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Da ilegalidade da comunicação de atos processuais por e-mail

Agenda 02/06/2014 às 14:08

Se o processo necessita de um sistema de comunicação dos atos a fim de garantir que as partes não sejam surpreendidas, não se pode pensar no e-mail como ferramenta de comunicação processual, considerando que ele não pode garantir certeza e confiabilidade quanto ao tráfego e recebimento da informação.

Atualmente, cobra-se bastante dos órgãos públicos, especialmente do Poder Judiciário, a simplificação de seus procedimentos e a celeridade de seus trâmites.  A tendência da virtualização, ou seja, da adoção do processo eletrônico pode e deve ser encarada mesmo como irreversível.

Nesse contexto, devemos nos perguntar até que ponto podemos flexibilizar procedimentos formais em prol de uma vaga noção de celeridade.

O fato é que alguns órgãos do Poder Judiciário, especialmente Juizados Especiais, passaram a expedir comunicações processuais (citações e intimações, p.ex.) através de correio eletrônico, também conhecido por e-mail.

Nosso Código de Processo Civil estabelece que as comunicações serão feitas pelos correios, por oficial de justiça, por edital ou meio eletrônico, conforme regulado em lei (esta última modalidade incluída pela Lei nº 11.419/2006).

A Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, em seu art. 8º, § 2º, prevê que os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico.

Assim, valendo-se da previsão legal que permite a comunicação por meio eletrônico, em alguns Juizados se construiu a tese de que a comunicação processual por e-mail seria válida.  Afinal, o art. 19 da Lei nº 9.099/95 estabelece a possibilidade de intimação por qualquer meio idôneo de comunicação, e, por outro lado, o Código de Processo Civil reconhecia expressamente a possiblidade de utilização de meio eletrônico como forma de comunicação processual.

Ocorre que o uso do meio eletrônico como forma de comunicação foi deixado a cargo de lei específica que o regulamentasse.

Com o advento da Lei nº 11.419/2006, o uso do meio eletrônico para a tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais ganhou nova disciplina, inclusive nos Juizados Especiais.

O art. 5º da referida Lei dispõe que:

“Art. 5º as intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2o desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico”.

No mesmo sentido dispôs a Resolução nº 28 do Conselho da Justiça Federal, de 13/10/2008, relativamente aos Juizados Especiais Federais:

"Art. 1º A intimação dos atos processuais nos Juizados Especiais Federais e em suas Turmas Recursais será efetivada, preferencialmente, com a utilização de sistema eletrônico.

§ 1º O processamento de intimação eletrônica fica condicionado ao prévio cadastramento do usuário (partes, Ministério Público, procuradores, advogados e defensores públicos), na forma do art. 3º desta Resolução.

§ 2º As intimações eletrônicas, inclusive as da União e de suas autarquias, consideram-se pessoais para todos os efeitos legais e dispensam publicação em diário oficial convencional ou eletrônico.

Art. 2º A intimação eletrônica ocorrerá com o acesso do usuário ao site próprio da Seção Judiciária (web), em local protegido por senha, onde estiver disponível o inteiro teor da decisão judicial."

Ou seja, a comunicação eletrônica dos atos processuais será feita através de sistema próprio (portal), em que os usuários deverão ser previamente cadastrados.  A hipótese de comunicação processual por e-mail não foi contemplada pelo legislador e isso deve ser respeitado.

É certo que a prática da comunicação processual por e-mail em processos judiciais visa a celeridade e a informalidade, princípios que inspiram os juizados especiais.  Contudo, não se pode olvidar que a intimação por e-mail, além de não ter previsão legal, acarreta uma série de problemas, inclusive quanto ao efetivo recebimento da mensagem pelo destinatário.

Não há como ter certeza de que uma mensagem de e-mail não foi interceptada ou perdida por falha do servidor ou mesmo indevidamente bloqueada por algum sistema de filtro de spam. Mesmo que se empreguem mecanismos que permitam o aviso automático de recebimento de mensagens, estes recursos não são completamente seguros.

Toda essa incerteza contraria a essência e a finalidade da comunicação.  Segundo Lição de Humberto Theodoro Júnior[1]:

“O procedimento se desenvolve sob o signo da publicidade e do contraditório.  Não há surpresa para as partes nem para terceiros que eventualmente tenham que prestar colaboração à solução da lide ou que tenham que suportar consequências dela.

Há, por isso, um sistema de comunicação dos atos processuais, pelo qual o juízo põe os interessados a par de tudo o que ocorre no processo e os convoca a praticar, nos prazos devidos, os atos que lhes compete.”

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Ora, se o processo necessita de um sistema de comunicação dos atos a fim de garantir que as partes não sejam surpreendidas, não se pode pensar no e-mail como ferramenta de comunicação processual, considerando que ele não pode garantir certeza e confiabilidade quanto ao tráfego e recebimento da informação.  Nesse sentido, a adoção do e-mail como meio de comunicação processual poderia conduzir a situações de absoluto desrespeito ao Princípio do Contraditório.

Dierle José Coelho Nunes compreende o Princípio do Contraditório como garantia de não surpresa, e aglomera um feixe de direitos dele decorrentes, entre eles o “direito a uma cientificação regular durante todo o procedimento, ou seja, uma citação adequada do ato introdutório da demanda e a intimação de cada evento processual posterior que lhe permita o exercício da defesa no curso do procedimento”[2].

Alexandre Freitas Câmara[3] considera a comunicação eletrônica real.  A comunicação dos atos processuais é classificada pela Doutrina em real ou ficta.  É real quando a ciência é dada diretamente à pessoa do interessado. A ficta ou presumida ocorre quando feita através de órgão ou terceiro que se presume faça chegar a comunicação ao conhecimento do interessado (p.ex.: edital).  Portanto, por definição, ela deve ser dirigida diretamente à pessoa do interessado e passar a certeza de sua ciência.

A conclusão a que se chega, portanto, é que a prática adotada por alguns órgãos do Poder Judiciário de utilizar o correio eletrônico (e-mail) como forma de comunicação de atos processuais é totalmente irregular, por falta de previsão legal.  Ainda que se deva valorizar iniciativas voltadas para a simplificação e celeridade dos procedimentos judiciais, não se pode abrir mão de garantias constitucionais como o Princípio do Contraditório.


Notas

[1] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V.I. 39ª.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 229.

[2] NUNES, Dierle José Coelho. O Princípio do Contraditório: Uma Garantia de Influência e de Não Surpresa. In JORDÃO, Eduardo Ferreira e DIDIER JR, Freddie Souza (coords.). Teoria do Processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 170/171.

[3] CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. V.I. 16ª.ed. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2007.

Sobre o autor
Antonio de Pádua Oliveira Júnior

Procurador Federal em Cuiabá (MT).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA JÚNIOR, Antonio Pádua. Da ilegalidade da comunicação de atos processuais por e-mail. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3988, 2 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29137. Acesso em: 17 nov. 2024.

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