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A greve dos metroviários de SP: abusiva ou de pleno direito?

Agenda 10/06/2014 às 14:36

O artigo analisa a greve dos metroviários de SP sob a ótica das leis brasileiras tanto a continuidade dos serviços público como na dignidade dos trabalhadores brasileiros.

A greve dos metroviários de SP terminou com a decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT). O reajuste salarial exigido pelos metroviários era de 12,2%, enquanto o Metrô ofereceu 8,7%. Com a decisão do TRT, o reajuste salarial foi de 8,7%.

Por que os metroviários de SP deflagraram a greve?

Nas palavras do presidente do Sindicato dos Metroviários, Altino de Melo Prazeres Júnior:

"Tem uma Copa do Mundo, o maior evento esportivo do mundo. Estamos em um momento único. Tem também eleições no fim do ano. Os protestos do ano passado entraram na nossa mente. Não pode ficar massacrando, batendo em trabalhador. Em 2007, nós recuamos e houve demissões. Nós podemos sair da luta derrotados se recuarmos ou se continuarmos a greve. Vão tentar nos retaliar agora ou depois. A nossa proposta é continuar a greve."

Para o TRT:

"O direito de greve não pode ser balizado em autoritarismo ou no exercício arbitrário de escolhas subjetivas. Não houve atendimento mínimo à população, gerando grande transtorno, inclusive, no âmbito da segurança pública."

Mas por que a greve foi considerada abusiva?

LEI Nº 8.987, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1995

Esta lei dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal. No artigo 6º desta lei, in verbis:

"Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas".

A greve dos metroviários paralisou completamente o atendimento do serviço aos usuários, isto é, não houve continuidade, regularidade do serviço - 100% nos horários de pico e 70% fora desse horário. Além disso, alguns metroviários atearam fogo e houve depredação do patrimônio público. Por essas ações, a greve foi considerada abusiva pelo TRT.

O direito de greve e os serviços essenciais


Constituição Federal de 1988


"Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei".

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(...)
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)".


A LEI Nº 7.783, DE 28 DE JUNHO DE 1989 dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. No artigo 6º dessa lei há os direitos dos grevistas:

"Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:

I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;

II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.

§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.

§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.
§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa".


No artigo 10 há os serviços ou atividades essenciais que não podem sofrer paralisação total:

"Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI compensação bancária".

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No artigo 11 há a obrigatoriedade da classe trabalhadora manter prestação de serviço durante a greve:

"Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade".

No artigo 13, a obrigação de comunicação de greve aos empregadores e usuários:

"Art. 13 Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação".

Se o direito de greve é um direito dos trabalhadores, ao mesmo tempo este direito sofre limitações, ou seja, não podem os trabalhadores paralisarem totalmente os serviços ou atividades consideradas essenciais. Antes de se efetuar a greve, os trabalhadores devem comunicar, com antecedência de 72 (setenta e duas horas) horas, os empregadores e os usuários [consumidores]. Do direito de greve há o dever de zelar pela dignidade humana dos usuários e a preservação do patrimônio público, isto é, não podem os grevistas agirem com truculências contra os usuários, que exigem a continuidade do serviço, ou até mesmo contra os demais profissionais da mesma categoria, que desejam trabalhar e manter a continuidade do serviço, mas sem abrir mão da greve. Aos grevistas fica o dever de não provocarem atos que causem destruições dos bens públicos, da propriedade privada.

A greve é um direito alcançado, historicamente, pelas lutas dos trabalhadores frente ao totalitarismo desumano dos empregadores. Frederick Winslow Taylor, o "Pai da Administração Científica", desenvolveu técnicas para aprimorar e apressar a produção. O método foi um sucesso na época, mas, depois, considerado desumano, pois os trabalhadores passaram a serem extensões da máquina, isto é, sem sentimentos, sem a capacidade de pensar, sem o direito de falhar - o simples ato mecânico de entrar na fábrica, vestir o roupão e começar a trabalhar sistematicamente, até o término da carga horária imposta pela empresa, que superavam 14 (quatorze) horas de trabalho. Chegou ao absurdo de criar mecanismos para se evitar que o trabalhador não pensasse nos problemas cotidianos, através de técnicas persuasivas condicionantes ao trabalho. Desnecessário dizer que foi um fracasso.

Também é fato, com o advento da Revolução Industrial, que houve abissais divisões de classes social: mais pobres e mais ricos. A escravidão da qual se conhecia - conquistas de territórios e escravização dos povos conquistados - antes da Revolução Industrial passou a ter uma nova configuração: a dominação e subjugação aos proletariados pelos donos de fábricas. As lutas de classes aumentaram, as desigualdades sociais também aumentaram; o desenvolvimento industrial proporcionou melhorias como redução de tempo na deslocação (transporte), produção sequencial e em massa de objetos.

Dizer que há um livre-arbítrio do trabalhador para conseguir a sua dignidade humana, em pleno século XXI, é sofisma. Por exemplo, se há dois empregos, cada um, respectivamente, com salários de R$ 900,00 (novecentos reais) e de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), o trabalhador, por necessidade, para atender as suas necessidades básicas e de sua família escolherá o salário mais alto. Contudo, no caso do Brasil, o salário não atende os direitos sociais do trabalhador, que está preconizado na Constituição Federal de 1988:

"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim."


Vemos, então, que a greve é legítima diante das condições de vida que são sujeitados os trabalhadores, pelo péssimo piso salarial, mesmo que hajam revoltas e depredações. Não que seja uma justificativa plena, pois todo direito sofre limitação, contudo, se analisarmos a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS:

" o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo ".

A mesma Declaração preconiza que é:

" essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão ".

Os trabalhadores brasileiros, pelo que se preconiza na Constituição Federal de 1988 [artigo 7º, IV], não possuem dignidade em suas vidas, pois são submetidos a todos os atos possíveis demeritórios a sua dignidade: salário que não atende os direitos sociais; punições arbitrárias dos empregadores; a lentidão da justiça trabalhista em julgar os litígios, e até certa leniência com o setor patronal, já que o desenvolvimento nacional não pode emperrar.

Assim, resta aos trabalhadores o "livre-arbítrio" para se sujeitar aos ditames de uma cruel realidade brasileira: aceitar trabalhar, mesmo que seja violado em sua dignidade, ou não trabalhar, e passar fome, morrer numa esquina, como morador de rua, por ações de ignóbeis seres humanos com mentalidades higienistas [social].

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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