CONCLUSÃO
O excesso de formalismo e o apego ao positivismo jurídico terminam, muitas vezes, desvirtuando o principal fim do Direito Penal: a justiça. As lacunas do direito positivado não representam uma justificativa para que o julgador profira decisões injustas para os casos concretos.
O respeito ao ordenamento jurídico como um todo impõe a admissão de soluções praeter legem, em benefício do indivíduo, especialmente quando estas se apresentam em consonância com as diretrizes político-criminais, guiadas pela ultima ratio do Direito Penal.
Nesse diapasão, tendo em vista que o legislador não pode prever todas as situações criadas pela mente humana, surge a ideia do reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade.
Surgem as situações de inexigibilidade quando o agente comete fato típico e ilícito, mas, naquelas circunstâncias, não lhe poderia ser exigido um comportamento conforme o Direito. Portanto, exclui-se a sua culpabilidade.
Desenvolvida na Alemanha, a noção inexigibilidade como causa excludente metalegal da culpabilidade é recebida com bastante cautela pela doutrina, considerando-se que foi utilizada, após a era nazista, para buscar a não punição de seguidores do regime, os quais cometeram crimes atrozes.
Ocorre que, sendo passível de controle judicial, que impediria seu uso descriminado e desvirtuado, o não poder agir de outro modo deve ser aplicado, de acordo com o caso concreto, mesmo quando não previsto no direito positivado, por constituir princípio do Direito Penal.
Diante da comprovada falência do sistema punitivo estatal, especialmente da pena privativa de liberdade, tendo em vista o crescimento da criminalidade a despeito das intervenções repressivas mediatistas do Estado, os ditames político-criminais passaram a ser orientados no sentido de grandes reformas sociais e institucionais.
Enquanto este objetivo, a princípio utópico, não pode ser alcançado, propostas modernas de Direito Penal assumem importante papel na orientação da política criminal, principalmente as que pugnam pela descriminalização e despenalização de condutas.
Neste cenário, a não punição daquele que age em situação metalegal de inexigibilidade de conduta diversa, pela ausência de culpabilidade, mostra-se um importante instrumento em prol da máxima redução do sistema punitivo estatal, de acordo com a ultima ratio do Direito Penal, assim como orientam os ditames político-criminais.
Assim, havendo uma situação na qual comete-se um fato típico e ilícito, mas o agente possui sua dirigibilidade normativa reduzida ou excluída, este não merece ser punido, tendo em vista que a sociedade não reprova sua conduta e o Estado não tem interesse na aplicação do jus puniendi.
A admissão da inexigibilidade de conduta diversa como causa excludente da culpabilidade deve ocorrer mesmo nas hipóteses não previstas em lei, mas que encontrem amparo no ordenamento jurídico.
Desta forma, a aplicação da inexigibilidade não representa um ataque à certeza jurídica, pois o apego ao legalismo não é suficiente para impedir que o sistema punitivo estatal atue arbitrariamente, de maneira seletiva e injusta. Ao contrário, as situações metalegais de inexigibilidade garantem a preservação da justiça, ao menos em alguns casos concretos.
Os autores trazem alguns casos específicos de inexigibilidade como excludente metalegal da culpabilidade, quais sejam, o estado de necessidade exculpante, o excesso de legítima defesa, a legítima defesa provocada, a cláusula de consciência, o conflito de deveres e a desobediência civil.
Pouco tratado pela doutrina pátria, o tema do não poder agir de outro modo como causa supralegal de exclusão culpabilidade deveria receber especial atenção dos autores brasileiros.
Ante o exposto, verifica-se que a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade deve ser admitida no Brasil, diante das atuais diretrizes político-criminais de um Estado Democrático de Direito, que pugna pela intervenção mínima do Direito Penal, e ante a busca de decisões justas para os casos concretos.
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