Resumo
A presente pesquisa trata do inquérito policial à luz do Princípio Constitucional do Contraditório, previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Neste trabalho serão demonstradas, amplamente, as características do inquérito policial, sua origem histórica, conceito, finalidade e natureza jurídica, bem como o papel do defensor na fase investigativa, além do conceito do Princípio do Contraditório e sua aplicação no processo penal. São analisadas as principais correntes doutrinarias favoráveis e desfavoráveis à aplicação da garantia constitucional em questão no inquérito policial e também jurisprudenciais sobre o tema, demonstrando suas posições e os principais fundamentos que as baseiam. Por fim, a presente pesquisa visa analisar a aplicabilidade do contraditório no inquérito policial, examinando, tanto a doutrina brasileira quanto o direito comparado e o juizado de instrução, com intuito de expor os pós e contras a admissibilidade do princípio em questão no Inquérito Policial.
Palavras-chave: Princípio do Contraditório; Inquérito Policial; Garantias Constitucionais; Investigado; Investigação Criminal.
Abstract
This monograph deals with the police investigation in the light of the Constitutional Principle of Contradictory under Article 5 of the Federal Constitution of 1988. In this work will be demonstrated, broadly, the characteristics of the police investigation, its historical origin, concept, purpose and legal nature, as well as the role of the defender in investigative phase, beyond the concept of the adversarial principle and its application in criminal proceedings. It analyzes the principal doctrinal currents favorable and unfavorable to the application of the constitutional guarantee in question in the police investigation and also case law on the subject, demonstrating their positions and major foundations that are based. Finally, this research aims to analyze the applicability of contradiction in the police investigation, examining both the Brazilian doctrine as comparative law and the court of inquiry, aiming to expose the pros and cons of the admissibility principle involved in the police investigation.
Keywords: Principle of Contradictory; police inquiry; Constitutional Guarantees; Investigated; Criminal Investigation
1 Introdução
O inquérito policial é um dos principais instrumentos que possui o Estado para exercer seu poder soberano perante a sociedade, pois é a base para propositura da ação penal, sendo um procedimento de natureza unicamente administrativa e inquisitiva.
O objetivo deste trabalho é dar ênfase ao inquérito policial, o relacionando com o princípio constitucional do contraditório e com as possibilidades de defesa do investigado dentro desta fase.
Diante desta questão, inúmeras são as discussões doutrinárias a respeito, já que o inciso LV do art. 5º da Constituição Federal abrange a aplicação de contraditório a processo judicial e administrativo, gerando para parte da doutrina a interpretação do processo administrativo como procedimento administrativo, incluindo-se assim o inquérito policial, apesar de ser majoritário o entendimento de seu descabimento.
A pesquisa em torno do tema em questão foi elaborada através de obras bibliográficas e consulta a artigos e legislações, demonstrando todas as correntes doutrinárias sobre o assunto, abrangendo não só o Direito brasileiro, mas também o Direito comparado.
Para melhor análise, esta obra foi elaborada em três capítulos. O primeiro se refere ao Inquérito Policial, tratando de sua origem histórica, procedimento, natureza jurídica, conceito e a abrangendo também a participação do defensor nesta fase inquisitiva. Já a segunda parte cuidou de explanar a definição de contraditório, elevando também o estudo a sua aplicabilidade no Processo Penal brasileiro. Por fim, a terceira parte dedicou à análise do tema em questão, colocando também sua posição no Direito comparado.
2 O inquérito policial
2.1 Contexto histórico
O inquérito policial nada mais é do que uma das várias espécies de procedimentos que servirão de instrumento para a verificação da autoria e materialidade de um fato penalmente típico, ou seja, um crime.
Na concepção de Mehmeri, a investigação criminal por inquérito teve sua origem em Roma. Porém, já era esboçada um tipo de inquérito em Atenas antiga para apurar tanto a autoria de probidades familiares e individuais, quanto para sua aprovação na função de juiz dos Estinolos, que eram os magistrados na época, onde haveria uma espécie de sindicância investigatória, sem qualquer direito ao contraditório.[1]
Já em Roma, quem tinha o poder de iniciar os procedimentos investigatórios era o próprio povo que realizava trabalhos de investigação, através da vítima e de seus familiares, com a finalidade de desvendar a materialidade e autoria dos delitos. [2]
Neste período romano, observa-se o inicio da aplicação do contraditório nas investigações criminais, já que o acusado tinha o direito de produzir provas que negassem qualquer acusação, assim provando sua inocência.
O código vigente em 1832 estabeleceu o Juizado de Paz, com funções ao mesmo tempo policiais e judiciárias. Nessa mesma época surgiu também no Brasil o Juizado de Instrução, inovação de conseqüências desastrosas para a sociedade, o que motivou a alteração do sistema, o que resultou na Lei 3 de setembro de 1841, que veio restringir as atribuições dos Juízes de Paz, conferindo aquelas funções às autoridades policiais.[3]
Logo, a lei Imperial nº 261, de 3 de dezembro de 1841, conferiu aos chefes de polícia e seus delegados as atribuições conferidas aos Juízes de Paz, pelo art. 12 §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 7º do Código do Processo Criminal em vigor na época, bem como conceder fiança, investigar fato delituosos, conceder mandados de busca, dentre outras atribuições.
Regulamentada pelo Decreto Lei nº 4824, a Lei nº 2033, de 20 de setembro de 1871 deu origem ao Inquérito Policial no Brasil. Em seu artigo 42, assim definido:
Art. 42: “o Inquérito Policial consiste em todas as diligências necessárias para a descoberta dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seu instrumento por escrito”
Após a lei 2033 de 1871, o Inquérito policial passou a ser reduzido a escrito, sendo remetido ao juiz competente, como registro da atividade policial, tendente à descoberta do crime, de suas circunstancias, de seus autores e cúmplices.[4]
Somente então em 1941, o Decreto Lei 3.689, deu origem ao atual Código de Processo Penal, reservando todo o Titulo II, dos artigos 4º ao 23 de seu texto, para demonstrar como será então o procedimento do Inquérito Policial.
2.2 Conceito e características do inquérito policial
A primeira definição de Inquérito Policial no Brasil surgiu com o Decreto 4.824 de 1871, que relata:
O inquérito Policial abrange todas as diligências fundamentais para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices e que deve ser reduzido a escrito.[5]
Sobre o conceito de Inquérito Policial, apesar de inúmeras definições, não há divergência significativa na doutrina brasileira.
Segundo Paulo Rangel, o Inquérito Policial:
É um conjunto dos atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal.[6]
Já Fernando Capez conceitua Inquérito Policial como sendo:
O conjunto de diligencias realizadas pela policia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.[7]
Fabio Geraldo Veloso refere-se ao Inquérito da seguinte forma:
Trata-se, portanto, de um conjunto de atos administrativos, reduzidos a escrito e processados, aptos a constituir elementos indiciários e probatórios sobre a autoria e materialidade de ilícitos penais.[8]
Finalizando as definições de Inquérito Policial, Aury Lopes Junior assim o conceitua: “A atividade desenvolvida pela Policia Judiciária com a finalidade de averiguar o delito e sua autoria.”[9]
A partir das definições supramencionadas, trata-se de um procedimento administrativo realizado pela Polícia Judiciária, com finalidade de apurar a materialidade e autoria e colher informações do fato típico penal, com o intuito de auxiliar o parquet à propositura da ação penal.
O inquérito Policial tem como suas principais características, ser de caráter escrito, inquisitivo e sigiloso.
Com fulcro no Art. 9º do Código de Processo Penal, todas as peças do Inquérito Policial deverão ser reduzidas a escrito e rubricadas pela autoridade policial.
Assim, seria incompatível com a convicção do Parquet que a realização das investigações fosse puramente verbais sobre a prática de tipos penais incriminadores, sem qualquer documento formal escrito e rubricado pela autoridade policial e, no caso de depoimentos, das testemunhas.
O inquérito policial, desde sua origem tem caráter inquisitivo, pois, seu objetivo é meramente informativo, buscando sempre apurar o fato típico e identificar sua materialidade e autoria.
Segundo Fernando Capez:
Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de oficio, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e de sua autoria.[10]
Já o sigilo do Inquérito Policial está resguardado pelo artigo 20 do Código de Processo Penal, onde determina que a autoridade assegure no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Vale ressaltar que o sigilo está direcionado para a sociedade em si, não se aplicando a advogados, que com ou sem procuração, poderão, vide Sumula Vinculante 14[11] e Artigo 7º, XIII e XIV da lei 8906/94[12] (Estatuto da Advocacia e da OAB), ter acesso aos autos de inquérito policial e diligências documentadas ou em andamento, salvo declarado segredo de justiça.
Para Tourinho Fillho: “Pouco ou quase nada valeria a ação da Polícia Judiciária se não pudesse ser guardado o necessário sigilo durante sua realização.”[13]
O sigilo do inquérito policial não se estende ao representante do Ministério Público, nem à autoridade judiciária atuando na área penal, mesmo que seja declarado segredo de justiça, pois o objetivo do sigilo é garantir que a intimidade do investigado esteja resguardada, porém apenas a sociedade.
2.3 Finalidade do inquérito policial
Ao tratar da finalidade do Inquérito Policial, a doutrina não discrepa de forma significativa. Afirma0se, em linhas gerais, sua finalidade de servir a ação penal, sendo o instrumento de coleta de dados que serão utilizados pelo Parquet para a propositura da ação.[14]
Segundo Fernando Capez:
A finalidade do inquérito Policial é a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria para servir de base à ação penal ou às providências cautelares.[15]
Para se intentar uma Ação Penal, o Parquet deve dispor de um mínimo de informações e elementos probatórios para se justificar a causa de pedir e preencher os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.
É certo que, após a produção do inquérito, este servirá de base para o oferecimento da denúncia, eis que possibilitou a formação da opinio delicti e assim se iniciará a ação penal.
Vale ressaltar que o inquérito policial também tem como finalidade fornecer elementos probatórios ao juiz quando houver necessidade de decretação de prisão preventiva, observados o fumus commissi delicti e o periculum libertatis, além de também embasar o juízo de admissibilidade da ação penal, explanando o que se convencionou chamar de justa causa para a propositura da ação penal.
Assim, a finalidade do Inquérito Policial é meramente informativa e destina-se somente a fornecer ao Parquet elementos indispensáveis à propositura da ação penal.
2.4 Natureza jurídica do inquérito policial
É de extrema importância analisar a natureza jurídica do Inquérito Policial, pois é com base nela que a corrente majoritária fundamenta a não aplicabilidade do princípio do contraditório no Inquérito Policial.
A doutrina brasileira, sem grandes divergências, afirma que o Inquérito Policial não tem caráter de processo e sim de procedimento administrativo meramente informativo, pois, apesar de exercer uma função voltada para a atuação jurisdicional ao colher informações para o uso em juízo, a atuação da policial judiciária no inquérito policial é totalmente administrativa.
Nesse sentido, Fabio Geraldo Veloso explana com clareza:
O inquérito Policial não visa a punição, mas tão-somente esclarecer a ocorrência delituosa e apontar o respectivo autor, bem como seus atos não obedecem a um rito preestabelecido.[16]
Extrai-se que o Inquérito Policial não pode ter caráter de processo, pois além de peça meramente informativa à propositura da ação penal, não segue um rito preestabelecido, o que o difere do processo em si.
Marcos Antonio Vilas Boas relata a inaplicabilidade do contraditório e outras garantias constitucionais no inquérito policial: “Tudo o que vimos sobre contraditório, publicidade, “favor rei”, princípio do estado de inocência, princípio da iniciativa das partes, tudo aqui cai por terra”.[17]
Para Aury Lopes Júnior:
Não resta duvida que a natureza jurídica do inquérito policial vem determinada pelo sujeito e a natureza dos atos realizados, de modo que deve ser considerado como um procedimento administrativo pré-processual.
A atividade inquisitiva precisa do mando de uma autoridade com potestade jurisdicional, por tal motivo não pode ser considerada uma atividade judicial nem processual, até por que, não há estrutura processual no Inquérito Policial.
Assim, fica claro e evidente o caráter administrativo no procedimento do inquérito policial, onde não se produz qualquer regra legal, não se resolve nenhum litígio concreto e, nem mesmo, se atua de forma concreta sem subordinação jurídica direta.[18]
2.5 O papel do defensor no inquérito policial
Como já visto anteriormente, a participação do Defensor no Inquérito Policial é não só aceita como direito do acusado, mesmo que limitada, pois não há nessa fase qualquer tipo de acusação.
Ademais, todo inquérito é sigiloso, pois assim há a proteção da imagem do investigado perante a sociedade; porém o acesso aos autos é prerrogativa do defensor, não cabendo a qualquer autoridade deferir ou não a sua analise, com ou sem procuração, salvo declarado segredo de justiça.
Ainda a respeito do acesso aos autos, o Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8906/94) traz em seu texto vários Direitos e Garantias aos Advogados, para atuarem em face dos órgãos policiais, como o a seguir:
Artigo 7º. “São Direitos do advogado:
III- comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;
VI- ingressar livremente: b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente de presença de seus titulares;
XIV- examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos.[19]
Embora o exercício da advocacia seja mesmo indispensável à defesa dos interesses de quem se achar submetido à persecução penal, aqui encontrada na fase inquisitiva, podendo o advogado como regra, ter acesso aos atos do inquérito policial, o fato é que, se a investigação assim o exigir, será perfeitamente aceitável a restrição ao aludido acesso, quando for a hipótese de realização de provas de natureza cautelar e, por isso, urgente.
Dentre os momentos em que é facultada a participação do Defensor está o requerimento de diligências, previsto nos artigo 14 do Código de Processo Penal que assim o descreve: “O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”.[20]
Vale ressaltar ainda que no caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes quando esta não for necessária ao esclarecimento da verdade, vide artigo 184 do Código de Processo Penal[21].
A presença do Defensor está também no direito de presenciar as diligências realizadas no Inquérito Policial, como por exemplo, na realização de perícias ou inquirição de testemunhas, não podendo interferir nas investigações salvo se houver abuso ou ilegalidade nos atos praticados.
Com a presença do defensor na fase inquisitiva fica claro a existência não de um contraditório, mas sim indiretamente da ampla defesa, pois é direito do acusado ter a presença de um defensor para presenciar diligencias e procedimentos do inquérito policial, alegando, se houver, ilegalidades ou abusos nos atos praticados, que na sabia lição de Paulo Rangel, acarreta seu desfazimento pelo judiciário, pois os atos nele praticados estão sujeitos à disciplina dos atos administrativos em geral. Entretanto, não há que se falar em contaminação da ação penal em face de defeitos ocorridos na prática dos atos do inquérito, pois este é peça meramente de informação e, como tal, serve de base à denúncia. No exemplo citado, o auto de prisão em flagrante, declarado nulo pelo judiciário viahabeas corpus, serve de peça de informação para que o Ministério Público, se entender cabível, ofereça denúncia.[22]
Desta forma, a participação do Defensor no Inquérito Policial para resguardar os Direitos e Garantias do investigado demonstra uma pequena aplicação dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa, o que para alguns doutrinadores é o limite máximo imposto pela lei, para que o Indiciado possa se defender no Inquérito Policial.
3 O Princípio do contraditório
3.1 Conceito
O Princípio do Contraditório está previsto no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal de 1988, onde assim o descreve:
Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.[23]
Ao tratar do tema em questão, todos partes da clássica definição de Joaquim Canuto Mendes de Almeida: “O contraditório é, pois, em resumo, ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”[24]
Portanto, segundo a clássica lição de Joaquim Canuto, a essência do princípio do contraditório reside na garantia da discussão dialética dos fatos da causa, o que torna necessário que seja assegurada no processo a oportunidade de fiscalização recíproca dos atos praticados pelas partes.
Maria Helena Diniz, conceitua o princípio como:
“o que assegura aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o direito de ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, vedando ao órgão judicante a prolação da decisão sem antes ouvi-los, sob pena de nulidade processual. Mas se um deles não se manifestar, sendo revel, aplicar-se-lhe-á a pena de confesso, presumindo-se como verídicas as alegações da outra parte.[25]
Apesar das definições doutrinárias, o princípio do contraditório deve ter uma concepção mais expandida, eis que sua adoção deve assegurar uma participação efetiva das partes no desenvolvimento do processo, mediante plena igualdade, para que assim possam influir em todos os elementos que encontrem ligação com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo, revelem-se como potencialmente relevantes para uma futura decisão.[26]
Portanto, não há dúvida que o princípio do contraditório é indispensável para o devido processo legal, pois somente desta forma pode-se obter um processo realmente justo, como nas palavras de Elio Fazzalari, que entende o processo como sendo “todo procedimento realizado em contraditório”[27]
Dessa forma, o princípio do contraditório é uma garantia para ambas as partes no processo penal, isto é, acusação e defesa, que do contrario, deficiente seria a proteção aos direitos do acusado, da vítima e da própria coletividade.
3.2 O princípio do contraditório no processo penal
A Constituição Federal de 1998 traz em seu artigo 5º, inciso LV, que regula os Direitos e Deveres individuais e coletivos, o direito e garantia ao contraditório e a ampla defesa em processos judiciais e administrativos.
Assim, o contraditório é uma garantia fundamental aos individuais ou coletivos que serve para assegurar o exercício de um direito que já existe.
Em relação a sua aplicação no Processo Penal, Julio Fabbrini Mirabete trata da seguinte forma:
Dos mais importantes no processo acusatório é o princípio do contraditório (ou da bilateralidade da audiência), garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado (art. 5º, LV).[28]
Segundo ele, o acusado goza do direito de defesa sem restrições, num processo em que deve estar assegurada a igualdade das partes.
pesar de o texto constitucional dizer com clareza a expressão “processo judicial ou administrativo, no processo penal a situação aplica-se singularmente a fase processual, ou seja, após o recebimento da denúncia.
Américo Bedê Júnior e Gustavo Senna fazem uma análise ampla do Contraditório, desde as noções gerais, até sua aplicabilidade no processo penal, destacando dois elementos essenciais do Contraditório, que são a necessidade de informação e o direito à participação, como é explanado a seguir:
Não resta dúvida que a informação é inerente ao princípio do contraditório, pois sem conhecimento da existência da demanda, dos argumentos da parte, não há possibilidade de defesa de direitos, impossibilitando, inclusive, a intervenção da parte ex adversa, sendo, portanto, pressuposto para a efetiva participação. Portanto, no processo penal, o contraditório não se completa com a simples ouvida da parte, sendo imprescindível ensejar oportunidade de rebater as alegações da outra parte, com argumentos e provas. [29]
E ainda completam: “Somente dessa forma se estará assegurado às partes um contraditório real e efetivo, e não meramente formal.”[30]
Portanto, quanto à aplicabilidade do princípio do contraditório no âmbito penal, é majoritário o entendimento doutrinário a respeito de seu cabimento apenas na fase processual, pois na fase inquisitiva não há acusação formada contra o investigado, e sim meras informações para que possa se basear uma futura denúncia, dando inicio à ação penal propriamente dita, assim não englobando a fase inquisitiva.
4 Admissão do princípio do contraditório no inquérito
4.1 Direito comparado e juizado de instrução
O Estado brasileiro não foi o primeiro a criar suas leis baseadas em legislações já existentes em outras nações. Grande parte dos Estados utiliza a mesma forma de base para criação de novas leis, que demonstram ao legislador sua eficácia por estarem vigorando a um longo período de tempo.
Importante salientar antes de dar continuidade ao estudo, que não há relatos de um contraditório introduzido dentro do inquérito policial em outros países.
Nesse sentido, Fauzi Hassan Chouke faz uma analise esclarecedora a respeito da investigação criminal em outros países.[31]
Em Portugal e na Itália, assim como no Brasil, não existe um contraditório na fase inquisitiva.
Em Portugal as informações colhidas pela Polícia Criminal e pelo Ministério público serão analisadas por um Juiz natural, que por sua vez, decidirá quais provas serão produzidas cautelarmente, ficando o mesmo impedido de atuar na fase processual, caso haja.[32]
Já na Itália as investigação são conduzidas pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária em conjunto, sendo a atividade desta segunda coordenada pelo primeiro e os elementos colhidos na fase inquisitiva serão evitáveis ao máximo em juízo, devendo ser repetidos na fase processual.[33]
Já na Espanha e na Bélgica, o contraditório não está caracterizado, porém existe, assim como no Brasil, uma fração da Ampla Defesa demonstrada, onde o procurador do investigado pode não só acompanhar toda a fase inquisitiva, como também propor as diligências que achar conveniente.[34]
Analisa-se que os atos exercidos pelo investigado no âmbito inquisitivo dos outros países se assemelham aos exercidos no Brasil, não existindo assim um Inquérito Policial contraditado em sua totalidade.
Outra maneira de investigação adotada por alguns países, que por sua eficácia chega a ser desejada por doutrinadores brasileiros é o Juizado de Instrução.
Juizado de Instrução nada mais é que uma investigação presidida pelo Juiz, com auxílio do Ministério Público e da Polícia Judiciária, onde o magistrado participa diretamente na colheita dos elementos acusatórios.
Na pratica, a função do Juiz é bastante semelhante a do Delegado, porém com um poder decisivo superior, sendo ele quem decidirá quais diligências e provas serão produzidas na fase inquisitiva.
O papel da Polícia Judiciária no Juizado de Instrução é parecido com sistema brasileiro, onde a polícia realizará diligencias a serem requeridas pelo juiz, com a diferença de que o Magistrado é quem preside toda a investigação e não o Delegado, como ocorre no sistema investigativo brasileiro.
4.2 Doutrina brasileira
Atualmente, o entendimento majoritário da doutrina brasileira é o de que não há a aplicação do princípio constitucional do contraditório na fase do Inquérito Policial, sendo essa garantia somente assegurada na instrução processual.
Grande e dominante parte da doutrina brasileira vem sustentando que na fase do inquérito policial não existe a atuação do contraditório, analise que vem sempre acompanhada de considerações genéricas, sobre a inexistência de acusação na fase investigatória, não cabendo nem mesmo a ampla defesa, pelo fato do inquérito policial ter natureza meramente inquisitiva, não comportando a atuação da defesa.
Ainda assim, apesar de majoritária doutrina ser contra a aplicação do contraditório no inquérito policial, parte minoritária da doutrina entende ser totalmente cabível a imposição do contraditório no inquérito policial
De forma geral, e praticamente sem discrepâncias, a posição dominante antes daConstituição Federal de 1988 era a de não admitir o contraditório na fase investigatória, pela sua natureza e finalidade. Entretanto, o quadro se alterou após a vigência da Constituição de 1988.[35]
Nesse sentido, doutrinadores como Rogério Lauria Tucci[36] e Marcelo Fortes Barbosa[37], tem feito defesa da posição contrária, dando ênfase à necessidade de se fazer verdadeiramente a ampla defesa dos interesses do investigado e o direito de contraditar provas no curso do inquérito policial.
Com a análise supra, vejamos a seguir posicionamentos favoráveis e contrários à aplicação do princípio do contraditório na fase do inquérito policial, começando por aqueles que analisam a improcedência de tal aplicação na fase inquisitiva.
4.2.1 Posições favoráveis
Após a vigência da constituição de 1988, começou a se ter a idéia da aplicabilidade do contraditório no inquérito policial pela analise do texto constitucional, mais precisamente em seu artigo 5º, inciso LV.
Parte da doutrina, interpretando o artigo supracitado, começou a aceitar a tese da possibilidade do contraditório no inquérito policial e nas demais hipóteses de investigação pré-processual.
Duas foram as principais manifestações que logo se colocaram no sentido da aceitação da incidência do contraditório na fase do inquérito policial, a de Rogério Lauria Tucci e a de Marcelo Fortes Barbosa.
Marcelo Fortes Barbosa afirma que, mesmo perante os termos da Constituição de 1967, já seria de se admitir a incidência do contraditório e ampla defesa no inquérito policial[38], já que em seu artigo 150, § 15, afirmava que “a lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes”[39]. Pois, caso contrário, a defesa não será ampla.
Com a vigência da Constituição Federal de 1988, a partir do inciso LV do Artigo 5º, o mesmo autor sustenta que a tese da contraditoriedade no inquérito policial nascida nos estudos de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, fica evidente vivificada, discordando das decisões do STF, que vem afastando a incidência do principio supra na fase do inquérito, alegando que o mesmo não é processo, nem mesmo administrativo.[40]
Portanto, não há como negar a possibilidade de defesa no inquérito policial, especialmente diante das expressões “acusados em geral” e “processo Administrativo”[41], bem como da colheita de provas na fase inquisitiva que não poderão ser repetidas em juízo, como por exemplo, exames periciais.
Rogério Lauria Tucci afirma que:
(...) à evidencia que se deverá conceder ao ser humano enredado numa persecutio criminis todas as possibilidades de efetivação de ampla defesa, de sorte que ela se concretize em sua plenitude, com a participação ativa, e marcada pela contraditoriedade, em todos os atos do respectivo procedimento, desde a fase pré-processual da investigação criminal, até o final do processo de conhecimento, ou do de execução, seja absolutório ou condenatória a sentença proferida naquele.[42]
Assim, para Tucci, o principio do contraditório é essencial durante a persecução criminal, e não somente na fase processual, como sustenta a doutrina majoritária.
Essa postura é caracterizada não só pelo inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, mas também pelo inciso LIV, que afirma que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, ou seja, além do inciso LV assegurar o contraditório aos acusados em geral, o inciso LIV explana com clareza a aplicabilidade do principio em questão ao se tratar do inquérito policial.
A obra de Tucci em conjunto com José Rogério Cruz, esclarece as compreensões equivocadas que procuram afastar a aplicabilidade do contraditório no inquérito policial se baseando em dois argumentos: que o texto constitucional fala em processo administrativo e não em procedimento (categoria em que o autor entende encaixar o inquérito policial), bem como que não tratava da figura do indiciado, aquele que efetivamente existe no inquérito policial.[43]
De acordo com os autores, deve-se levar em consideração o fato da confusão terminológica entre processo e procedimento, a ponto de, no texto Constitucionalfalar-se em processo administrativo, quando se está querendo aludir a procedimento administrativo, vez que o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento. Nesse sentido, os autores afirmam ser cabível a aplicação do contraditório no inquérito policial, que é qualificado como procedimento administrativo pelos mesmos.[44]
Reforçando tal argumento, Tucci e Cruz argumentam que a expressão “acusados em geral” do inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, tende ampliar ao máximo o alcance desta, pois, se esta não fosse sua vontade, teria dito simplesmente “acusados”. Assim, se amplia tal expressão inclusive ao âmbito do inquérito policial.
Fauzi Hassan Chouke também é favorável a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa no procedimento investigatório e ele defende a idéia de que contraditório deve ser admitido na investigação criminal, pois esse procedimento é um procedimento administrativo, composto por um conflito de interesses, que expressa a existência de litigantes e proporciona uma carga processual e originando a necessidade de garantias inerentes ao processo. Assim o responsável pela investigação deve proporcionar ao investigado meios de prova que favoreçam o mesmo.[45]
Ainda no mesmo sentido, André Rovegno afirma que:
A finalidade do inquérito policial não é a de servir à acusação, municiando-a para o processo, como normalmente tem sustentado a doutrina brasileira. A finalidade do inquérito é a de reconstruir a verdade, estabelecendo, com maior serenidade e isenção possíveis, as bases para a segura decisão sobre a existência ou não de um quadro determinante do exercício da ação penal; Em termos lógicos, o processo nada mais é do que um dos possíveis resultados impostos pelo conteúdo do inquérito policial. [46]
Portanto, além da possível aplicabilidade, entendida pelos autores supracitados, do contraditório no inquérito policial, para o Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, Edson Luis Baldan, a investigação com direito de defesa traz benefícios como o aprimoramento da investigação policial e a proximidade do processo penal com a “realidade atingível”, já que poderá haver uma espécie de reconstrução histórica do fato criminoso ouvindo as razões da defesa[47], hipótese esta que se encontra no artigo 7º do Código de Processo Penal, onde explana a hipótese da autoridade policial proceder a reprodução simulada dos fatos com a versão do réu e também com as provas colhidas, desde que não contrarie a moralidade ou a ordem pública.
Importante salientar que de acordo com a Lei nº 4898 de 1968, que regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade, se a ato ou fato constitutivo do abuso de autoridade houver deixado vestígios o ofendido ou o acusado poderá promover a comprovação da existência de tais vestígios, por meio de duas testemunhas qualificadas e/ou requerer ao Juiz, até setenta e duas horas antes da audiência de instrução e julgamento, a designação de um perito para fazer as verificações necessárias, vide artigo 14 da lei em questão, caso em que o contraditório está presente.[48]
4.2.2 Posições contrárias
Apesar da minoria doutrinaria tentar advogar a idéia da possibilidade do inquérito policial ser contraditório, esse entendimento encontra-se superado pela imensidão do rol de posições contrarias a essa aplicabilidade, que entende que a natureza do inquérito policial é meramente inquisitória. Nesse sentido, José Frederico Marques aduz que:
Infelizmente a demagogia forense tem procurado adulterar, a todo custo, o caráter inquisitivo da investigação, o que consegue sempre que encontra autoridades fracas e pusilânimes. Por outro lado, a ignorância e o desacerto relativo aos institutos de processo penal contribuem, também, decisivamente, para tentativas dessa ordem.[49]
Assim, ao se tratar das posições contrárias à aplicação do princípio do contraditório no Inquérito Policial, a doutrina é majoritária e dominante ao tema.
Dentre os inúmeros autores contrários a tal aplicação, levanta-se de inicio a voz de Fernando Capez, afirmando que:
O inquérito policial é secreto e escrito, e não se aplicam os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois, se não há acusação, não se fala em defesa.[50]
Na mesma linha de raciocínio, a Manoel Messias Barbosa argumenta que: “O inquérito policial, por sua natureza, é inquisitório, sigiloso e não permite defesa.”[51]
No rol das posições contrarias a aplicação do contraditório no Inquérito Policial, José Frederico Marques cita que: “(...) não se deve tolerar um inquérito contraditório, sob pena de fracassarem as investigações policiais, sempre que surja um caso de difícil elucidação”[52]
Compartilhando a idéia de Marques, Fernando da Costa Tourinho Filho salienta que caso houvesse a aplicação do contraditório ao Inquérito Policial, “dificilmente vingariam as ações penais”.[53]
Na sábia lição de Paulo Rangel, extraí-se que:
O caráter inquisitivo do inquérito faz com que seja impossível dar ao investigado o direito de defesa, pois ele não esta sendo acusado de nada, mas sim, sendo objeto de uma pesquisa feita pela autoridade policial.[54]
De acordo com Américo Bedê Junior e Gustavo Senna, o contraditório no inquérito policial deve ser afastado por 6 motivos:[55]
1º) O procedimento investigativo, em qualquer modalidade, não é processo, mas mero procedimento administrativo, Ora, a Constituição Federal fala claramente em processo;
2º) Não há acusado nas investigações pré-processuais, sendo o suspeito objeto de um procedimento investigatório e não sujeito a um processo jurisdicional, não sendo, portanto, considerado acusado.
3º) Com a conclusão das investigações criminais, como se sabe, não há aplicação de uma sanção, destinando-se o procedimento apenas a fornecer elementos para uma futura ação penal;
4º) O inquérito policial ou as demais formas de investigação pré-processual possuem como característica fundamental a inquisitoriedade. Para tanto, basta lembrar a regra do art. 14 do CPP, que demonstra claramente a não contrariedade e a discricionariedade nas investigações;
5º) O Estatuto da OAB, no seu art. 7º, ao elencar os direitos e prerrogativas dos advogados, neles não incluiu o poder de intervir no inquérito policial ou em outra investigação pré-processual. Porém, em face do inciso. XIV do precitado art. 7º do Estatuto da OAB, o advogado do indiciado tem o direito de manusear os autos de inquéritos policiais, findos ou em andamento, podendo extrair copias, fazer anotações, o que, todavia, como ressaltado, não lhe permite o acompanhamento dos atos investigatórios;
6º) Finalmente, levar o contraditório para as investigações pré-processuais, além de desfigurar a natureza e finalidade de tal instrumento, não traria qualquer benefício ao interesse público, nem mesmo ao próprio investigado, eis que o sujeitaria antecipadamente a uma forma de processo.[56]
Assim, o inquérito policial, sendo mera “pesquisa feita pela autoridade policial”[57], não deve admitir a aplicação do contraditório, pois não há acusação formal ao investigado, apesar do indiciamento informar o suposto praticante do delito, o que configura uma “acusação indireta”, não há uma sanção cabível a tal “acusação”, cabendo ao Ministério Público dar início ou não à ação penal.
Ademais, o máximo que se pode admitir é a possibilidade do indiciado, ou seu representante legal, poder requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade, o que não caracteriza o contraditório no Inquérito Policial, pois a diligencia deve ser deferida antes de ser processada, diferenciando assim do ilustre conceito de Joaquin Canuto Mendes de Almeida de que “o contraditório é, pois em resumo, a ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”.[58]
4.3 Nos tribunais
Em relação à aplicabilidade do contraditório no inquérito policial, as jurisprudências nacionais, de forma quase unânime, desconhece a existência.
Para os tribunais, o disposto no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal de 88 não é direcionado ao inquérito. De acordo com os tribunais:
O inquérito policial, ao contrário do que ocorre com a ação penal, é procedimento meramente informativo de natureza administrativa e, como tal, não é informado pelos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo por objetivo exatamente verificar a existência ou não de elementos suficientes para dar início à persecução penal”[59]
Decisão semelhante também é a do ministro Cid Flaquer Scartezzini (299), no RHC 4256 / SP, publicado no DJ 22/05/1995 p. 14423, onde relata que “não há falar-se em due process of law antes da instauração da ação penal, isto que, na fase preparatória, a atividade é inquisitiva, inexistindo a possibilidade de contraditório ou a imprescindibilidade da audiência do autor do delito.”[60]
Com base também nestas decisões quase unânimes, que negam a aplicabilidade do principio em questão na fase do inquérito, que parte majoritária da doutrina afirma a não existência de um direito de defesa no inquérito policial, por este ser peça meramente informativa ao Parquet, para que este proponha a ação penal.
Apesar de a regra, perante os tribunais, ser de que o inquérito não comporta defesa, por sua natureza de procedimento administrativo, inquisitório e informativo, existem, apesar de raras, decisões que se afastam dessa linha de raciocínio, sustentando a aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, como se mostra decisão oriunda do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, HC nº 515770/2000, relator, Erik Gramstrup, publicada em 28/08/2001, que apesar de afastar o contraditório, entende ser cabível a ampla defesa na fase inquisitorial:
Ainda que o contraditório não se faça presente, no mais das vezes, na fase do inquérito policial, nem por isso o direito de defesa do indivíduo, garantido na nossaCarta Magna, bem como o princípio do duplo grau de jurisdição, reconhecido expressamente na Convenção Americana dos Direitos do Homem, devem restar prejudicados.[61]
No mesmo sentido, encontra-se a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região no MS 8790-5/1989, relator o juiz Arnaldo Lima publicada em 14/03/1990, onde se afirma que cabe a aplicação do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, uma vez que este é espécie de processo administrativo.[62]
Encontra-se a proteção também na decisão do Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus 58579/RJ, publicado em 12/05/1981, relator o Ministro Clovis Ramalhete, onde assenta que: “a instauração inquérito policial, com indiciados nele configurados, faz incidir nestes a garantia constitucional da ampla defesa, com os recursos a ela inerentes.”[63]
Portanto, analisa-se que parte da jurisprudência entende que o direito de defesa está presente na fase do inquérito policial, pois apesar da afastabilidade do contraditório, a ampla defesa tem lugar em todo o inquérito policial em que se verifique a existência de uma carga de acusação sobre alguém.
5 Conclusão
No início do trabalho resgataram-se os conceitos e aspectos do Inquérito Policial e do Princípio do Contraditório, permitindo perceber a problemática existente entre a aplicação ou não do referido princípio no Inquérito Policial.
Assim, entende-se que o Inquérito Policial é o instrumento rotineiramente usado pela polícia judiciária para a tarefa de elucidação dos fatos delituosos, onde, posteriormente, servirão como base para a propositura da ação penal.
Já o Princípio do Contraditório reside na garantia da discussão dialética dos fatos da causa, o que torna necessário que seja assegurada no processo a oportunidade de fiscalização recíproca dos atos praticados pelas partes.
Foi analisado também que o Inquérito Policial, apesar de eficaz, em toda sua história foi visto como um procedimento muito polêmico, sempre necessitando de esclarecimentos, abrindo assim as portas para entendimentos confrontantes e distorcidos de sua natureza jurídica e possível aplicabilidade do contraditório.
Nesse sentido, grande parte da doutrina é contraria a aplicabilidade do contraditório no Inquérito Policial, visto que este é meramente procedimento administrativo, tratando assim de apenas colher provas para a propositura da ação penal, apesar de parte minoritária da doutrina entender a abrangência do texto do inciso LV do art. 5º daConstituição Federal ao Inquérito Policial.
Porém, apesar de pacífica ser a doutrina, foi visto que mesmo não sendo aplicável o contraditório na fase inquisitiva existe em alguns procedimentos dentro do inquérito o direito de defesa, como a presença do defensor na fase inquisitiva e o requerimento de provas feitas pela defesa.
Por fim, ficou caracterizado que a aplicação do Contraditório na fase inquisitiva talvez não seja a melhor medida, pois além de faltar recurso humano e material à policial judiciária, tornaria a fase inquisitiva um verdadeiro caos. Porém, se sanado o problema supracitado, seria possível o investigado usufruir do contraditório em certos atos, caracterizando assim a economia processual, assim extinguindo a absurda demanda processual existente na atualidade brasileira.
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