4. PORQUE OS BLACK BLOCS NÃO FAZEM POLÍTICA
Contrapondo os mencionados elementos da teoria da ação coletiva em Hannah Arendt – de resto, associados intrinsecamente à sua concepção de Esfera Pública - ao modus operandi dos Black Blocs, pode-se inferir que os integrantes daquele movimento não exercem atividade que possa ser classificada como tendo natureza política. Colocando-se como uma espécie de vanguarda paramilitar dos manifestantes, os Black Blocs ocultam suas identidades, cobrem os rostos com máscaras e usam roupas negras apenas, ao que parece, como uma marca distintiva. Não se colocam diante dos demais como cidadãos que pretendem ver e ser vistos, ocupando os espaços públicos institucionalmente assegurados – ou “ilhas de liberdade” como as classificou, com evidente acerto, Hannah Arendt - que os retirem da obscuridade e os projetem para os indispensáveis debates dos temas políticos ou mundanos. Quem pretende fazer política não pode permanecer na obscuridade ou tentar esconder-se nas sombras, mas deve, ao reverso, procurar mostrar-se nos debates ocorridos na Esfera Pública, eis uma das grandes lições de Hannah Arendt sobre o sentido da política. Nesse passo, os Black Blocs recusam claramente o relevante aspecto da aparição e, claro, sem isto não há como classificá-los como um movimento de conteúdo político.
Do mesmo modo, não se sabe exatamente quais são as bandeiras ou propostas políticas que defendem nem tampouco se conhecem suas lideranças ou o que elas disseram ou pensam. Aqui, é forçoso reconhecer que há igualmente uma recusa deliberada ao discurso público, ao enfrentamento das ideias e propostas, ao que podemos chamar de tentativa de convencimento do outro. Evidentemente, isso também descaracteriza o movimento como político pelas razões já aqui apontadas.
O contexto histórico-institucional do Brasil de hoje não é, certamente, o mesmo no qual ocorreu a rebelião estudantil nos anos 1960, mas, ainda assim, é possível identificar alguma similitude entre as ações violentas do movimento Black Power nos Estados Unidos e as do movimento Black Blocs no Brasil do tempo presente, pois ambos superaram a retórica da violência para empregá-la de fato. Tanto num caso como no outro, os resultados foram ter conseguido escasso ou mesmo nenhum apoio popular e o esvaziamento dos movimentos espontâneos de nítido caráter político.
Se o poder nasce da convivência entre os homens e da consequente ação humana em concerto na Esfera Pública, então é razoável reconhecer que a violência utilizada como instrumento de ação pelos Black Blocs não pode ser tipificada como tendo natureza política. Aqui, portanto, parece-nos adequado recordar o precioso escólio de Arendt (1985: 29) segundo a qual “o que jamais poderá florescer da violência é o poder.”
Demais disso, a violência adotada pelos Black Blocs acabou por repelir a espontaneidade que caracterizou as manifestações de massa de junho do ano passado e, por extensão, a própria expressão de liberdade política que dela decorre, de modo a revitalizar a Esfera Pública.
Por fim, mas não menos importante, os métodos violentos de ação dos Black Blocs, como já foi assinalado, poderiam ser eventualmente justificáveis se estivéssemos sob o jugo de uma ditadura com a consequente interdição da aparição e do discurso das pessoas no sentido arendtiano. Mas não é, a toda evidência, o que ocorre no caso brasileiro, de modo que o emprego desnecessário da violência reforça exponencialmente a convicção aqui defendida de que os Black Blocs não fazem política no sentido que aqui lhe foi dado com amparo no pensamento político arendtiano.
5. CONCLUSÕES
Em junho de 2013, o Brasil foi surpreendido com a eclosão de grandes manifestações de rua que protestaram inicialmente contra o aumento das tarifas de transporte urbano, logo se estendendo para abarcar outras reivindicações, como, por exemplo, a melhoria da qualidade dos serviços públicos hoje ofertados. Aos poucos, as manifestações foram arrefecendo em todo o país e o movimento conhecido como Black Blocs passou a atuar como sua vanguarda, promovendo ataques às forças policiais-militares e destruindo de patrimônio público e privado.
Por se tratar de um movimento novo no Brasil, embora já exista há décadas na Europa Ocidental, muitas foram as interpretações referentes ao seu real conteúdo político. Nosso problema consistiu, portanto, em responder a uma indagação que nos parece relevante e que permanece inconclusiva: os Black Blocs fazem política?
Com base no pensamento político de Hannah Arendt, sobretudo na sua concepção de Espaço Público e ação coletiva, o ensaio foi dividido em quatro seções: a primeira trata sobre como podem as organizações atuar na democracia; a segunda analisou sucintamente o modus operandi dos Black Blocs no Brasil; a terceira se concentrou em identificar os elementos constitutivos essenciais da ação coletiva em Hannah Arendt e, por fim, a quarta e última fez o necessário contraponto de tais elementos da ação coletiva arendtiana com os métodos de ação violenta dos Black Blocs.
Respondendo à pergunta que nos impusemos, nossa conclusão é que os Black Blocs não fazem política, pois recusam a aparência, o discurso e, em lugar disso, empregam a violência como método de ação. Além disso, a consolidação das instituições democráticas que o Brasil experimenta desde o advento da Constituição de 1988 afasta a possibilidade de se justificar as ações violentas empregadas pelos Black Blocs em nosso país.
Reconhece-se aqui que o tema abordado apresenta muitas nuances que deixaram de ser analisadas considerando sua notória complexidade, mas, de qualquer modo, se constitui em um esforço interpretativo para um fenômeno que se encontra, por assim dizer, envolto sob um manto de dúvidas e incertezas.
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