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A Corte Costituzionale e suas interações no quadro institucional italiano

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Agenda 03/08/2014 às 12:22

8. Conclusões: a Corte Costituzionale e a legitimação democrática da jurisdição constitucional

Atualmente, são apontadas algumas tendências para o futuro da Corte Constitucional no esquema organizativo do Estado italiano, diante dos diversos fatores abordados nos itens acima. No tópico anterior, viu-se que a Corte tem promovido uma espécie de limitação do seu potencial criativo, deixando de lado as sentenças inovadoras que fizeram o sistema italiano de controle de constitucionalidade merecer atenção de diversos autores.

Ademais, da análise das diversas fases atravessadas pela Corte ao longo de sua história, constata-se a redução dos prazos para análise da questão de constitucionalidade. Desta forma, o tribunal constitucional italiano freqüentemente vê-se forçado a adotar posições contrárias à maioria política do momento, como ocorreu no julgamento da lei de imunidade promulgada pelo presidente Silvio Berlusconi, que beneficiaria os membros do governo, logo após os resultados da operação Targentopoli, conjunto de investigações judiciais das autoridades de Milão, que envolveu em torno de mil e quinhentas pessoas, incluindo número expressivo de parlamentares, ministros e ex-ministros(Cf. ZANCHETTA, 1996, p. 86). Desta forma, a atuação da Corte tornou-se muito importante na condução deste tipo de situação política.

Não por acaso, nos últimos anos deram-se inúmeras tentativas de limitar os poderes do tribunal constitucional italiano. Em função de decisão de 1998, momento no qual a Corte expediu sentença aditiva em matéria processual penal, foi apresentado projeto de lei com o fim de limitar o uso de sentenças manipulativas pelo tribunal. Em 2001, o Ministro para reformas constitucionais, Bossi, intentou reforma com o fito de atribuir ao parlamento e às regiões (entes políticos, portanto) a nomeação de nove dos quinze membros da Corte (hoje o Parlamento escolhe cinco deles) (Cf. GROPPI, 2005, p. 5).

Desnecessário aduzir que, muito embora estes projetos não tenham sido bem-sucedidos, refletem um período em que a atuação da Corte tem sofrido pressão por parte dos membros das instituições políticas. Talvez essas razões justifiquem a mudança de direção em suas decisões.

E por fim, em 1999, pela primeira vez, o Parlamento italiano descumpriu uma sentença prolatada pela Corte, promovendo reforma constitucional que tornou sem sentido o conteúdo da decisão prolatada (Cf. GROPPI, 2005, p. 6).

Entretanto, da história da Corte infere-se que esta, ainda que com temperamentos no conteúdo e na forma de suas decisões, ultrapassou e fortaleceu-se nos momentos mais difíceis.

A importância da Corte Costituzionale no quadro institucional italiano, talvez mais evidente do que o espaço ocupado por outros tribunais constitucionais, provoca reflexões acerca do papel político exercido pela jurisdição constitucional. Quanto ao tema, o controle da validade das normas feito no sistema italiano também mostra a necessidade de discussão sobre a legitimidade das cortes constitucionais que não seja pautada pelos marcos teóricos do constitucionalismo clássico de cunho liberal. Naquele sistema, o fato inequívoco é que, atuando sob o manto da Constituição, a Corte assumiu um papel de protagonista na afirmação dos valores e princípios constitucionais.

À atuação da Corte Italiana pode ser oposto o fato de que, diante dos demais poderes constituídos, aquele tribunal constitucional não é legitimado democraticamente. Assim, precisamente pela ausência de respaldo popular, não poderia o tribunal julgar as decisões das maiorias, restringindo o princípio do governo do povo pelo povo.

Jürgen Habermas (1998, p. 313-316) também se opõe ao protagonismo exercido pelos tribunais constitucionais, ao substituírem a atuação do legislador, por uma série de fatores, especialmente porque não cabe ao Tribunal, “disponer de esas razones de suerte que sirvan a una interpretación, desarrollo e configuración del sistema de los derechos dependiente directamente del Tribunal y, por tanto, a una actividad legislativa implícita”. Tal atividade legislativa é respaldada pela distribuição de competências constante do texto constitucional que, por sua vez, é justificada pelo princípio da separação dos poderes. Deste modo, defende o autor um autocontrole, a ser exercido pelo próprio legislador.

Em resposta a este questionamento, não bastasse o título legitimador constituído pela expressa previsão constitucional, que traz aos tribunais legitimação formal já no momento da promulgação da Constituição, uma vez que se depreende que foi o povo, representado pelo poder constituinte que o criou, como assevera Otto Bachof (1987, p. 59), deve o tribunal zelar pelas decisões fundantes contidas nos textos constitucionais (VILLALÓN,  1993, p. 87). E é assim que sua atuação, quando exercida nos estreitos limites da sua competência, pode ser justificada. À propósito, sempre deve ter-se em conta que a jurisdição constitucional está submetida a certos limites, uma vez que é precisamente da determinação destes limites e sua imposição aos outros poderes e instituições que reside a legitimidade da sua atuação (SCHNEIDER, 1982, p. 38).

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Na análise especifica do caso italiano, depreende-se que, embora da infinidade de efeitos atribuídos à declaração de inconstitucionalidade – quando declarada – pela Corte Costituzionale, possa-se afirmar que o referido tribunal extrapola as atribuições que lhe foram conferidas na Constituição, tal assertiva não sobrevive a uma análise mais acurada dos tipos de decisões manejados por aquela Corte.

Com efeito, o que se viu nos tópicos anteriores foi uma acentuada preocupação dos juízes constitucionais em respeitar as competências dos demais órgãos institucionais, especialmente a magistratura ordinária (doutrina do direito vivente) e o Poder Legislativo. Quanto ao Legislativo, o recuo tem acontecido nos últimos anos, e as sentenças aditivas tornaram-se mais raras. Ademais, toda a interpretação da Corte encontra supedâneo na doutrina italiana, mais aberta a noções como a da normatividade dos princípios, de uma perspectiva cultural de análise da constituição, dentre outros parâmetros.

Para os membros da Corte, todavia, a discussão sobre o caráter político de sua atuação é desnecessária, pois no Acórdão n. 13, de 1960, a Corte Constitucional assentou sua função de controle constitucional e seu caráter político, negando poder ser incluída entre os órgãos judiciários de qualquer tipo.

Isto sem falar no famoso caráter compromissário do processo político italiano, em que as discussões mais relevantes independem de fórmulas jurídicas, sendo sempre encontradas as soluções a partir das circunstâncias, como recorda Karl Lowenstein (1976, p. 324). Precisamente por esta característica, da história da Corte podem-se inferir avanços e retrocessos na sua interferência no processo político, ao sabor do momento vivenciado.

Ademais, como afirma Cappelletti, o paradoxo de confiar a juízes não responsáveis os atos dos legisladores responsáveis é puramente aparente, uma vez que existem muitos vínculos que os conectam a longo prazo com seu tempo e a sociedade da qual fazem parte. O procedimento judicial, por sua natureza, é altamente participativo, pois sempre envolve interesses concretos. Isto sem falar nos controles exercidos pela opinião pública. Desta forma, a responsabilidade dos juízes passa a ser social (CAPPELLETTI, 1996, p. 39). Tais mecanismos de controle podem ser visualizados de forma bastante clara no controle de constitucionalidade desenvolvido na Itália.

Deste modo, a grande lição que fica do estudo da legitimidade da atuação da justiça constitucional na Itália é de que, nas sociedades plurais e complexas da pós-modernidade, devem ser assegurados mecanismos de proteção dos direitos das minorias, dos alijados dos processos políticos. E, nesta seara, a justiça constitucional apresenta-se como um instrumento fundamental para proteger os princípios majoritário e democrático do risco da corrupção. Ainda que a participação popular no sistema italiano de controle de constitucionalidade seja limitada, verifica-se que a Corte tem exercido um importante papel na defesa dos interesses das minorias. Assim, tem assegurado os direitos dos alijados dos consensos políticos, exercendo relevante papel na concretização dos direitos da Constituição de 1948.


Referências

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GROPPI, Tania. A Justiça Constitucional em Itália. Sub Judice – Justiça e Sociedade, p. 71-77, jan./jun. 2001.

GROPPI, Tania. ¿Hacia una justicia constitucional ‘dúctil’? Tendencias recientes de las relaciones entre Corte Constitucional y jueces comunes en la experiencia italiana. Disponível em: http://www.us.es/cidc/Ponencias/justicia/TaniaGROPPI.pdf. Acesso em 15 de junho de 2005.

GUASTINI, Ricardo. ¿Peculiaridades de la interpretación constitucional?. Cuadernos Constitucionales de la Cátedra Fadrique Furió Ceriol, n. 25.  Valencia: 1998.

HABERMAS, Jürgen. Facticidad y Validez – sobre el Derecho y el Estado Democrático de Derecho en términos de teoría del discurso. Madrid: Trotta, 1998.

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(http://www.giurcost.org/fonti/cost_ital.html)

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Notas

[1] No sistema italiano pode ser constada a pertinência da assertiva de Mauro Cappelletti, que assevera a necessidade de se introduzir elementos de classificação que superem a tradicional contraposição em entre sistema norte-americano e europeu de controle de constitucionalidade. Cappelletti, 1984, pp. 49-ss.

[2] Toda a disciplina deste procedimento de nomeação encontra-se na Legge n. 87 de 1953 e na Legge Costituzionale n. 2 de 1967.

[3] A Corte dei Conti e o Consiglio di Stato são órgãos auxiliares dos órgãos constitucionais, ao lado do Conselho Nacional de Economia e Trabalho, na definição da Constituição Italiana e têm características peculiares. Foi destinado a eles um capítulo apartado e suas funções, em linhas gerais, estão disciplinadas no artigo 100, que dispõe:

“100. Il Consiglio di Stato è organo di consulenza giuridico-amministrativa e di tutela della giustizia nell’amministrazione.

La Corte dei conti esercita il controllo preventivo di legittimità sugli atti del Governo, e anche quello successivo sulla gestione del bilancio dello Stato. Partecipa, nei casi e nelle forme stabiliti dalla legge, al controllo sulla gestione finanziaria degli enti a cui lo Stato contribuisce in via ordinaria. Riferisce direttamente alle Camere sul risultato del riscontro eseguito.

La legge assicura l’indipendenza dei due istituti e dei loro componenti di fronte al Governo”

[4]2. - I poteri di polizia sono esercitati dal Presidente, che si avvale dei commessi della Corte. Egli può concordare con le autorità competenti eventuali servizi di polizia .

La forza pubblica non può entrare nella sede della Corte se non per ordine del Presidente.”

[5]5. - I giudici della Corte costituzionale non sono sindacabili, né possono essere perseguiti per le opinioni espresse e i voti dati nell'esercizio delle loro funzioni.”

[6] Os decreti-legge estão previstos no art. 77 da Constituição Italiana:

77. Il Governo non può, senza delegazione delle Camere, emanare decreti che abbiano valore di legge ordinaria.

Quando, in casi straordinari di necessità e d’ur­genza, il Governo adotta, sotto la sua responsa­bilità, provvedimenti provvisori con forza di legge, deve il giorno stesso presentarli per la conversione alle Camere che, anche se sciolte, sono apposi­tamente convocate e si riuniscono entro cinque giorni.

I decreti perdono efficacia sin dall’inizio, se non sono convertiti in legge entro sessanta giorni dalla loro pubblicazione. Le Camere possono tuttavia re­golare con legge i rapporti giuridici sorti sulla base dei decreti non convertiti.”

[7]127. (1) Il Governo, quando ritenga che una legge regionale ecceda la competenza della Regione, può promuovere la questione di legittimità costituzionale dinanzi alla Corte costituzionale entro sessanta giorni dalla sua pubblicazione.

La Regione, quando ritenga che una legge o un atto avente valore di legge dello Stato o di un'altra Regione leda la sua sfera di competenza, può promuovere la questione di legittimità costituzionale dinanzi alla Corte costituzionale entro sessanta giorni dalla pubblicazione della legge o dell'atto avente valore di legge.”

[8] Muitas das informações trazidas ao texto foram coletadas em sítios italianos, que destacam a atividade da Corte Constitucional daquele país, além de trazer o inteiro teor de suas decisões. Cf. especialmente os seguintes sítios: www.cortecostituzionale.it e www.giurcost.org.it.

[9] Ao proceder a tal constatação, López Bonfill ressalva as limitações do recurso de amparo, que se presta à tutela dos direitos fundamentais, e não para a solução de conflitos institucionais. Porém, citando abalizada doutrina italiana, capitaneada por Crisafulli, destaca a falta de mecanismos formais de controle entre os poderes na Itália, como causa para os constantes embates, precisamente nas primeiras décadas de funcionamento, entre Corte Constitucional e demais órgãos jurisdicionais. (LÓPEZ BONFILL, 2005, p. 182.)

[10] “136. Quando la Corte dichiara l’illegittimità costituzionale di una norma di legge o di atto avente forza di legge, la norma cessa di avere ef­ficacia dal giorno successivo alla pubblicazione della decisione.

La decisione della Corte è pubblicata e comunicata alle Camere ed ai Consigli regionali interessati, affinché, ove lo ritengano necessario, provvedano nelle forme costituzionali.”

[11] Sem dúvida, todo o estudo acerca da normatividade dos princípios tem como tópico relevante as contribuições da doutrina italiana. Paulo Bonavides, em seu breve e indispensável panorama da teoria “principiológica” italiana, faz expressa menção, por exemplo, a um dos autores presentes neste texto, Vezio Crisafulli, inserindo-o na “classe de juristas que mais contribuíram para consolidar a doutrina da normatividade dos princípios”. Isto porque Crisafulli afirma que dos princípios derivam normas particulares, bem como podem ser derivados, logicamente, do conjunto das normas do sistema. BONAVIDES, 1999, p. 244-245.

[12]81. (...) Ogni altra legge che importi nuove o maggiori spese deve indicare i mezzi per farvi fronte.”

Sobre a autora
Flavia Santiago Lima

Doutora em Direito/UFPE, Professora Universitária, Advogada da União

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Flavia Santiago. A Corte Costituzionale e suas interações no quadro institucional italiano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4050, 3 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30643. Acesso em: 22 nov. 2024.

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