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Princípios: características e funções

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Agenda 09/05/2014 às 12:41

A constitucionalização dos princípios de direito representa a sua positivação no mais alto escalão. Com isso, não apenas lhes é atribuída normatividade jurídica, mas eles se tornam as normas das normas, donde haurem e onde encontram seus limites materiais e morais.

INTRODUÇÃO.

O presente trabalho trará informações acerca da evolução dos princípios gerais de direito até alcançarem o status de princípios constitucionais, verificando, ainda, qual o real conteúdo do vocábulo princípio.


1 O CONCEITO DE PRINCÍPIO.

Nota-se que juristas e doutrinadores afirmam, praticamente em uníssono, a importância dos princípios de Direito na formação e na interpretação de normas positivas. Nesse sentido, Paulo Bonavides1 entende que o estudo do constitucionalismo contemporâneo exige que se investigue a função dos princípios. Por outro lado, intensos debates doutrinários se travam a propósito da conceituação e da normatividade dos princípios.

André Ramos Tavares colaciona diversos conceitos de princípios. Do cotejo entre eles, nota-se a tendência a defini-lo como um vetor de organização de um sistema de idéias, pensamentos ou normas, de sorte que todas as demais idéias, pensamentos ou normas dele derivem, a ele se reconduzam ou se subordinem2.

Paulo Bonavides lembra que, ainda no início do século XX, entendia-se que “princípio de Direito é o pensamento diretivo que domina e serve de base à formação das disposições singulares de Direito de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um Direito Positivo”3.

Outro conceito de princípio, atribuído pelo sobrecitado autor a Norberto Bobbio, fixa a seguinte orientação:

“Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico”4.

Percebe-se sensível diferença entre os dois conceitos. Enquanto o primeiro afirma que os princípios são a matéria-prima necessária à formação das regras de um ordenamento jurídico, o segundo defende que eles são postulados deduzidos da relação entre aquelas regras.

Do exposto surge a conclusão de que há diferença conceitual entre regras e princípios e de que à dúvida cronológica (ou seja, quem surge primeiro) corresponde uma questão de primazia entre princípios e regras de direito.

Ademais, não obstante a diversidade dos pontos de vista, ambas se omitem a respeito de um ponto fundamental: a normatividade dos princípios. Aqui se entende normatividade como o atributo próprio de formulações que pertencem ao mundo jurídico e, como tal, devem ser respeitados pelos entes sociais e pelas demais regras do sistema jurídico. Estas questões orientarão o estudo desenvolvido nos próximos itens.


2 Histórico dos princípios sob a ótica da normatividade.

O presente tema abordará a evolução histórica das idéias a propósito da normatividade dos princípios. Isto porque, conforme observam George Salomão Leite e Glauco Salomão Leite, “a concepção de princípios, sua natureza, importância e normatividade estão intrinsecamente ligadas ao pensamento jurídico em que eles se enquadram”5.

Pode-se descrever a evolução histórica da normatividade dos princípios gerais de Direito e a sua correspondente positivação em três fases distintas: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista6.

O primeiro momento histórico a analisar corresponde à fase jusnaturalista. Preponderante na doutrina principiológica por um longo período, tal corrente se valia de um espírito metafísico, fixando a importância dos princípios de Direito em relação a determinado ordenamento na circunstância de residirem numa esfera imoderadamente abstrata e superior em relação às demais normas jurídicas.

Nesse sentido, afirma esta doutrina que os princípios gerais de Direito são normas construídas pela justa razão. Conforme assinala Paulo Bonavides, são “normas universais de bem obrar. São os princípios de justiça, constitutivos de um Direito ideal”7. Assim, tendem a ser compostos por paradigmas tidos por corretos, advindos da interpretação de conceitos metafísicos.

Em sentido semelhante, assinalam George Salomão Leite e Glauco Salomão Leite:

“Os princípios no Jusnaturalismo localizam-se nesta ordem supralegal, de tal modo que não integram o direito posto criado pelos agentes estatais. Entretanto, eles encerram valores máximos, que correspondem a um ideal de Justiça e de Direito, assumindo a roupagem de princípios do direito natural. Guardam, desse modo, identificação com axiomas jurídicos universais advindos da natureza humana e revelados pela reta razão. Por se situarem nesta esfera tão abstrata e distante, os princípios possuem uma normatividade basicamente nula e duvidosa. São carecedores, portanto, de carga jurídica e de vinculatividade”8.

Desta sorte, a intensidade ético-valorativa que subjaz à criação das normas de Direito não condiz com o conteúdo duvidoso e com os contornos rudimentares dados à questão da normatividade dos princípios pelo pensamento jusnaturalista.

É de se ponderar que o Jusnaturalismo formou-se para combater o Dogmatismo medieval, na tentativa de combater a justificação teológica da sociedade e de suas instituições. Nesse sentido, observam Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos:

“O advento do Estado Liberal, a consolidação dos ideais constitucionais em textos escritos e o êxito do movimento de codificação simbolizaram a vitória do direito natural, seu apogeu. Paradoxalmente, representaram, também, sua superação histórica”9.

De fato, já no início do século XIX os direitos naturais haviam se incorporado a praticamente todos os ordenamentos jurídicos positivos.

Neste cenário é que surgiu a segunda fase da evolução histórica aqui noticiada, qual seja, o juspositivismo. Historicamente, no período a ela correspondente, os Códigos e leis esparsas passaram a absorver vários enunciados correspondentes aos princípios.

Pode-se associar o surgimento do positivismo jurídico ao positivismo filosófico:

“O Positivismo Filosófico foi fruto de uma crença exacerbada no poder do conhecimento científico. Sua importação para o Direito resultou no Positivismo Jurídico, na pretensão de criar-se uma Ciência jurídica, com características análogas às Ciências Exatas e Naturais. A busca de objetividade científica, com ênfase na realidade observável e não na especulação filosófica, apartou o Direito da Moral e dos valores transcendentes. Direito é norma, ato emanado do Estado com caráter imperativo e força coativa. A Ciência do Direito, como todas as demais, deve fundar-se em juízos de fato, que visam ao conhecimento da realidade, e não em juízos de valor, que representam uma tomada de posição diante da realidade. Não é no âmbito do Direito que se deve travar a discussão acerca de questões como legitimidade e justiça”10.

Nesse sentido, o positivismo reservava aos princípios a função de fonte normativa de caráter subsidiário, algo como válvulas de segurança destinadas a preservar a integridade do sistema jurídico11.

Rejeitando a vaguidade dos conceitos manejados pelos jusnaturalistas, o positivismo jurídico terminou por confinar todo o Direito dentro dos estreitos limites das regras escritas. Assim, o conteúdo dos princípios se identificaria a partir de sucessivas generalizações dos próprios textos escritos12. Este procedimento era possível porque se entendia o Direito Positivo como um sistema coerente. Desta forma, o valor dos princípios não se atribuiria ao Direito Natural, mas às próprias leis que os encerram.

Com esteio nestas afirmações, pode-se entender que a mais importante desavença entre juspositivistas e jusnaturalistas reside na crença destes de que os princípios extraídos do próprio ordenamento jurídico positivo são incapazes de preencher as lacunas da lei – conseqüentemente, era necessário recorrer aos ditames do Direito Natural13.

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Por força do raciocínio exposto até aqui, é forçoso concluir que o pensamento juspositivista, ao fazer dos princípios constitucionais meras disposições programáticas supralegais, acaba por negar-lhes a nota da normatividade. Portanto, têm-nos por juridicamente irrelevantes.

Norberto Bobbio sinaliza que os princípios são, inegavelmente, normas jurídicas, não obstante, dotados de algumas características que os diferenciam das outras normas encontradas no ordenamento jurídico14.

A derrocada do positivismo jurídico é freqüentemente associada à derrota do nazi-fascismo. Isto porque tais movimentos políticos (flagrantemente excludentes) tanto a sua chegada ao poder, quanto a barbárie a ela subseqüente, foram realizadas dentro do quadro da mais estrita legalidade:

“Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Ao fim da II Guerra Mundial a idéia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais aceitação no pensamento esclarecido”15.

A terceira fase desta evolução histórica do pensamento jurídico é chamada de pós-positivista. Este signo designa um ideário complexo, em que se encontram as relações entre valores, princípios e regras e a teoria dos direitos fundamentais, agora ordenada a partir do fundamento da dignidade humana16.

A ela correspondem as Constituições promulgadas nas últimas décadas do século XX. Estas Cartas estabeleceram os princípios como base normativa sobre a qual se constrói todo o sistema constitucional e, conseqüentemente, infraconstitucional.

Paulo Bonavides lembra o magistério de Dworkin, identificando-o como o maior expoente desta fase:

“(...) parte Dworkin para a necessidade de tratar-se os princípios como direito, abandonando, assim, a doutrina positivista e reconhecendo a possibilidade de que tanto uma constelação de princípios quanto uma regra positivamente estabelecida podem impor obrigação legal, (...) ao contrário do que costumavam fazer os clássicos do positivismo, preconceitualmente adversos à juridicidade dos princípios e, por isso mesmo, abraçados, por inteiro, a uma perspectiva lastimavelmente empobrecedora da teoria sobre a normatividade do Direito”17.

De acordo com a linha de pensamento seguida pelos positivistas, os princípios de Direito não são mais do que diretrizes teóricas, cuja função máxima é a colmatação de lacunas na legislação. Se estivesse correta esta assertiva, forçosa seria a conclusão de que, ao lançar mão de um princípio para solucionar um caso específico, o juiz está ditando o conteúdo da norma. Isto equivale a dizer que o magistrado estaria criando a norma, ao invés de aplicá-la, conforme realmente haveria de ser.

Assim, o pós-positivismo aproveita a concepção de que alguns princípios podem ser deduzidos a partir da análise sistemática dos textos legais – sobretudo da Constituição Federal. Ademais, anexa-se a esta tese a constatação de que os textos constitucionais passaram a consignar explicitamente a existência e, até mesmo, alguns contornos conceituais de postulados até então vagos e indeterminados. Entretanto, esta corrente supera o positivismo ao afirmar a normatividade dos princípios estejam ou não consignados nos textos legais.


3 A normatividade como essência dos princípios.

Conforme já indica o escorço histórico das linhas anteriores, cumpre evidenciar que a normatividade é característica inerente aos princípios. Repita-se: aqui se entende normatividade como o atributo próprio de formulações que pertencem ao mundo jurídico e, como tal, devem ser respeitados pelos entes sociais e pelas demais regras do sistema jurídico.

De fato, a característica essencial da norma jurídica não está em um imperativo de ordem volitiva, da ordem do ser, nem em um juízo cognitivo, da ordem do conhecer. Em verdade, a norma jurídica reside em esfera própria, a do “dever-ser”. Desta sorte, sua estrutura lógica está marcada por uma locução descritiva, seguida por uma locução prescritiva. Esta última é marcada por um dos modais deônticos: obrigatório, proibido ou permitido18.

Ronald Dworkin19 ressalta que o motivo pelo qual a doutrina juspositivista negava aos princípios o atributo da normatividade era uma concepção restrita do que fosse obrigação jurídica. Observa que aqueles doutrinadores consideravam esta incompatível com a discricionariedade. Sustenta o autor que existe obrigação jurídica (portanto, normatividade), sempre que as razões que fundamentam tal obrigação, em função de diferentes classes de princípios jurídicos obrigatórios, são mais fortes do que as razões ou argumentos contrários.

Paulo Bonavides assinala que o primeiro doutrinador a abordar a normatividade dos princípios foi Vezio Crisafulli, já em 1952:

“Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém”20.

Prosseguindo, Paulo Bonavides lembra seis elementos do conceito de princípio trazidos por Ricardo Guastini:

“De início, salienta que o vocábulo “princípio” é utilizado para referir-se a normas ou disposições normativas dotadas de um alto grau de generalidade. Assim, de acordo com o autor, os princípios não são formulados em razão de uma situação em particular, mas em razão de uma gama imensurável de situações de fato”.

“Em segundo lugar, o vocábulo se refere a normas ou disposições normativas dotadas de um alto grau de indeterminação. E é justamente por esta razão que demandam, para sua operabilidade, certo labor interpretativo, sem o qual não seriam oponíveis em casos concretos”.

“Terceiro, o vocábulo é empregado quando os autores pretendem se referir a normas conferidas de um forte caráter programático. Logo, os princípios também exprimem esquemas genéricos, simples programas a serem desenvolvidos ulteriormente pela atividade dos legisladores ordinários, bem como objetivos do ordenamento e diretrizes de seu funcionamento”.

“Em quarto lugar, os juristas comumente se utilizam do termo para designarem normas infligidas de altiva posição na hierarquia das fontes de Direito”.

“Em quinto lugar, utiliza-se do vocábulo para se referir a normas dotadas de uma função importante e fundamental no sistema jurídico, seja em um sistema amplamente considerado (todo o ordenamento) ou em um sub-sistema qualquer (Direito Civil, Penal, Processual)”.

“Por último, mas não menos importante, (...) o termo “princípio” é empregado para designar normas dirigidas aos órgãos de aplicação do Direito, cuja específica função é fazer a escolha dos dispositivos ou normas aplicáveis aos casos concretos”21 (grifos do original).

Classicamente, o fato de não virem os princípios transcritos em disposições legislativas lhes custava a normatividade. A chamada velha hermenêutica22, doutrina dominante em grande parte da história constitucionalista mundial, se utilizava tanto daquela ausência de princípios gerais nos textos constitucionais quanto de seu alto grau de indeterminação para deles extirpar a falada normatividade, atribuindo-lhes propriedades de mandamentos mera e exclusivamente programáticos.

Contrapondo-se a esta tese, surgiu o entendimento de que a normatividade (vigência, validade e obrigatoriedade) dos princípios não se prendem ao singelo fato de figurarem nos textos legais. Diferentemente, tal circunstância seria meramente incidental, como o registro civil o é para a vida física23.

Convencendo-se da normatividade dos princípios, José Joaquim Gomes Canotilho os define como “normas jurídicas impositivas de uma optimização”24. Assinala, ainda, que um sistema jurídico ideal deve conter regras e princípios.

Outro argumento relevante se refere à particular forma como se evidencia o conteúdo de um princípio. Estejam ou não explicitados em algum texto legal, os princípios exprimem sua normatividade por meio do trabalho jurisprudencial. Assim, a chamada jurisprudência dos valores ou jurisprudência dos princípios declara o sentido próprio a um princípio, embora não o crie25.

Este aspecto da discussão a propósito da normatividade dos princípios é definitivamente sepultado pela positivação constitucional dos princípios gerais de Direito. Tal movimento corresponde a uma revolução de juridicidade e os princípios, até então chamados gerais, passam a ser denominados constitucionais26. Não obstante esta circunstância, restam vários outros aspectos a analisar a respeito da normatividade dos princípios.

As linhas seguintes serão destinadas a verificar se os princípios são entidades jurídicas e como tal, obrigatórias. Em caso positivo, analisar-se-ão as diferenças porventura existentes entre eles e as demais regras jurídicas.


4 Da diferenciação entre regras e princípios.

Na esteira dos argumentos tratados até aqui, é possível afirmar que os princípios são normas jurídicas. Entretanto, também se pôde verificar que eles se apresentam como uma particular espécie normativa. O presente item se ocupará de destrinchar esta questão, contrapondo às normas-princípios as doravante chamadas normas-regras.

Conforme já se disse, a característica fundamental da norma jurídica não reside em um imperativo de ordem volitiva (da ordem do ser), nem em um juízo cognitivo (da ordem do conhecer). De fato, a norma jurídica pertence a uma dimensão própria, a do dever-ser. Nesse sentido, já se escreveu que sua estrutura está marcada por duas locuções: uma descritiva e uma prescritiva27. Além disso, esta última é freqüentada por um dos modais deônticos: obrigatório, proibido ou permitido28.

Partindo deste conceito de norma jurídica, é possível afirmar que dentre elas há as que encerram regras e outras que consagram princípios29. Esta dicotomia é sinalizada pela doutrina há muito e os critérios de segregação oferecidos são muito variados.

Inicialmente, Paulo Bonavides30 identifica que parte da doutrina define as regras como normas que se dirigem imediatamente à regulação da conduta prescrita, referindo-se a fatos. De outro lado, os princípios seriam normas de estrutura, que aformoseiam valores. Nesse sentido, a estrutura lógica de regras seria distinta da dos princípios.

Tal fenômeno seria explicado pela própria circunstância de que as regras vinculariam a fatos hipotéticos específicos um modal deôntico (‘proibido’, ‘obrigatório’, ‘permitido’). Por outro lado, isto não aconteceria com os princípios, que não se referem a qualquer fato em particular e exprimem uma prescrição programática genérica, a ser concretizada dentro das possibilidades jurídicas e fáticas31.

Assim, as demais diferenças derivariam desta distinção estrutural básica.

Pode-se encontrar na doutrina diversos critérios que permitem a distinção entre regras e princípios.

Humberto Ávila32 analisa várias concepções doutrinárias a respeito da diferenciação entre regras e princípios. Com base nestas investigações, identifica e analisa criticamente três critérios, quais sejam, o do caráter hipotético-condicional, o do modo final de aplicação e o do conflito normativo. Mencione-se que os dois últimos são intimamente ligados e serão tratados no próximo item, em função de sua relevância.

O critério da diferenciação pelo caráter hipotético-condicional consistiria na concepção de que o mecanismo de funcionamento das regras pressupõe a previsão de uma hipótese e de uma conseqüência que predeterminam a decisão. De outro lado, o funcionamento dos princípios importaria na indicação do fundamento a ser utilizado pelo aplicador do direito ao identificar a regra adequada ao caso concreto33. Segundo o autor, esta definição permeia as obras de Josef Esser e de Karl Larenz.

O autor entende que tal critério tem o grande mérito de associar às normas uma estrutura descritiva e definir que princípios apenas sinalizam uma diretriz de atuação. Entretanto, faz reparos a esta concepção.

Uma das principais objeções é que a previsão de uma hipótese e de uma conseqüência é uma questão de formulação lingüistica. Assim, tanto regras quanto princípios podem dela se servir. Exemplificando esta circunstância, o autor menciona que se pode empregar a técnica própria das regras para enunciar o princípio democrático, assim: “se o poder estatal for exercido, então deve ser garantida a participação democrática”34.

Outra observação é de que ao se empregar este critério a natureza da espécie normativa dependeria bastante da maneira como o intérprete a analisa. Dessa forma:

“O dispositivo constitucional segundo o qual se houver instituição ou aumento de tributo, então a instituição ou aumento deve ser veiculado por lei, é aplicado como regra se o aplicador, visualizando o aspecto imediatamente comportamental, entendê-lo como mera exigência de lei em sentido formal para a validade da criação ou aumento de tributos; da mesma forma, pode ser aplicado como princípio se o aplicador, desvinculando-se do comportamento a ser seguido no processo legislativo, enfocar o aspecto teleológico, e concretizá-lo como instrumento de realização do valor liberdade para permitir o planejamento tributário e para proibir a tributação por meio de analogia, e como meio de realização do valor segurança, para garantir a previsibilidade pela determinação legal dos elementos da obrigação tributária e proibir a edição regulamentos que ultrapassem os limites legalmente traçados”35 (grifos do original).

Assim, a técnica de prescrição de comportamentos pode ser empregada enunciar regras e princípios e, exatamente por isso, não é suficiente à distinção entre estas duas espécies normativas.

Levando-se em consideração estas observações traçadas por Humberto Ávila, pode-se entender que o primeiro critério por ele analisado (o do caráter hipotético-condicional) realmente não se presta à diferenciação entre regras e princípios.

Além deste critério, aparentemente abandonado pela doutrina, podem-se colacionar vários outros. Assim, princípios e regras se diferenciariam:

“(1) pelo grau de abstração, onde se tem os princípios como bem mais abstratos e vagos em sua formulação; (2) pelo grau de determinabilidade de aplicação, que, como conseqüência de (1), implica na necessidade da intermediação normativa de outros princípios e regras para facilitar a aplicação de princípios, enquanto regras se deixam aplicar diretamente com facilidade; (3) pelo conteúdo de informação, bem menor nas regras, que se reportam a um determinado fato, nela tipificado, enquanto os princípios referem-se a valores, o que permite uma ampliação de seu conteúdo com maior facilidade; (4) pela separação ‘onto-lógica’ radical de ambos os tipos de normas, que não se tem, por exemplo, a possibilidade de princípios, em virtude de sua natureza existirem implicitamente no sistema normativo, algo impensável para regras, ou ainda a circunstância de regras contraditórias gerarem uma antinomia normativa, a ser desfeita com o afastamento de uma delas, ao passo que é da própria natureza dos princípios, como já salientamos, apresentarem-se como contrapostos uns aos outros”36(grifos são do original).

Mais uma vez, observe-se que este último critério será analisado no próximo item, em virtude da destacada importância que lhe é conferida pela doutrina.

Importa ainda fazer uma observação a respeito da maneira indiscriminada como o predicativo da generalidade é associado tanto a regras, quanto a princípios. Este fenômeno se justifica porque é possível dizer que uma regra, por exemplo, contida em uma lei, é um mandamento geral e abstrato.

De maneira semelhante, também se pode identificar que a generalidade é uma característica fundamental dos princípios. Assim, qual seria a distinção entre as duas espécies?

Na verdade, ainda que uma regra possa ser dotada de grande generalidade, ela não chega a se assemelhar a um princípio. Isto porque uma regra geral é estabelecida para um número indeterminado de atos ou fatos, regendo tão-somente aqueles atos ou fatos, os princípios, diferentemente, são gerais porque visam regular “uma série indefinida de aplicações”37. Assim, embora se possa dizer que tanto princípios quanto regras são formulações gerais, a carga semântica do vocábulo (generalidade) varia entre as duas espécies.

Por derradeiro, também é importante notar que a partir do momento em que um princípio passa a estar escrito em algum dispositivo legal seu caráter normativo fica mais evidente, mas ele não se transforma em regra38.

Analisando a questão, Paulo Bonavides afirma que os princípios prescindem de autonomia formal para exercerem o papel de fonte material do Direito. Entretanto, esta circunstância não implicaria na perda de sua substantividade e especialidade normativa. Diferentemente, ao se incorporarem ao texto constitucional eles adquirem o mais alto grau normativo a serviço da função informadora no sistema jurídico, contudo, não se convertem em lei formal, da mesma forma que, advinda a versão escrita de determinado costume, isto não lhe priva da natureza de norma consuetudinária. De acordo com suas palavras:

“Uma diferença separa a norma legal da norma principal: a primeira é uma norma desenvolvida em seu conteúdo e precisa em sua normatividade: acolhe e perfila os pressupostos de sua aplicação, determina com detalhe o seu mandato, estabelece possíveis exceções; o princípio, pelo contrário, expressa a imediata e não desenvolvida derivação normativa dos valores jurídicos: seu pressuposto é sumamente geral e seu conteúdo normativo é tão evidente em sua justificação como inconcreto em sua aplicação. É aqui que o princípio, ainda quando legalmente formulado, continua sendo princípio, necessitado por isso de desenvolvimento legal e de determinação casuística em sua aplicação judicial”39.

Assim, a simples circunstância de estar um princípio redigido em um texto legal não lhe retira as características já analisadas. Desta sorte, princípios positivados e não positivados guardam entre si apenas uma diferença formal, preservando sua natureza.

Feitas todas estas ponderações, pode-se entender que princípios e regras apresentam várias características semelhantes – reflexo da sua mesma natureza normativa. Desta forma, os critérios empregados para propor uma forma cientificamente correta de compreender a dicotomia são, essencialmente, comparativos, envolvendo juízos de intensidade. É assim que se encontra a posição de Humberto Ávila:

“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos”.

“Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”40.

Portanto, conclui-se que dentre as normas jurídicas pode-se discernir as regras e os princípios. Ainda que se possam arrolar diversos outros parâmetros para a distinção entre as duas espécies, maior apreço merece a distinção mais corrente, qual seja, a discussão a respeito da colisão entre princípios, entre regras e entre uns e outras. Em virtude da sua grande relevância, este desdobramento será objeto do item a seguir.

Sobre o autor
Alexandre Magno Borges Pereira Santos

Mestre em Direito Público, Pós-graduado em Direito Processual Civil, Procurador Federal (AGU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Alexandre Magno Borges Pereira. Princípios: características e funções. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3964, 9 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28072. Acesso em: 5 nov. 2024.

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