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A possibilidade de reversão da adoção à brasileira frente ao princípio da socioafetividade

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Agenda 11/08/2014 às 18:30

5. DESCONSTITUIÇÃO DA ADOÇÃO À BRASILEIRA

A primeira pergunta a ser feita é: É possível a desconstituição da adoção à brasileira? Alguns entendimentos são hoje dilatados em busca do melhor interesse do adotado, mas, se levarmos em consideração que tal instituto é crime em nosso ordenamento jurídico, a resposta é precisa: Sim, pois levaria em consideração somente a legalidade exposta por nossos legitimadores do direito, desconsiderando totalmente o que o Direito de Família tenta assegurar, que é a busca da melhor solução para as famílias que ascendem esses conceitos e tolerâncias ligados ao direito em questão.

5.1. Direito a identidade genética

O direto de conhecer a identidade genética firma-se no direito de personalidade, que está em legislação específica, no art. 27. do Estatuto da Criança e do Adolescente: O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça (BRASIL, 1990). Assim, o direito personalíssimo não é passível de oposição, renuncia ou disponibilidade por parte de quem não o possui, no caso em concreto do tema levantado, por parte da mãe ou do pai. Deve-se observar o segredo de justiça, nos caos que haja produção independente, onde é utilizado um banco de sêmen e a identidade do doador é mantida em segredo para sua segurança jurídica, evitando possível ação de reconhecimento de paternidade.

O que consagra o direito da criança em buscar sua identidade genética a qual poderá ter preponderância impar na busca da sua carga genética, está firmado no art. 12. do Código Civil: Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (BRASIL, 2002).

Outro fator importante na busca pela verdade genética é que fica conferida “[...] a possibilidade de buscar nos pais biológicos as explicações para as mais variadas duvidas e questionamentos que surgem em sua vida, como as características fenotípicas, da índole e do comportamento social” como “o reconhecimento da origem genética também tem importância em casos de doenças curáveis através da compatibilidade consanguínea e da possibilidade da realização de transplante de órgãos e tecidos” (CONSALTER, 2009, não paginado).

Há uma importante resalva, que, apenas esta última é de fato aceita em pleitos dentro das ações de investigação de paternidade, por se trata de eminente risco a vida, já a primeira é aceita em casos de adoção à brasileira, pois, este tipo de perfilhação sendo ilegal concede ao filho registrado, o mesmo o requerer, o direito de conhecer seus “verdadeiros” pais; eis, portanto o liame do direito de personalidade e a verdade genética do adotado.

O alcance desse direito dar-se-á através da ação de investigação de paternidade, que a criança tem o direito de a qualquer tempo reconhecer sua verdadeira identidade biológica sobre o suposto pai, podendo haver o cancelamento do registro, tudo em atendimento a busca da verdade biológica quando a perfilhação for feita de modo vicioso e não atender aos interesses do menor registrado. O que poderá de forma aceitável também acontecer é apenas o interesse de conhecer as suas origens, não incidindo, portanto, a desconstituição da filiação jurídica e socioafetiva dos pais adotantes.

Em entrevista à Tribuna de Direito, a doutrinadora Almeida (2001), Moreira Filho respondendo sobre o medo dos pais socioafetivos frente a possibilidade de o filho buscar a sua origem genética, aduz:

O ‘direito à identidade Genética’ não significa a desconstituição de paternidade dos pais socioafetivos. Hoje, enfatiza-se a importância da paternidade socioafetiva e a denominada ‘desbiologização’ da paternidade. E o filho só conheceria os pais biológicos se quisesse. O que não se pode é negar o Direito de Personalidade à identidade [...] (MOREIRA FILHO, 2002, não paginado).

É importante destacar que caso o filho, detentor do direito de personalidade, almejar verdadeiramente conhecer sua “[...] ascendência genética”, segundo Gozzo (2006, p. 133)poderá por ato próprio, quando o mesmo completar 18 anos, assistido ou representado, ingressar com a ação de investigação de paternidade, pois a mesma é imprescritível.

A que ser defendido o direito a identidade, a origem genética, pois o mesmo faz parte da dignidade da pessoa humana, aludido através do direito de personalidade onde a dignidade é intrínseca a cada ser humano, frisando mais uma vez que se for de interesse do adotado. Portanto disponibiliza-se esse direito a quem foi reconhecido espontaneamente pelos adotantes não atrelados biologicamente; para melhor compreensão vejamos:

[...] O simples fato de alguém eventualmente ter sido registrado por outra pessoa como sendo seu filho de forma alguma pode servir para impedir a busca da identidade e da ascendência genética. O fato de se estar pleiteando, juntamente com a investigatória de paternidade e maternidade, a alteração do registro civil não inviabiliza o acesso à via judicial para se buscar a verdadeira identidade biológica.

[...] Ora, não se está dizendo que o registro civil vai ou não se manter, mas o que se quer é que, no mínimo, não se diga que, por causa do registro, seja impossibilitado à apelante investigar sua verdadeira ascendência genética. [...] (RIO GRANDE DO SUL, 2006, não paginado).

Vejamos que esse direito atribuído ao filho registrado de forma irregular de buscar sua ascendência genética é no todo uma forma de manter o direito a personalidade, por transtornos que poderão surgir ao longo da vida desta criança.

5.2. Ações cabíveis para a busca da desconstituição

Primeiramente é importante salientar que tais ações que versem sobre constituição ou desconstituição de filiação são no tocante delicadas, cada caso deve ser analisados cuidadosamente para que não haja inverdades ditas e legalizadas através de sentença prolatadas. Como bem nos esclarece a ministra Nancy Andrighi,

Diretrizes devem ser muito bem fixadas em processos que lidam com direito de filiação, para que não haja possibilidade de uma criança ser desamparada por um ser adulto que a ela não se ligou, verdadeiramente, pelos laços afetivos supostamente estabelecidos quando do reconhecimento da paternidade.

[...] o julgador deve ter em mente a salvaguarda dos interesses dos pequenos, porque a ambivalência presente nas recusas de paternidade é particularmente mutilante para a identidade das crianças. No sentido de tornar, o quanto for possível, contínuos os vínculos e alicerces na vida em desenvolvimento (BRASIL, 2008, não paginado).

Com o esclarecimento acerca do direito a identidade é que se pauta o direito do adotado em pedir a desconstituição da paternidade e obter êxito no pleito, pois se leva em consideração o maior e melhor interesse do adotado, que é o “direito ao conhecimento das origens” (ALMEIDA, 2001, não paginado); “a existência de filiação registral não limita o exercício do direito fundamental à busca da ascendência genética [...]” (DIAS, 2011, p. 389), corroborando o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que a possibilidade da demanda investigatória independente da existência da filiação registral e assim, somente neste caso onde se procura constituir a eficácia desse direito é que poderá se vislumbrar a desqualificação da filiação socioafetiva, se o adotado assim quiser.

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Por outro lado, não podemos deixar de mencionar o fato de não haver laços afetivos entre o pai e/ou mãe com o filho adotado, gerando a possibilidade também de êxito no pleito da desconstituição através do pedido dos pais. Vejamos que sem a construção da afetividade no âmbito familiar, não há que se falar ou manter uma filiação, vez que, os objetivos das famílias estão ligados diretamente ao cuidado e amor, não simplesmente uma denominação para efeito de conhecimento da sociedade de quem exerce ou deveria na verdade exercer o papel de pai/mãe e filho.

As ações cíveis buscam a construção, caracterizam e legalidade de um direito arguido em sede de descontentamento com determinado fato. As ações que despontam do Direito de Família para o alcance da desconstituição da filiação, e notemos que, é necessário um registro civil de nascimento para que se possa no mínimo haver o interesse de agir e fundar o pedido em bases legais, pois sem o registro não há o que se falar em desconstituição, mas talvez na busca pela constituição da filiação socioafetiva.

5.2.1. Ação do filho

A ação usada pelo filho para alcançar direitos em sede de litígios de filiação pode constar de varias nomenclaturas, a mais usual doutrinariamente utilizada nas demandas em questão é a Ação de Reconhecimento de Parentalidade. Antes o autor tinha problemas em comprovar a situação de filiação para com o réu, pois tais provas se tornavam inexistentes pela ocorrência da falta de exame específico onde se alcança a verdade biológica, e por esta falta de exames é que as sentenças não negavam a paternidade, não afirmando assim que o réu não é o pai do autor, mas que na demanda em apreço o autor não provou que o réu é seu pai, deixando por tanto o operador do direito uma lacuna na sentença, e assim, surgi o que chamamos de relativização da coisa julgada, quando a improcedência da ação decorre de falta de provas e possibilita uma nova apreciação judicial (DIAS, 2011).

A ação investigatória de paternidade se faz presente na busca pela verdade biológica, sendo um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível do filho, como já estudado. Encontra-se pacificado no STJ a possibilidade de o filho buscar esse direito independente de já constar em seu assento de registro uma filiação paternal, visto que nem mesmo este poderá afastar tal direito. A possibilidade de conhecer a verdade biológica através das ações declaratórias não nos diz que o registro será cancelado, pois limita a sentença apenas ao conhecimento de sua ascendência genética.

Pode também o autor comprovando a inexistência de vínculo com o pai registral e este por sua vez não ser o pai biológico, pedir em sentença que seja anulado o registro civil de nascimento, ao passo que mesmo não havendo cumulado o pedido de investigação de paternidade, isso quer dizer que, poderá então o autor, com sentença procedente ter em seu registro apenas a filiação materna. Mas se for de interesse do autor que seja conhecida a filiação de paternidade este deverá cumular na mesma ação o pedido de anulação de registro civil com o pedido de investigação de paternidade.

5.2.2. Ação do pai

Ao passo da legitimidade da ação proposta pelo filho pela falta de vínculos afetivos, eis que ao pai, autor da demanda também lhe é defeso as mesmas razões, através da ação negatória de paternidade, que será instruída com o exame negativo do DNA. Se o vínculo primordial da relação de filiação não está presente na conjectura do escopo familiar não há que se manter uma relação de filiação registral apenas para satisfazer determinada sentença, se está filiação foi gerada através de uma e não é caracterizada a posse de estado de filho.

Quem não é pai, nem afetivo nem biológico, não é pai. A justiça precisa curvar-se a essa verdade, ainda que acabe eventualmente alguém sem genitor. Essa situação, por mais lastimável que seja, não pode ser solucionado pelo judiciário. Desarrazoado que, em nome da intangibilidade da coisa julgada, seja criado ou mantido vínculo de paternidade inexistente, encobrindo-se de forma injustificada a verdade real (DIAS, 2011, p. 398).

Por tanto é preciso comprovar que além da falta da carga genética que associa ambos em um estado de pai e filho, inexiste também a filiação socioafetiva; caso contrário,

não há como prosperar a demanda. Entre o direito do pai de negar a paternidade biológica e o direito do filho de ver preservada a condição com a qual sempre se identificou, não há como deixar de dar prevalência à filiação afetiva. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) vem consolidando esta tendência. Mas, na mera dúvida sobre a paternidade, não se justifica a anulação (DIAS, 2011, p. 396).

Também entendem nossos doutores do direito que uma vez conhecida a filiação paternal socioafetiva, isso traduz que, se o autor de livre e espontânea vontade sabendo que o filho não compartilhava de sua cadeia genética e mesmo assim o adota à brasileira, não poderá pela simples razão de não ter conseguido criar vínculos afetivos com a criança desfazer o feito, como já mencionado neste trabalho a paternidade não é uma roupa que se veste e desveste, é de responsabilidade dos perfilhantes a preocupação em estreitar laços de afeto e carinho; fica fácil a devesa deste ponto de vista, pois, se o pai biológico não consegue ter uma boa convivência com seu filho, aquele não poderá por esta razão e nenhuma outra pedir a anulação do registro civil de nascimento, isto iria contra a segurança jurídica do instituto da família.

5.2.3. Ação da mãe

Para as mães uma ação de declaração de maternidade é um tanto que descabida, pelo fato de a mãe ser sempre certa, isto é, a maternidade é sempre conhecida. Contudo existem casos em que poderá pleitear tal direito, no que concerne ao famoso fato da troca de bebês na maternidade, em que a mãe deixa de ser mãe biológica, mas que se houver constituído laços afetivos não lhes interessa deixar de conhecer ao filho, mesmo que por fruto de erro administrativo da maternidade (DIAS, 2011).

Tal ação que consta como autora a mãe, não tem dispositivo legal, e é certo que existe uma diferença de tratamento entre a mesmo e o homem (pai). Levando em consideração o princípio da igualdade regido por nossa constituição e assim:

[...] sustenta a doutrina que a demanda anulatória cabe quando o registro não foi levado a efeito pela própria genitora. Na hipótese de a declaração ter sido efetuada por terceiros – marido, parentes, parteira ou qualquer dos legitimados para tal -, pode a mãe contestar a maternidade em igualdade de condições da negativa de paternidade [...] (DIAS, 2011, p. 400).

5.3. Posicionamento da doutrina e tribunais

O posicionamento da doutrina e dos tribunais sobre a adoção à brasileira e sua possível desconstituição encontra-se hoje em sede de uma possível pacificação; uma vez realizada a adoção à brasileira, os fatos jurídicos relevantes a serem analisados deixam de ser meramente a ilegalidade, mas um bem jurídico a ser tutelado que deve ser mantido pelo melhor interesse do adotado principalmente se caracterizada a relação em vínculos socioafetivos.

Vejamos o aduzido pelo Superior Tribunal de Justiça:

[...] 2. De fato, é de prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, a assertiva seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva. No caso de ser o filho - o maior interessado na manutenção do vínculo civil resultante do liame socioafetivo - quem vindica estado contrário ao que consta no registro civil, socorre-lhe a existência de "erro ou falsidade" (art. 1.604. do CC/02) para os quais não contribuiu. Afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de ‘adoção à brasileira’, significa impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei (BRASIL, 2012, não paginado).

5.3.1. Pedido pelo filho

Os tribunais tem entendido que mesmo com a relação socioafetiva estabelecida, é possível o pedido de desconstituição de paternidade em prol do direito do adotado; se o adotado tiver o interesse em buscar sua ascendência genética este não lhe pode ser negado pelo simples fato de já constar em seu registro de nascimento um pai, cujo qual pode ou não satisfazer os interesses e também na busca do pai biológico por questão de saúde, como já exposto acima. Pautando-se ainda em norma infraconstitucional que consta no art. 1604. do Código Civil: “Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro” (BRASIL, 2002, não paginado).

É certo que na adoção á brasileira, os adotantes sabem da ilegalidade do ato, mas se pautam em dar uma melhor qualidade de vida as crianças, porém resta cristalino que o anseio do adotado na identificação biológica é maior que a mera conduta benevolente dos pais, este é o entendimento de alguns tribunais em julgados.

Porém, doutrinariamente na hipótese de quando o filho atingir a maior idade, este recursar ao reconhecimento da filiação que consta em seu registro sem que haja uma causa substanciada em seu interesse maior senão a que o pai ou mãe que constem no assento de nascimento não são seus pais biológicos, não poderá negar sua filiação simplesmente por negar, pois o estado de filiação é mais que simplesmente uma doação genética de seus genes, é o cuidado e status de filho perante a sociedade que qualificam quem é pai e mãe de verdade.

Se assim o pudesse fazer (desconstituir a filiação pelo fato de os pais que constam no assento de nascimento não serem biológicos) a adoção legal e a reprodução heteróloga (utiliza-se o sêmen de um doador e não do marido/companheiro), prevista no art. 1597. inciso V, do Código Civil, seriam no todo um ato inexistente, por falta de objeto que é a verdade biológica na relação de filiação.

É importante salientar que existe uma grande diferença entre ter o direito de vindicar a filiação e direito a ter um pai. Muitas são os casos de crianças que em seu registro de nascimento não consta a filiação paterna, o que lhes confere a importância de buscar seu direito de personalidade ao conhecimento de sua origem genética. Não afastando a necessidade do critério biológicos nestes casos em que não é conhecida a paternidade, além do mais quando não há constituída uma filiação socioafetiva para atribuir a paternidade e a responsabilidade civil. (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007).

5.3.2. Pedido pelos pais

Nos casos em que o pedido de desconstituição de paternidade é manifesto pelo adotante, existe um entendimento dos tribunais que caso estabelecido o vínculo socioafetivo na relação de filiação do adotante e do adotado, não será possível a sua desconstituição, visto que, a adoção à brasileira é um ato espontâneo tomado pelos que de livre vontade o fizeram, e assim podemos dizer que a “paternidade não é roupa que se veste e se desveste”; “ser pai não pode ser aceito como estado variável, segundo seu animus e/ou segundo o estágio ou estádio de relacionamento com a mãe”, segundo Chinelato (2004. p. 66), e deste modo na mesma linha de raciocínio a mãe não pode ter êxito no pedido de anulação do registro, pois uma vez declarado no mesmo pelos adotantes o reconhecimento do filho, não é aceitável que por alguma razão, que não seja o interesse do adotado, venha-se a se anular esse estado de filiação socioafetiva.

O absolutismo dos doutrinadores é com a questão da impossibilidade da desconstituição da paternidade uma vez firmada a adoção à brasileira, sendo o ato de livre e espontânea vontade não há que se falar em anulação deste vínculo firmado no registro, por mera vontade ou por que “não deu certo o convívio”.

Não obstante, se o vínculo socioafetivo não for constituído entre os pais e o adotado, poderá haver a possibilidade de desconstituição, visto a ausência do prenúncio afetivo, que é essencial para caracterizar o instituto da adoção à brasileira, como já vimos não basta ter apenas o nome registral, mas a qualidade de filho perante a sociedade. Desta maneira enquanto não houver sido instituído o vínculo socioafetivo é cabível a anulação do registro.

Contudo, não basta apenas um convívio na mesma casa por um curto espaço de tempo, ou do que conste no registro de nascimento, se não criar-se o vinculo afetivo, o tratamento recíproco do estado de filiação, é cabível a desconstituição.

Corroborando com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, notemos: “2. Em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai-adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado” (DIREITO DO ESTADO, 2009, não paginado).

Corroborado pelos tribunais que a existência do vínculo afetivo “[...] torna-se, então, elemento componente do suporte fático da filiação socioafetiva”, segundo Albuquerque Júnior (2007).

É impossível manter uma adoção à brasileira sem vínculo afetivo; assim como o princípio do melhor interesse da criança é consagrado no sistema jurídico brasileiro, não podemos deixar que mera conduta de perfilhação à brasileira se torne ato impossível de desconstituir quando o liame da relação em pauta se fixa em afeto, e o mesmo não é alcançado por razões de falta de convivência, ou outro fator; tal relação assentada por um registro de nascimento, não qualifica simplesmente que o vínculo afetivo foi criado, como já vimos em linhas acima, as vezes o homem registra filho de mulher com quem se relaciona no momento, e deixando de agir como pai sem criar nenhuma espécie de convívio ou afeto com a criança, reafirma o aludido neste capítulo, visto que “culturalmente a paternidade não é somente um dado, ela se faz, se constrói com o passar do tempo, com dedicação, atenção, respeito, carinho, zelo, etc.” (COSTA, 2007, p. 8).

Esta é uma forma eficaz de se tentar preservar ao máximo a estabilidade emocional da criança. Visto que uma vez estabelecido o vínculo afetuoso na relação de filiação, o rompimento dos laços com a família afetiva poderia causar um trauma no adotado, uma vez que, a ideia de família está concebida no íntimo da criança com a presença do pai e da mãe, ou apenas de um deles a depender do caso em concreto.

5.4. Jurisprudência

Alguns julgados no que tange ao estudo realizado no presente trabalho que descreve uma miríade de entendimentos a cerca da socioafetividade no nosso ordenamento serem demonstrados para legitimação da perfilhação à brasileira.

Sendo a filiação um estado social, comprovado estado de filho afetivo, não se justifica a anulação de registro de nascimento por nele não constar o nome do pai biológico. Reconhecimento da paternidade que se deu de forma regular, livre e consciente, mostrando-se a revogação juridicamente impossível (Apel. 70012613139, 7a CC, rel. Maria Berenice Dias, j. em 16.11.2005) (COSTA, 2008, p. 14).

É fácil perceber que ao pai não lhe é defeso o pedido de desconstituição da filiação socioafetiva. Depois de constituído o afeto na relação entre ambos, pai e filho, nota-se que há a defesa da imutável prevalência do vínculo já criado, e assim, uma vez comprovado tal vínculo o status de filho é inteirado.

Ação de investigação de paternidade – Exame de DNA – Paternidade socioafetiva. Apesar do resultado do exame de DNA, deve ser mantido o assento de paternidade no registro de nascimento, tendo em vista o caráter socioafetivo da relação que perdurou por aproximadamente vinte anos, como se pai e filha fossem.”

(Ac. un. na Apel 1.0105.02.060668-4/001, j. em 26.04.07, rel. Teresa Cristina da Cunha Peixoto) (COSTA, 2008, p. 17).

Descarta-se um possível vínculo biológico em detrimento dos laços afetivos firmados ao longo do convívio familiar.

APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO. PREPONDERÂNCIA DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA ESTABELECIDA ENTRE A MENOR E O PAI REGISTRAL. 1. A moderna noção de família, fundada no afeto, não admite a preponderância absoluta da verdade biológica sobre a situação socioafetiva consolidada entre a investigante e o pai registral, o único que ela conhece e que muito a ama, que tem a sua guarda e é responsável exclusivo por todos os cuidados dispensados à menina desde os oito meses de vida. 2. Não há nenhuma vantagem em alterar o registro civil da menor para desconstituir a filiação socioafetiva, tirando dela um pai que mesmo sabendo não possuir vínculo biológico, segue lhe amando, cuidando e protegendo, para atribuí-laao pai biológico, que, mesmo ciente do vínculo genético, já manifestou que não a quer como filha, tampouco desejando assumir as obrigações inerentes à paternidade

(Apel. 70016894719, 7a CC, rel. Luiz Felipe Brasil Santos, j. em 29/11/2006) (COSTA, 2008, p. 15).

O vínculo afetivo é mais importante que a mera conduta da coabitação que gera uma criança. Nota-se que o liame biológico é puramente descartado em prol do melhor interesse da criança e a guarda de seus direitos, visando o carinho e amor que recebe dos pais.

PEDIDOS DE DESCONSTITUIÇÃO DA RELAÇÃO DE FILIAÇÃO CUMULATIVAMENTE COM INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. OPOSIÇÃO DO PAI REGISTRAL. VÍNCULO SOCIOAFETIVO. 1. Cabe apenas ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher. Inteligência do art. 1601. do CCB. 2. O filho maior pode impugnar o reconhecimento da sua filiação apenas dentro de quatro anos que se seguirem à maioridade civil, sendo totalmente descabida a ação se proposta quando o filho já contava 38 anos, é casado e inclusive já possui filho. Art. 1.614, CCB. 3. A anulação do registro, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico, ou seja, coação, erro, dolo, simulação ou fraude, o que não se verifica, quando se trata de uma declaração de paternidade feita pelo marido da mãe em relação a filho que foi concebido e nasceu na constância do casamento. 4. Mesmo que esteja ausente o liame biológico, pelo fato da mãe do autor ter sido infiel ao pai registral, induzindo-o a erro, descabe desconstituir a relação jurídica de paternidade quando resta incontroversaa existência da filiação socioafetiva, e o pai registral (e socioafetivo) não concorda com a desconstituição do registro civil

(Apel. 70018883215, 7a CC, rel. Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves, j. em 27/06/2007) (COSTA, 2008, p. 15).

A decisão citada a cima mostra com clareza a prescrição do direito de contestar a filiação e a paternidade. Como mencionado, ao filho é defeso a contestação até quatro anos seguindo a maior idade, e ao pai lhe é de direito contestar os filhos da mulher a qualquer tempo. A anulação do registro não é aceita por ser o ato de reconhecimento feito na constância do casamento.

FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E PETIÇÃO DE HERANÇA. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADESOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 1.593; 1.604 e 1.609 do Código Civil; ART. 48. do ECA; e do ART. 1º da Lei 8.560/92. 5. Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão. 6. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros (BRASIL, 2013, não paginado).

Se o filho tem a necessidade, seja por motivos pessoais, ou motivos de saúde, e sempre levando em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, este poderá e tem o direito de saber sua sobre sua ascendência genética, de conhecer os pais biológicos, pois este é um direito personalíssimo e somente a ele cabe a indagação da verdade sobre sua carga biológica.

Sobre a autora
Maiane Rodrigues Corrêa Lobão

Formada no Curso de Graduação em Direito pela Faculdade Estácio de Sá no segundo semestre do ano de 2013. Iniciou na área de Licitação no ano de 2012, passando por órgãos municipais, estaduais e federais. Especializou-se na área direito de família pela Faculdade Venda Nova do Imigrante, atualmente é pós-graduanda em Compliance pela Faculdade Venda Nova do Imigrante e Docência da Educação Profissional e Superior pelo Instituto Florence de Ensino.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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