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Tutela de urgência e tutela da evidência no anteprojeto do novo Código de Processo Civil

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Agenda 28/05/2014 às 08:00

Analisa-se o tratamento da tutela provisória no contexto do Anteprojeto do novo Código de Processo Civil, em cotejo com a atual disciplina legal e à luz da doutrina especializada, com destaque para a dicotomia entre tutela de urgência e tutela da evidência.

Resumo: Este artigo analisa o tratamento da tutela provisória no contexto do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, em cotejo com a atual disciplina legal e à luz da doutrina especializada, com destaque para a dicotomia entre tutela de urgência e tutela da evidência.


1. Breve histórico.

Na exposição de motivos do Código vigente, o então Ministro da Justiça e autor do anteprojeto, Alfredo Buzaid, justificou a regulamentação do processo cautelar em Livro próprio em razão de divisão estrutural-funcional. Consagrou, assim, a atividade cautelar como tertium genus da atividade jurisdicional, seguindo as idéias da doutrina italiana, principalmente dos mestres Francesco Carnelutti e Enrico Tullio Liebman.

Contudo, entre os próprios italianos não havia consenso acerca do acerto dessa classificação. Piero Calamandrei negou com perspicácia a concepção da atividade cautelar como terceiro gênero do processo[1], afirmando que equivaleria a dizer que “os seres humanos se dividem em homens, mulheres e europeus”.

Na doutrina pátria, o eminente Min. Teori Albino Zavascki colocou em xeque a importância da classificação tripartite da tutela jurisdicional e destacou que “o ponto mais questionável desta classificação, e que desperta as críticas mais vigorosas, é justamente o da inclusão, ali, da tutela cautelar”.[2]

No CPC, além de diversos procedimentos especiais – alguns sem qualquer natureza cautelar – ficou estabelecido dispositivo que confere ao magistrado o que se chamou de “poder geral de cautela”[3] (CPC, art. 798). Esse poder permite ao juiz determinar “as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”.

 A interpretação desse dispositivo gerou controvérsia infindável na doutrina. Galeano Lacerda sustentou que “no exercício desse imenso e indeterminado poder de ordenar ‘as medidas provisórias que julgar adequadas’ para evitar dano à parte” poderia o juiz antecipar provisoriamente a própria prestação jurisdicional objeto da ação de conhecimento.[4]

J. J. Calmon de Passos, por sua vez, se opôs à concessão de liminares satisfativas, exceto se inexistisse outra maneira de assegurar-se o resultado útil do processo.[5]

E, ainda hodiernamente, não se obteve o desejável consenso na doutrina.

José Roberto dos Santos Bedaque assevera que “a antecipação de efeitos da tutela final não se revela incompatível com a natureza cautelar da medida judicial”.[6]

Em linha oposta, Humberto Theodoro Júnior aduz que “tecnicamente é possível distinguir-se, com certo rigor, o terreno da medida cautelar e o da medida que antecipa efeitos da sentença buscada em juízo pelo demandante”.[7]

Como dito alhures, Marinoni também defende que “a tutelar cautelar não pode antecipar a tutela de conhecimento”.[8]

A esses posicionamentos, somam-se, pela sua relevância, os ensinamentos de Ovídio Baptista, para quem a tutela cautelar é substancialmente diferente da antecipatória. Dentro dos conceitos formulados, desenvolveu a idéia de que aquelas são medidas de “segurança para a execução”, ao passo que essas são medidas de “execução para segurança”.[9]

Esse dissenso doutrinário teve reflexos na jurisprudência anterior à introdução da antecipação de tutela no ordenamento, a qual oscilou de uma posição de rejeitar as ditas cautelares satisfativas, para outra exatamente oposta. Esse movimento acompanhou o direito comparado, que também registrava, à época, o fenômeno da força expansiva da tutela cautelar.[10]

Isso porque a transformação do Estado fez surgir novas situações substanciais carentes de tutelas jurisdicionais destinadas a impedir a sua violação e a viabilizar a remoção dos efeitos concretos derivados da sua agressão.[11]

Como o procedimento cautelar viabilizava a concessão de liminar e não se submetia ao princípio da tipicidade – adequando-se às diferentes situações concretas – a prática forense passou a conceber um “uso não-cautelar da ação cautelar inominada”.[12]

Ressalte-se que, malgrado tenha havido abusos, a expansão da cautelar inominada fora a saída encontrada para a prestação jurisdicional adequada, a fim de que o princípio chiovendiano de que a “durata del processo non deve andare a danno dell’attore che ha ragione” fosse observado.

Na reforma processual civil de 1994 e 1995, dentro da perspectiva de estimular os responsáveis pela prestação da tutela jurisdicional a outorgarem às partes litigantes um processo caracterizado pela efetividade e tempestividade da tutela, introduziu-se o instituto da antecipação de tutela no direito brasileiro por meio da Lei n.º 8.952, de 13 de dezembro de 1994.

Sua introdução teve como objetivo combater os males corrosivos do tempo no processo[13] e expurgar do mundo jurídico as medidas cautelares satisfativas, surgidas em razão da ausência de instrumento adequado de atendimento do direito pleiteado no curso do processo.

Ademais, segundo Zavascki, “o que se operou, inquestionavelmente, foi a purificação do processo cautelar, que assim readquiriu sua finalidade clássica: a de instrumento para obtenção de medidas adequadas a tutelar o direito, sem satisfazê-lo”.[14]

Desta feita, após a reforma, não mais se pôde questionar a legitimidade das medidas satisfativas, em que pese tenha subsistido alguma dificuldade em identificar as medidas que estão sujeitas ao regime do processo cautelar e as subordinadas à disciplina do art. 273 do CPC.[15]

Já no contexto da dita 2ª Reforma do Código de Processo Civil, adotou-se a fungibilidade procedimental entre as tutelas de urgência[16], em razão do forte traço comum entre elas, o que levou Cândido Rangel Dinamarco a chamá-las de “dois irmãos quase gêmeos (ou dois gêmeos quase univitelinos)”.[17]

Indubitavelmente, a positivação da antecipação de tutela no Brasil partiu de uma tomada de consciência do que realmente deve ser o acesso à justiça, garantia fundamental prevista no artigo 5º, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Na esteira da necessidade de aperfeiçoamento, diga-se, constante, dos procedimentos do CPC em vigor, tramita no Congresso Nacional o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, elaborado pela Comissão de Juristas instituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 379/2009 e presidida pelo então Ministro do Superior Tribunal de Justiça, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux.

Tal anteprojeto incorporou a já antiga distinção feita pelo eminente Min. Luiz Fux entre tutela de urgência e, principalmente, tutela da evidência, que se torna mais importante do que a clássica dicotomia entre medida cautelar e medida antecipatória.

Considerando a irrefutável relevância do tema para a aplicação do direito e para a realização da justiça e tendo em conta que sofrerá, em breve tempo, modificação significativa, o abordamos a seguir, com o intuito de oferecer uma contribuição, certamente bastante modesta, para a compreensão da sua nova disciplina.


2. Disposições comuns.

O Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, elaborado pela Comissão de Juristas presidida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux inaugura uma nova etapa no que tange à tutela provisória no Brasil.

Ao contrário do Código em vigor, o Anteprojeto confere um tratamento unitário às medidas de urgência, reunidas no Título IX, intitulado Tutela de Urgência e Tutela da Evidência.

As tutelas de urgência foram inseridas na Parte Geral e não mais subsiste a previsão da tutela antecipada dentro do Livro I, referente ao Processo de Conhecimento, como também não mais há um Livro próprio para tratar do Processo Cautelar.

Já nas disposições comuns, em seu art. 277, o Anteprojeto inicia a disciplina da tutela de urgência e da tutela da evidência, estendendo às medidas satisfativas a possibilidade de serem requeridas de forma preparatória, o que, nos termos do art. 796 do CPC em vigor, somente é expressamente possível no caso de medida cautelar.

Mister confrontar a redação do art. 796 do CPC ainda em vigor com a do art. 277 do Anteprojeto do Novo Diploma Processual Civil:

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Art. 796.  O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente.

Art. 277. A tutela de urgência e a tutela da evidência podem ser requeridas antes ou no curso do procedimento, sejam essas medidas de natureza cautelar ou satisfativa.

Com essa redação, na esteira da uniformidade de regime trazida pelo Anteprojeto em relação às tutelas cautelar e antecipatória, o art. 277 encerra a infindável controvérsia acerca da possibilidade de se requerer uma medida antecipatória como cautelar, que significava exatamente autorizar a sua forma preparatória.

O art. 278 do CPC vindouro, por sua vez, corresponde, em tese, ao atual art. 798, que consagra o poder geral de cautela.

Como a nova disposição abarca tanto as medidas conservativas como as de caráter satisfativo, parece-nos que mais adequado seria passar a denominar a hipótese como poder geral de urgência.[18]

A redação do citado art. 278 do Anteprojeto, porém, merece reparos, tendo em vista que não apenas “uma parte” pode causar lesão à outra, mas principalmente o só decurso do tempo, capaz, inclusive, de comprometer a efetividade da tutela jurisdicional a ser oferecida pelo Estado-juiz.

Já o parágrafo único do art. 278 reproduz quase literalmente o disposto no art. 805 do CPC, que deriva do princípio da menor restrição possível, o que não constitui inovação.

Nos artigos seguintes das disposições comuns, o Anteprojeto praticamente repete os arts. 273, §§1º e 3º, 800 e 811 do atual Código de Processo Civil e positiva, expressamente, em seu art. 279, parágrafo único, que a decisão, nessa seara, desafia agravo de instrumento.

Dada a menor relevância dessas disposições, que não contemplam alterações substanciais em relação à disciplina atual, passamos à análise das tutelas de urgência e da evidência.


3. Tutela de urgência.

Sobre a urgência, Luiz Fux há muito já assentava que:

À luz do princípio do acesso à justiça, consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que tem como corolário o direito impostergável à adequada tutela jurisdicional, não podia o legislador escusar-se de prever a “tutela urgente”, sob pena de consagrar a tutela “tardia e ineficiente”, infirmando a garantia constitucional por via oblíqua, na medida em que a “justiça retardada é justiça denegada”.[19]

Atendendo aos reclamos da urgência e uniformizando, como dito alhures, o tratamento das tutelas cautelar e antecipatória – esta última denominada satisfativa –, o art. 283 do Anteprojeto do Novo CPC, tratando do que denomina tutela de urgência, estatui, in verbis:

Art. 283. Para a concessão de tutela de urgência, serão exigidos elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

Enquanto o art. 273 do CPC de 1973 exige prova inequívoca e verossimilhança das alegações, o novel dispositivo requer a plausibilidade do direito para a tutela de urgência.

Segundo o eminente Min. Luiz Fux, há, em princípio, uma contraditio in terminis na utilização das expressões “prova inequívoca” e “verossimilhança” no art. 273 em vigor, na medida em que aquela conduz à certeza, e não apenas a um juízo de probabilidade.[20]

Nessa linha, o Anteprojeto passa a exigir “elementos que evidenciem a plausibilidade do direito”, o que mais se aproxima da convicção de verossimilhança, característica das tutelas de urgência, que são fruto da cognição sumária.

No que tange à consagrada fórmula “dano irreparável e dano de difícil reparação”, repetida no Anteprojeto, tal requisito da tutela de urgência já era encontrado no art. 273 , I, do CPC de 1973. Por essa razão, sobre o seu significado, valemo-nos dos ensinamentos da doutrina até então prevalente.

Segundo Marinoni, “há ‘irreparabilidade’ quando os efeitos do dano não são reversíveis”, ou “quando o direito não pode ser restaurado na forma específica”.[21]

Para ele, o direito atingido pode ser de ordem não patrimonial - como o direito à imagem -, patrimonial com função não patrimonial - como a soma em dinheiro necessária para aliviar estado de necessidade - ou simplesmente patrimonial.[22]

Dano de difícil reparação, para aquele mesmo autor, ocorre quando “as condições econômicas do réu não levam a crer que o dano será efetivamente reparado”, ou quando o dano dificilmente poderá ser individualizado ou quantificado precisamente.[23]

Luiz Fux, por seu turno, encontra definição ainda mais apropriada para o que denomina “periclitação potencial do direito objeto da ação”. Para ele, “o dano irreparável manifesta-se na impossibilidade de cumprimento da obrigação mais tarde ou na própria inutilidade da concessão da vitória, salvo se antecipadamente”.[24] E conclui:

Assim, v.g., a entrega de um imóvel pode ser premente para aquele adquirente que comprou um bem se desfazendo dos demais que lhe pertenciam e não tem onde residir com a sua família. Entretanto, um determinado credor pode aguardar o pagamento de direitos autorais diante da inegável solvabilidade do devedor e de sua própria resistência econômico-financeira. No primeiro caso há potencialidade de dano irreparável e no segundo não”.[25]

E dano de difícil reparação, para o renomado processualista, decorre da insolvabilidade do sucumbente ou da dificuldade de recompor o patrimônio do vencedor diante da lesão ao seu direito.[26]

Assentados os seus pressupostos, merece consideração a possibilidade de o juiz conceder a tutela de urgência ex officio.

Tradicionalmente, rechaçava-se a possibilidade de o juiz conceder de ofício a tutela antecipatória, porquanto o próprio caput do art. 273 exige o “requerimento da parte” e porque contrariaria, para boa parte da doutrina, o princípio dispositivo. Manifestava-se assim, por exemplo, Teori Albino Zavascki.[27]

José Roberto dos Santos Bedaque, porém, afirmava que “não se podem excluir situações excepcionais em que o juiz verifique a necessidade da antecipação, diante do risco iminente de perecimento do direito cuja tutela é pleiteada e do qual existam provas suficientes de verossimilhança”.[28]

O próprio Luiz Fux já sustentava que:

Realizada a prova plena ulteriormente, mister tornar-se possível a tutela antecipada, malgrado não pleiteada na inicial, considerando esse pedido como embutido na postulação de uma decisão para a causa. Essa é uma das razões pelas quais essa tutela antecipada deveria compor a atividade ex officio do juiz.[29]

Em matéria previdenciária, não são raros os casos em que a tutela antecipatória é concedida de ofício[30], o que, contudo, constitui exceção.

Na esteira do que já sustentava o Min. Luiz Fux, o potencial Código de Processo Civil admite que, em casos excepcionais ou expressamente autorizados em lei, seja dado ao juiz, de ofício, conceder medidas de urgência.

Sobre o ponto, dispõe o art. 284 do Anteprojeto, que “em casos excepcionais ou expressamente autorizados por lei, o juiz poderá conceder medidas de urgência de ofício”.

Não se pode deixar de registrar que o art. 797 do CPC em vigor autoriza a concessão, sem oitiva das partes, em hipóteses excepcionais, de medidas de natureza cautelar.

Tal disposição parece ter sido ampliada e generalizada, como visto, pelo art. 284 do Anteprojeto, o que certamente aponta para a efetividade da jurisdição.

Se a tutela de urgência tem como objetivo primordial a busca da minimização dos efeitos que o curso natural do processo pode acarretar para o direito material pretendido, a possibilidade de sua concessão de ofício constitui relevante do desenvolvimento da sua vocação.


4. Tutela da evidência.

Acerca da evidência do direito, o eminente processualista, Min. Luiz Fux, leciona que envolve situações em que se opera mais do que o fumus boni iuris, aliada à injustificada demora ao longo de todo o processo ordinário até a satisfação do interesse do demandante, com grave desprestígio para o Poder Judiciário, porquanto injusta a espera determinada.[31]

Na seção relacionada à tutela da evidência, o art. 285 do Anteprojeto estabelece o seguinte:

Art. 285. Será dispensada a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação quando:

I – ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido;

II – um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva;

III – a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou

IV – a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante.

Parágrafo único. Independerá igualmente de prévia comprovação de risco de dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de entrega do objeto custodiado, sempre que o autor fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional.

Em seu inciso I, o dispositivo reproduz a hipótese contida no art. 273, II, do CPC em vigor, que cuida do abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Observe-se, desde logo, que, nesse caso, não quis o legislador dispensar a plausibilidade do direito (exigência geral expressa no caput do art. 283), mas confirmar a dispensa de situações de perigo para o direito como supostos requisitos da antecipação, visto que a celeridade na tutela do direito evidente é em si mesma um bem digno de proteção.

A essa hipótese, já contida no CPC atual, Teori Albino Zavascki denomina antecipação punitiva.[32] Também José Roberto dos Santos Bedaque afirma que essa hipótese de antecipação destina-se a punir ilícito processual, a sancionar o comportamento inadequado do réu.[33]

Zavascki observa que o legislador considera que as expressões “abuso do direito de defesa” e “manifesto propósito protelatório” têm significados distintos.[34]

Assevera que “por abuso do direito de defesa devem ser entendidos os atos protelatórios praticados no processo”, ao passo que o manifesto propósito protelatório resulta do comportamento do réu, atos e omissões, fora do processo, citando como exemplo ocultação de prova, simulação de doença, não atendimento de diligência.

Luiz Fux, por sua vez, já denominava o requisito contido no inciso II do art. 273 do Diploma Processual em vigor de “evidência do direito” [35], nomenclatura incorporada pelo Anteprojeto. Asseverava que “a defesa abusiva é a inconsistente, bem como a que não enfrenta com objeções, defesa direta ou exceções materiais a pretensão deduzida, limitando-se à articulação de preliminares infundadas”.[36]

Pela amplitude que confere à previsão legal, tal interpretação parece ser a mais adequada ao dispositivo em vigor e ao seu homólogo, ainda em tramitação.

Por outro lado, no inciso II, o art. 285 do Anteprojeto contempla a hipótese de antecipação de tutela introduzida pela Lei n.º 10.444/2002 no §6º do art. 273 do CPC hoje vigente, orientada pela efetividade e pela razoável duração do processo e denominada de pedido total ou parcialmente incontroverso.

A regra, segundo José Roberto dos Santos Bedaque, “visa a permitir que o autor possa usufruir desde logo a eficácia prática de tutela altamente provável, pois os fatos em que parte da pretensão está fundada restaram incontroversos”.[37]

Buscando identificar o significado de “pedido incontroverso” para definir o alcance do §6º do art. 273 do CPC, Luiz Fux afirmava que incontroverso é o direito evidente sob o prisma processual:

Assim, é evidente o direito demonstrável prima facie através de prova documental que o consubstancie líquido e certo, como também o é o direito assentado em fatos incontroversos, notórios, o direito a coibir um suposto atuar do adversus com base em “manifesta ilegalidade”, o direito calcado em questão estritamente jurídica, o direito assentado em fatos confessados noutro processo ou comprovados através de prova emprestada obtida sob contraditório, provas produzidas antecipadamente, bem como o direito assentado como prejudicial da questão a ser resolvida e já decidido, com força de coisa julgada noutro processo, máxime quando de influência absoluta a decisão prejudicial, os fatos sobre os quais incide presunção jure et de jure de existência e em direitos decorrentes da ocorrência de decadência ou prescrição.

Cândido Rangel Dinamarco, por sua vez, asseverava que a incontrovérsia autorizadora da antecipação de tutela “consiste na ausência de um confronto de afirmações em torno de um fato alegado pelo autor”.[38]

Teori Albino Zavascki, porém, aduzia que a mera ausência de oposição não necessariamente significará que o pedido é incontroverso para os fins do §6º. Prossegue o autor:

A ausência de controvérsia deve considerar e envolver a posição do juiz, o terceiro figurante da relação processual angularizada. Portanto, além da ausência de controvérsia entre as partes, somente poderá ser tido como incontroverso o pedido que, na convicção do juiz, for verossímil. Incontroverso, em suma, não é o “indiscutido”, mas sim o indiscutível.[39]

Alertava, ainda, o renomado processualista que:

A controvérsia que impede a antecipação não é apenas a que diz respeito a questões de mérito. Mesmo em face de pedido que, em si mesmo, é incontroverso e verossímil, a antecipação pressupõe ausência de empecilhos de ordem processual para o seu atendimento. Assim, se for alegada incompetência, ou litispendência, ou coisa julgada, ou falta de qualquer outro pressuposto processual ou condição da ação, enfim, se for alegada qualquer exceção ou defesa concernente à ação ou ao processo (arts. 301 e 304), estará configurado um pressuposto negativo para o deferimento da medida antecipatória, ainda que a respeito do pedido em si não tenha havido contestação alguma.[40]

Afirmava, por fim, que também era incontroverso o pedido, mesmo contestado, quando os fundamentos da contestação fossem evidentemente descabidos ou improcedentes, assim considerados à luz de critérios objetivos fornecidos pelo próprio sistema processual.[41]

De outro giro, José Roberto dos Santos Bedaque assinalava que, mesmo que não houvesse cumulação, mas estando configurado o fenômeno do pedido decomponível, nada obstaria a incidência do dispositivo se parte dele for incontroverso.[42]

Diz-se decomponível a pretensão que incide sobre bens sujeitos a alguma espécie de quantificação, seja por unidades (dinheiro, coisas fungíveis em geral), por peso, volume etc., permitindo ao juiz conceder ao autor toda a quantidade pedida, nada ou apenas parte.[43]

Desta feita, se o autor formular pedido de 200 e o réu contestar apenas 100, quanto à parte incontroversa, deve o juiz antecipar a tutela pretendida.

Mesmo com alguma divergência, característica do apurado cientificismo alcançado pela ciência processual, tais lições conservam integralmente sua relevância e aplicação, tendo em vista que o Anteprojeto reproduziu, nesse dispositivo, o que dispõe o atual CPC.

4.1 Antecipação de tutela fundada em direito evidente e julgamento antecipado.

À luz do CPC em vigor, a doutrina majoritária ressalta que a antecipação de tutela, que se funda em cognição sumária, não se confunde com o julgamento antecipado da lide, cuja sentença é definitiva e tem a mesma natureza e requisitos daquela que se profere ao término da instrução.[44]

Dispõe o art. 330, I, do CPC, in verbis:

Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:

I – quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;

Cândido Rangel Dinamarco, inclusive, lamenta a timidez do legislador, que “não quis ousar mais, a ponto de autorizar nesses casos um parcial julgamento antecipado do mérito.[45]

Assevera o ilustre autor que:

A rigidez do procedimento brasileiro, no qual o mérito deve ser julgado em sentença e a sentença será sempre uma só no processo (art. 459 c/c art. 269, inc. I, e art 162, §1º), é somente um dogma estabelecido no direito positivo brasileiro, que bem valia a pena desmitificar.[46]

No mesmo sentido, posiciona-se Teori Albino Zavascki:

Para a imediata tutela da parte incontroversa do pedido, talvez a melhor solução tivesse sido a da cisão do julgamento, permitindo sentença parcial, mas definitiva, de mérito. Ter-se-ia, com essa solução, a possibilidade de outorgar, relativamente ao pedido incontroverso, a imediata, completa e definitiva tutela jurisdicional. Não foi essa, todavia, a opção do legislador, que preferiu o caminho da tutela antecipada provisória. Com isso, limitou-se o âmbito da antecipação aos efeitos executivos da tutela pretendida.[47]

Esse, contudo, não é o pensamento de Luiz Guilherme Marinoni:

Como já afirmado, antes da introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil não era possível a cisão do julgamento dos pedidos cumulados ou o julgamento antecipado de parcela do pedido, prevalecendo o princípio chiovendiano della unità e unicitá della decisione. Mas, esse princípio não se concilia com a atual leitura de outros princípios igualmente formulados por Chiovenda, especialmente com aquele que diz que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão.[48]

Marinoni sustenta que, ainda que concedida no curso do processo, tal tutela antecipatória não é fundada em convicção de verossimilhança, mas em convicção de verdade.[49] Também assim pensa Cássio Scarpinella Bueno.[50]

Tal entendimento parece ter sido esposado pelo Anteprojeto do Novo CPC, pois, em seu art. 285, II, in fine, estabelece que, no caso de pedido incontroverso, “a solução será definitiva”.

Portanto, ao menos na hipótese do inciso II tem-se verdadeiro julgamento antecipado da lide.

4.2 Tempo, ônus da prova e seu viés substancial.

Antes de passarmos à análise dos demais incisos do novel art. 285, cabe recordar que as defesas de mérito, que se contrapõem às defesas processuais, dividem-se em diretas e indiretas. Diz-se direta a defesa em que o réu nega o fato constitutivo do direito alegado pelo autor, e indireta aquela por meio da qual, sem negar qualquer das afirmações contidas na inicial, o réu apresenta outro fato, supostamente impeditivo, modificativo ou extintivo do direito afirmado.[51]

A partir desses conceitos, o CPC em vigor, em seu art. 333, reparte o ônus probatório entre as partes:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Se assim o é, não se deve impor ao autor o ônus de suportar o tempo necessário para a produção da prova tendente à demonstração de um fato que não o beneficia.

Na hipótese de apresentação de defesa de mérito indireta, o fato constitutivo do direito do autor resta incontroverso. O autor já se desincumbiu do seu ônus, qual seja comprovar o fato constitutivo de seu direito. E, por isso, o tempo necessário para o réu produzir a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo alegado não deve pesar sobre o autor.

Marinoni descreve a seguinte hipótese:

Quando o autor afirma que possui um crédito em virtude da venda de determinada mercadoria, o réu, ao alegar que essa mercadoria apresenta vícios, não contesta os fatos constitutivos. Ao dizer que a mercadoria tem vícios, o réu automaticamente admite que realizou um contrato de compra e venda e recebeu a mercadoria, que são os fatos constitutivos do direito.[52]

Nesse caso, não há razão para que o autor não usufrua o direito alegado. Deve a tutela ser antecipada, conferindo-se ao autor o gozo do direito cujos fatos constitutivos encontram-se comprovados, por se tratar de medida de efetividade num duplo aspecto: de um lado, satisfaz a pretensão autoral desde logo; de outro, o réu se sentirá ainda mais motivado a produzir a prova de que carece num prazo menor.

Tal medida – ressalte-se – sequer altera a distribuição estática do onus probandi prevista no dispositivo mencionado. Confere-lhe, apenas, um viés substancial, que se soma ao seu viés processual, refletido na regra de julgamento, a fim de lhe dar a efetividade necessária a um processo mais justo. Pesará o ônus sobre quem dele deve se desincumbir.

À conta de tais fundamentos, considerávamos que a hipótese prevista no inciso II do art. 273 merecia interpretação extensiva, de modo a melhor satisfazer os escopos do processo, aplicando-se aos casos em que o réu apresentasse defesa de mérito indireta carente de dilação probatória.

De qualquer sorte, as novas hipóteses de tutela da evidência, notadamente a contida no inciso III do art. 285 do Anteprojeto, talvez se prestem a atender a esses anseios de efetividade.

4.3 Novas hipóteses previstas nos incisos III e IV do art. 285 do Anteprojeto do Novo CPC.

O inciso III do art. 285 do Anteprojeto autoriza a tutela provisória quando prova documental irrefutável demonstre o direito alegado, sem que o réu oponha prova igualmente inequívoca.

Sob a perspectiva traçada acima, esse inciso dá, igualmente, mais um passo na direção da efetividade da jurisdição.

Pode-se recordar aqui a lição do eminente Marinoni acerca da noção de verossimilhança preponderante, que é oriunda de teoria sueca aplicável à apreciação do meritum causae.

Marinoni adapta-a à tutela antecipatória e afirma que, diante do art. 273 do CPC, o juiz está autorizado a decidir com base em verossimilhança preponderante, o que significa, nas palavras do citado autor, “sacrificar o improvável em benefício do provável”.[53]

Essa mesma orientação parece ter sido encampada pelo Anteprojeto, no contexto da tutela da evidência, ao prestigiar a “prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor”, quando o réu “não opuser prova inequívoca”.

Por derradeiro, o inciso IV contempla caso de tutela da evidência que, de relance, se assemelha à inovação introduzida no atual CPC pelo art. 285-A, a que a doutrina convencionou denominar sentença liminar.

Caso o pedido formulado na inicial envolva matéria unicamente de direito e o juízo tenha firmado entendimento acerca de sua improcedência, o atual art. 285-A autoriza o juiz singular a proferir sentença de total improcedência, dispensando, inclusive, a citação do réu. Essa hipótese – registre-se – encontra-se reproduzida, sem alteração em sua essência, no art. 317 do Anteprojeto.

Mas o que o caso previsto no inciso IV permite é a concessão de tutela, especialmente a satisfativa, dispensado a demonstração do risco de dano irreparável ou de difícil reparação, quando a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência pacificada sobre o tema.

Tal provimento, ao contrário da sentença liminar, tem caráter provisório, pois fundado em cognição sumária, e “ostenta sinal trocado”, já que se trata de caso que, prima facie, merece ser julgado procedente.

Pelos seus inconfundíveis objetivos, essas inovações são certamente avanços em direção à consolidação do acesso à justiça, especialmente sob a ótica da adequada prestação jurisdicional, que merecem ser corroboradas pelos operadores do direito, uma vez que se ultime o processo legislativo.

Sobre o autor
William Akerman

Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro (DPE/RJ). Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ex-Procurador do Estado do Paraná (PGE/PR). Ex-Especialista em Regulação de Aviação Civil (ANAC). Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ). Ex-Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Aprovado em concurso público para Defensor Público do Estado da Bahia (DPE/BA), para Advogado do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e para Advogado da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Integrante da banca de penal e processo penal do I Concurso para Residência Jurídica da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Autor e coordenador de obras jurídicas pela Editora JusPodivm. Professor de cursos preparatórios para concursos e fundador do Curso Sobredireito (@curso_sobredireito).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AKERMAN, William. Tutela de urgência e tutela da evidência no anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3983, 28 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28980. Acesso em: 8 nov. 2024.

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