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A Corte Costituzionale e suas interações no quadro institucional italiano

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Agenda 03/08/2014 às 12:22

Ainda que a participação popular no sistema italiano de controle de constitucionalidade seja limitada, verifica-se que a Corte tem exercido um importante papel na defesa dos interesses das minorias. Assim, tem assegurado os direitos dos alijados dos consensos políticos, exercendo relevante papel na concretização dos direitos da Constituição de 1948.

Sumário:1. Notas introdutórias: a legitimação da Corte Costituzionale no quadro institucional italiano; 2. Linhas gerais do controle de constitucionalidade na Itália: pontos de convergência entre os modelos concentrado e difuso; 3. Da composição da Corte Costituzionale: prerrogativas e incompatibilidades para os seus  membros; 4. As competências da Corte Costituzionale e a ausência de mecanismos específicos para a tutela dos direitos fundamentais; 5. A complexa afirmação da Corte Costituzionale nas primeiras décadas do seu funcionamento; 6. Breve histórico da atuação da Corte e do desenvolvimento da justiça constitucional na Itália; 7.  Da manipulação dos efeitos das decisões proferidas pelo Tribunal; 8. Breves perspectivas para a  Justiça Constitucional na Itália; 9 Conclusões: a Corte Costituzionale e a legitimação democrática da jurisdição constitucional


1. Notas introdutórias: a legitimação da Corte Costituzionale no quadro institucional italiano

A preocupação com a legitimidade da justiça constitucional permeia o debate jurídico nas últimas décadas, em vista da crescente importância que estes tribunais conquistaram nos países que os adotaram. Vive-se um momento de superação do direito legislativo, para um direito de criação eminentemente jurisprudencial, mesmo nos ordenamentos vinculados a Civil Law (Cf. PEREZ LUÑO, 1996, p. 18-19). E se tal assertiva faz-se válida quanto à magistratura ordinária, ao referir-se à jurisdição constitucional, a preocupação ganha contornos ainda mais polêmicos.

A própria natureza da jurisdição constitucional é profundamente questionada, diante abrangência das questões a ela submetidas. Neste sentido, é difícil explicar que, por vezes, na defesa  dos direitos constitucionalizados, o tribunal possa ir de encontro às decisões da maioria política do momento, numa atuação claramente anti-majoritária. Em verdade, discute-se a legitimidade dos tribunais constitucionais no momento do exercício do seu controle, posterior, da atividade legislativa, que é dotada de liberdade constitutiva e de capacidade própria e autônoma de concretização da constituição (Cf. VIEIRA  DE ANDRADE,  1995, p. 76).

As restrições à jurisdição constitucional seriam justificadas a partir de dois pilares do constitucionalismo liberal: a democracia tida como princípio da maioria e o princípio da separação dos poderes. Neste sentido, cabe ao tribunal constitucional ser um “contralegislador, não um legislador” (MOREIRA, 1993, p. 196-198).

E quando este, no exercício do controle de constitucionalidade, passa a emitir normas substitutivas das normas declaradas inconstitucionais, mesmo que à título provisório, ou ditar ao legislador as normas que deve emitir para substituí-las, ou ainda, constatando uma omissão  inconstitucional, faz injunções ou traz instruções concretas ao legislador, a discussão torna-se mais acentuada. Isto porque parte razoável dos doutrinadores inclina-se por reconhecer que os poderes do juiz constitucional estariam limitados pela reserva do parlamento, que detém a competência de formular e selecionar as opções legislativas entre as não incompatíveis com a constituição. 

 Diante de toda a oposição à sua atividade, discutem-se os mecanismos de mediação entre o tribunal constitucional, a partir de sua esfera de competência, e o poder legislativo. isto porque a legitimidade do judiciário justifica-se diante dos critérios majoritários, uma vez que seus membros são escolhidos pela realização de constantes eleições.

São inúmeras as formas a respaldar a atuação dos tribunais constitucionais, como, por exemplo, a possibilidade de redução do impacto das suas decisões, com a relativização da teoria da nulidade da lei inconstitucional, de matriz austríaca. Foi o que ocorreu recentemente no Brasil, com a edição da Lei n.° 9868/99, que em seu artigo 27 prevê que “tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração de inconstitucionalidade, ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

Também se destacam algumas técnicas que permitem que seja aferida a razoabilidade de suas decisões, como a ponderação, a extensa motivação das sentenças, inclusive com registro das opiniões dissidentes no âmbito de cada Tribunal e o largo uso das teorias do self restraint e das political questions (Cf. GROPPI, 2005, p. 1).

Na Itália, o meio de firmar a Corte Constitucional como órgão relevante para o quadro institucional foi o de relativizar o impacto das suas decisões no ambiente político, de maneira a concretizar os valores democráticos traduzidos na Constituição de 1948, que previu a Corte Costituzionale, na esteira do movimento constitucionalista que se irradiou por toda a Europa Ocidental no período posterior à II Guerra Mundial.

Com vistas a assegurar o respeito às suas decisões, partiu a Corte para a manipulação dos efeitos das sentenças declaratórias de inconstitucionalidade, seja para solucionar o problema de lacuna provocado pela retirada de uma norma do ordenamento, seja para assegurar o cumprimento de um dispositivo constitucional ainda não regulamentado, sem invadir a esfera de discricionariedade dos parlamentos constituídos.

Naquele país, assegurar a perfeita integração de suas decisões perante os demais poderes e órgãos encarregados de dizer o direito acabou por ser uma preocupação do próprio Tribunal. E tudo isto se deu em detrimento de uma regulamentação extremamente rígida da atividade da Corte. De pronto, pode-se afirmar, portanto, que uma característica evidente do controle de constitucionalidade italiano é a escassa regulamentação das decisões da Corte. Neste sentido, denota-se que a famosa multiplicidade de decisões manejadas por aquela Corte é construção nitidamente jurisprudencial.

Tais construções, todavia, são conseqüência de inúmeros fatores, que serão delineados, de forma perfunctória, ao longo deste trabalho. Não se trata, assim, de mera invasão de competências dos demais órgãos constitucionais, mas tal manipulação de efeitos das decisões é fruto das tensões entre a corte e demais instituições da vida pública italiana, especialmente a magistratura ordinária, representada pela Corte de Cassação, e o Poder Legislativo.

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É justamente quanto aos efeitos que se constata a grande contribuição da jurisdição constitucional italiana a um estudo comparado dos sistemas de controle, graças à exaustividade das categorias manejadas em torno das suas decisões. São sentenças interpretativas, de inconstitucionalidade não declarada, aditivas, substitutivas, aditivas de princípio, cuja taxonomia não é sempre precisa. Héctor López Bonfill (2005, p. 206), em trabalho acerca das formas interpretativas no exercício do controle de constitucionalidade, chega a afirmar que todos os autores italianos têm sua própria tipologia de sentenças. Mais importantes que as tipologias, porém, seriam as razões, origem e conseqüências da pluralidade de formas das sentenças interpretativas.

Assim, controle de constitucionalidade exercido pela Corte Costituzionale acaba por ser uma grande oportunidade de visualização da construção de uma jurisprudência constitucional articulada com as demais instituições, a partir da qual o tribunal exerce importante função no quadro político italiano.

Desta feita, o estudo do modelo italiano de controle de constitucionalidade como tema para este trabalho justifica-se pelo fato de que, naquele sistema, tem-se como pacífica a idéia de que deve haver uma atuação conjunta do “circuito” juízes-Corte-Parlamento para superar a questão de inconstitucionalidade, que não pode ser modificada por mera decisão do tribunal constitucional (Cf. GROPPI, 2005, p. 8).

O presente trabalho, portanto, tem por fito expor, em suas linhas gerais, o controle de constitucionalidade exercido na Itália, enfatizando a relação entre o tribunal constitucional e os demais órgãos, e por conseguinte, mostrar que as categorias de decisões manejadas por aquela corte são construções da práxis constitucional, e de uma peculiar forma de abordagem do fenômeno jurídico e político. Tudo sem perder de vista a questão subjacente a qualquer discussão sobre a jurisdição constitucional: a análise da sua legitimidade democrática.


2. Linhas gerais do controle de constitucionalidade na Itália: pontos de convergência entre os modelos concentrado e difuso

A Constituição italiana de 1948 situa o sistema de justiça constitucional entre as garantias da Constituição, destinando os arts. 134º a 137º para sua disciplina. Como em outros países europeus, o constituinte optou pela criação de um órgão ad hoc de justiça constitucional, exterior ao poder judicial. Sua função, como se depreende do texto do art. 134º, é a de assegurar o respeito à Constituição.

No sistema italiano, o controle de constitucionalidade é, em geral, de caráter repressivo, mas é admitido o controle preventivo quanto às matérias de cunho regional sob o poder central, como será descrito adiante.

Fica evidente, da regulamentação constitucional, a inspiração no modelo germânico-austríaco, de influência kelseniana, assumido inicialmente na Áustria, desenvolvido de forma praticamente simultânea na extinta Tchecoslováquia e que se espalhou por toda a Europa após a Segunda Guerra Mundial. Referido movimento, por sua abrangência, chega a ser denominado por Mauro Cappelletti (1996, p. 14-15) de “Revolução Constitucional”. Tal inspiração reside especialmente nas seguintes características do modelo: concentração da competência de reconhecer a inconstitucionalidade a um tribunal ad hoc, que atua de maneira direta, cujas decisões têm efeito erga omnes e  ex tunc.

Muito embora tenha sido adotado o modelo austríaco, com suas adaptações, o controle de constitucionalidade exercido na Itália também apresenta pontos de convergência com o modelo difuso norte-americano[1], ressaltados pelo fato de que o controle, muito embora seja abstrato, dá-se a partir de um caso concreto, e terá repercussões na causa submetida ao juiz ordinário.

Tania Groppi defende que, ao longo de sua história, a Corte Italiana tem contribuído ainda mais para incrementar o grau de concretização da decisão. Para fundamentar tal assertiva, destaca alguns relevantes aspectos e modificações a partir desta concretização dos seus julgados. Inicialmente, verifica a autora a redução drástica no tempo de decisão das questões de constitucionalidade, que determina efeitos imediatos de seus julgamentos para as partes do processo em tramitação.

Ademais, Groppi assevera, a partir da análise das decisões mais recentes, que o tribunal vem utilizando com largueza os poderes instrutórios previstos em lei, de maneira a avaliar as conseqüências de suas decisões no ordenamento jurídico. Constata-se, assim, uma espécie de “continuidade interpretativa” entre o  juiz constitucional e o juiz ordinário (GROPPI, 2001, p. 72-73). 

A importância dos juízes ordinários para o sistema de controle de constitucionalidade deriva, especialmente, da incorporação da questão de inconstitucionalidade no sistema, que implica na necessidade de que o juiz, diante de uma hipótese submetida à sua apreciação em que tenha dúvidas acerca da constitucionalidade de dispositivo, suspenda o procedimento em curso e submeta a questão à Corte Constitucional. Ademais, os juízes ordinários ainda exercem o controle da validade dos atos normativos sem força de lei.

É, portanto, um modelo de controle duplamente condicionado, no qual o juiz diante do qual é formulada a questão de inconstitucionalidade avalia se a petição carece ou não de fundamento; ulteriormente, outro juízo de admissibilidade também é realizado pela Corte Constitucional. O art. 23 da Legge n.º 87, de 1953, impõe que a questão só pode ser submetida à Corte quando for indispensável à solução da lide.

Trata-se, portanto, de um controle incidental a posteriori, de questão surgida em um procedimento judicial, em face de disposição que o juiz deve aplicar para a solução da lide no âmbito a quo.

É vedado aos juízes da Corte afastarem-se do thema decidendum, inclusive porque o art. 23, parágrafo I, da Legge n. 57/1953 exige que para cada questão de legitimidade constitucional sejam indicados os dispositivos constitucionais ou das leis constitucionais que são tidos como violados pelo juiz ordinário. A única exceção a este princípio geral resta prevista no mesmo art. 27, que prevê que a Corte possa declarar quais as outras disposições legislativas cuja inconstitucionalidade deriva como conseqüência da decisão adotada.

Desta feita, infere-se no sistema italiano uma forte interação entre magistratura ordinária e os juízes da Corte, uma vez que a matéria objeto de apreciação por esta é claramente definida pelo juiz da causa. É o que se convencionou chamar de direito vivente (dottrina del diritto vivente), surgida a partir do Acórdão n.º 3, de 1956, quando a Corte assumiu como objeto de seu pronunciamento a norma a partir da interpretação que lhe é dada pelos tribunais (Cf.  ZAGREBELSKY,  1988, p. 504). A partir desta teoria, verificou-se uma redução das tensões entre Corte e magistratura, pois a Corte raramente declara inconstitucional uma interpretação já sedimentada pelos tribunais ordinários.


3. Da composição da Corte Costituzionale: prerrogativas e incompatibilidades para os seus  membros

O art. 135 da Constituição Italiana determina em quinze o número dos membros da Corte Constitucional, nomeados por diversos sujeitos políticos italianos, repartidamente[2].

Desta forma, cinco membros são de nomeação do Parlamento, em sessão conjunta, mediante maioria qualificada, sendo exigidos dois terços dos votos nas duas primeiras votações. A partir da terceira votação e nas subseqüentes, são exigidos os votos de três terços dos parlamentares, verificando-se assim obtenção de grande adesão legislativa ao nome proposto, sendo de relevante papel na escolha o apoio da maioria política do momento. 

Outros cinco membros são nomeados pelo Presidente da República. E os cinco restantes vêm da magistratura superior ordinária e administrativa, sendo três oriundos da Corte de Cassação, um do Conselho de Estado e o último pela Corte dei Conti[3].

Tendo em vista que dois terços das vagas da Corte são de livre escolha dos sujeitos políticos, fica a questão de se referido critério, substancialmente, impede que os juízes sejam escolhidos, prioritariamente, pelas maiorias políticas.

Os requisitos subjetivos para a escolha dos magistrados são bastante simples. As nomeações devem recair sobre magistrados das jurisdições superiores, mesmo reformados, professores universitários dos cursos de direito do país ou advogados com mais de 20 anos de exercício da profissão.

Já o Presidente da Corte Constitucional é escolhido pela própria Corte, dentre os seus membros, e exerce sua função por três anos, podendo ser reeleito por mais um mandato (art. 135 da Constituição). O Presidente da Corte Constitucional possui inúmeros poderes referentes ao desenvolvimento dos trabalhos da Corte, representando-a externamente. Os Juízes desempenham sua função por nove anos, conforme a alteração da Legge Costituzionale n. 2, de 1967, que reduziu a duração no cargo dos componentes da corte de 12 para 9 anos, bem como vedou a possibilidade de recondução ao cargo.

No caso de exercício por parte da Corte de sua competência penal, ao colégio somam-se outros 16 juízes escolhidos por sorteio de uma lista constituída pelo Parlamento, em sessão conjunta, para aquele fim.

Em relação às garantias da atividade da Corte Costituzionale, pode-se afirmar que esta goza de ampla autonomia, em particular, expressa pela competência de adotar regulamentos com o fim de disciplinar a sua organização interna e o exercício das suas atribuições constitucionais. Possui, assim, autonomia normativa, financeira, contábil e administrativa, além da capacidade de auto-organização e jurisdição doméstica. Esta última garantia, inclusive, é das mais interessantes, uma vez que, em acordo com o Regolamento Generale della Corte Costituzionale, de 1966, o Presidente da Corte detém o poder de polícia no Palazzo della Consulta (sede), que pode autorizar a entrada, naquele recinto, das autoridades policiais[4].

Os juízes da Corte possuem algumas prerrogativas asseguradas pelo texto constitucional com o fim de garantir sua independência. Dentre elas, podem ser destacadas: a especial imunidade penal, nos termos do art. 3º da Constituição do país e a liberdade de opinião no exercício de suas funções, em acordo com o art. 5º da Legge Costituzionale  n. 1, de 1953[5].

O texto constitucional contém algumas incompatibilidades para os membros da Corte, como o exercício da advocacia. A Legge n. 87, de 1953, traz mais restrições, afirmando a impossibilidade de que os juízes exerçam qualquer atividade profissional, comercial ou administrativa simultaneamente ao seu mandato. Tal limitação dá-se inclusive quanto aos membros que são professores universitários e magistrados, que devem afastar-se temporariamente das suas funções (art. 7º).


4. As competências da Corte Costituzionale e a ausência de mecanismos específicos para a tutela dos direitos fundamentais

Os tribunais constitucionais, que tanta discussão provocam no âmbito da doutrina constitucional, possuem ramos de competência razoavelmente bem definidos, dos quais geralmente as constituições não se afastam. Canotilho, ao expor as funções exercidas pela justiça constitucional, coloca a existência de seus domínios típicos, que seriam (2000, p. 789):

“(1) Litígios constitucionais (‘Verfassungstreitigkeiten’), isto é, litígios entre os órgãos supremos do Estado (ou outros entes com direitos e deveres constitucionais);

(2) Litígios emergentes da separação vertical (territorial) de órgãos constitucionais (ex: federação e estados federados, estados e regiões);

(3) Controlo da constitucionalidade das leis e, eventualmente, de outros actos normativos (Normenkontrolle);

(4) Protecção autónoma de direitos fundamentais (“Verfassungsbeschwerde, ‘recurso de amparo’);

(5) Controlo da regularidade da formação dos órgãos constitucionais (contencioso eleitoral) e outras formas importantes de expressão política (referendos, consultas populares, formação de partidos);

(6) Intervenção nos processos de averiguação e apuramento da responsabilidade constitucional e, de um modo geral, a defesa da Constituição contra crime de responsabilidade (Verfassungsschutzverfahren).”

Comparando as relevantes competências destacadas pelo autor português, tem-se que do art. 134 da Constituição Italiana, em que estão previstas as competências da Corte, é possível aferir um rol de competências relativamente limitado, em vista das inúmeras competências atribuídas a outras cortes constitucionais. Inclusive, não há atribuições estranhas aos fins da jurisdição constitucional. Mas, das competências gerais trazidas por Canotilho, verificar-se-á que, na Itália, não há recurso direto para a tutela de direitos fundamentais, o que não significa que a Corte atue de forma tímida na defesa destes direitos. Por ora, diante do art. 134 da Constituição, resta esclarecer quais as hipóteses submetidas a Corte Costituzionale:

“134. (1) La Corte costituzionale giudica:

sulle controversie relative alla legittimità costituzionale delle leggi e degli atti, aventi forza di legge, dello Stato e delle Regioni;

sui conflitti di attribuzione tra i poteri dello Stato e su quelli tra lo Stato e le Regioni, e tra le Regioni

sulle accuse promosse contro il Presidente della Repubblica, a norma della Costituzione.”

A primeira delas, e mais importante, é a de julgar a constitucionalidade das leis e dos atos com força de lei promulgados pelo Estado e pelas regiões. Como se infere, o controle está adstrito aos atos com “força de lei”, estando excluídos os regulamentos administrativos, por exemplo, a partir da autolimitação imposta pela própria Corte. Viu-se que os demais atos normativos são submetidos à análise do juiz ordinário.

Em relação aos atos com força de lei, saliente-se a classificação dos decreti-legge[6], criação italiana que inspirou o constituinte brasileiro na introdução das medidas provisórias, objeto de tantos debates entre os publicistas brasileiros. Efetivamente, a doutrina italiana inclina-se pelo reconhecimento dos decreti-legge como ato normativo com força de lei. Porém, defende-se que a Corte Constitucional analise  apenas os pressupostos de edição dos decreti-legge:  necessidade e urgência (ZAGREBELSKY,  1999, p. 101).

Outra competência, e aqui se situam as maiores discussões acerca do papel político exercido pela Corte Costituzionale, é a de resolver os conflitos de atribuições entre os poderes do Estado, entre Estado e regiões e entre regiões. Trata-se do único recurso direto previsto pela Constituição, que independe da intervenção do juiz ordinário. A previsão é de que, unicamente, as regiões e o governo possam impugnar, por via direta, leis que atinjam sua competência. No caso das regiões, leis estatais ou de outras regiões e no caso do governo, quanto às leis regionais.

Para que seja promovida ação de legitimidade constitucional frente à Corte, na hipótese de invasão da esfera de competência assegurada pela Constituição, é necessária a deliberação da Junta Regional respectiva, sessenta dias após a publicação da lei ou do ato[7] (art. 127 da Constituição).

É, portanto, um instrumento para tutelar ou manter intactas as esferas de competência que a mesma Constituição atribui aos diversos entes e órgãos que concorrem ao exercício do poder público, sendo a Corte uma mediadora dos conflitos institucionais.

Karl Lowenstein, ao proceder à análise do fenômeno denominado de judicialização da política, traz este controle, de caráter nitidamente mediador a ser exercido pela jurisdição constitucional, como exemplo, uma vez que a manutenção do regime de competências previsto na constituição não poderia ser atribuição de uma Corte. Em que pese a previsão constitucional, o autor afirma que tal possibilidade constitui um mecanismo pouco utilizado para solução dos conflitos de cunho político, pois tais questões seriam resolvidas previamente, sem que o conflito seja levado à Corte (LOWENSTEIN, 1976, p. 324).

A Corte Costituzionale, do mesmo modo que outros tribunais constitucionais, detém competência penal para julgar os delitos cometidos pelo Presidente da República (alta traição e violação da Constituição). Esta competência, inexistente no texto constitucional original, foi acrescida pela Legge Costituzionale n. 1, de 1953 (art. 2º). Tal julgamento, de modo assemelhado à previsão da Constituição Brasileira, só se afigura possível nos casos em que o Parlamento, em sessão conjunta, autoriza a abertura de processo criminal.

Por fim, tem-se uma competência peculiar ao sistema italiano de controle de constitucionalidade: o julgamento da admissibilidade dos pedidos de referendo obrigatório, que podem ser apresentados por 500 mil eleitores ou por 5 conselhos regionais, prevista no art. 75 da Constituição Italiana. O papel da Corte, nesta hipótese, é o de verificar a possiblidade de revogação de leis através do citado referendo e a avaliação de se as proposituras são estruturalmente adequadas a permitir uma ab-rogação livre, consciente e sem lesar aos outros valores constitucionais formais e essenciais. Guastini afirma que esta previsão constitucional presta-se a assegurar a participação popular no controle de constitucionalidade (GUASTINI, 2001, p. 156).

Sobre a autora
Flavia Santiago Lima

Doutora em Direito/UFPE, Professora Universitária, Advogada da União

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Flavia Santiago. A Corte Costituzionale e suas interações no quadro institucional italiano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4050, 3 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30643. Acesso em: 5 nov. 2024.

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