedimento di ingiunzione; na Alemanha e na Áustria, o mahnverfahen; na França e na Bélgica a injonction de payer; no Uruguai, há um procedimento monitório puro, que é o procedimento monitório presuncional, em que se pode prescindir de um documento.

O processo monitório trazido ao ordenamento jurídico pátrio é do tipo documental e escrito, o que ocasiona limitações no uso do procedimento injuncional na cobrança de créditos que têm por base prova gerada por recursos computacionais e de informática ou guardados através de meios magnéticos, por exemplo.


9. A Admissibilidade da Ação Monitória contra a Fazenda Pública

A questão da admissibilidade da ação monitória contra a Fazenda Pública tem suscitado grandes divergências por parte da doutrina.

Uma corrente sustenta não ser cabível o procedimento monitório em face da Fazenda Pública, mormente quando se tratar de prestação pecuniária, em razão das particularidades que caracterizam o procedimento previsto para a execução por quantia certa contra ela, regulado pelo art. 730 do CPC e pelo art. 100 da Constituição Federal de 1988, defendendo a impossibilidade de se expedir mandado monitório, persuadindo a Fazenda Pública ao pagamento, ante a indisponibilidade de seus direitos. Além disso, entendem que a exigência do reexame necessário, de qualquer sentença condenatória obtida contra a Fazenda Pública, previsto no art. 475, inciso II do CPC, impede que se opere o trânsito em julgado do mandado monitório, acaso não haja a interposição de embargos.

Em suma, a corrente doutrinária contrária ao cabimento da ação monitória contra a Fazenda Pública fundamenta seu entendimento nos seguintes argumentos :

1)Inadequação ao art. 730 do CPC e ao comando constitucional esposado no art. 100 da Constituição Federal - Contra a Fazenda Pública deve haver, segundo Vicente Greco Filho5, "título sentencial, com duplo grau de jurisdição, para pagamento por meio de ofício requisitório, tal como previsto no art. 100 da Constituição da República, e dotação orçamentária. Contra a Fazenda Pública não se admitem ordem para pagamento e penhora, devendo, pois, haver processo de conhecimento puro, com sentença de duplo grau de jurisdição e execução, nos termos do art. 100 da Constituição." Corroborando esse entendimento José Rogério Cruz e Tucci3 ensina que "o comando contido no mandado de pagamento não pode ser atendido pela Fazenda Pública exatamente porque não é revestido daqueles predicados legais que conotam os títulos judiciais contra aquela exeqüíveis", circunstância essa que desnatura, ex radice, o procedimento monitório.

2)No caso da ausência de embargos não haveria o trânsito em julgado do mandado monitório, face o reexame necessário previsto no art. 475, II do CPC. – Humberto Theodoro Júnior10 defende que "a Fazenda Pública tem garantia do duplo grau de jurisdição obrigatório, a ser aplicado em qualquer sentença que lhe seja adversa" sendo incabível, portanto, a via injuncional contra o Poder Público.

3)No caso de não pagamento, nem interposição de embargos, a revelia não produz contra a Fazenda Pública o efeito da confissão, aplicável aos demandados comuns, pelo comando do art. 320, II do CPC. - A esse respeito, Antônio Carlos Marcato7 acrescenta ainda, como argumento contrário à admissibilidade da utilização da via injuntiva contra a Fazenda Pública, "que não se opera, em relação a ela, o efeito da revelia, circunstância que inviabilizaria a obtenção do título executivo calcado na ausência de embargos oportunos".

4)É vedado à Fazenda Pública cumprir voluntariamente o mandado monitório, ante a indisponibilidade dos seus direitos. Eduardo Talamini13 sustenta que a função essencial da ação monitória, que é a rápida autorização da execução é incompatível com "a indisponibilidade do interesse público – garantia constitucional que é decorrência direta do princípio republicano."

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Entretanto, em que pese o talento e o brilhantismo dos doutrinadores citados, contrários a tese de que é cabível a ação monitória em face da Fazenda Pública, entendemos ser perfeitamente cabível contra ela a utilização da via injuntiva, senão vejamos :

A necessidade de expedição de precatório não representa empecilho à opção do credor pela via injuncional em face da Fazenda Pública, pois o título executivo obtido através dela é antecedente à sua execução. Em outras palavras, como a execução do título judicial é posterior à ação monitória, nada obsta que ela se dê nos termos do art. 730 do Código de Processo Civil, respeitando aos ditames do art. 100 da Constituição Federal.

A remessa de ofício, para o reexame necessário pelo segundo grau de jurisdição, regra prevista no art. 475, inciso II do CPC, igualmente não impede a utilização da ação monitória contra o Poder Público, porque mesmo que não embargada a ação monitória pela Fazenda Pública, deve ser observada a regra inserta no dispositivo legal em alusão, afastando, via de conseqüência, o óbice do inciso II do art. 320 do CPC. Carreira Alvim2, esposa o mesmo entendimento quando ensina que o "argumento de que as sentenças contra a Fazenda Pública estão sujeitas à remessa de ofício não afasta a aplicação dos arts. 1.102 a a 1.102 c, pois o que a monitória objetiva é ‘apressar’ a formação do título executivo, e, mesmo admitindo a aplicação do art. 475, II, ganhar-se-á em rapidez com a cognição sumária."

Ademais, o procedimento monitório exige prova pré-constituída, sendo ônus do autor provar sua pretensão, colacionando o documento apto a instruir o feito injuntivo, bem como provar os fatos constitutivos de seu crédito, o que afasta igualmente a hipótese do art. 320 do CPC.

A indisponibilidade dos direitos da Fazenda Pública é relativa. O administrador público pode cumprir voluntariamente o mandado de pagamento, sendo conduta condizente, inclusive, com o princípio da moralidade da administração pública. Além disso, o procedimento injuntivo traz vantagem ao devedor que paga voluntariamente, cumprindo o mandado monitório, porque dispensa o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios como preceituado no § 1º do art. 1.102, c do CPC. Dessa forma, caso o administrador público opte por cumprir o mandado monitório, essa decisão até mesmo favorece a Fazenda Pública pela isenção mencionada.

Outro ponto importante a ser observado é que, acaso a Fazenda Pública interponha embargos se insurgindo contra a ação monitória, eles serão processados pelo rito ordinário, seguindo todos os ditames inerentes às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Carreira Alvim2 defendendo esse entendimento bem salienta que "inexiste qualquer incompatibilidade entre a ação monitória e as pretensões de pagamento de soma de dinheiro contra o Poder Público..... Nesse sentido, doutrina GARBAGNATI, para quem a pronúncia de um decreto de injunção é seguramente admissível em face da Administração Pública, nos mesmos limites em que se permite ao credor de uma soma de dinheiro exercer contra ela uma ação de condenação do âmbito de um processo ordinário de conhecimento. O procedimento monitório, tanto quanto o ordinário, possibilita a cognição plena, desde que a Fazenda Pública ofereça embargos. Assim, se o credor dispõe de um cheque emitido pela Fazenda Pública, que tenha perdido a eficácia de título executivo, nada impede se valha da ação monitória para receber o seu crédito; identicamente, aquele que dispõe de um empenho ou qualquer documento de crédito que atenda aos requisitos legais, dispõe de documento idôneo para instruir o pedido monitório. Se não forem oferecidos embargos, forma-se o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo, prosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV...".

Cândido Rangel Dinamarco4 ensina que "em sua obra pioneira, José Rogério Cruz e Tucci nega a admissibilidade do procedimento monitório tendo por ré a Fazenda Pública, invocando a regra pela qual os pagamentos devidos por ela serão feitos na ordem de entrada dos precatórios... Mas o pagamento nessa fase não é pagamento por força de condenação; é satisfação voluntária, tanto quanto o que se faz em atendimento a uma cobrança, acrescentando-se ainda que, pagando, o demandado fica isento de arcar com os honorários do credor. Se não pagar nem opuser embargos, então expedir-se-á precatório e cair-se-á no império daquelas normas de execução contra a Fazenda Pública."

Entendemos, porém, que antes da expedição do precatório, mencionada pelo célebre mestre, o juiz a quo deve submeter o título executivo judicial obtido no procedimento monitório ao segundo grau de jurisdição através da remessa obrigatória, atendendo-se o preceituado no artigo 475, inciso II, do CPC.

Sobre a admissibilidade da ação monitória contra o Poder Público, já há precedente no Superior Tribunal de Justiça. De fato, a Quarta Turma do STJ foi unânime em indeferir o Recurso Especial nº 196.580 – MG, proposto pelo município de Botelhos, cujo relator foi o Ministro Sálvio de Figueiredo14. A ementa do decisum frisou que "diante das características e objetivos do procedimento monitório, e também por inexistir qualquer óbice relevante, tem-se por admissível a adoção desse procedimento também contra à Fazenda Pública."

O Desembargador José Mauri Moura Rocha, do Tribunal de Justiça do Ceará, no julgamento da Apelação Cível 99.05730-1, salientou que "os princípios constitucionais e processuais que norteiam as ações contra a Fazenda Pública, inequivocamente, não representam qualquer óbice ao ajuizamento da ação monitória contra tais entes públicos, ainda que, contenha em seu bojo pagamento de soma em dinheiro."

Dessa forma, plenamente plausível a possibilidade de demandar a Fazenda Pública através do novel procedimento injuncional previsto no art. 1.102 "a" e seguintes do CPC.


10. Conclusões

O procedimento monitório, do tipo documental e escrito, foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 9.079, de 14 de julho de 1995, e tem como finalidade principal abreviar a obtenção do título executivo, sem as agruras e a morosidade do procedimento ordinário.

A possibilidade de ajuizamento de ação monitória contra a Fazenda Pública tem sido uma questão polêmica entre os estudiosos do Direito desde a entrada em vigor desta espécie de procedimento em 1995.

Para muitos juristas, a necessidade de expedição de precatório para a quitação da dívida, a indisponibilidade do direito sobre os bens da Fazenda Pública e a remessa obrigatória da causa que condena o ente administrativo para o exame do órgão judicial superior, dentre outros aspectos, restringem a ação monitória aos conflitos entre particulares.

Porém, os princípios constitucionais e processuais que norteiam as ações contra a Fazenda Pública, inequivocamente, não representam qualquer embaraço ao ajuizamento da ação monitória contra tais entes públicos, ainda que, contenha em seu bojo prestação pecuniária.


11. Bibliografia

1. BORGES, Leonardo Dias. Tutela Antecipada e Ação Monitória na Justiça do Trabalho, LTr, 1998.

2. CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Procedimento Monitório. 2ªed. Curitiba: Juruá, 1997.

3. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ação Monitória, 2ª ed., RT, São Paulo, 1997.

4. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo : Malheiros, 1995.

5. GRECO FILHO, Vicente. Comentários ao Procedimento Sumário, ao Agravo e à Ação Monitória. São Paulo : Saraiva, 1996.

6. GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação monitória. RJ Consulex, nº 06, 1997.

7. MARCATO, Antônio Carlos, O Procedimento Monitório Brasileiro, Ed. Malheiros.

8. MARCATO, Antônio Carlos. Procedimentos Especiais. 8ª ed., São Paulo : Malheiros, 1999.

9. NERY JUNIOR, Nelson. Atualidades sobre o processo civil. 2a ed., São Paulo : Revista dos Tribunais, 1996.

10. NERY JUNIOR. Nelson, e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. 4a ed., São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999.

11. PAULA, Alexandre de. Código de processo civil anotado. 7ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

12. SALVADOR, Antônio Raphael Silva. Da ação monitória e da tutela jurisdicional antecipada, São Paulo : Malheiros Editores, 1996.

13. TALAMINI, Eduardo, Tutela Monitória, RT

14. TEIXEIRA, Min. Sálvio de Figueiredo, REsp. 196.580-MG – STJ.

15. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II, 28a ed., Rio de Janeiro : Forense, 2000.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS FILHO, José Carlos. A ação monitória e seu cabimento contra a fazenda pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2787. Acesso em: 25 dez. 2024.

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