Sumário: I. Introdução. II. OPA: princípios e características.III. Modalidades de OPA.1. OPA de Cancelamento de Registro.2. OPA por aumento de participação.3. OPA por alienação de controle.4. OPA para aquisição de controle.5. OPA Concorrente.6. OPA e o Novo Mercado. III. Conclusão..IV. Bibliografia.
I. Introdução
OPA é a sigla utilizada para designar qualquer oferta pública de aquisição de ações de companhia aberta.
Dada a variedade de objetivos que as OPA podem atender, diversas são suas modalidades, podendo ser obrigatórias ou voluntárias, e, ainda, sujeitas ou não a registro perante a Comissão de Valores Mobiliários (a “CVM”).
O presente trabalho busca traçar um panorama acerca das modalidades de OPA previstas em lei e na regulamentação vigentes no Brasil, descrevendo sucintamente os objetivos e fundamentos de cada modalidade e, em alguns casos, as maiores polêmicas envolvidas em cada uma delas.
Vale ressaltar que o presente artigo não tem a pretensão de tratar dos procedimentos escpecíficos de cada uma das modalidades de OPA nem descrever minunciosamente prazos e exigências contidos na regulamentação em vigor. Antes disso, trataremos de apresentar o tema e seus aspectos fundamentais, bem como apontar alguns temas, contradições e polêmicas que julgamos relevantes.
II. OPA: princípios e características
A OPA, nas palavras de Modesto Carvalhosa[1], constitui uma proposta irrevogável, configurando-se como uma declaração unilateral de vontade, obrigatória ao ofertante, nos termos do art. 427 do Código Civil (CC).
O objetivo de uma OPA é a aquisição de ações de emissão de companhia aberta. Nelson Eizirik[2] ensina que “tal procedimento destina-se a conferir a todos os acionistas de determinada companhia aberta a possibilidade de alienar as ações de sua propriedade em igualdade de condições, em situações que envolvam alterações significativas na composição acionária da companhia”.
Além das situações de alteração na composição acionária, as OPA também visam proteger os acionistas minoritários em caso de possível redução da liquidez das ações no mercado, bem como permite aos acionistas que vendam suas ações simultaneamente e pelo mesmo preço.
Depreende-se dos objetivos acima que a realização de OPA busca preservar (i) a igualdade entre todos os titulares de determinadas ações e (ii) a transparência, fornecendo informações ao mercado (full disclosure), de forma leal[3].
As OPA estão previstas na Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (a “Lei das SAs”) e na regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (a “CVM”), por meio da Instrução 361, de 5 de março de 2002 (a “ Instrução 361”), podendo ser obrigatórias ou facultativas.
As modalidades de OPA obrigatórias previstas na Lei das SAs são:
i) OPA para cancelamento de registro;
ii) OPA por aumento de participação; e
iii) OPA por alienação de controle.
Além das OPA obrigatórias acima listadas, as OPA podem ser voluntárias, ou seja, não decorrentes de mandamento legal nem impostas pela regulamentação em vigor, derivando exclusivamente, da vontade do ofertante[4].
As OPA voluntárias previstas na Lei das SAs são:
i) OPA para aquisição de controle de companhia aberta;
ii) OPA concorrente.
A Instrução 361 traz, ainda, a modalidade “OPA voluntária”, que denominaremos de OPA voluntária em sentido estrito.
Antes de adentrarmos nos detalhes e fundamentos de cada uma das modalidades de OPA, faz-se necessário elencar os princípios que devem ser observados quando da realização da OPA e alguns procedimentos gerais comuns a todas elas.
Nos termos descritos no artigo 4º, da Instrução 361, os principais princípios que devem ser observados na realização de uma OPA são:
(i) a OPA será sempre dirigida indistintamente aos titulares de ações da mesma espécie e classe daquelas que sejam objeto da OPA;
(ii) a OPA será realizada de maneira a assegurar tratamento eqüitativo aos destinatários, permitir-lhes a adequada informação quanto à companhia objeto e ao ofertante, e dotá-los dos elementos necessários à tomada de uma decisão refletida e independente quanto à aceitação da OPA;
(iii) a OPA será lançada por preço uniforme, salvo a possibilidade de fixação de preços diversos conforme a classe e espécie das ações objeto da OPA, desde que compatível com a modalidade de OPA e se justificada a diferença pelo laudo de avaliação da companhia objeto ou por declaração expressa do ofertante, quanto às razões de sua oferta diferenciada;
Tais princípios, expressos na regulamentação da CVM, corroboram os objetivos mencionados acima, quais sejam, preservar a igualdade e a transparência entre os acionistas, permitindo que vendam suas ações simultaneamente e ao mesmo tempo.
As OPA estarão sujeitas a registro na CVM quando forem obrigatórias ou, sendo voluntárias, envolverem permuta por valores mobiliários. A OPA concorrente, por sua vez, deve ser registrada quando a OPA com a qual estiver concorrendo o tenha sido.
Esclareça-se que o pagamento pelas ações objeto da OPA pode se dar em moeda corrente (oferta de compra), em valores mobiliários de emissão de companhia aberta (permuta), podendo ser tais valores mobiliários de emissão da própria ofertante ou de terceira companhia, ou, ainda, mista, quando envolver pagamento em dinheiro e permuta.
Para Nelson Eizirik[5], o fundamento para que as OPA que envolvam permuta de valores mobiliários tenham que se submeter a registro na CVM reside no fato de que esta espécie de oferta constitui emissão pública de valores mobiliários, demandando informações específicas quando de oferta pública. Além disso, Modesto Carvalhosa[6] acrescenta que a intervenção da CVM se justifica no caso da OPA com permuta para garantir a equivalência patrimonial e equitativa da permuta.
Vale lembrar que, ainda que não estejam sujeitas a registro, mesmo as OPA voluntárias que não envolverem permuta devem observar os procedimentos descritos na Instrução 361.
Conforme mencionado ao tratarmos de sua definição, a OPA constitui proposta, nos termos do CC, produzindo efeitos vinculantes sobre o ofertante. Não obstante o inciso IX, do artigo 4º, da Instrução 361 determinar que, em regra, a OPA é imutável e irrevolgável após a publicação do edital, o artigo 5º da mesma Instrução 361 lista as hipóteses em que é admitida a modificação ou a revogação da oferta mesmo após a publicação do edital.
Em qualquer modalidade de OPA, sujeita ou não a registro perante a CVM e independentemente de autorização da autarquia, é permitida a modificação da oferta quando se tratar de melhoria em favor dos destinatários ou renúncia, por parte do ofertante, da condição por ele estabelecida para efetivação da OPA.
Já no caso de OPA sujeita a registro na CVM, a modificação ou revogação da OPA depende de prévia e expressa autorização da CVM, que somente concederá autorização caso:
i) a juízo da CVM, tenha havido alteração substancial, posterior e imprevisível, nas circunstâncias de fato existentes quando do lançamento da OPA, acarretando aumento relevante dos riscos assumidos pelo ofertante, inerentes à própria OPA; e
ii) o ofertante comprove que os atos e negócios jurídicos que tenham determinado a realização da OPA ficarão sem efeito se deferida a revogação.
Nelson Eizirik chama a atenção para o fato da CVM, na hipótese transcrita no item (i) acima, ter consagrado expressamente a “teoria da imprevisão”, a qual permite a relativização dos efeitos obrigatórios dos negócios jurídicos quando acontecimentos extraordinários e imprevisíveis ocasionam a radical alteração no estado de fato existente à data de sua formulação, tornando-o excessivamente oneroso para uma das partes[7].
Além disso, vale lembrar que é admitido o estabelecimento de condição a que se sujeite a realização de OPA, desde que o implemento não dependa de atuação direta ou indireta do ofertante ou de pessoas a ele vinuculadas. Ou seja, o caráter irrevogável da oferta significa que ela não pode deixar de ser realizada, após a publicação do edital, por vontade exclusiva do ofertante, mas não impede que ela se subordine a acontecimentos futuros que não dependam de sua vontade. Nelson Eizirik[8] aponta que, em se tratando de ofertas obrigatórias, a desistência da oferta somente será legítima se revogados os atos jurídicos que deram ensejo à obrigatoriedade da oferta.
Todas as OPA, volutárias ou obrigatórias, devem ser intermediadas por sociedade corretora ou distribuidora de valores mobiliários ou por instituição financeira com carteira de investimentos. Nos termos da Instrução 361, a instituição intermediária, além de assegurar que as informações prestadas pelo ofertante são verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes, respondendo pela omissão nessa obrigação, deve garantir a liquidação financeira da OPA. Modesto Carvalhosa conclui que o papel da instituição financeira não se resume à intermediação; trata-se de parte integrante do negócio, sendo co-obrigada e co-ofertante[9].
Quanto à avaliação da companhia objeto, a contratação de laudo é obrigatória sempre que a OPA for formulada pela própria companhia, pelo acionista controlador ou pessoa a ele vinculada, excetuado expressamente o caso de alienação de controle, onde o valor da OPA é estabelecido pelo valor da negociação na qual o controle foi alienado. Referido laudo poderá ser elaborado pela instituição intermediária, sociedade corretora ou distribuidora de títulos ou valores mobiliários ou instituição financeira com carteira de investimentos que possuam área especializada e devidamente equipada e que tiverem experiência comprovada na avaliação de companhias abertas, bem como por empresa especializada, também com experiência comprovada na avaliação de companhias abertas. No caso de oferta que envolva permuta, logicamente a Instrução 361 determina que també deverá ser apresentado laudo de avaliação da companhia cujos valores mobiliários estejam sendo entregues em permuta, devendo-se utilizar o mesmo critério para ambas as companhias ou justificar-se a adoção de critérios distintos.
O instrumento da OPA deve conter todos os elementos configuradores do contrato que o ofertante se compromete a celebrar com os acionistas visados, uma vez que, a aceitação da proposta será irrevogável e irretratável, acarretando num instrumento de compra e venda que tem natureza de contrato de adesão.
A publicação do instrumento de OPA se dará em forma de edital em jornais de grande circulação habitualmente utilizados pela companhia, buscando-se, mais uma vez, o full disclosure e preservando-se os princípios básicos acima mencionados.
O art. 12 da Instrução 361 determina que a OPA deva ser realizada em leilão de bolsa de valores ou mercado de balcão organizado que as ações objeto da OPA sejam admitidas à negociação. O objetivo do leilão, nas palavras de Nelson Eizirik, é “assegurar duas características básicas do processo de OPA, quais sejam: (a) a possibilidade de o ofertante ir aumentando o valor por ele proposto, caso constate o desinteresse dos destinatários pelo preço inicial – hipótese em que os novos preços deverão ser necessariamente estentidos aos aceitantes dos lances anteriores; e (b) permitir a livre interferência de terceiros compradores na oferta”[10].
Finalmente, a Instrução 361 impõe as seguintes vedações relacionadas às OPA:
(i) a companhia objeto, o acionista controlador e pessoas a ele vinculadas não poderão efetuar nova OPA tendo por objeto as mesmas ações objeto de OPA anterior, senão após a fluência do prazo de 1 (um) ano, a contar do leilão da OPA anterior, salvo se estiverem obrigados a fazê-lo, ou se vierem a estender aos aceitantes da OPA anterior as mesmas condições da nova OPA, pagando-lhes a diferença de preço atualizada, se houver;
(ii) em qualquer OPA formulada pela companhia objeto, pelo acionista controlador ou por pessoas a ele vinculadas, desde que não se trate de OPA por alienação de controle, caso ocorra a aceitação por titulares de mais de 1/3 (um terço) e menos de 2/3 (dois terços) das ações em circulação, o ofertante somente poderá:
(a) adquirir até 1/3 (um terço) das ações em circulação da mesma espécie e classe, procedendo-se ao rateio entre os aceitantes; ou
(b) desistir da OPA, desde que tal desistência tenha sido expressamente manifestada no instrumento de OPA, ficando sujeita apenas à condição de a oferta não ser aceita por acionistas titulares de pelo menos 2/3 (dois terços) das ações em circulação.
O objetivo das regras listadas no item (ii) acima é a preservação de níveis mínimos de liquidez das ações objeto da OPA.
Além das vedações acima listadas, o ofertante ou pessoas a ele vinculadas, durante a realização da OPA não podem (i) alienar, direta ou indiretamente, ações da mesma espécie e classe das ações objeto da OPA, ressalvada a hipótese de alienação para terceiros no leilão, (ii) adquirir ações da mesma espécie e classe das ações objeto da OPA, em se tratando de OPA parcial e (iii) realizar operações com derivativos referenciados em ações da mesma espécie e classe das ações objeto da OPA. E, ainda entre as vedações listadas pela Instrução, encontra-se a determinação de que o preço por ação da OPA não poderá ser inferior ao maior preço por ação pago pelo ofertante ou pessoas vinculadas em negócios realizados durante o período da OPA.
Vale ressaltar que a doutrina[11] e a jurisprudência da CVM[12] têm entendido que operações de reestruturação societária, especialmente no caso de incorporação de ações, ainda que resulte, indiretamente, no fechamento de capital ou em troca de controlador, não dá ensejo à OPA de fechamento ou OPA de alienação de controle.
Os principais argumentos relativos à matéria referem-se ao fato de que a incorporação de ações ser negócio típico, ou seja, ser expressamente previsto e regulado na Lei das SAs, não se confundindo com as normas relativas à fechamento de capital[13].
Tendo sido listados os princípios e características básicas comuns a todos os tipos de OPA, passem a examinar mais detalhadamente cada uma das modalidades.
III. Modalidades de OPA
1. OPA de Cancelamento de Registro
A Lei das SAs define companhia aberta, em seu artigo 4º, como aquela cujos valores mobiliários são admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários. A companhia aberta que possua ações em circulação no mercado pode cancelar seu registro de companhia aberta, no processo denominado fechamento de capital, desde que o acionista controlador ou sociedade que detenha seu controle, ou mesmo a própria companhia, promova uma OPA para adquirir a totalidade das ações em circulação do mercado. Tal determinação está consubstanciada no parágrafo 4º, do artigo 4º, da Lei das SAs:
“§ 4o O registro de companhia aberta para negociação de ações no mercado somente poderá ser cancelado se a companhia emissora de ações, o acionista controlador ou a sociedade que a controle, direta ou indiretamente, formular oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação no mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade com o disposto no art. 4o-A.”
Como ensina Fabio Ulhoa Coelho[14], o direito brasileiro, ao contrário do argentino, não prevê o direito de recesso no caso de fechamento de capital, mas procura assegurar aos minoritários condições equitativas na operação.
Os motivos que justificam a realização da OPA quando do fechamento do capital são quase intuitivamente revelados. No entanto, o trecho abaixo, extraído da Nota Explicativa CVM no 8/1978 nos ajuda a “concretizá-los”:
“O investidor ao aplicar a sua poupança na companhia tem a expectativa de que os valores mobiliários por ele recebidos terão negociabilidade no mercado e que a companhia divulgará ao público todas as informações necessárias sobre o seu investimento seja qual for o seu valor.
Esta expectativa do investidor não pode ser revertida por simples vontade dos acionistas controladores ou pelos próprios administradores da companhia. É necessário que os acionistas minoritários fiquem protegidos através da opção de vender as suas ações por um preço conveniente ou por mecanismo que dê a uma minoria acionária substancial o poder de impedir o cancelamento do registro.”
E Modesto Carvalhosa resume:
“as normas referentes ao cancelamento de registro de copanhia aberta possuem dois objetivos fundamentais: 1) conferir aos minoritários titulares de percentual relevante de ações a possibilidade de impedir o fechamento de capital da companhia; e 2) assegurar a todos os minoritários a possibilidade de alienar suas ações por preço conveniente, de sorte a não compelir a manter-se acionistas de uma companhia cujas ações não possuam liquidez no mercado e que não esteja obrigada a prestar informações mínimas aos investidores”[15].
Tendo em vista a importância do assunto, a CVM, por meio de suas Instruções, sempre estabeleceu o princípio de que, para que o registro de uma companhia aberta fosse cancelado, o acionista controlador deveria promover OPA das ações em circulação no mercado, que deveria ser aceita por percentual relevante dos acionistas minoritários[16].
Ocorre que até 2001, com a edição da Lei 10.303, que alterou a Lei das SAs, a obrigatoriedade da OPA para fechamentode capital não constava de lei, sendo regulada exclusivamente pela CVM[17]. Ainda, todas as Instruções da CVM eram expressas no sentido de que a OPA deveria ser promovida pelo acionista controlador[18].
Atualmente, a Lei das SAs determina que a OPA seja realizada pelo controlador, ou pela própria companhia. Decorre dessa possibilidade o seguinte questionamento: para que a companhia possa adquirir ações da própria emissão, deve se submeter às condições e limites para ações em tesouraria? Nelson Eizirik[19] e Modesto Carvalhosa[20] afirmam, com razão, que a autorização legal para que a companhia promova OPA para cancelamento de seu registro deve ser interpretada em consonância com o princípio da integridade do capital social, segundo o qual a aquisição de ações de própria emissão está condicionada à existência de lucros ou reservas disponíveis (portanto, exceto a legal), sem redução do capital social, nos termos da alínea (b), do parágrafo primeiro, do art. 30, da Lei das SAs. A Instrução 361, consagrou tal entendimento no inciso IV, do art. 20, que, ao tratar dos requisitos do instrumento de OPA para cancelamento de registro, dispõe:
“nos casos de OPA lançada pela própria companhia, transcrição da deliberação do órgão da companhia que tiver aprovado o lançamento da OPA, contendo, no mínimo, a justificativa da operação, da desnecessidade de captação de recursos por meio de subscrição pública de ações no prazo de 2 (dois) anos, e a referência à existência das reservas exigidas por lei.” (grifos nossos)
A Lei das SAs determina, ainda, que a OPA seja realizada por um preço justo, esclarecendo alguns parâmetros que podem ser adotados, de forma isolada ou combinada, na fixação do preço proposto. Os critérios admitidos pela Lei das SAs para determinação do preço justo são (i) patrimônio líquido contábil, (ii) patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, (iii) fluxo de caixa descontado, (iv) comparação por múltiplos, (v) cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou (vi) com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários. O ofertante (controlador ou a própria companhia) deve, portanto, fundamentar o valor proposto, facilitando a tomada de decisão por parte dos investidores, propiciando a possibilidade de questionamentos pelos minoritários e até mesmo a revisão do preço, conforme veremos a seguir.
A Lei das SAs, além de prever a necessidade de fundamentação do preço pelo ofertante e a utilização de um dos critérios já mencionados para sua fixação, em seu artigo 4º-A permite que acionistas que detenham pelo menos 10% das ações em circulação no mercado venham a requerer aos administradores da companhia que convoquem assembléia especial dos acionistas titulares de ações em circulação para deliberar sobre a realização de nova avaliação. A própria Lei das SAs determina que consideram-se ações em circulação todas as ações da companhia aberta que não sejam detidas pelo acionista controlador, os diretores, conselheiros de administração e as ações em tesouraria.
Ressalte-se que o pedido de revisão deve ser fundamentado e deve ser acompanhado de elementos de convicção que demonstrem a existência de falha ou imprecisão no emprego da metodologia de cálculo ou no critério de avaliação adotado.
Os custos decorrentes do novo laudo de avaliação caberão aos acionistas minoritários que requereram a nova avaliação e os que votaram a favor dela somente caso o novo valor seja inferior ou igual ao valor incial da oferta. Ao contrário, caso o novo valor seja superior, o custo caberá ao ofertante, que poderá decidir se aceita o novo preço ou desiste da OPA e, consequentemente, do cancelamento do registro de companhia aberta.
Para que a companhia seja efetivamente fechada, é necessário que pelo menos 2/3 das ações em circulação aceitem a OPA ou expressamente concordem com o cancelamento do registro, nos termos previstos no inciso II, do artigo 16, da Instrução 361.
Vale ressaltar que somente são consideradas ações em circulação, para o fim específico do cálculo dos 2/3 acima mencionados, as ações que concordem expressamente com o cancelamento do registro ou que se habilitem, junto a uma corretora de valores, para participar do leilão, ainda que não aceitem a OPA. José Edwaldo Tavares Borba[21], ao comentar esse conceito criado pela CVM de “ações em circulação”, denomina tal exigência de curiosa e burocratizante. Com efeito, a manifestação do acionista de que discorda do fechamento de capital deveria ser suficiente, sendo absolutamente desnecessária sua habilitação no leilão de que não deseja participar.
Um outro aspecto relevante da OPA de fechamento de capital, é a possibilidade de resgate das ações remanescentes após a realização da OPA, desde que somem menos de 5% do valor total de ações emitidas pela companhia.
Trata-se de resgate compulsório, introduzido pela Lei 10.303/2001, que deve ser aprovado em assembléia de acionistas. A diferença do resgate de ações já previsto no art. 44 da Lei das SAs e aquele previsto no parágrafo 5º, do art. 4º, da mesma Lei, reside no fato de que o resgate “tradicional” aplica-se a todas as ações de mesma espécie ou classe ou deve ser realizado mediante sorteio, enquanto o “compulsório pós-OPA” exclui determinados acionistas que não aderiram à OPA.
Modesto Carvalhosa[22] afirma que:
“Tal norma possibilita a eliminação da minoria dispersa dos quadros sociais. Se algum pequeno investidor tem interesse em permanecer na companhia fechada deveria ser-lhe permitido continuar como acionista, não se justificando que a lei admita a sua exclusão, apenas porque a maioria dos titulares das ações em circulação no mercado aceitou a oferta pública proposta pelos controladores”.
José Edwaldo Tavares Borba também critica o resgate sem sorteio, afirmando que discrimina acionistas e viola o princípio que garante igualdade dentro da classe. Mas afirma que o squeeze-out é admitido em algumas legislações, como Suécia e Reino Unido; no entanto, nessas jurisdições trata-se de um direito do majoritário comprar ações do minoritário e também do minoritário de vender ações ao acionista controlador, sempre pelo valor efetivo das ações[23].
2. OPA por aumento de participação
A OPA por aumento de participação está prevista no parágrafo 6º, do art. 4º, da Lei das SAs nos seguintes termos:
“§ 6o O acionista controlador ou a sociedade controladora que adquirir ações da companhia aberta sob seu controle que elevem sua participação, direta ou indireta, em determinada espécie e classe de ações à porcentagem que, segundo normas gerais expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, impeça a liquidez de mercado das ações remanescentes, será obrigado a fazer oferta pública, por preço determinado nos termos do §4o, para aquisição da totalidade das ações remanescentes no mercado.”
Trata-se de OPA obrigatória, que tem como objetivo inibir o denominado “fechamento branco de capital”. O fechamento branco, como ensina Modesto Carvalhosa[24], constitui expressão utilizada pelo mercado para denominar operações em que o acionista controlador adquire praticamente a totalidade das ações de emissão de sua controlada em circulação no mercado, sem cancelar o registro perante a CVM. Nas palavras de Fabio Ulhoa Coelho[25], o fechamento branco seria uma forma de fraude à lei.
O objetivo da OPA de aumento de participação, portanto, é evitar que o controlador adquira quantidade significativa de ações e reduza e/ou contre a liquidez (e até mesmo o preço) das mesmas, prejudicando os acionistas minoritários.
Assim como no caso da OPA para fechamento de capital, a OPA por aumento de participação não estava prevista em lei até o advento da Lei 10.303, em 2001. No entanto, desde 1999, de acordo com Nelson Eizirik[26], a CVM, tendo detectado o caráter abusivo da prática e do seu tratamento não equitativo, editou a Instrução 299, que determinava que o controlador somente poderia adquirir 10% (dez por cento) ou mais das ações de cada espécie caso promovesse uma OPA destinada a todos os minoritários, titulares de ações da mesma espécie ou classe daquelas que seriam objeto de sua aquisição. No entanto, a norma não foi suficiente para inibir o fechamento branco de capital, dado que o acionista controlador continuava conseguindo adquirir uma quantidade significativa de ações sem ter que realizar OPA. A CVM enditou, então, uma nova Instrução (Instrução 345/2000), a qual alterou o critério para obrigatoriedade da OPA, que passou a ser 1/3 das ações em circulação no mercado. Vale ressaltar que Modesto Carvalhosa elogia o novo critério, afirmando que a percentagem deve ser estabelecida em relação ao número de ações em circulação no mercado e não com base no total de ações emitidas pela companhia[27]. Finalmente, a Lei 10.303 institucionalizou referidas normas regulamentares, atribuindo à CVM o poder de estabelecer o percentual cuja aquisição caracterizará restrição à liquidez e, portanto, sujeitará o controlador a realizar uma OPA.
Atualmente, a OPA por aumento de participação está regulada pelo artigo 26 e seguintes da Instrução 361. São duas hipóteses em que o acionista controlador fica obrigado a realizar OPA para adquirir todas as ações em circulação no mercado daquela espécie ou classe:
(i) sempre que o acionista controlador[28] adquira, por outro meio que não uma OPA, ações que representem mais de 1/3 do total das ações de cada espécie e classe em circulação;
(ii) ainda que não atinja o limite mencionado acima, se o acionista controlador detiver mais da metade das ações de emissão da companhia de determinada espécie e classe, e adquirir participação igual ou superior a 10% (dez por cento) daquela mesma espécie e classe em período de 12 (doze) meses. Ressalte-se que, nesse caso, a CVM determinará a realização de OPA somente se verificar que a aquisição teve o efeito de impedir a liquidez das ações da espécie ou classe adquirida.
Vale alertar para o fato de que a subscrição de aumento de capital pelo acionista controlador, ainda que supere os limites acima mencionados, não deve ensejar a obrigatoriedade da OPA. Isso porque aos minoritários foi oferecido direito de preferência; uma vez não exercido tal direito de preferência e não houver interesse de terceiros, o controlador teria que cancelar o aumento de capital ou promover OPA, impedindo o desenvolvimento dos negócios da companhia. Obviamente, não é esse o espírido da Lei, como afirmam categoricamente e com razão, Modesto Carvalhosa[29] e Nelson Eizirik[30]. E, ainda, concluem que a subscrição de ações em aumento de capital não interefere no número de ações em circulação e, consequentemente, não afeta a liquidez das ações no mercado.
A OPA por aumento de participação, assim como no caso da OPA para fechamento de capital, está sujeita a revisão do preço. Os procedimentos são os mesmos, sendo que a única diferença relevante refere-se ao fato de que não é permitida desistência da OPA pelo ofertante caso o pedido de revisão resulte em preço superior. A proibição explica-se uma vez que a aquisição das ações em volume que impede ou dificulta a liquidez já ocorreu. A única forma de se eximir da realização da OPA está prevista no art. 28 da Instrução 361, que faculta ao controlador solicitar à CVM autorização para não realizar a OPA por aumento de participação desde que se comprometa a alienar o excesso de participação no prazo de três meses contados da aquisição. Obviamente, os adquirientes dos excessos não podem ser pessoas vinculadas ao controlador, nem que atuem em conjunto com ele. Finalmente, vale ressaltar que o procedimento alternativo à OPA ora descrito somente pode ser utilizado uma vez a cada dois anos.
3. OPA por alienação de controle
A OPA por alienação de controle está prevista no artigo 254-A da Lei das SAs e regulamentado pela CVM nos artigos 29 e 30, da Instrução 361.
Cabe lembrar o conceito de acionista controlador estabelecido pela Lei das SAs em seu art. 116, abaixo transcrito:
“Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.”
Depreende-se da leitura do artigo acima, que o controle caracteriza-se quando presentes três requisitos: (i) maioria de votos nas deliberações das assembléias gerais da companhia; (ii) poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e (iii) uso efetivo do poder de controle para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
José Edwaldo de Tavares Borba explica que a atual lei superou a ilusão de uma assembléia geral democrática e reconheceu os poderes atribuídos ao controlador, atribuindo-lhe, inclusive, responsabilidades[31]. O poder de controle deve ser material, ou seja, deve ter a maioria dos votos nas assembléias de forma permanente e usar esse poder. Nelson Eizirik, na mesma linha, afirma que a Lei das SAs reconheceu a existência de poder de controle[32].
O conceito usado pela doutrina[33] para definir o que seria permanente decorre da Resolução 401/1976 do Conselho Monetário Nacional, atualmente revogada, que estabelecia que controlador seria o acionista titular de ações que he assegurassem a maioria nas três últimas assembléias.
Ressalte-se que não é necessário deter maioria das ações com direito a voto e sim a maioria das ações que comparecem e votam nas assembléias de acionistas, adaptando-se o conceito, inclusive, à hipótese de controle minoritário[34].
Tendo em vista a definição de poder de controle, podemos inferir que as ações que integrem esse bloco, pelo poder que detêm em conjunto, possuem determinado valor, superior ao das demais espécies emitidas pela mesma companhia. É o que ensina Fabio Ulhoa no trecho a seguir transcrito:
“Os potenciais adquirentes sobrevalorizam as posições acionárias do titular do poder de controle, atribuindo-lhe preço significativamente superior ao que estariam dispostos a pagar pelas outras ações votantes da mesma sociedade. A sobrevalorização das ações de sustentação de controle é natural, justa e racional, porque quem adquire o controle de uma companhia está acrescendo ao parimônio um conjunto de direitos maior que os patrimoniais das correspondentes ações.”[35]
E, conclui que quem negocia a compra de ações de sustentação de controle concorda em pagar um sobrepreço, chamado de “prêmio de controle”[36].
Dessa forma, o detentor do poder de controle pode alienar referido poder por meio da alienação das ações que integram o bloco de controle, mediante operação de caráter privado, negociado com um terceiro.
Em diversos ordenamentos jurídicos, a alienação do controle de companhia aberta gera obrigação de estender a oferta aos acionistas minoritários, sempre com base no princípio da igualdade de oportunidade, permitindo a todos usufruir das mesmas oportunidades[37][38].
O artigo 254 da Lei das SAs, com a redação original que possuía à época da edição da Lei, assegurava ao minoritário o recebimento do mesmo valor recebido pelo acionista controlador pelas ações integrantes do bloco de controle. Referido artigo determinava que a alienação do controle era condicionada à aprovação da CVM e a CVM deveria zelar para que fosse assegurado tratamento igualitário aos minoritários, mediante realização de OPA.
Em 1997, com o objetivo de reduzir os custos e facilitar as privatizações das companhias submetidas a controle estatal, foi editada a Lei 9.457 (também denominda Lei Kandir), a qual revogou, dentre outros, o artigo 254 da Lei das SAs, extinguindo a obrigatoriedade de aprovação da CVM e de tratamento igualitário aos minoritários em caso de alienação de controle. Estava, portanto, extinta a OPA por alienação de controle e o governo poderia se apropriar de todo o sobrepreço que seria pago na venda do controle de tais companhias a investidores privados[39].
Com a edição da Lei 10.303, em 2001, o antigo princípio estabelecido no revogado artigo 254 foi reestabelecido por meio da introdução do artigo 254-A. No entanto, ao invés de obrigar o adquirente do controle a pagar aos minoritários o mesmo preço pago pelas ações do bloco de controle, a nova redação da Lei determina que seja pago apenas 80% do referido preço, no mínimo[40]. Roberta N. Prado[41] afirma que o legislador quis “agradar a gregos e troianos”, reintroduzindo o mecanismo da OPA a fim de melhorar as condições de investimento no mercado de capitais, mas amenizou a perda dos acionistas controladores, reconhecendo sua exclusiva propriedade de 20% do ágio do controle.
Portanto, não se restituiu o princípio da igualdade, mas se consagrou a atribuição de um valor econômico do bloco de controle[42].
Não obstante algumas discussões doutrinárias sobre os fundamentos do prêmio de controle ou a quem deve caber esse ágio[43], segundo Nelson Eizirik a doutrina tem entendido que o ágio deve ser compartilhado com os acionistas minoritários quando da alienação de controle de companhia aberta.
Além disso, ao investir em determinada companhia aberta, o acionista minoritário avaliou quem eram seus controladores, ou seja, quem dirigia as atividades da sociedade. Justifica-se, portanto, que na hipótese de mudança desse controle o minoritário possa de desligar da companhia, não sendo obrigado a ser sócio do novo acionista controlador. Daí a proteção ao acionista, quando da mudança do controle, garantindo-lhe condições de saída em condições equitativas.
Em resumo, a obrigatoriedade de realização da OPA em decorrência da alienação de controle justifica-se por duas razões, nas palavras de Nelson Eizirik[44]:
“(a) ao acionista minoritário deve ser assegurado o direito de participar do ágio do prêmio pago pelo adquirente do controle; e
(b) ao acionista minoritário também deve ser assegurado o direito de desvincular-se da sociedade se houver quebra da affectio societatis, isto é, se houver alteração da base de controle da companhia na qual ele havia depositado sua confiança”.
O artigo 254-A da Lei das SAs determina que a OPA por alienação de controle é obrigatória sempre que houver alienação direita ou indireta do controle. Na alienação direta, dá-se a venda de ações que integram o bloco de controle; ou seja, o acionista controlador, ou grupo vinculado por acordo de acionistas, transfere o bloco de controle, ou seja, o montante de ações que lhe assegura o poder de controle, de sorte que o adquirente assume a posição de novo acionista controlador[45]. Já na alienação indireta, a fonte de poder de controle é constituída pelas relações de participação entre duas ou mais sociedades[46]. Assim, na alienação indireta, a operação pode se dar por meio da alienação do controle de sociedade que detenha o controle da companhia aberta. Ainda, está inserido no conceito de alienação de controle a alienação em etapas, ou seja, ao longo do tempo, por meio de uma sequência encadeada de negócios jurídicos que resultam na alienação de controle[47].
Portanto, para se caracterizar a alienação de controle, devem estar presentes os seguintes requisitos[48]:
i) a operação resulte na transferência do poder de dirigir as atividades da companhia aberta, direta ou indiretamente;
ii) o novo controlador, ainda que indireto, seja um terceiro, que assume a posição do novo controlador;
iii) a cessão seja realizada em caráter oneroso;
iv) que tenha ocorrido a transferência da totalidade ou de parte de ações ou de direitos sobre tais ações pertencentes ao antigo controlador, não sendo considerada alienação de controle a aquisição originária de controle.
Corroborando referidos requisitos, o parágrafo 4º, do artigo 29, da Instrução 361 define alienação de controle como “a operação, ou o conjunto de operações, de alienação de valores mobiliários com direito a voto, ou neles conversíveis, ou de cessão onerosa de direitos de subscrição desses valores mobiliários, realizada pelo acionista controlador ou por pessoas integrantes do grupo de controle, pelas quais um terceiro, ou um conjunto de terceiros representando o mesmo interesse, adquira o poder de controle da companhia”.
A OPA é requisito obrigatório para alienação de controle, que deve ser contratada sob condição suspensiva ou resolutiva. A OPA por alienação de controle, além de obrigatória, é, portanto, a posteriori.
Os destinatários da OPA por alienação do controle são todos os detentores de ações que tenham direito a voto. A Lei das SAs é clara nesse sentido ao dispor no caput do art. 254-A que a alienação de controle “somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle” (grifo nossos)
Ocorre, que não obstante o disposto na Lei, o artigo 29 da Instrução 361 determina que a OPA por alienação de controle terá por objeto todas as ações de emissão da companhia a qual seja atribuído o pleno e permanente direito de voto.
Ora, os preferencialistas que adquirem direito de voto na hipótese de não pagamento de dividendos obrigatórios (conforme previsto no parágrafo 1º do artigo 111 da Lei das SAs) são ações que, nos termos da Lei, por terem direito a voto, estariam abrangidos pela OPA.
No entanto, nos termos da redação restritiva do caput do art. 29 da Instrução 361, ações preferenciais que adquirem direito de voto, por não possuirem voto pleno e permanente, não podem ser objeto da OPA. Conforme apontado por vários doutrinadores[49], trata-se de restrição ilegal.
Adicionalmente à realização da OPA por alienação de controle, a Lei das SAs permite ao adquirente do controle que ofereça aos acionistas minoritários que quiserem permanecer como acionistas da companhia, um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle. Tal previsão encontra-se no parágrafo 4º, do artigo 254-A da Lei das SAs e no artigo 30 da Instrução 361 e tem natureza de prêmio ou recompensa pela permanência no quadro social[50] .
Vale ressaltar que somente podem fazer jus ao prêmio acima referido, acionistas minoritários que sejam destinatários da OPA, ou seja, com direito a voto.
Além disso, o oferecimento de prêmio não é alternativo à realização da OPA por alienação de controle, mas cumulativo, sendo uma faculdade que pode constar do edital da OPA. Tal faculdade pode ser vantajosa para o adquirente de controle, já que desembolsará, em relação aos acionsitas que aceitarem o recebimento do prêmio, somente a diferença entre o preço da ação e o valor da ação do bloco de controle alienado. Para o minoritário, pode apropriar-se o ágio e permanecer na companhia.
A Instrução 361 determina que o cálculo do valor de mercado deve ser apurado por meio da média ponderada das ações objeto da OPA nos 60 últimos pregões realizados antes do fato relevante que der notícia da alienação de controle, nos termos do seu parágrafo 2º, do art. 30.
Ressalvamos, por fim, que para que haja obrigatoriedade de realização da OPA ora em comento, é imprescindível que haja um terceiro que adquira onerosamente o controle, ou seja, o controlador deve ser efetivamente substituído por outro que não seja alguém que já participava do bloco de controle, no caso de controle compartilhado. A simples mudança dentro do bloco de controle sem que haja alteração da vontade prevalecente, não configura alienação de controle[51]. É necessário, portanto, que o terceiro que passa a fazer parte do bloco de controle implique em mudança na orientação geral da companhia[52].
4. OPA para aquisição de controle
A OPA para aquisição de controle é OPA voluntária e está prevista no artigo 257 da Lei das SAs e nos artigos 32 e seguintes da Instrução 361.
O objeto da OPA são ações com direito a voto em número suficiente para assumir o controle ou assegurá-lo e aplica-se aos casos em que o capital votante se encontre disseminado.
Segundo Eduardo Secchi Munhoz[53], a Lei das SAs concebeu duas formas de aquisição de controle, uma relacionada à companhia com acionista controlador (alienação de controle – art. 254-A) e outra adequada à companhia com dispersão acionária (aquisição de controle mediante oferta pública – art. 257).
Historicamente, em razão do perfil do controle das companhias brasileiras, o instituto sempre foi de pouca aplicação prática. De fato, o controle na maioria das companhias brasileiras sempre foi majoritário ou compartilhado, havendo grande concentração de ações com direito a voto. No entanto, recentemente algumas companhias passaram a apresentar controle pulverizado, permitindo que o controle de tais companhias seja adquirido sem negociação prévia com seus principais acionistas, mediante utilização da OPA para aquisição de controle[54].
É de se questionar, portanto, porque a Lei das SAs, desde 1976, regula detalhadamente a matéria (sem seus artigos 257 a 263). Modesto Carvalhosa[55] traça um interessante panorama histórico e nos ajuda a responder: (i) surgimento de tender offers nos mercados de capitais de diversos países, notadamente França, Inglaterra, Estados Unidos, Bélgica e Japão, envolvendo o controle de grandes companhias; e (ii) primeira tender offer agressiva brasileira, ocorrida em 1971, por meio da qual o Macrosul S.A. tentou adquirir o controle do Sulbanco, que apesar de ter fracassado, gerou muita discussão e, daí, surgiu a tendência de regulá-la na lei societária. Além desses dois fatos, o doutrinador ainda cita que ao tempo da edição da Lei das SAs, eram admitidas ações ao portador e endossáveis. Dessa forma, aquele que quisesse adquirir referidas ações deveria, efetivamente, publicar anúncios com sua oferta. Atualmente, após a proibição das ações ao portador por meio da Lei 8.021/1990, aquele que desejar adquirir ações poderia fazer ofertas privadas aos acionistas inscritos nos livros da companhia, por meio da obtenção das listas de acionistas, nos termos do art. 100 da Lei das SAs. Vale ressaltar que, não obstante essa possibilidade, concordamos que, para preservar os pricípios da igualdade e equidade, bem como do full and fair disclosure, o instrumento mais adequado para aquisição do controle pulverizado, é o de uma OPA.
A OPA para aquisição de controle é, como dito, voluntária. No entanto, uma vez adotada essa via, não poderá o ofertante revogar a OPA[56], sendo irregovável.
Nos termos do parágrafo 2º, do artigo 257, a OPA em comento deverá ter como objeto pelo menos um número de ações com direito a voto para assegurar o controle e deve ser feita com a participação de instituição financeira que garanta o cumprimento das obrigações assumidas pelo ofertante, inclusive o pagamento do preço. A posição da instituição financeira é, portanto, de solidária ao ofertante, sem qualquer subsidiariedade[57].
Como já mencionado, por se tratar de oferta voluntária, a OPA para aquisição de controle somente deverá ser registrada perante a CVM se envolver permuta de valores mobiliários.
5. OPA Concorrente
A OPA concorrente está expressamente prevista na Lei das SAs no artigo 262 e na Instrução CVM 361 em seu artigo 13. Trata-se de oferta formulada por terceiro que não o ofertante ou pessoa a ele vinculada e que tenha por objeto ações abrangidas por OPA que já esteja em curso.
A Lei das SAs nada dispõe sobre eventuais diferenças ou vantagens da OPA concorrente. Assim, as vantagens da OPA concorrente poderiam ser subjetivas, como defende Modesto Carvalhosa[58]. Não obstante a ausência de regra legal, a CVM estabeleceu, no parágrafo 3º, do artigo 13, da Instrução 361, que a OPA concorrente somente pode ser lançada por preço no mínimo 5% superior ao da OPA com que concorrer.
Por fim, nos termos do parágrafo 5º, do artigo 13, da Instrução 361, uma vez lançada a OPA concorrente, tanto o ofertante como o concorrente podem aumentar o preço de suas OPA quantas vezes julgarem conveniente. Nelson Eizirik ressalva, apenas, que tal possibilidade de diversos aumentos não se aplica às OPA para aquisição de controle, dada a restrição estabelecida no parágrafo 1º, do artigo 261, da Lei das SAs, o qual permite a melhoria das condições apenas uma vez.
6. OPA e o Novo Mercado
Os níveis diferenciados de governança corporativa da BM&FBovespa são segmentos de negociação aos quais as companhias abertas podem, vountariamente, aderir, desde que comprometam-se a observar determinadas regras de governança corporativa, mais rígidas do que aquelas previstas na Lei das SAs e na regulamentação da CVM.
O nível superior de governança é denominado Novo Mercado, ao qual podem aderir companhias que somente tenham ações ordinárias emitidas e que se comprometam com rígidos padrões de governança.
Especificamente no tocante às OPA, o Regulamento do Novo Mercado[59] exige que o valor a ser pago pelas ações em caso de alienação de controle seja igual ao valor pago pelas ações do bloco de controle alienado. Dessa forma, restaurou-se, em relação aos acionistas de companhias listadas no Novo Mercado, o princípio da igualdade originalmente previsto na Lei das SAs.
Outra importante disposição do Novo Mercado refere-se à contratação da empresa que elaborará o laudo e estabelecerá o valor da OPA de cancelamento de registro de companhia aberta. O Regulamento do Novo Mercado determina que a escolha cabe aos minoritários, que escolherão a empresa a partir de uma lista tríplice apresentada pelo Conselho de Administração[60], sendo os custos arcados integralmente pelo ofertante.