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Limites e possibilidades à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos no Brasil

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Agenda 01/02/2015 às 13:44

CONCLUSÕES

A grande questão da análise sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos passa pela complexidade que é a conciliação entre o regime administrativo, presente nos serviços públicos, e o regime privado, que marca as relações de mercado.

De uma perspectiva inicialmente distante da lógica de mercado, passou o serviço público, com o decorrer do tempo, a adotar formas de prestação diferenciadas, com modelos que se aproximam do regime de mercado.

De outro lado, são as normas protetivas do Código Consumerista instrumentos de abrigo do consumidor vulnerável, daqueles que ficam à mercê de fornecedores que procuram, a todo custo, maximizar seus ganhos.

Embora o surgimento e desenvolvimento de normas de proteção ao consumidor remonte aos países da Common Law, que desconhecem o instituto do serviço público, não parece correta a conclusão da total incompatibilidade entre a regulamentação dada pela Lei 8.078/90 e os serviço qualificados como públicos.

O que parece correto é que a aplicação das Normas Consumeristas, em se tratando de serviços públicos, haverá de observar contornos específicos, próprios, sem que se olvide que a lógica dos serviços públicos difere da lógica de mercado – lógica onde, por excelência, incide o campo de proteção do Código de Defesa do Consumidor.

Deverá, pois, o intérprete levar em conta, primeiramente, se o serviço público fornecido enquadra-se ou não como uma relação de consumo – dando-se  enfoque especial à questão da figura do consumidor como  destinatário final, tal como muito bem delineia o Superior Tribunal de Justiça.

Após, enquadrando-se a situação como tal, haverá de ser questionado se determinadas normas de proteção consumerista, acaso aplicadas, afiguram-se ou não aptas a desvirtuar a lógica do serviço público. Em caso afirmativo, estas mesmas normas devem ser afastadas, pois são os serviços públicos essenciais para toda a coletividade. Em caso negativo, nada impediria a aplicação das normas de defesa do consumidor.

Essa orientação parece ir ao encontro da chamada tese do diálogo das fontes, tal como defendido por parte da doutrina que versa sobre o tema, tudo a fim de se aplicar e conciliar estes dois institutos (serviços públicos e o Código do Consumidor).


Referências Bibliográficas

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Notas

[1]  Como bem anotou Celso Antônio Bandeira de Mello: “A separação entre os dois campos – serviço público, como setor pertencente ao Estado, e domínio econômico, como campo reservado aos particulares – é induvidosa e tem sido objeto de atenção doutrinária, notadamente para fins de separar empresas estatais prestadoras de serviços públicos das exploradoras de atividade econômica, ante a diversidade de seus regimes jurídicos”. (Curso de Direito Administrativo, 25 ed. São Paulo: Malheiros editores, pg. 680).

[2]  Cf. SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p.799

[3]  Em termos mais precisos, a livre iniciativa só se afigura como tal acaso enquadrada dentro de seu contexto. Sobre o tema, bem delineia Ana Cecília Parodi: “Liberdade de iniciativa é um direito fundamental típico da ordem econômica capitalista, cuja autorização tem base teórica autorizadora e regulatória na Constituição Federal, mas que é exercido perante a sociedade através de suas obrigações e contratos – legalmente definidos no Código Civil e legislação infraconstitucional acessória – no paradigma funcional da responsabilidade, inclusão e sustentabilidade sociais.” (destacado). Trecho constante na tese de mestrado da citada autora: “Função Profilática da Responsabilização civil Consumerista e Desenvolvimento Sustentável”, p.63.

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[4] ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-11-05, DJ de 2-6-06. Julgamento em que o Tribunal reputou legítima lei do Estado de São Paulo que garantia direito a meia-entrada para estudantes em casas de diversão, esporte, cultura e lazer e que isso não feriria a livre iniciativa.

[5] A filosofia do serviço público, em sua concepção tradicional, “representa a responsabilidade do poder público pelo bem estar colectivo. É a idéia de que a iniciativa privada e o mercado não podem responder a essas necessidades colectivas em termos satisfatórios, já porque não garantem sequer e existência dos serviços , já porque o não asseguram em termos de igualdade e acessibilidade  a todos os cidadãos. Trata-se, portanto, de uma obrigação  pública uma prestação administrativa fora do mercado.”(destacado pelo autor). Cf. MOREIRA, Vital. Os Serviços Públicos tradicionais sob o impacto da União Européia.

[6] Entender a sistemática deste país da América do Norte é importante haja vista a recente transformação do papel do Estado Brasileiro na economia, notadamente, no que diz respeito às recentes privatizações ocorridas no país, realizadas no bojo da chamada Reforma de Estado – influenciada, como é notório, pelos países de orientação liberalista. Enfim, assiste-se, aqui, a gradual passagem da posição do Estado em suas funções: a de agente prestador para agente regulador. E isso, sem dúvida, tem forte impacto na noção sobre serviços públicos.

[7]  COUTO E SILVA, Almiro. Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas pelos particulares. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituo Brasileiro de Direito Público, n° 16, dezembro, janeiro, fevereiro, 2009. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/redae.asp>. Acesso em 06/11/2009.

[8]  Como precisamente anotou NELSON NERY JR.: “É preciso que se diga, por primeiro, que a defesa do consumidor é instrumento da livre iniciativa e só existe em países de economia de mercado. As economias estatizadas não se coadunam com defesa do consumidor. Nos países capitalistas, notadamente os mais industrializados (EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Suécia, Canadá, Austrália etc.) é que se tem desenvolvido com maior vigor a defesa do consumidor. O tema não tem, portanto, conteúdo político-ideológico comunista ou socialista” (in: Os princípios gerais do código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Revista do Direito do Consumidor. São Paulo, 1992. nº 03. Pág. 44-77).

[9] Na Argüição de Preceito Fundamental de N° 46, o STF confirmou a tese de que o serviço postal configura-se como serviço público e rechaçou a possibilidade de prestação de tal atividade pela iniciativa privada, sob o argumento de que a Constituição silenciou-se sobre isso, diferentemente do que fez em relação à saúde (art.199) e à educação (art.209), que, apesar de serem serviços públicos, poderiam ser prestados por particulares independentemente de concessão ou permissão, já que estariam excluídos da regra do art.175 da CF. Como se vê, parece que a tendência do STF é a adoção da tese da inerência de certas atividades, constitucionalmente delineadas, como serviços públicos, excluindo-as, a depender do caso, de sua exploração pela livre iniciativa privada.

[10]  BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, ob.cit, p. 676.

[11]  Teoria dos Serviços Públicos e sua Transformação, in Direito Administrativo Econômico, 1° Ed. Carlos Ari Sundfel (coord.), p.47.

[12]  Ob. cit., p. 798.

[13] Este autor afirma que “não é a atividade em si que tipifica o serviço público” e que “o que prevalece é a vontade soberana do Estado, qualificando o serviço como público ou de utilidade pública” (Direito Administrativo Brasileiro, 22° ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balstero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, p.297/298.

[14]  Direito Administrativo, 17° ed., São Paulo: Atlas, 2003.

[15]  Cf. Curso de Direito Administrativo, p.544, (grifos no original).

[16]  Ob cit., 55.

[17] MARIA SILVIA ZANELLA Di PIETRO, com apoio em doutrina francesa, aduz a existência de princípios inerentes aos serviços públicos, quais sejam: i) o da continuidade do serviço, ii) o da mutabilidade do regime jurídico e iii) o da igualdade dos usuários (Ob.cit., p 101).

[18]  A Lei 9.472/97, que versa sobre a organização dos serviços de telecomunicações, positivou, no Título dedicado aos serviços prestados em regime público, que: “Obrigações de universalização são as que objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição sócio- econômica (...)”

[19]  ARAGÃO, Alexandre Santos de. In Serviços Públicos e Direito do Consumidor: Possibilidades e Limites de Aplicação do CDC. Revista Eletronica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasilerio de Direito Público, n° 15, agosto/setebro/outubro, 2008. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/redae.asp>. Acesso em 01/11/2009.

[20]  Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de  concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre:I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial  de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização  e rescisão da concessão ou permissão;II - os direitos dos usuários; III - política tarifária;  IV - a obrigação de manter serviço adequado.

[21]  Já permissão de serviços públicos é a “delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feito pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho por sua conta e risco.” (art.2, inc. IV).

[22]  Art.9, §4° da L.8.987/95: “Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.”

[23]   Tal assertiva é reconhecida em jurisprudência:  (...)2. O concessionário trava duas espécies de relações jurídicas a saber: (a) uma com o Poder concedente, titular, dentre outros, do ius imperii no atendimento do interesse público, ressalvadas eventuais indenizações legais; (b) outra com os usuários, de natureza consumerista reguladas, ambas, pelo contrato e supervisionadas pela Agência Reguladora correspondente.(...) REsp 976.836/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 05/10/2010

[24]  Ademais, parece ter incorrido em atecnia a referida lei na medida em que se referiu a “consumidor final” de forma indiscriminada. Por essa lógica seria “consumidor final” inclusive grandes empresas (às vezes de maior porte econômico que a própria concessionária) que se utilizassem do serviço de prestação de energia elétrica como insumo produtivo.

[25]  Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal possui diversos julgados que, valendo-se de classificação proposta por Roque Carraza, diferencia a possibilidade de o serviço ser remunerado ora por taxa ora por impostos. É o caso, por exemplo, da ADI 477 (voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 5-6-91, Plenário, DJ de 5-3-93). Destaca-se o seguinte trecho: “(...) Os serviços públicos, ensina Roque Carrazza, ‘se dividem em gerais e específicos’, certo que os primeiros, ou gerais, ‘são os prestados uti universi, isto é, indistintamente a todos os cidadãos’, alcançando ‘a comunidade, como um todo considerada, beneficiando número indeterminado (ou, pelo menos, indeterminável) de pessoas.’ (Ob. cit., pág. 243). Esses serviços não constituem fato gerador de taxa, não podem, portanto, ser custeados por meio de taxa, mas pelos impostos. ‘Já os serviços específicos’, acrescenta Carrazza, ‘são os prestados ut singuli. Referem-se a uma pessoa ou a um número determinado (ou, pelo menos, determinável, de pessoas). São de utilização individual e mensurável. Gozam, portanto, de divisibilidade, é dizer, da possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada(...)”

[26]  Ver nota acima.

[27]  É bem verdade que isso foi contornado pela Emenda Constitucional n° 39/2002, com a inclusão do art.149-A na Constituição.

[28]  Sobre o tema, consulte-se: JUSTEN FILHO, Marçal. Ob cit., capítulo que trata das Concessões de Serviços Públicos.

[29]  No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, colhe-se a seguinte jurisprudência (trechos): ”1.Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica. 2.Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto  na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços público.3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio.(...) (REsp 914828/RS, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/05/2007, DJ 17/05/2007 p. 232). Em igual sentido: (...)4. A relação jurídica existente entre a Concessionária e o usuário não possui natureza  tributária, porquanto o concessionário, por força da Constituição federal e da legislação aplicável à espécie, não ostenta o poder de impor exações, por isso que o preço que cobra, como longa manu do Estado, categoriza-se como tarifa.5. A tarifa, como instrumento de remuneração do concessionário de serviço público, é exigida diretamente dos usuários e, consoante cediço, não ostenta natureza tributária. (...)(REsp 976.836/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 05/10/2010)

[30] Há entendimento sumulado no STF que afirma: “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu.” (Súmula 545).

[31] Julgado com a seguinte ementa: ”Serviço de fornecimento de água. Adicional de tarifa. Legitimidade.Mostra-se coerente com a jurisprudência do Supremo, ao apontar que o ajuste de carga de natureza sazonal, aplicável aos fornecimentos de água pela CAESB, criada para fins de redução de consumo, tem caráter de contraprestação de serviço e não de tributo. Precedentes: ERE 54.491, RE 85268, RE 77.77.162 e ADC 09.” (RE 201630).

[32]  O fenômeno segundo o qual todo o ordenamento deve ser interpretado/aplicado à luz da visão constitucional vem sendo cunhado de Constitucionalização do Direito: “Sumularmente, constitucionalizar um sistema – seja o Direito Civil ou qualquer outra espécie normativa – significa ler, interpretar e aplicar seu tutelamento à luz da orientação principiológica constitucional.” (PARODI, Ana Cecília, ob. cit. p., 20).

[33]  Aliás e justamente por isso : “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (art.173, §4°)

[34] No dizer de Sérgio Cavalieri Filho, o Código do Consumidor “criou uma sobre-estruta jurídica multidisciplinar, normas de sobredireito aplicáveis em toda e  qualquer área do Direito onde ocorrer relação de consumo (...) fez um corte horizontal  em toda a extensão da ordem jurídica, levantou o seu tampão e espargiu a sua disciplina por todas as áreas do Direito – público e privado, contratual e extracontratual, material e processual” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil,7.ed.São Paulo: Atlas, 2007, p.450.)

[35] A esse conceito de consumidor, deve ser acrescentado o preceituado no seu art. 2°, parágrafo único; art.17 e art.29, todos do mesmo Código – os chamados consumidores por equiparação.

[36]  A análise restringir-se-á a figura do consumidor stricto sensu, sem embargo da existência dos consumidores por equiparação, tal como apontou-se na nota acima

[37] A corrente maximalista peca pela grande abrangência, o que, ademais, representa um perigo para a tutela do consumidor. Como indaga ANTÔNIO HARMAM DE VASCONCELLOS E BENJAMIN: “ se todos somos consumidores (no sentido jurídico),inclusive as empresas produtoras, por que, então, tutelar-se, de modo especial, o consumidor? Também tem sido apontado na doutrina majoritária estrangeira que tão amplo conceito, de certo modo, desvia a finalidade do Direito do Consumidor, que é proteger a parte mais fraca ou inexperiente na relação de consumo” BENJAMIN, Antônio Hermam de Vasconcellos. O conceito jurídico de consumidor. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral dos Direitos do Consumidor, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Consumidor – UNIDERP/REDE LFG.

[38]Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais – 4° Ed, São Paulo: Editora RT, 2002, p.279.

[39]  GRINOVER, Ada Pellegrini et. al, Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p.27. Em igual sentido são as considerações de Marco Antonio Zanellato, expostas no artigo: Noção jurídica de consumidor. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral dos Direitos do Consumidor, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Consumidor – UNIDERP/REDE LFG.

[40] Confira-se: PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MÁQUINA DE BORDAR. FABRICANTE. ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. NULIDADE DE CLÁUSULA ELETIVA DE FORO.1. A Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 541.867/BA, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min.  Barros Monteiro, DJ de 16/05/2005, optou pela concepção subjetiva ou finalista de consumidor.2. Todavia, deve-se abrandar a teoria finalista, admitindo a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.3. Nos presentes autos, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada a sua vulnerabilidade econômica. 4. Nesta hipótese, está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a nulidade da cláusula eletiva de foro.5. Negado provimento ao recurso especial (REsp 1010834/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 13/10/2010)

[41]  Nesse sentido parece ser a orientação do Superior Tribunal de Justiça, consoante se colhe das seguintes jurisprudências (trechos):

“Tratando-se de serviços remunerados por tarifas ou preços públicos, as relações entre o Poder Público e os usuários são de Direito Privado, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, ao identificarem-se os usuários como consumidores, na dicção do art. 2º do CDC. 5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.” (REsp 914.498/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/05/2009, DJe 25/05/2009)

“Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica. 4. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços público. 5. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio. 6. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95. Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão. 7. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta). 8. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido”. (REsp 1062975/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2008, DJe 29/10/2008)

[42]  ARAGÃO, Alexandre Santos de, ob.cit., p .18.

[43]  CAVALIERI FILHO, Sérgio,ob.cit. Ver as considerações do item 2.1.

[44]  Lembre-se, aqui, que a eficiência desses entes estatais não visa à maximização dos lucros.  Mas a questão ganha complexidade em relação às sociedades de economia mista que albergam, em seu capital, parte de recursos do setor privado.

[45]  Nos termos do art.2, III da Lei Complementar 101/2000: “empresa estatal dependente: empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária.”

[46] Como bem anotaram Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza “É como se o orçamento do ente político controlador se comunicasse com o orçamento da empresa controlada, havendo uma espécie de desconsideração da personalidade jurídica desta última. A empresa estatal dependente, ante o déficit em suas contas, busca socorro no orçamento alheio como se fora o seu, vale dizer, como se não houvesse distinção entre a sua personalidade e a de seu controlador” (Direito Administrativo: Introdução ao Direito Administrativo/Carlos Ari Sundfeld, Vera Monteiro coordenadores. – São Paulo: Saraiva, 2008 – (Série GvVlaw), p.229.

[47]  Ob cit., p 183.

Sobre o autor
Jair Marocco

Procurador do Estado do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAROCCO, Jair. Limites e possibilidades à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4232, 1 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31200. Acesso em: 30 abr. 2024.

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