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A inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade

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03/07/2014 às 09:28
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A admissão da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade acarretaria a descriminalização de várias condutas e representaria uma racionalização do jus puniendi estatal, em consonância com o Estado Democrático de Direito.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca analisar a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, detendo-se a perquirições mais específicas e pormenorizadas acerca dos casos apontados pela doutrina que constituem situações de exculpação supralegais, quais sejam, o estado de necessidade exculpante, o excesso exculpante de legítima defesa, a legítima defesa provocada, a cláusula de consciência, o conflito de deveres e  a desobediência civil.

Tendo em vista que as diretrizes político-criminais apontam para a intervenção mínima do Direito Penal, a admissão da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, acarretaria a descriminalização de várias condutas e representaria uma racionalização do jus puniendi estatal, em consonância com o Estado Democrático de Direito.  

Em seguida, em virtude das lacunas surgidas entre a realidade e o direito legislado, tem-se por objeto de análise a aplicação de soluções supralegais no sistema, que possuem o importante papel de dinamizar o Direito e propor soluções mais justas aos casos concretos. A utilização da supralegalidade implica a adoção de soluções não previstas expressamente nas normas positivadas, mas coerentes com o ordenamento jurídico, as quais apenas poderiam ser empregadas em benefício do indivíduo, nunca limitando a liberdade do cidadão. 

Parte-se, em sequência, para a conceituação da inexigibilidade de conduta diversa, que se caracteriza quando o agente pratica conduta típica e ilícita, mas não pode ser culpado, pois, naquelas circunstâncias, não lhe poderia ser exigida dirigibilidade normativa, um comportamento conforme o Direito. Ante a impossibilidade de se estabelecer um padrão de inexigibilidade, esta deverá ser verificada em cada caso concreto.

Refere-se às causas legais de inexigibilidade de outra conduta, previstas no artigo 22 do Código Penal, quais sejam, a coação moral irresistível e a obediência hierárquica.

Em seguida, analisa-se o não poder agir de outro modo como causa metalegal de exclusão da culpabilidade, confrontando-se as opiniões doutrinárias acerca do reconhecimento, refutando os argumentos contrários à tese da admissibilidade.

Enfoca-se, especialmente, que a ideia de preservação da certeza jurídica não permite ao aplicador do Direito proferir decisões injustas ante a lacuna da lei, sendo que é possível a adoção de soluções supralegais, mas em consonância com o ordenamento jurídico.

 Procede-se à análise pormenorizada das hipóteses específicas de situações metalegais nas quais a inexigibilidade de conduta diversa excluiria a culpabilidade do agente: o estado de necessidade exculpante, o excesso de legítima defesa, a legítima defesa provocada, a cláusula de consciência, o conflito de deveres e a desobediência civil.

Conclui-se, então, pela admissão da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, amparada pelo princípio da intervenção mínima do Direito Penal, necessariamente presente em um Estado Democrático de Direito.


1. A INTERAÇÃO DOS SISTEMAS ABSTRATOS COM QUESTÕES DE POLÍTICA CRIMINAL

Com o escopo de assegurar a uniformidade da aplicação do direito, preconiza-se que a ciência jurídica deve ser sistemática, pois assim garantirá a uniformidade e clareza das decisões, evitando-se que essas sejam baseadas no acaso ou em arbitrariedades.

É certo que a estruturação sistemática do Direito Penal traz a grande vantagem da segurança jurídica, porém, se o sistema não se interage com as questões de política criminal, passa a cometer injustiças e perder sua aplicação prática.

Primeiramente, caso se considerasse o sistema como o correto, pronto e acabado, todas as discussões doutrinárias acabariam infrutíferas.

Ademais, se o sistema age harmonicamente com as questões político-criminais produz soluções claras e uniformes, mas nem sempre a ajustadas ao caso concreto. Prevalece a segurança jurídica em detrimento da justiça. Seguindo esse pensamento, Jescheck (apud ROXIN, 2002) afirma que:

[...] não se podem desconhecer os perigos de uma dogmática reduzida a fórmulas abstratas: esses estão no fato de que o juiz passe a confiar no automatismo dos conceitos teóricos, não atentando, portanto, às peculiaridades do caso concreto. O essencial é sempre a solução do problema: exigências sistemáticas, por serem menos importantes, devem recuar para um segundo plano. 

Para Batista (2001), a política criminal constitui um conjunto de princípios e recomendações advindos das mudanças sociais, dos resultados das propostas do Direito Penal, das revelações empíricas das instituições que integram o sistema penal e dos avanços da criminologia, que objetivam a transformação da legislação criminal, assim como dos órgãos encarregados de sua aplicação.  

A ideia de que a política criminal somente se envolve com os conteúdos sociais e fins do Direito Penal, encontrando-se fora da esfera jurídica, e que aos seus estudiosos apenas resta recorrer ao legislador para que exerça seu poder reformador, parece ultrapassada.

A política criminal deve buscar a transformação social e institucional, a igualdade e a democracia, e, para atingir este fim, Baratta (2002) propõe indicações estratégicas, afirmando que a política criminal deve instituir a tutela penal apenas quando houver lesão aos interesses essenciais da vida, saúde e bem-estar da comunidade; reduzir ao máximo o sistema punitivo, descriminalizando condutas ou substituindo as punições por formas de controle legais não estigmatizantes; transformar o processo e a organização judiciária, assim como a instituição policial; e lutar pela abolição da pena privativa de liberdade.

Assevera o referido autor que a política criminal alternativa não pode ser reduzida a um instrumento que objetiva a correção do sistema, através da implantação de substitutivos penais, mas também compreende uma grande política de reformas sociais e institucionais:

A perspectiva de fundo desta política criminal é radical, porque procede de uma teoria que reconhece que a questão penal não está somente ligada a contradições que se exprimem sobre o plano das relações de distribuição, e não é, por isso, resolúvel, atuando apenas sobre estas relações, para corrigi-las, mas liga-se, sobretudo, às contradições estruturais que derivam das relações sociais de produção. Por isso, uma política criminal alternativa coerente com a própria base teórica não pode ser uma política de “substitutivos penais”, que permaneçam limitados a uma perspectiva vagamente reformista e  humanitária, mas uma política de grandes reformas sociais e institucionais para o desenvolvimento da igualdade, da democracia, de formas de vida comunitária e civil alternativas e mais humanas, e do contrapoder proletário, em vista da transformação radical e da superação das relações sociais de produção capitalistas. (BARATTA, 2002, p. 201).

   Seguindo este pensamento, afirma o doutrinador que o fundamento de uma política criminal alternativa está na contração e na superação do sistema penal, ou seja, contração e superação da pena, mas não do direito que regula seu exercício.

A desigualdade social é refletida no controle do desvio realizado de maneira repressiva, através do Direito Penal. Assim, para Baratta (2002) a sociedade, para se tornar cada vez mais igualitária, deve buscar a supressão do Direito Penal burguês, procurando se reaproriar do próprio desvio e administrar diretamente seu controle. Progressivamente, o próprio conceito de desvio perderia seu caráter estigmatizante, puramente negativo, passando a proteger a diversidade, assim como a liberdade de expressão do diverso.    

Portanto, tendo em vista que a lei representa instrumento de transformação social, infere-se que as questões político-criminais devem ser inseridas no sistema, unindo-se, harmonicamente, à fundamentação das soluções claras e previsíveis, buscando-se a resolução dos problemas do modo mais justo de acordo com o caso concreto.

1.1 A intervenção mínima do Direito Penal como diretriz básica de política criminal

A Justiça penal baseada em uma política criminal compromissada com o Estado Democrático de Direito age em consonância com o princípio da intervenção mínima ou da ultima ratio do Direito Penal.

Previsto no artigo VIII da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que determinava que a lei não estabelecesse senão penas estrita e evidentemente necessárias, este princípio não está expressamente prescrito na legislação, porém se impõe ao legislador e ao aplicador da lei por constituir pressuposto do Estado Democrático de Direito.

O princípio da intervenção mínima limita o poder incriminador do Estado, pois a interferência penal estatal representa uma grande intromissão na liberdade do cidadão, que somente parece razoável quando extremamente necessária. Conforme assevera Dias (apud BATISTA, 2002, p. 37):

Uma política criminal que se queira válida para o presente e o futuro próximo e para um Estado de Direito material, de cariz social e democrático, deve exigir do direito penal que só intervenha com os seus instrumentos próprios de atuação ali onde se verifiquem lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada homem.

Segundo este pensamento minimalista, a criminalização de uma conduta deve ocorrer apenas quando for indispensável para a proteção de um determinado bem jurídico. O Direito Penal deve ser a ultima ratio, atuando somente quando os demais ramos do Direito não se mostrarem capazes de tutelar o bem jurídico relevante.

Zaffaroni (2001) afirma que o Direito Penal mínimo nega a legitimidade do sistema, propondo uma alternativa mínima que seria um mal menor necessário.

Aduz que para alguns autores minimalistas, seriam deslegitimados os atuais sistemas penais assim como os propostos para o futuro que não adotem o princípio da ultima ratio.

O autor supracitado entende que a diminuição da intervenção estatal pela descriminalização possibilita a redução da violência do sistema penal, todavia, adverte que a não intervenção penal não deve constituir um recurso para retirar a matéria da agência judicial e levá-la para outras agências punitivas, como para as agências policiais, integrantes das agências executivas.

Encontramos na doutrina propostas teóricas ou de longo alcance que pugnam por um Direito Penal mínimo que seria legitimado em um distinto modelo de sociedade.

Para Ferrajoli (2002), o Direito Penal mínimo se legitima pela prevenção de uma reação formal ou informal mais violenta contra o delito, seria instrumento impeditivo de vingança, representaria a defesa do fraco contra o forte, ou seja, da vítima em relação ao delinquente e deste último em relação à vingança. Assim, a pena seria justificada como um mal menor.

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Seguindo o pensamento do Direito Penal mínimo, Baratta (2002) afirma que requisitos mínimos de direitos humanos devem ser seguidos pela lei penal, cumprindo uma função negativa de limite e uma positiva de indicação dos objetos de tutela penal.

O referido autor indica a existência de princípios intra-sistemáticos, os quais indicam os requisitos para introdução e manutenção dos delitos na lei, e extra-sistemáticos, que determinam os critérios políticos e metodológicos para a descriminalização e construção alternativa ao sistema penal dos conflitos e problemas sociais.

Os extra-sistemáticos, que interessam para este trabalho, comportam princípios que determinam a descriminalização de condutas, orientando o legislador e as decisões políticas no sentido da adoção de um Direito Penal mínimo.

Desta forma, verifica-se que Baratta (2002) adota o pensamento minimalista penal, acreditando que cada vez que a tutela penal estatal é diminuída ocorrerá progresso social. 

Nesse diapasão, diretrizes político-criminais compromissadas com o Estado de Direito devem basear-se na intervenção mínima, buscando deter o poder punitivo estatal inconstitucional, ilegal e irracional. Nos dizeres de Batista (2004, p. 80):

Toda reforma da Justiça penal inspirada numa política criminal comprometida com o estado democrático de direito e com os direitos humanos terá como princípio fundamental reforçar e até mesmo explicitar sua grande tarefa e função: a de guardiã infranqueável das garantias individuais, de inflexível controladora da constitucionalidade, legalidade e racionalidade das pretensões punitivas do Leviatã, quer no âmbito da criminalização primária (pelo controle judicial de constitucionalidade das leis penais), quer no âmbito da criminalização secundária (pelo controle judicial dos princípios e normas asseguradoras, material ou formalmente, de procedimentos concretos que possam habilitar a decisão penal).

Pelo exposto, tendo em vista que a admissão da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade importaria na descriminalização de várias condutas, racionalizando o jus puniendi estatal, a inserção de questões político-criminais no sistema, orientadas pelo princípio da intervenção mínima do Direito Penal, constituem o fundamento do presente trabalho.


2. AS LIMITAÇÕES DA ESTRITA LEGALIDADE E A ADOÇÃO DE SOLUÇÕES SUPRALEGAIS NO SISTEMA

É certo que o legislador se mostra impotente para prever as inúmeras situações advindas da mente humana, como aduz Marques (1997), ele não é onisciente, não pode supor todas as hipóteses da vida no Direito Penal .

Assim, é inevitável o surgimento de diversas lacunas no direito legislado - com o passar do tempo abre-se um vácuo entre a realidade e o direito positivado.

Tal fato, muitas vezes, acarreta o desvirtuamento da finalidade da lei, que, envelhecida, deve ser reformada ou revogada.

No entanto, a morosidade do processo legislativo, a impossibilidade fática dos legisladores em acompanhar as mudanças e anseios da sociedade,  impõe a busca por soluções supralegais, praeter legem, distantes do excesso de formalismo, que sejam capazes de dinamizar o direito e proporem decisões mais justas para os casos concretos.

Há autores que rechaçam a adoção de soluções ultralegais, pois representariam um ataque à segurança jurídica,  possibilitariam que a liberdade individual fosse atingida por decisões arbitrárias, não previstas no direito positivo.

Ora, é inegável que a legalidade não proporciona legitimidade, que a existência de normas não afasta a insegurança jurídica nem o exercício arbitrário do jus puniendi estatal.

Zaffaroni (2001) assevera que a legalidade não é respeitada nem no âmbito do sistema penal formal.

Segundo o autor, da legalidade retira-se dois princípios: o da legalidade penal, que determina que o exercício do poder punitivo do Estado ocorra dentro dos limites previamente estabelecidos para a punibilidade; e o da legalidade processual, de acordo com o qual os órgãos do sistema penal devem exercer seu poder no sentido de criminalizar os autores de delitos e que o façam de acordo com certas normas instituídas.

O sistema nega o princípio da legalidade penal quando permite que esferas de exercício arbitrário de poder sejam transferidas para órgão executivos, sem intervenção de órgão judiciais.

No que concerne ao princípio da legalidade processual, este também é constantemente mitigado, pois o sistema não criminaliza de maneira homogênea, ainda porquê, tendo em vista a grande quantidade de condutas tipificadas como delitos, se o fizesse, criminalizaria quase toda a população.

Nesse diapasão, o sistema se estrutura objetivando criminalizar e exercer arbitrariamente seu poder de forma seletiva, sobre os setores mais vulneráveis, conforme explica Zaffaroni (2001, p. 27):

Diante da absurda suposição – não desejada por ninguém – de criminalizar reiteradamente toda a população, torna-se óbvio que o sistema penal está estruturalmente montado para que a legalidade processual não opere e, sim, para que exerça seu poder com altíssimo grau de arbitrariedade seletiva dirigida, naturalmente, aos setores vulneráveis. (...) A seletividade estrutural do sistema penal – que só pode exercer seu poder regressivo legal em um número insignificante das hipóteses de intervenção planificadas – é a mais elementar demonstração da falsidade da legalidade processual proclamada pelo discurso jurídico-penal. Os órgãos executivos têm “espaço legal” para exercer poder repressivo sobre qualquer habitante, mas operam quando e contra quem decidem.  

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O referido doutrinador demonstra algumas hipóteses nas quais a legalidade penal é violada pelo próprio sistema, senão vejamos: a longa duração dos processos penais provoca o predomínio de presos sem condenação, reclusos em virtude de prisão em flagrante, provisória ou preventiva; as penas são calculadas arbitrariamente, com base em critérios extremamente subjetivos, eliminando-se a legalidade das penas; propagam-se tipificações meramente moralistas, com omissões ou ocultamento do verbo típico, objetivando debilitar a legalidade penal; e, as agências executivas atuam à margem dos órgãos judiciais, sendo que quando estes últimos intervêm, o selecionado já foi efetivamente punido.

Portanto, conclui-se que o próprio sistema penal não respeita a legalidade, age de maneira arbitrária, muitas vezes amparado pelo próprio direito positivo, ou seja, a observância estrita da legalidade não protege, por si só, os cidadãos contra o poder punitivo do Estado exercido de maneira imoderada.

Desta forma, sucumbem os argumentos contrários à supralegalidade que se baseiam no fato de que a solução de acordo com o ordenamento jurídico, mas fora do âmbito do direito positivado, acarreta necessariamente a incerteza jurídica e propicia arbitrariedades no âmbito do poder punitivo estatal.     

Conforme asseverado no início deste trabalho, o sistema legal possui a vantagem de produzir soluções claras e semelhantes, garantir a uniformidade das decisões, todavia, seu formato quase estanque, de difícil e demorada modificação, acaba por não acompanhar as mudanças da realidade, produzindo decisões não adequadas nem justas para determinadas situações.

Considerando-se a possibilidade de decisões arbitrárias baseadas na supralegalidade que limitem a liberdade do cidadão, ressalta-se que o uso de soluções praeter legem somente se justifica em benefício do indivíduo, nunca em seu prejuízo. Conforme preleciona Costa Júnior (1964, p. 22):

Se, em nome das garantias individuais, para evitar o arbítrio dos potentados, consagrou-se o nullum crimem, nulla poena sine lege, nada impede que, em benefício do cidadão e somente nesse caso, seja rompido o dique da reserva legal. Haverão que ser expressas (e não tácitas) apenas as limitações à liberdade do cidadão ou ao jus puniendi do Estado. Como dizia mestre CARRARA há quase um século, não se pode analogicamente estender a pena de caso a caso; mas pode-se estender de caso a caso a escusa.

A aplicação da supralegalidade baseia-se em valores e princípios gerais do ordenamento, que são os próprios de uma sociedade em determinada época, que inspiram a interpretação e renovação das normas. Esses princípios são bem mais amplos que as leis, e em razão desse fato não são transformados em normas positivas.

Portanto, ao aplicador do direito é facultado decidir praeter legem desde que a decisão encontre amparo no ordenamento jurídico como um todo. Segundo Costa Júnior (1964) a supralegalidade não implica considerações meta-jurídicas, encontra-se limitada pelo Direito, e as normas ultralegais não se encontram totalmente separadas do direito positivo, ao contrário, comunicam-se, constituem dois aspectos de uma realidade homogênea.

Neste sentido, são os ensinamentos de Marques (1997, p. 143):

O que não se permite, na aplicação do Direito, é ir contra os mandamentos expressos da ordem jurídica e substituir o justo legal por um justo objetivo extraído de preceitos extralegais. Quando se trata, porém, de cobrir lacunas da lei, decorrentes da natural imprevisibilidade do legislador, estamos em face de um procedimento legítimo e que não contraria, de forma alguma, a certeza e segurança que são inerentes à vida jurídica.

Na tentativa de diminuir a distância existente entre a valoração popular e a legal, tendo em vista que a sociedade não recriminava determinados comportamentos que contrariavam o direito positivo, surgiu o princípio da inexigibilidade de conduta diversa, que retira a culpabilidade sempre que, diante de uma situação fática, não se possa exigir do agente um comportamento conforme o Direito.

A adoção do princípio ultralegal da inexigibilidade de outra conduta dinamiza o direito e individualiza a pena, sem mitigar a certeza do ordenamento jurídico, tendo em vista que abrange as hipóteses fáticas não atingidas pela lei sem acarretar dano, pois a motivação da sentença traçará os contornos do fato e sua adequação à hipótese supralegal.

Admitindo-se o não poder agir de outro modo como causa metalegal excludente da culpabilidade, possibilita-se estender a escusa, de acordo com o caso concreto, descriminalizando condutas que não merecem a reprimenda estatal, em consonância com uma diretriz básica de política criminal, a ultima ratio do Direito Penal.

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Sobre a autora
Débora Cunha Mautone

Procuradora da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAUTONE, Débora Cunha. A inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4019, 3 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29960. Acesso em: 5 nov. 2024.

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