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A natureza da obrigação de fazer como elemento relevante à efetivação da tutela processual específica

Agenda 17/05/2014 às 16:37

Cada espécie de obrigação de fazer apresenta características determinantes para a escolha dos instrumentos jurisdicionais mais adequados à tutela específica da pretensão legitimamente formulada em juízo pelo credor.

O art. 461. do CPC viabiliza ao magistrado o resguardo de legítimas pretensões aduzidas em juízo pelo credor de determinado facere.

Embora o alcance do resultado prático equivalente ao adimplemento do direito material possa, em certa medida, satisfazer o interesse do titular do crédito, é certo afirmar que, na maioria dos casos, o autor da demanda deseja, sobretudo, obter o exato comportamento acordado ou que lhe é devido por força de lei.

A concessão da tutela específica, entretanto, nem sempre tem o condão de proporcionar ao credor a conduta pleiteada. Tratando-se de certas obrigações instantâneas e de obrigações infungíveis em geral, o que ora se afirma fica mais facilmente constatável. Senão, vejamos.

As obrigações de não fazer1 se dividem, basicamente, em contínuas e instantâneas. As primeiras, também denominadas permanentes, comportam desfazimento do ato praticado em contrariedade à obrigação negativa. Nas instantâneas, por sua vez, o descumprimento é, em certos casos, irremediável2, cabendo então ao credor se contentar com o quantum indenizatório, fixado a título de perdas e danos.

Note-se, todavia, que o alcance do exato comportamento devido está condicionado à colaboração do réu, seja qual for a espécie de obrigação de não fazer.

Caso o devedor deixe de observar o comando judicial que ordena o adimplemento de certa obrigação permanente, dar-se-á início à execução da sentença, de modo a desfazer o ato vedado. Imaginemos, por exemplo, que a obrigação impeça o devedor de, legitimamente, edificar determinado terreno; em via executiva, o magistrado determinará a demolição daquilo que foi construído. Uma vez inviável a completa reposição do status quo ante 3 ou o emprego das medidas sub-rogatórias disponíveis, a prestação será convertida em perdas e danos e o cumprimento da sentença seguirá o procedimento previsto no art. 475-J e seguintes do CPC.

Desse modo, cabe ao juiz tentar assegurar o resultado prático correspondente ao do adimplemento, valendo-se de todos os meios sub-rogatórios aplicáveis enquanto for possível resguardar a tutela específica. Somente quando inviabilizado o cumprimento in natura, haverá o credor de se conformar com a obrigação subsidiária. Observe, porém, que a tutela de equivalência, assim como a tutela substitutiva, não proporcionará ao titular do crédito a exata conduta que lhe é devida.

Nos casos de obrigação de não fazer instantânea cujo descumprimento seja iminente e irremediável, o cenário de possibilidades fica mais reduzido, tendo em vista que a tutela de equivalência estará desprovida de função. Assim, a inobservância do comando judicial, que ordena, por exemplo, o devedor a não comparecer em determinado evento conforme disposto no contrato pactuado entre os litigantes, enseja, inevitavelmente, a conversão da tutela específica em tutela subsidiária, cabendo ao credor – em um primeiro momento amparado por uma ordem que lhe assegurava o exato comportamento omissivo pleiteado em juízo – contentar-se com a prestação pecuniária.

Para consolidar a ideia de que a concessão e a efetivação da tutela específica garantidora da precisa conduta devida nem sempre caminham juntas nas ações referentes ao cumprimento de facere, também é necessária a análise das obrigações de fazer propriamente ditas.

Conforme possam ou não ser satisfeitas por terceiro quando não oportunamente realizada a prestação pelo obrigado, são elas divididas em fungíveis e infungíveis4. A infungibilidade da obrigação pode decorrer do próprio comportamento a ser prestado – tendo em vista aptidão ou qualidade singular presente no devedor – ou de acordo estabelecido entre as partes5.

Enquadram-se igualmente no grupo das obrigações infungíveis aquelas cuja prestação apesar de não mais exequível em sua forma original comporte utilização de medida(s) sub-rogatória(s) destinada(s) a produzir resultado prático equivalente ao do adimplemento.

É relevante lembrar que essa distinção das obrigações de fazer propriamente ditas em fungíveis e infungíveis foi adotada pela jurisprudência para atenuar a impossibilidade da execução específica do comportamento devido6 em um momento no qual o ordenamento jurídico pátrio não contemplava as soluções jurisdicionais atualmente previstas no art. 461. do CPC.

A divisão, com todas as consequências que dela decorrem, ainda conserva sua importância, porém disputa hoje espaço com outros instrumentos capazes de melhor satisfazer o interesse do credor, tais como as medidas de apoio contidas no §5º do art. 461.

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Embora a classificação fungível/infungível das obrigações de fazer seja usualmente abordada na esfera processual para determinar o procedimento de execução a ser adotado – dentre aqueles previstos no art. 632. a 637 e 638 do CPC – quando esgotada a sistemática do art. 461, podemos também utilizá-la com o objetivo de evidenciar os casos em que a tutela específica concedida apresenta maiores chances de efetivação.

O juiz que ordena o réu a cumprir sua obrigação fungível terá que abrir mão de resguardar a exata conduta devida, caso o obrigado não efetue o comportamento a que está adstrito. Buscando preservar a tutela do facere em espécie, cumprirá, então, ao magistrado se valer das medidas sub-rogatórias cabíveis7.

O mesmo raciocínio, todavia, é inaplicável às obrigações infungíveis. Pelo fato da prestação personalíssima não admitir resultado prático correspondente ao do adimplemento que satisfaça o interesse do titular do crédito (bem como não comportar a duvidosa execução por terceiro), a consolidada inobservância da sentença pelo obrigado enseja a conversão do comportamento devido em perdas e danos.

Diante disso, resta claro que a tutela específica concedida em decisão mandamental referente ao adimplemento de fazer fungível apresenta maior probabilidade de ser efetivada, pois, conforme mencionado, a recusa do devedor em cumprir a sentença não inviabiliza por completo o provimento jurisdicional que o condenou a realizar a prestação pleiteada. Tratando-se, porém, de obrigações infungíveis, a inobservância reiterada do comando judicial afasta a possibilidade de o credor obter o bem in natura; ou seja, a efetivação da tutela específica fica condicionada à colaboração do devedor e, por isso, não raras vezes, deixa de ser concretizada.

Assim, é possível compreender o obstáculo8 encontrado pelo juiz ao procurar conferir efetividade à sentença que tutela o exato comportamento devido por força de obrigação de não fazer ou de obrigação de fazer propriamente dita.

Sobretudo nesse contexto, a importância das chamadas medidas de apoio – insertas no art. 461. do CPC com o advento das Leis 8.952/94 e 10.444/02 – torna-se patente.

Embora seja vedada a utilização do constrangimento físico, o magistrado está autorizado a empregar instrumentos coercitivos capazes de estimular o devedor a cumprir a decisão judicial, fazendo-o realizar a prestação específica a que está adstrito.

Como exemplo, é possível imaginar uma sentença que, em conformidade com dada cláusula contratual, ordene ao repórter devedor abster-se de propagar, em qualquer emissora de televisão diferente da contratante, certas revelações obtidas por meio de entrevista capaz de gerar grande audiência. Informada de que o réu foi chamado a divulgar o conteúdo da gravação em rede concorrente, mediante pagamento bem mais vantajoso do que aquele previsto no contrato, e tendo em mãos documentos que comprovam a aceitação do convite, a credora requere, em juízo, medida que assegure o provimento concedido. Nesse caso, o juiz poderá determinar a busca e apreensão do material em posse do obrigado, visando dissuadi-lo ao cumprimento da sentença, de forma a proporcionar à parte-autora a exata conduta que lhe é devida.

Também é possível pensar em um comando judicial que, por força de contrato celebrado entre as partes, ordene o réu a prestar comportamento personalíssimo referente à elaboração de determinado projeto arquitetônico. Diante da resistência do obrigado em cumprir a sentença proferida, é cabível a imposição de multa por tempo de atraso; meio esse através do qual o magistrado tentará compelir o devedor a realizar o facere, observando o preceituado na decisão.

A primeira hipótese formulada envolve obrigação de não fazer cuja ausência do cumprimento tutelado forçará a conversão da conduta pleiteada em pecúnia – até porque há casos de obrigação instantânea, conforme anteriormente exposto, que não comportam tutela de equivalência. Já a segunda hipótese trata de comando mandamental que, também se utilizando de instrumento coercitivo, ordena o cumprimento de obrigação infungível; caso não observado, igualmente ensejará a fixação de quantum indenizatório, tendo em vista a inexistência de resultado prático equivalente ao do adimplemento e a impossibilidade da execução por terceiro.

Nos dois exemplos, contudo, o juiz vale-se de medida de apoio prevista no art. 461, §5º, do CPC, objetivando conferir efetividade à tutela específica e, com isso, evitar que ao credor sobre apenas a via executória das perdas e danos.

Por óbvio, a busca e apreensão do material em posse do repórter devedor e a imposição de multa por tempo de atraso ao arquiteto não garantem a efetivação da tutela específica. Em outras palavras, o emprego dos instrumentos contidos nos §§ 4º e 5º do art. 461. nem sempre será suficiente para persuadir o réu a cumprir o comando judicial que tutela a exata prestação devida. Entretanto, representa um caminho a ser percorrido, quando necessário e cabível, em virtude de sua inegável chance de êxito.

Se, aplicadas as medida de apoio pertinentes, o réu der continuidade à inobservância da sentença mandamental, o juiz, dentro do disposto no §1º do art. 461, converterá a tutela específica em tutela subsidiária, porém o fará com a convicção de que os instrumentos jurisdicionais adequados a salvaguarda do crédito foram utilizados.

Quanto ao emprego das medidas em foco, é interessante reforçar a exequibilidade da prestação in natura pelo devedor como pressuposto indispensável à tomada de qualquer das providências contidas nos §§ 4º e 5º. Assim, convertido o facere em equivalente econômico, mostrar-se-á desprovido de utilidade, logo inaplicável, o meio coercitivo.

A partir dos dois exemplos acima colocados, evidencia-se a capacidade de contribuição das medidas de apoio para a efetividade da tutela específica concedida em sentenças mandamentais referentes ao adimplemento de obrigações de não fazer ou de obrigações de fazer propriamente ditas. Note-se que a lógica empregada na abordagem das obrigações permanentes também se estende às obrigações fungíveis, na medida em que a execução por terceiro, nos moldes do art. 634. e ss. do CPC, apresenta-se ao credor como via pouco, para não dizer nada, interessante. Dessa forma, o cumprimento em espécie é, para o magistrado, a meta prioritária: tenta-se, inicialmente, proporcionar ao autor da demanda a exata conduta que lhe é devida; não sendo esta possível, segue o resultado prático correspondente e, apenas como última ratio, conforme dispõe o art. 461, §1º, vem o montante indenizatório, fixado a título de perdas e danos.

Uma leitura mais atenta dos exemplos elaborados também permite observar que, neles, o emprego de instrumentos de coerção trazidos no art. 461. do CPC restringiu-se a situações nas quais o obrigado já demonstraria resistência à observância da sentença mandamental. O propósito de tal limitação foi evidenciar o papel das medidas de apoio quando ameaçada em maior grau a efetivação da tutela específica obtida pelo credor. Mostrando-se, todavia, útil e cabível a imposição de multa diária, o juiz não precisa aguardar a resistência do réu para reforçar a exequibilidade do julgado, pois o §4º lhe assegura o poder para fixá-la ainda no momento de prolação da sentença.

Além de autorizar a imposição da multa na própria sentença, o mencionado dispositivo permite o seu emprego na decisão que defere a tutela antecipada, proporcionando, sobretudo, o incremento das chances de utilidade do provimento final que ordena o réu a cumprir sua obrigação de fazer.

Como se buscou evidenciar, cada uma das espécies de facere apresenta modalidades dotadas de características determinantes para a escolha dos instrumentos jurisdicionais mais adequados à tutela da pretensão legitimamente formulada em juízo pelo credor.

A irreversibilidade do descumprimento de dever omissivo e a infungibilidade se apresentam como fatores que, em alguma medida, comprometem a efetivação do provimento mandamental. A tutela específica concedida nos termos do art. 461, caput, do CPC para melhor assegurar o interesse do titular do crédito é essencialmente prejudicada pelo réu que, ordenado a cumprir obrigação de não fazer instantânea cujo inadimplemento seja irremediável ou de fazer infungível, recuse-se a observar o comando judicial.

Destarte, exsurge a importância das medidas de apoio enquanto meios capazes de persuadir o obrigado a realizar a exata prestação devida. Se, nas ações envolvendo o cumprimento de obrigação permanente, instantânea cujo inadimplemento seja remediável e fungível, o emprego de tais medidas configura principal alternativa, nos casos das obrigações de fazer restantes, aquele representa o único caminho colocado à disposição do magistrado para tentar-se alcançar a efetividade da tutela específica, de modo a evitar a conversão do bem pretendido em equivalente econômico.


Bibliografia

ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 10ª ed.. São Paulo: RT, 2006.

GOMES, Orlando. Obrigações. 8ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1998.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução. 21ª ed.. São Paulo: Leud, 2002.

_________ Curso de Direito Processual Civil. 40ª ed.. vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2007.


Notas

1 Para análise mais detalhada acerca das espécies de obrigação de fazer e suas respectivas modalidades, vide Orlando Gomes, Obrigações, 8ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1988, pp. 45-51.

2 A inobservância de obrigação que impõe ao artista x o dever de não se apresentar no evento y seria um caso de descumprimento irremediável. Já o vazamento de informação industrial sigilosa poderia ser sanado através de ordem judicial que vedasse a produção viabilizada pelos dados obtidos de forma ilícita.

3 Buscando evidenciar que o retorno ao status quo ante não enseja a obtenção, pelo credor, do exato bem devido, Araken de Assis, Manual da Execução, 10ª ed., São Paulo, RT, 2006, p. 519: “Como a obrigação negativa, infringida pelo inadimplemento, se transformou em positiva (desfazer), em virtude de elemento material derivado do descumprimento, que perpetua aquele no mundo, o rito segue as linhas gerais do apropriado para o facere. Tudo aquilo que não deveria acontecer e estava proibido realizou-se e, nesta contingência, só resta desmantelar as conseqüências da transgressão.”.

4 Também é possível identificar obrigações de fazer propriamente ditas instantâneas. A equivalência da lógica aplicável às respectivas obrigações de não fazer, contudo, dispensa o trato específico daquelas.

5 No primeiro caso, temos a infungibilidade natural e, no segundo, a infungibilidade convencional. Há, ainda, outro critério, com base no qual as obrigações infungíveis são classificadas em obrigações de prestação materialmente infungível e obrigações de prestação apenas juridicamente infungível. Essa última classificação separa as obrigações de declaração de vontade das demais, de modo a ressaltar que, naquelas, a infungibilidade da prestação é somente jurídica, e não essencial. Sobre o tema, vide Humberto Theodoro Júnior, Processo de Execução, 21ª ed., São Paulo, Leud, 2002, pp. 39, 41 e 252.

6 Cumpre, todavia, destacar que o procedimento traçado no art. 634. e seguintes do CPC, com redação anterior ao advento da Lei n.º 11.382/06, praticamente inviabilizava a execução de prestação fungível por terceiro ao reproduzir “verdadeira licitação a ser presidida pelo juiz, marcada igualmente pela pouca flexibilidade que a administração possui.” Ademais, a rígida estrutura procedimental prevista concentrava exagerado ônus sobre o titular do crédito, tornava deveras gravosa a execução por esse caminho e mais promovia a proteção do obrigado do que propriamente a satisfação do credor, conforme assevera Carlos Alberto de Salles, Execução judicial em matéria ambiental, São Paulo, RT, 1998, pp. 280-281.

7 Apesar de a doutrina muito enfatizar a possibilidade da execução por terceiro, o procedimento delineado nos arts. 634. a 637 do CPC, mesmo com a nova redação conferida pela Lei n.º 11.382/06, dificilmente despertará o interesse do credor. Dentre as disposições pouco convidativas, temos o parágrafo único do art. 634. que impõe ao exequente o adiantamento das quantias estabelecidas na proposta aceita.

8 Essa dificuldade própria das demandas que envolvem o cumprimento de facere configura, sob a perspectiva processual, a maior diferença existente entre as obrigações de fazer e as obrigações de dar, uma vez que estas, normalmente, “são realizáveis através de execução específica, mesmo quando o devedor se torna inadimplente, pois a interferência do Estado é quase sempre capaz de atingir o bem devido para entregá-lo ao credor. Já com referência às obrigações de fazer acontece o contrário, visto que raramente se conseguirá a atuação compulsória do devedor faltoso para realizar a prestação a que pessoalmente se obrigou.”. Cf. Theodoro Júnior, op. cit., p. 250.

Sobre a autora
Marcela Pricoli

Advogada em São Paulo. Graduada pela Faculdade de Direito da USP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRICOLI, Marcela. A natureza da obrigação de fazer como elemento relevante à efetivação da tutela processual específica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3972, 17 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28546. Acesso em: 18 dez. 2024.

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