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Ampliação do prazo de prescrição nas ações de improbidade

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Agenda 08/05/2014 às 08:27

4. AS POSSIBILIDADES E OS LIMITES RESULTANTES DA MODIFICAÇÃO DO ARTIGO N.º 23 DA LEI DE IMPROBIDADE

Ante a descrição do instituto da prescrição inserto na lei de improbidade, com a demonstração das dificuldades jurídicas de aplicação, passar-se-á às análises das possibilidades e dos limites advindos da ampliação do prazo prescricional nas ações de improbidade administrativa.

Como possibilidades destacar-se-ão os aspectos positivos que podem resultar da modificação do prazo, reduzindo ou eliminando as incongruências técnicas ou impropriedades na aplicabilidade da prescrição, conforme anteriormente debatidos os itens nesta pesquisa. Também serão expostas perspectivas de limites, haja vista a mudança das disposições poder acarretar prejuízos em relação às atuais previsões normativas.

Inicialmente, tratar-se-á da perspectiva de redução ou eliminação dos problemas técnicos enumerados, ou seja, das vantagens advindas da alteração do instituto prescricional da lei de improbidade.

Em primeiro caso, verifica-se a possibilidade de inserção do parágrafo único no artigo 23 da LIA, o qual faz referência expressa à imprescritibilidade em relação ao ressarcimento ao erário. Tal inclusão geraria a eliminação das divergências doutrinárias já expostas alhures, no sentido de considerar imprescritíveis as ações para ressarcimento dos prejuízos ao erário. Tal hipótese, além de ser a majoritariamente considerada pela doutrina e jurisprudência, coaduna com a Constituição Federal de 1988, haja vista esta Carta prever expressamente outros casos de imprescritibilidade, inclusive.

Prosseguindo, tem-se a possibilidade de exclusão das hipóteses descritas nos incisos I e II, atualmente, passando a constar no caput do artigo um prazo único de dez anos a contar do fato. Quanto ao início do prazo, esta pesquisa se posiciona no sentido de que o termo inicial dá-se com o conhecimento por parte do legitimado à tutela do direito envolvido. Como já mencionado anteriormente, a prescrição fulmina o direito de ação, ante a inércia do agente que, podendo fazê-lo, não o faz. Logo, o não conhecimento do agente responsável pela persecução do ato de improbidade, embora ocorrido o fato, não implica na contagem do prazo prescricional, não podendo o ente estatal ser responsabilizado pelo desconhecimento do ilícito.

Tal ocorrência, à primeira vista, ressalta-se também como um limite, ou seja, poderá resultar em divergências de interpretações doutrinárias e jurisprudenciais futuras, ao passo em que a previsão expressa da contagem a partir da “ciência do interessado” eliminaria tal possibilidade.

Outrossim, o aumento do prazo para dez anos dotaria o ente estatal de um maior prazo para preparação, com coleta de dados e informações, realização de procedimentos administrativos e inquéritos civis públicos, dentre outros.

A exclusão de hipóteses diferenciadas trazidas pelos incisos do art. 23, quais sejam os casos de vínculos temporários ou efetivos, passando a constar um prazo único, certamente facilitaria a atividade do operador do direito na aplicabilidade da prescrição nestas ações de improbidade.

Cite-se o caso de terceiro particular envolvido em conluio com ambos agentes dessas situações diferenciadas, eliminada estaria a dúvida acerca do prazo aplicável, ante a unicidade para quaisquer agentes envolvidos.

Acrescente-se, ainda, que o conceito amplo de agente público, trazido pela lei em seu artigo 2º, objetiva dar maior proteção ao patrimônio público e moralidade administrativa, não sendo razoável uma distinção não justificada para prazos prescricionais entre agentes numa mesma situação jurídica. Um prazo único eliminaria tal incongruência legislativa.

Observem-se os casos já expostos de dois mandatos, como por exemplo, se o prazo prescricional contar-se-á do término do primeiro ou do segundo mandato: tal hipótese de divergência também estaria excluída com a unificação do prazo.

Por outro lado, faz-se mister observar alguns limites advindos dessa possível alteração do artigo 23 da lei de improbidade. Em primeiro lugar, há uma relativização do aumento do prazo. Relativização no sentido de que o aumento de cinco para dez anos pode não se apresentar tão amplo, em alguns casos práticos a seguir mencionados.

Considere-se, inicialmente, um cargo temporário, cuja hipótese está descrita no inciso I do art. 23. da LIA, cujo detentor tenha praticado um ato ilícito quando no primeiro trimestre do mandato. Em caso de uma sucessão de mandato, em que não ocorra o afastamento prévio, conforme entende a doutrina supramencionada, o início do prazo dar-se-ia com o término apenas deste segundo mandato, quase oito anos. Ou seja, na prática, os prazos não se distanciam muito, tanto quanto se parece. Ainda assim, resultaria numa diferença de dois anos a mais nesse caso, se ocorrida a alteração do instituto.

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Com o termo inicial da contagem a partir do fato (rectius ciência do interessado), o agente que desempenha as funções pode atuar no sentido de ocultação das informações, se não afastado previamente. A atividade administrativa, assim, “perderia” um prazo enquanto o agente detentor do poder que praticou o ato ilícito estivesse na posição de influenciá-lo, ao passo em que a contagem iniciando após o mandato não resultaria em tal perda. Tal fator também indica uma relativização do aumento constante no projeto de modificação legislativa.

Por fim, nos casos em que as leis específicas dos agentes, com base na demissão a bem do serviço público, nos termos do inciso II do art. 23, em que pode ser considerada a norma penal, resultaria numa redução do prazo. A norma penal confere prazos mais amplos, conforme já descritos, do que a atual previsão decenal ora proposta para aumento da prescrição constante no art. 23. Nesses casos, haveria um limite advindo dessa alteração, pois ocorreria em diminuição do lapso temporal.

Portanto, em se consideradas as vantagens e os limites advindos da alteração legislativa para aumento do prazo de prescrição nas ações de improbidade, depreende-se a preponderância dos ganhos sobre as perdas. Reduzir-se-iam as incongruências técnicas e os problemas de aplicabilidade nos casos concretos, possibilitando maior segurança jurídica para os envolvidos nestes processos e, por seu turno, para a sociedade.


Notas

1 Vide <https://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=65072>

2 Vide <https://legis.senado.gov.br/mate-pdf/78593.pdf>

3 Vide <https://pensador.uol.com.br/frase/MTIwMzQ3/>

4 Vide <https://legis.senado.gov.br/mate-pdf/78593.pdf>

5 Lei Complementar n.º 64/90.

6 STJ, Resp 1060529/MG. 2ª Turma. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Em 08.09.2009. disponível em <https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.2:acordao;resp:2009-09-08;1060529-960724>. Consulta em 13 mar. 2012.

7 Art. 3º. As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

8 EDcl no AgRg no REsp 1066838 / SC. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0114043-1. STJ, 2008. 2ª Turma. Ministro Herman Benjamin.

9 REsp 999324 / RS, RECURSO ESPECIAL 2006/0232452-0. T1 - PRIMEIRA TURMA. DJe 18/11/2010.

10 Prescrição Administrativa, RT n.º 544/12 (GARCIA, 2006, p. 521).

11 Disponível em <https://ccr5.pgr.mpf.gov.br/institucional/apresentacao>. Consulta em 24 mar. 2012.

12 Disponível em <https://ccr5.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/enunciados/enunciados>. Consulta em 24 mar. 2012.

13 Disponível em <https://ccr5.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/docs-relatorio-de-atividades/ra2010.pdf>. Consulta em 24 mar. 2012.


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Sobre o autor
Helio Francisco Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Especialista MBA em Controladoria.

Informações sobre o texto

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