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As atividades de exploração e explotação mineral em terras quilombolas e a questão socioeconômica e ambiental:

um apanágio das comunidades Bom Jardim da Prata e Buriti do Meio Norte das Minas Gerais

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Agenda 02/07/2014 às 09:28

Não existe impedimento legal ao exercício da atividade econômica de mineração em áreas de propriedade de remanescentes de comunidades quilombolas.

RESUMO: A região do entorno do município de São Francisco, no norte do Estado de Minas Gerais, é atualmente um dos sítios geográficos do Brasil demarcado pela presença de comunidades quilombolas, formado durante o período escravista, caracterizando-se como local delimitado socialmente, para onde convergiam os povos negros escravos que se rebelavam contra o regime vigente na época, por meio de lutas, batalhas e fugas e, dessa forma, constituindo-se no local comunidades livres. Duas comunidades se destacam na região, quais sejam: a comunidade de Bom Jardim da Prata e a comunidade de Buriti do Meio. Ocorre que existem possibilidades de serem desenvolvidas atividades de mineração nessas áreas das aludidas comunidades, conquanto tratar-se de concessão por parte do Governo Federal para sociedades empresárias privadas, o direito de realizar trabalhos de pesquisa e extração mineral em todo o território geográfico nacional brasileiro e, por óbvio, em terras quilombolas. Com efeito, em face da falta de regulamentação plena em termos de legislação específica acerca dos procedimentos para outorga de títulos minerários em regiões ocupadas por comunidades quilombolas, o principal objetivo da presente pesquisa é analisar as relações existentes entre as atividades de exploração e explotação mineral em contraposição às questões socioeconômicas e ambientais nestes territórios quilombolas, mormente em razão da relevância das mesmas para a identidade histórica nacional. Lado outro, o estudo também levou em consideração os aspectos inerentes à soberania nacional e a relevância dos recursos minerais no país, garantido em sede constitucional e alguns conflitos de interpretação. Para tanto, os procedimentos  metodológicos, assim como os instrumentos  de pesquisa foram norteados por meio das seguintes etapas: a) a pesquisa bibliográfica; b) a pesquisa de campo; c) a organização e sistematização dos dados coletados e devidamente organizados. A pesquisa, por si, nos revelou que existem falhas na análise e liberação das autorizações e concessões para as atividades de exploração e, em seguida, de explotação de minerais em terras quilombolas; mormente em razão da precária e quase inexistente legislação a respeito do tema em comento. Da mesma sorte, constatou-se também, que as formas observadas de organização social existentes são frágeis e desinformadas; e que há uma notória ausência de políticas públicas para as comunidades quilombolas e, em especial, que os informe e os direcione acerca da defesa de seus interesses, quando se trata de atividades minerarias em suas terras.

Palavras-chave: Comunidades Quilombolas; Atividades de Mineração; Aspectos Socioeconômicos.


1 – INTRODUÇÃO

Se formos buscar na origem ou essência do vocábulo “mineração”, verificaremos que  se trata de uma palavra que deriva do latim medieval “mineralis” que, por seu turno, é relativo às expressões “mina” e a “minerais”.  Destarte, da atividade efetiva de cavar minas originou-se o verbo “minar”  durante o curso do Século XVI que, como reflexo, consistia na ação de escavar fossos ao redor das fortalezas, durante as guerras que eram travadas, com o fito de fazê-las ruir, de onde adotou-se a palavra “mina” para designar os artefatos explosivos de natureza militar.

Com efeito, da associação das indigitadas atividades, deu-se origem ao termo mineração, uma vez que, como corolário das estratégias militares, as escavações e desmontes de rochas das minas, com freqüência, se dão com a utilização de explosivos.

Não obstante, de uma forma genérica, podemos definir a atividade de mineração como sendo a extração de minerais contidos nas rochas ou no subsolo que, por sua vez, representa uma manifestação de cunho fundamentalmente econômico;  sendo referida, num sentido mais amplo, como indústria extrativa mineral.

Sobejamente, a mineração se apresenta como um dos setores básicos da economia em nosso país que, de forma indiscutível,  contribui de maneira decisiva para a melhoria da qualidade de vida e do bem estar das gerações presentes e futuras; sendo de inquestionável e fundamental importância para o desenvolvimento das sociedades igualitárias; uma vez que seja perpetrada com a devida responsabilidade social, bem como em estrita e absoluta obediência aos preceitos e dogmas de um desenvolvimento sustentável.

Malgrado já venha sendo exercida há milhares de anos e, no caso do Brasil, datada do nosso período colonial; mesmo em nossa em fase contemporânea, as atividades de mineração, através dos procedimentos de exploração, explotação e do tratamento dos minerais, além de se constituir em sólida base para o progresso e desenvolvimento industrial e comercial, em decorrência da sua corriqueira utilização e aplicação nas tecnologias avançadas, é também sinônimo do poder econômico, militar e, por conseqüência,  de natureza política.

Não obstante, existem regras e normas legais que norteiam e estabelecem critérios para que as atividades de mineração possam ser exercidas no Brasil; maiormente o Decreto-Lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967, denominado de Código de Mineração, que  foi publicado com o propósito de regular os direitos sobre as massas individualizadas de substâncias minerais ou fósseis que, por sua vez, sejam eventualmente encontradas nas superfície ou no interior da terra, formando assim os recursos minerais encontrados no país; bem como o seu regime de aproveitamento e os critérios de fiscalização por parte do Governo Federal; os procedimentos de pesquisa e lavra, dentre outros aspectos e peculiaridades que envolvem a indústria extrativa mineral.

Dessa forma, o monopólio governamental sobre as atividades de pesquisa e lavra de petróleo passa a ser uma exigência constitucional e, do mesmo modo, em 28 de dezembro de 1989, promulga-se a Lei n. 7.990 que, por seu turno, definiu a aplicação da CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais e Hídricos que seria de até 3% (três por cento) incidindo sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral.

Lado outro, criou-se também a Lei n. 8.001, de 13 de março de 1990 que veio definir e regulamentar os percentuais  da distribuição da compensação financeira, bem como, por força da Lei Federal n. 8.901 de 1994, é garantida ao superficiário, isto é, o proprietário ou posseiro do solo, nos regimes de concessão e licenciamento, caso o mesmo não seja o próprio minerador, a participação no resultado da lavra na ordem de 50% (cinqüenta por cento) do valor apurado para a CFEM.

No mesmo ano de 1994, por meio da Lei n. 8.876 de 02 de maio, o Poder Executivo fica autorizado a instituir como autarquia o DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral; circunstância que ocorre e, da mesma sorte, é aprovada por meio do Decreto n. 1.324, em data de 02 de dezembro daquele mesmo ano de 1994, aprovando sua estrutura regimental.

Todavia, a questão inerente às terras quilombolas para efeito do exercício das atividades de mineração, ainda padece de uma legislação própria e específica; não ficando muito clara e de forma eficientemente transparente como e quais os critérios legais deverão ser aplicados em áreas de quilombos.

Como se sabe, a indústria mineral, em todas as suas facetas e matizes, exige instrumentos e equipamentos técnicos e de alto grau tecnológico em seu processo produtivo.  Para Neves e Silva (2007), “o empreendimento mineral, ao contrário do que o senso comum faz parecer, é intensivo em capital e demandante de mão-de-obra altamente qualificada”.

Dessa maneira, trata-se de estudar de forma minuciosa referidos empreendimentos, porquanto as áreas ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, a princípio, não reflete em impedimento legal ao desenvolvimento de atividades de mineração  em terras que já foram objeto de titulação; bem como de áreas já devidamente demarcadas para essa finalidade, porém ainda não regulamentadas.

Entrementes, existem aspectos e critérios de natureza socioeconômicas que, por sua vez, exigem e protestam por uma análise mais detida, porquanto, afinal, são territórios de memória e identidade do povo e da história do Brasil.


2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Ao nos referirmos aos aspectos de uma abordagem geográfica que, por seu turno, se efetiva numa compreensão da complexa dinâmica territorial quilombola, temos no estudo realizado por Wandenberg Lima e outros,que a mesma se funde numa discussão teórica sobre território.

Ao citar a análise de Raffestin (1993), fica destacado que a formação do espaço é anterior ao território, quando sobre o tema assim se manifesta, in verbis:

“o território  se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente[...]o ator ´territorializa`o espaço. O autor ao remeter-se a formação do território baseia na idéia de poder, de mecanismo de controle e dominação. Essa concepção de território é fundante no processo de construção e desdobramento da concepção de território por outros autores”.

Extrai-se, pois, na corrente de entendimento do citado autor que as dimensões sociais, em sua maior essência, são fundamentalmente de ordem política e cultural que, por sua vez, surgem como um fator construtivo na apropriação do espaço territorializado.

Com efeito, temos que as comunidades quilombolas de Bom Jardim da Prata e de Buriti do Meio, na região do município de São Francisco, no norte do Estado de Minas Gerais se manifestam em face das práticas e ações de resistência que refletem e implicam de maneira efetiva  no domínio simbólico e material de uma fração do espaço e tempo determinados.

Sabemos que o processo de auto-reconhecimento consiste em etapa inicial para a regularização fundiária e titulação das terras; processos esses que estão em desenvolvimento pelas comunidades em estudo. Consoante matéria publicada na Revista “Quilombos Hoje” (2010) temos a seguinte máxima:

“ (...) as comunidades quilombolas integram, hoje, o vasto contexto agrário brasileiro e se auto-definem a partir das suas relações com a terra, o território, o parentesco, a ancestralidade, as tradições e as práticas culturais próprias”.

Outrossim, nunca é demais relembrar que, de acordo com todos os relatos e registros históricos de que se tem conhecimento, a formação dos territórios quilombolas foi construído por meio de lutas, batalhas; conquistas e conflitos que ao longo de inúmeros anos, foram engendrados pelas formas de exploração do trabalho do homem para os fins de uma acumulação de riquezas instituídas pelos colonizadores àquela época.

Destarte, para que possamos de fato entender toda a dinâmica que envolve o assunto, mormente quando se trata de adentrarmos em atividades de mineração que, como dito alhures, a princípio, não encontra impedimento legal; mas que exercida em terras de comunidade quilombola,  torna-se necessário identificar os problemas e compensações que devem ser adotadas, mormente as dimensões sociais e econômicas, tanto para os quilombolas quanto para as empresas de mineração.


3 – METODOLOGIA

Torna-se necessário evidenciar que a pesquisa desenvolvida pretendeu obter um resultado aproximado da realidade das comunidades dos quilombolas Bom Jardim da Prata e Buriti do Meio, na região do Norte de Minas Gerais, para entender a possível relação entre as indigitadas comunidades e potenciais empresas de mineração que, por seu turno, poderão exercer as atividades de exploração e explotação de minerais naquelas áreas.

No escol de Minayo (1996, p. 23) temos a seguinte assertiva sobre o conceito de uma pesquisa, qual seja: “(...) atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da realidade. É uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsicamente inacabado e permanente”.

Nessa linha de raciocínio, o que desenvolvemos na presente pesquisa, foi exatamente buscar o entendimento na  complexidade existente numa relação estabelecida entre uma empresa mineradora e as comunidades quilombolas, em face das lacunas apresentadas na legislação.

Ocorre que em uma pesquisa de natureza qualitativa, os dados e informações de cunho quantitativo são de fundamental importância para a análise da questão levada á estudo; tanto que no entendimento de Triviños (1995, p. 129), temos o seguinte ensinamento: “ a pesquisa qualitativa nas ciências sociais é também descritiva”.

Por essa ordem dos fatos, o universo abordado nessa pesquisa se restringiu às comunidades quilombolas em destaque, assim como às atividades minerárias de potenciais  empresas extrativas que, em face de uma eventual outorga ou concessão, poderão realizar atividades de pesquisa e extração de minerais em território de ocupação quilombola.

Para tanto, procedemos com os seguintes mecanismos metodológicos, assim como instrumentos de pesquisa, análise e estudos:

Insta esclarecer que a pesquisa documental, por sua vez, foi exercida com fulcro nas pesquisas bibliográficas e suas respectivas fontes secundárias, tais como livros; jornais; revistas especializadas; boletins; pesquisas; estudos; ensaios; monografias; artigos; sejam em meio impresso e/ou eletrônico.

Ademais, foram realizadas pesquisas em sites eletrônicos e in loco, de alguns órgãos da administração pública direta e/ou indireta, tais como o DNPM – Departamento Nacional da Produção Mineral; o MME – Ministério das Minas e Energia; o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente; a SUDEMA – Superintendência de Administração do Meio Ambiente; e o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

Com efeito, em vista do que foi pesquisado, percebe-se a necessidade do exercício de um estudo constante e contínuo acerca do tema, mormente pelo fato de que não se afigura, como dito anteriormente, uma legislação definitiva que possa determinar o tratamento da realização das atividades de mineração em terras de titularidade quilombola.


4 – DO REFERENCIAL TEÓRICO

4.1 – Das atividades de mineração em terras quilombolas.

Devemos evidenciar, desde o início, que o nosso sistema constitucional estipula que o conceito de propriedade do solo é diametralmente diferente do entendimento sobre a propriedade do subsolo; sendo que todos os minérios e/ou minerais de qualquer natureza, gênero ou espécie, eventualmente existentes, pertencem à propriedade da União Federal.

Tal circunstância se verifica, porquanto  a nossa Carta Política assumiu e tornou verdadeira a premissa de que todas as reservas de recursos minerais são de natureza estratégica para o desenvolvimento e o progresso do país e, via de conseqüência, caberia à União Federal regular e determinar o meio e a forma de como se verificará e proceder-se-á com o acesso, exploração, extração, beneficiamento e comercialização de indigitados recursos minerais.

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Consoante a atual sistemática disposta e determinada em nossa Constituição Federal e, posteriormente, regulamentada pelo Código de Mineração em vigor, não raras vezes, no desenvolvimento de uma atividade de mineração, temos o envolvimento de 03 (três) atores, no mínimo, com interesses distintos; mas que, por sua vez, compõem um negócio jurídico de natureza complexa, quais sejam: a União Federal; o detentor da concessão ou da autorização para efetuar a pesquisa ou a extração mineral, assim como o proprietário do solo ou o superficiário daquela gleba de terras.

Ocorre um aparente paradoxo, ou seja, o exercício da atividade considerada estratégica para o país, uma vez que estimula o crescimento e desenvolvimento econômico que, por sua vez,  colide e é bastante crítica, quando o exercício da pesquisa e, maiormente, as atividades de lavra dos minerais ocorrem dentro ou próximas de áreas habitadas por beneficiários de programas de reforma agrária; populações tradicionais ou comunidades indígenas; unidades de conservação ambiental também patrocinadas e protegidas pelo poder público, assim como ocupadas pelas comunidades quilombolas.

Todavia, a própria Constituição Federal, por meio do seu artigo 176 e respectivos parágrafos já define os critérios e condições de como serão processadas as atividades de exploração e explotação de minerais, quando assim determina, in verbis:

“Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

§ 2º - É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.

§ 3º - A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.

§ 4º - Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida.” (grifo nosso).

Destarte, nem mesmo os poderes públicos locais e/ou os superficiários poderão exercer qualquer tipo de interferência sobre os critérios e o modo de escolha dos locais a serem explorados; cuja prerrogativa  cabe somente à União Federal.

A única condição que resta aos superficiários, in casu, seria o de resignarem-se com a realização das atividades de mineração nas terras da sua propriedade e, em face disso, lutarem por uma compensação de natureza financeira nos termos do que encontra-se insculpido no parágrafo 2º do artigo 176 da Constituição Federal, consoante mencionado anteriormente.

O curioso é que ao mesmo tempo em que a Constituição Federal  assegura esse princípio da livre iniciativa; assegura também outros direitos e princípios que, não raras vezes, são conflitantes com este.

Tal circunstância ocorre em uma sociedade plural, onde os interesses do governo de ordem econômica muitas vezes colidem com a sua própria identidade histórica e cultural; dificultando na determinação precisa de procedimentos para ajustar esse conflito que emerge.

De acordo com os ensinamentos de José Afonso da Silva[1] temos a seguinte assertiva:

“ O pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de uma pluralidade de categorias sociais, de classes, grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos. Optar por uma sociedade pluralista significa acolher uma sociedade conflitiva, de interesses contraditórios  e antinômicos. O problema do pluralismo está precisamente em constituir o equilíbrio entre tensões múltiplas e por vezes contraditórias, em conciliar a sociabilidade e o particularismo.”

É nessa linha de raciocínio que percebemos como que a questão da cultura é algo dinâmico, vivo, contundente,  que pertence à situação presente e, em razão disso, identifica grupos culturais contemporâneos que, por seu turno, são reflexo da própria origem histórica do país.

Destarte, esses grupos de ordem e influência cultural tão relevantes, não podem ser reduzidos a um conjunto de memórias e/ou objetos a serem arquivados para pesquisa ou consulta em algum órgão público. Deve-se, por certo, assegurar não somente a diversidade cultural do nosso povo, como também e, principalmente, seus direitos.

Tal situação se verifica quando uma sociedade empresária,no segmento da mineração, obtêm um alvará de pesquisa ou uma portaria de lavra para o exercício das suas atividades empresariais em terras quilombolas, na medida em que essa atividade possa se tornar uma ameaça às comunidades em apreço.

Insta provocar o Ministério Público Federal, para que o mesmo, possa junto aos demais órgãos da administração pública, direta e/ou indireta, buscar soluções mais efetivas para a questão das atividades minerárias em terras quilombolas, até que se estabeleça uma legislação de aplicação e caráter mais exato.

Dentre os órgãos da administração pública que podem e, mais do que isso, devem adotar uma postura mais dinâmica para as soluções de atividades minerárias em terras dos remanescentes quilombolas, podemos citar: o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), sem se olvidar da própria Fundação Cultural Palmares e, em especial, das lideranças quilombolas que vivem na região, porquanto são os principais interessados.

Queiram ou não, os interesses minerários em terras quilombolas, constituem uma série de ameaças para as referidas comunidades, mormente em face da ocupação de áreas que guardam forte e inequívoca identidade de natureza cultural e, para tanto, deverão ser praticadas de maneira racional e sustentável, sem colidir com os princípios e tradições que envolvem esse povo de grande importância para a origem histórica do Brasil.

4.2 – Da outorga de títulos minerários em regiões ocupadas por comunidades quilombolas.

4.2.1 – Dos aspectos históricos concernentes ao direito às terras pelos remanescentes quilombolas.

Consoante mencionado alhures, é cediço a inexistência de uma legislação específica e pontual para determinar uma solução padronizada para regular as atividades de mineração (exploração e explotação) em terras de comunidades de remanescentes quilombolas.  Mesmo porque cada caso apresenta circunstâncias e peculiaridades especiais que, por seu turno, devem ser analisadas em apartado; mas que não impedem que sejam contempladas em um estudo mais abrangente, com o fito de uniformizar os critérios e tratar as questões pontuais apenas como exceção, e não como uma regra.

Entrementes, a ausência de uma  legislação específica não impede que as atividades de mineração sejam realizadas, assim como não desprotege os direitos dos quilombolas em razão da execução desses empreendimentos em suas terras.

Para tanto, as autoridades competentes, mormente a Diretoria de Outorga e Cadastro Mineiro, a atual Diretoria de Gestão de Títulos Minerários, formulou consulta à Procuradoria-Geral da União Federal (DNPM) que exarou o Parecer de n. 457/2010/HP/PROGE/DNPM, em decorrência do Processo n. 48400-000108/2010-82, acerca dos procedimentos legais a serem observados para a outorga de títulos minerários em regiões ocupadas por comunidades quilombolas.

Com efeito, consoante já mencionado, mesmo nas áreas ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas, não existe nenhum impedimento legal para que se pratique e desenvolva as atividades de mineração em terras que já foram objeto de titulação, bem como em áreas já demarcadas para esta finalidade, todavia, ainda não titulada.

Contudo, antes de adentrarmos na essência da pesquisa que, maiormente, pretende demonstrar os direitos dos quilombolas em face da execução das atividades de mineração por terceiros outorgados pelo governo federal, insta que destaquemos a relevância da proteção dessas áreas que, por seu turno, também decorre de preocupação e de legislação federal regulamentando o assunto.

Convêm desde o início, mencionarmos que o Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003 (que revogou o decreto anterior de número 3.912, de 10 de setembro de 2001), assegurou conquistas extremamente importantes paras as comunidades quilombolas.

Destarte, podemos afirmar que inúmeras inovações legais foram implementadas, de maneira que se possa privilegiar a consolidação de um novo segmento do Direito, ou seja, o “Direito Étnico” que, por sua vez, já se destaca em algumas legislações comparadas, tais como dos Estados Unidos; Austrália e Nova Zelândia, mas ainda de forma inusitada no Brasil.

Com supedâneo nessa legislação, deveria o comando constituinte originário, no que tange à questão da diversidade sócio-cultural e antropológica em seus princípios e normas, avançar nas soluções de problemas de natureza histórica; porém foram deliberadamente postergadas.

Nessa esteira de entendimento, o Decreto n. 4.887/2003, veio para consolidar uma nova ordem legal, cujos objetivos atualizadores, repise-se, exprimem a vontade insculpida na Carta Magna. Sendo assim, a questão concernente à proteção às coletividades indígenas e também às comunidades remanescentes dos quilombos, possui equivalência valorativa idêntica no que diz respeito à afirmação dos direitos territoriais dos grupos étnicos minoritários.

Dessa forma, temos que no Decreto n. 4.887/03, por meio do seu artigo 2º e respectivos parágrafos, a definição das  “comunidades remanescentes dos quilombos”  em harmonia com os princípios de identidade étnica, histórica e social que foram construídas, assim como conceituou a questão da territorialidade negra, ambos critérios compreendidos sob a ótica antropológica que apresenta uma nova avaliação semântica, com o objetivo de atender às determinações consignadas na Constituição Federal.

Indigitado dispositivo legal, assim se verbaliza:

“Art. 2º  Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

§ 1º  Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.

§ 2º  São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.

§ 3º  Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.” (grifo nosso)

Malgrado fossem confinados à invisibilidade jurídica, os quilombos alteavam à repressiva legislação colonialista e, por essa razão, somente foram reconhecidos e conquistaram foros de legalidade, exatamente um século depois  da abolição formal contida na Lei Áurea ( de 1888 à 1988), por meio da Carta Política atualmente em vigor, promulgada em 05 de outubro de 1988.

Determina a ratio inscrita no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da nossa Lei Maior, que se regulamentou, assim  in verbis:

"Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos."

Lado outro, em consonância com os registros históricos, a definição jurídica de “quilombos” sempre esteve arraigada à ocupação coletiva e ilegal das terras da Coroa, percebendo-se de forma cristalina referido conceito na resposta do Rei de Portugal à Consulta de Conselho Ultramarino, em data de 02 de dezembro de 1740, ao definir  as expressões “quilombo” ou “mocambo”, como sendo: “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”.

Ainda nessa senda histórica, com o recrudescimento do escravismo no Brasil, a Lei n. 236, de 20 de agosto de 1847, que fora sancionada pelo Presidente da Província Joaquim Franco de Sá, diminuir-se-ia o número de escravos fugidos para conceituar um quilombo, não obstante sem imprimir singularidade ao conceito, quando assim de manifestava:

" Art. 12- Reputa-se-ha escravo aquilombado, logo que esteja no interior das matas, vizinho ou distante de qualquer estabelecimento, em reunião de dois ou mais com casa ou rancho."

Com efeito, toda a legislação republicana que se seguiu, não se referiu ou considerou qualquer conceito ou redefinição de “quilombos” que, por seu turno, foram extintos com a abolição da escravatura em 1888.

Dessa forma, temos que somente um século depois, como afirmado anteriormente, é que ocorreu de fato uma desintegração jurídica do estigma da escravidão que, por sua vez,  sobreleva a consolidação do Direito Étnico no formalismo positivista, estabelecendo e redefinindo o foco do superado conceito de raça que, infelizmente, ainda apresenta características preconceituosas numa sociedade democrática de Direito, para o plano da identidade cultural que é muito mais amplo.

Verifica-se assim, a partir deste avanço do legislador originário que, no âmbito normativo do artigo 68 da Constituição Federal transcende o texto legal e, por essa razão, atinge a dimensão unitária de valores que norteiam a Carta Magna, na medida em que oxigena as práticas sócio-culturais negras em toda a sua virtualidade política como marca de distintividade, mormente ressaltando seus direitos às terras ocupadas.

Extrai-se, portanto, que a definição de territorialidade negra ou de “território tradicionalmente ocupado” não se alinha com um tempo imemorial; mas coaduna com o tradicional uso da terra em consonância com os costumes e tradições daquelas comunidades.

Em face desse entendimento, verifica-se a superação do conceito civilista de posse agrária; sendo que a extensão teleológica da Constituição nos indica  como caminho seguro a percorrer, a interpretação analógica contida no artigo 231 e demais parágrafos, conquanto que a proteção constitucional às coletividades indígenas, bem como às comunidades remanescentes dos quilombos possuem equivalência valorativa  idêntica no que se refere à afirmação dos direitos e às prerrogativas em relação à ocupação das terras por grupos étnicos minoritários, conforme dito alhures.

Desse modo, tem-se que no artigo 231 da Constituição Federal, são reconhecidos os direitos às comunidades indígenas e, por conseguinte e extensão às comunidades remanescentes quilombolas, assim se manifestando o caput da norma constitucional e seu respectivo parágrafo  2º, verbis:

“Art. 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.(...)

§ - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.(...)” (grifo nosso).

Sendo assim, numa leitura literal do conteúdo insculpido na norma constitucional, entender-se-ia que nas terras ocupadas tanto pelas comunidades indígenas, bem como pelas comunidades remanescentes dos quilombolas, o usufruto das riquezas do solo, dos rios e lagos, são de competência exclusiva dessas comunidades.

Depreende-se, num primeiro momento, da análise das normas legais vigentes que, incontestável, é o direito das comunidades dos remanescentes quilombolas o usfruto das suas terras ocupadas, carreadas com todas as garantias e prerrogativas estabelecidas na Constituição Federal, assim como na legislação infraconstitucional regulamentadora desses direitos.

4.2.2 – Da exploração e explotação mineral em terras quilombolas.

Note-se, porém, que a norma constitucional não aborda sobre as riquezas encontradas no “subsolo”, porquanto de acordo com o que se encontra definido no caput do artigo 176 da Carta Magna, indigitados bens pertencem à União Federal, senão veja-se:

“Art. 176 - As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”.

Ressai deste dispositivo legal que todas as riquezas minerais, assim como os potenciais de exploração decorrentes da energia hidráulica pertencem exclusivamente à União Federal, podendo a mesma, no entanto, dar concessões para a pesquisa, desenvolvimento e lavra para terceiros, garantindo-lhes a propriedade do resultado da extração mineral e/ou hidráulica.

Contudo, ainda assim, dúvidas surgiram por parte da própria Diretoria de Gestão de Títulos Minerários do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM em relação aos procedimentos legais para a outorga de títulos minerários em regiões ocupadas por comunidades quilombolas que, por seu turno, formulou por meio do Memorando n. 07/DICAM ( Diretoria de Outorgas e Cadastro Mineiro) uma consulta à Procuradoria Geral da União Federal, consoante mencionamos anteriormente, nos seguintes termos:

“Em face dos vários questionamentos de mineradores sobre possíveis restrições da atividade mineral em áreas quilombolas, da falta de normatização sobre a matéria e da necessidade de maior conhecimento por parte dos técnicos da DICAM sobre a legislação que rege as áreas citadas, solicito esclarecimentos sobre procedimentos legais para outorga de títulos minerais em regiões regularizadas de comunidades quilombolas, bem como em áreas demarcadas e ainda não homologadas”.

Em virtude dessa consulta apresentada, a Procuradoria da União Federal fundamentou seu parecer considerando a imperiosa necessidade de preservar a memória dos grupos formadores da identidade nacional, mormente no sentido de se fazer justiça àqueles remanescentes dos quilombos que resistiram à opressão da escravidão, invocando a Constituição Federal que por meio do artigo 216, e seu parágrafo 5º, assim preconiza:

“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (...)

§5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. (...)”.

Da mesma sorte, a Procuradoria da União Federal também mencionou o artigo 68 no Título X – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias que garante aos quilombolas a propriedade definitiva das terras que estão ocupando.

Com efeito, a Procuradoria da União Federal entendeu que o tratamento definido pela Constituição Federal, aos remanescentes dos quilombos, foi estruturado em duas vertentes distintas, o que remete a uma análise em apartado no que tange às implicações de outorgas de títulos minerários em suas terras.

Parte-se, em primeiro lugar ( primeira vertente ),  pela interpretação do tombamento instituído pelo já citado artigo 216, § 5º da Constituição Federal, onde fica claro que se encontra sob regime especial de preservação ou “tombamento”,  os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.  Ressalta, pois, que o dispositivo constitucional tratou de dar guarida aos objetos materiais, não vivos, ficando evidente que os bens protegidos a que se refere a norma, tratam-se de documentos e locais.

Dessa forma, na interpretação da Procuradoria Geral da União, os lugares e/ou terrenos que apresentem vestígios físicos de ocupações passadas, ou que abriguem  monumentos, edificações ou objetos que restaram dos antigos quilombos é que devem ser objeto do tombamento.

No escol de José Afonso da Silva[2], temos que a palavra “tombamento” contêm o seguinte significado:

“ É o ato do Poder Público que, reconhecendo o valor cultural (histórico, arqueológico, etnográfico, artístico ou paisagístico) de um bem (...) subordina-o a regie jurídico especial, que lhe impõe vínculos de destinação, de  imodificabilidade e de relativa inalienabilidade, produzindo efeitos sobre a esfera jurídica dos proprietários.”

Sendo assim, em se tratando de expedição de títulos minerários que tenham por objeto poligonais  que interfiram sítios tombados com fulcro no que dispõem a Constituição Federal, incluindo-se áreas de ocupação de comunidades quilombolas, a concessão do alvará de pesquisa independerá da apresentação de anuência, licença ou autorização do órgão de proteção do patrimônio cultural.

Não obstante, para que ocorram as atividades de mineração, o DNPM não dispensa o titular da outorga de obter as anuências e autorizações cabíveis perante à autoridade competente que, na esfera federal é representada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

Por outro lado, não se vislumbra nenhuma regra legal que venha a expressar ou prever que a emissão de título lavra; portaria de concessão, registro de licenciamento, registro de extração, guia de utilização, etc...sejam precedidas de anuência da entidade protetora do bem ou coisa tombada. Contudo, a legislação em vigor resguarda a integridade dos bens especialmente protegidos; uma vez que apenas veda, como também regula, administrativa e criminalmente, as condutas lesivas ao patrimônio cultural.

Destarte, pelo que se verifica, seria não apenas prudente e recomendável,  como também necessário para prevenir ou até mesmo impedir qualquer eventual agressão à um patrimônio tombado, que o DNPM, quando interpelado por um interessado que lhe apresente um requerimento de lavra; permissão de lavra garimpeira; registro de licenciamento; registro de extração ou guia de utilização que, antes de decidir pela aprovação ou não do pedido, que dê ciência do fato ao órgão responsável pelo tombamento, para que este órgão possa exercer a verificação devida sobre a tutela do bem patrimonial protegido.

Da mesma sorte, comporta aos representantes legais das comunidades quilombolas, manifestar sobre eventual monumento, objetos e/ou materiais de relevância histórica em sítios submetidos à exploração e/ou explotação de substâncias minerais e/ou hídricas, seja diretamente aos órgãos públicos responsáveis, seja através de audiência pública que poderá ser requerida perante ao representante do parquet.

A questão de áreas submetidas a tombamento pelo patrimônio cultural, incluindo as áreas dos remanescentes quilombolas que a própria Procuradoria Geral da União, por meio do Parecer n. 456/2010/HP/PROGE/DNPM, de 15 de setembro de 2010[3], recomendou que para os eventuais títulos minerários que venham a ser outorgados pelo DNPM, assim como a minuta ser encaminhada ao Ministério de Minas e Energia, carreiem consigo, de forma expressa, a seguinte consideração:

“ Este título minerário não dispensa, para a realização das atividades minerarias, o respeito à disposições legais relativas à proteção de bens culturais, bem como a obtenção, pelo interessado, das licenças, anuências, autorizações e permissões exigidas pela legislação pertinente”.

Ainda dentro dessa linha de raciocínio, a Procuradoria Geral da República recomenda, ad cautela, que o DNPM exija do requerente da autorização de trabalhos de prospecção mineral em áreas de tombamento do patrimônio histórico, incluída as terras quilombolas que apresentem essas características, um termo de renúncia nos moldes sugeridos em seu Parecer n. 456/2010/HP/PROGE/DNPM, de 15 de setembro de 2010 (que é de natureza pública) nas hipóteses de eventual negativa ou concessão de autorização parcial de pesquisa ou lavra em sítios amparados pelo tombamento, considerados como patrimônio histórico ou cultural.

Ato contínuo, a outra linha de interpretação ( a segunda vertente), diz respeito às atividades efetivas de mineração em áreas de propriedade de remanescentes das comunidades quilombolas, no que diz respeito ao já mencionado e tutelado pelo artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que, por sua vez, guardam distinção ao que é tratado no também já mencionado artigo 216, §5º da Constituição Federal.

Conforme vimos, o artigo 216 e seu parágrafo quinto trata de documentos e/ou locais físicos que guardam referências de construções, edificações, monumentos ou objetos que tenham alguma relação com os antigos quilombos, requerendo para efeito de exercício da atividade mineraria por parte de terceiros concessionários de licenças, uma outorga ou regime especial de uso.

Já no que se refere ao disposto no artigo 68 da ADCT, temos o reconhecimento aos remanescentes das comunidades quilombolas da propriedade das terras que tivessem ocupando, impelindo ao Estado a obrigação de lhes conceder os títulos de propriedade.

Devemos levar em consideração que o disposto no artigo 68 é influenciado pelo aspecto de se encontrar insculpido no ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.  No que diz respeito a essa questão, extraímos das lições do saudoso e iminente jurista e professor Raul Machado Horta[4], a preciosa lição:

“ A técnica de redação das Disposições Transitórias é diversa da técnica redacional da parte permanente. (...) Os temas são tratados indistintamente, sem a preocupação de ordenação, unidade e sistematização. É o terreno do depósito residual, da miscelânea e da mistura normativa. O traço que aproxima as normas heterogêneas é a temporariedade e a transitoriedade. São normas que vão desaparecer. Esse desaparecimento que as normas mais efêmeras ou de menor duração no tempo advirá  do prazo fixado para cumprimento de atos ou de determinações do constituinte, pela sucumbência no tempo do direito, da garantia ou da situação assegurada aos respectivos titulares e que findarão com eles. Norma permanente nas Disposições Transitórias é norma anômala (...)”.

Devemos levar em consideração que o disposto no artigo 68 é influenciado pelo aspecto de se encontrar insculpido no ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.

Não obstante, apesar da temporariedade e transitoriedade da norma, ainda assim, em face da mesma,  é garantida aos remanescentes das comunidades quilombolas a propriedade das terras pelos mesmos ocupadas.

Sendo assim, aos indigitados remanescentes, o Estado deverá expedir os títulos de domínio das terras, sem guardar qualquer restrição ou limites em relação à propriedade a ser reconhecida pelo Poder Público. Sendo assim, seja na condição de proprietários de terras em regiões regularizadas de comunidades quilombolas, assim como em áreas para tanto demarcadas, mas ainda não homologadas, os remanescentes são os legítimos superficiários para todos os efeitos definidos na legislação mineral, em especial, o Código de Mineração.

Com efeito, inexistindo qualquer ressalva e/ou definição específica da propriedade dessa forma reconhecida, o domínio a ser concedido pela Constituição Federal, seja ele de caráter individual e/ou coletivo, estará totalmente apto e regular a garantir ao seu detentor, todas as responsabilidades, mas também todas as prerrogativas e direitos advindos do instituto da propriedade, consoante se encontram insculpidas nos artigos 1.228, §§ 1º , 2º  e 3º, assim como 1.230 caput  do Código Civil Brasileiro, que a seguir colacionamos:

“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. (...)”

“Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais”.

Em virtude desses aspectos legais, não se vislumbra nenhum motivo que possa impedir um remanescente de comunidade quilombola que, por seu turno, seja um beneficiário do título de propriedade (domínio) exarado em consonância com o disposto no artigo 68 do ADCT, de exigir as suas prerrogativas de domínio do bem.

Destarte, poderá o mesmo utilizar-se do bem como melhor lhe convier, extraindo dele todas as vantagens que o mesmo poder lhe propiciar, ou seja, o “jus utendi”.  Também lhe compete o direito de fazer com que o bem possa frutificar e lhe auferir ganhos ou rendimentos, “jus fruendi”; assim como fazer valer a prerrogativa do “jus abutendi”, isto é, ter a prerrogativa de dar à coisa o destino que desejar.

Não obstante, deverá em toda e qualquer situação, respeitar a função social da propriedade e, da mesma sorte, preservar  em consonância com a lei, os bens que são objeto de proteção especial, conforme reza o disposto no artigo 5º, inciso XXIII da Constituição Federal, a saber:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;(...)”

Lado outro, entende-se por função social da propriedade, quando esta  torna-se objeto de uso compatível e de forma racional com as características e peculiaridades geológicas  do bem imóvel, isto é, no momento em que o domínio do patrimônio é exercido respeitando sua vocação para as atividades minerarias.

Destarte, as atividades de mineração, malgrado por uma opção constitucional se efetue por meio de uma concessão a terceiros, por meio de uma autorização, reveste-se em atividade econômica de interesse nacional, devendo ser observado e respeitado acima dos interesses de natureza privada ou em atendimento restrito de grupos ou comunidades específicas.

É nessa linha de entendimento que, por força de lei, as atividades de mineração com o aproveitamento econômico de jazidas minerais, são consideradas de utilidade pública, em conformidade com o disposto no artigo 5º, alínea “f” do Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941, que a seguir transcrevemos:

“Art. 5º - Consideram-se casos de utilidade pública: (...)

f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica; (...)”.

Com fulcro, nesses aspectos podemos, então podemos verificar que as Comunidades Quilombolas que se encontram estabelecidas na Região Norte do Estado de Minas Gerais, no município de São Francisco; mais precisamente nas Comunidades Quilombolas “Bom Jardim da Prata” e “Buriti do Meio” são comunidades, cujas áreas são demarcadas em processo de homologação, e fazem jus aos direitos, assim como as obrigações em face do que dispõem a legislação, especialmente, a legislação mineral.

Desse modo, pelo estudo realizado, podemos afirmar que se em parte da propriedade quilombola encontrarmos bens tombados em consonância com o que dispõem o artigo 216, §5º  da Constituição Federal, ao titular do domínio desses bens competirá o cuidado para que sejam mantidos e preservados os elementos e/ou resquícios históricos no local encontrados, abrindo mão de outras condutas contrárias a esse fim, e buscando amparo junto às autoridades competentes, in casu,  o  Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN seria o órgão mais aconselhável a procurar e requerer a devida tutela.

Entrementes, se na  área verificar-se a existência de jazimento mineral com potencial de exploração e explotação, não se poderá impedir o proprietário (superficiário), nesse caso, as comunidades quilombolas, por meio dos seus representantes legais, de pactuar com a pessoa física ou jurídica que seja o detentor ou concessionário da alvará de pesquisa ou da portaria de lavra, para estabelecer a forma de pagamento pelo uso e ocupação da superfície, assim como indenização por eventuais danos causados à propriedade; assim como ao pagamento da participação que lhe for devida em face dos resultados econômicos da lavra e comercialização dos produtos minerais.

De acordo com o que dispõe o artigo 11  e respectivas alíneas, do Decreto-Lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração em vigor), o superficiário, nesse caso as comunidades quilombolas, fazem jus à participação nos resultados da lavra que for efetivamente comercializada pelo concessionário com autorização para exercer as atividades da indústria mineral naquelas áreas que, por sua vez, corresponderá  a 50% (cinqüenta por cento) do valor da CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais e Hídricos devidos à União Federal, aos Estados e aos Municípios de localização da jazida mineral explorada, prospectada, processada e comercializada.

Com efeito, assim se manifesta o disposto no artigo 11, do Código de Mineração, in verbis:

“Art. 11. Serão respeitados na aplicação dos regimes de Autorização, Licenciamento e Concessão: (Redação dada pela Lei nº 6.403, de 1976)

 a) o direito de prioridade à obtenção da autorização de pesquisa ou de registro de licença, atribuído ao interessado cujo requerimento tenha por objeto área considerada livre, para a finalidade pretendida, à data da protocolização do pedido no Departamento Nacional da Produção Mineral (D.N.P.M), atendidos os demais requisitos cabíveis, estabelecidos neste Código; e  (Redação dada pela Lei nº 6.403, de 1976)

 b) o direito à participação do proprietário do solo nos resultados da lavra. (Redação dada pela Lei nº 8.901, de 1994)

§ 1º A participação de que trata a alínea b do caput deste artigo será de cinqüenta por cento do valor total devido aos Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da administração direta da União, a título de compensação financeira pela exploração de recursos minerais, conforme previsto no caput do art. 6º da Lei nº 7.990, de 29/12/89 e no art. 2º da Lei nº 8.001, de 13/03/90. (Incluído pela Lei nº 8.901, de 1994)

§ 2º O pagamento da participação do proprietário do solo nos resultados da lavra de recursos minerais será efetuado mensalmente, até o último dia útil do mês subseqüente ao do fato gerador, devidamente corrigido pela taxa de juros de referência, ou outro parâmetro que venha a substituí-la. (Incluído pela Lei nº 8.901, de 1994)

§ 3º O não cumprimento do prazo estabelecido no parágrafo anterior implicará correção do débito pela variação diária da taxa de juros de referência, ou outro parâmetro que venha a substituí-la, juros de mora de um por cento ao mês e multa de dez por cento aplicada sobre o montante apurado. (Incluído pela Lei nº 8.901, de 1994).”

Do mesmo modo, trata o artigo 27, também do mesmo diploma legal (Código de Mineração em vigor), estabelece as regras para que o titular da pesquisa mineral, efetue um pagamento para os superficiários (comunidades quilombolas), uma renda a ser pactuada entre as partes pela ocupação das áreas, assim como uma indenização por eventuais danos que possam ser causados nas áreas em razão dos trabalhos de pesquisa, assim se manifestando:

“Art. 27. O titular de autorização de pesquisa poderá realizar os trabalhos respectivos, e também as obras e serviços auxiliares necessários, em terrenos de domínio público ou particular, abrangidos pelas áreas a pesquisar, desde que pague aos respectivos proprietários ou posseiros uma renda pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa, observadas as seguintes regras:

I - A renda não poderá exceder ao montante do rendimento líquido máximo da propriedade na extensão da área a ser realmente ocupada;

II - A indenização por danos causados não poderá exceder o valor venal da propriedade na extensão da área efetivamente ocupada pelos trabalhos de pesquisa, salvo no caso previsto no inciso seguinte;

III - Quando os danos forem de molde a inutilizar para fins agrícolas e pastoris toda a propriedade em que estiver encravada a área necessária aos trabalhos de pesquisa, a indenização correspondente a tais danos poderá atingir o valor venal máximo de toda a propriedade;

IV - Os valores venais a que se referem os incisos II e III serão obtidos por comparação com valores venais de propriedade da mesma espécie, na mesma região;

V - No caso de terrenos públicos, é dispensado o pagamento da renda, ficando o titular da pesquisa sujeito apenas ao pagamento relativo a danos e prejuízos;

VI - Se o titular do Alvará de Pesquisa, até a data da transcrição do título de autorização, não juntar ao respectivo processo prova de acordo com os proprietários ou posseiros do solo acerca da renda e indenização de que trata este artigo, o Diretor-Geral do D. N. P. M., dentro de 3 (três) dias dessa data, enviará ao Juiz de Direito da Comarca onde estiver situada a jazida, cópia do referido título;

VII - Dentro de 15 (quinze) dias, a partir da data do recebimento dessa comunicação, o Juiz mandará proceder à avaliação da renda e dos danos e prejuízos a que se refere este artigo, na forma prescrita no Código de Processo Civil;

VIII - O Promotor de Justiça da Comarca será citado para os termos da ação, como representante da União;

IX - A avaliação será julgada pelo Juiz no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data do despacho a que se refere o inciso VII, não tendo efeito suspensivo os recursos que forem apresentados;

X - As despesas judiciais com o processo de avaliação serão pagas pelo titular da autorização de pesquisa;

XI - Julgada a avaliação, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias, intimará o titular a depositar quantia correspondente ao valor da renda de 2 (dois) anos e a caução para pagamento da indenização;

XII - Feitos esses depósitos, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias, intimará os proprietários ou posseiros do solo a permitirem os trabalhos de pesquisa, e comunicará seu despacho ao Diretor-Geral do D. N. P. M. e, mediante requerimento do titular da pesquisa, às autoridades policiais locais, para garantirem a execução dos trabalhos;

XIII - Se o prazo da pesquisa for prorrogado, o Diretor-Geral do D. N. P. M. o comunicará ao Juiz, no prazo e condições indicadas no inciso VI deste artigo;

XIV - Dentro de 8 (oito) dias do recebimento da comunicação a que se refere o inciso anterior, o Juiz intimará o titular da pesquisa a depositar nova quantia correspondente ao valor da renda relativa ao prazo de prorrogação

XV - Feito esse depósito, o Juiz intimará os proprietários ou posseiros do solo, dentro de 8 (oito) dias, a permitirem a continuação dos trabalhos de pesquisa no prazo da prorrogação, e comunicará seu despacho ao Diretor-Geral do D. N. P. M. e às autoridades locais;

XVI - Concluídos os trabalhos de pesquisa, o titular da respectiva autorização e o Diretor-Geral do D. N. P. M. Comunicarão o fato ao Juiz, a fim de ser encerrada a ação judicial referente ao pagamento das indenizações e da renda.” (grifo nosso).

Dessa forma, ainda que atividades de mineração não possam ser cerceadas em face do próprio interesse público que o empreendimento carreia consigo, os pagamentos concernentes à ocupação da área; indenizações por eventuais danos e/ou prejuízos na propriedade, dentre outras importâncias que sejam devidas, deverão ser pagos pelo detentor dos direitos minerais aos superficiários, sob pena de tornar vazio e sem efeito, a amplitude do direito de propriedade que se encontra garantido pelo  artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, consoante constatamos no presente estudo.

Sobre o autor
Cláudio Luiz Gonçalves de Souza

Advogado, Pós-Graduado em Administração do Comércio Exterior; Direito Tributário e Metodologia do Ensino Superior, Mestre em Direito Empresarial. Autor dos Livros: "A Teoria Geral do Comércio Exterior"; "Roteiro Prático de Exportação de Importação"; "As Relações Internacionais do Comércio"; "Desembaraçando sua Mercadoria na Alfândega e Comentários aos INCOTERMS 2010 e às Câmaras de Arbitragem dos Tribunais Internacionais". Professor da PUC Minas nos cursos de Direito e Administração com Linha de Especialização em Comércio Exterior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Cláudio Luiz Gonçalves. As atividades de exploração e explotação mineral em terras quilombolas e a questão socioeconômica e ambiental:: um apanágio das comunidades Bom Jardim da Prata e Buriti do Meio Norte das Minas Gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4018, 2 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29934. Acesso em: 23 dez. 2024.

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