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A teoria dos princípios de Robert Alexy

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Agenda 31/08/2014 às 15:15

4. CRÍTICAS AO CRITÉRIO DE DISTINÇÃO

Humberto Ávila, ao elaborar sua teoria dos princípios, formulou algumas críticas contra os critérios utilizados pela doutrina para distinguir regras e princípios. Alguns destes encontram assento na teoria de Alexy e, por isso, merecem ser examinados.

Inicialmente, é questionada a maneira de aplicação de uma regra, que, segundo Dworkin e Alexy, é feita de modo tudo ou nada, apesar deste último complementar a tese com a possibilidade de inclusão de uma exceção.

Humberto Ávila defende que o modo de aplicação de uma regra pode ser alterado em função da análise das circunstâncias do caso, através de um processo de ponderação de razões e contrarrazões. Ainda que a regra preveja a aplicação absoluta da consequência por ela estabelecida, nada impede que o aplicador se depare com razões contrárias que se sobrepõem em alguns casos. Ávila exemplifica com a interpretação que o Supremo Tribunal Federal fez do caso em que afastou a presunção de violência em relação sexual praticada com menor de 14 anos.  Com efeito, o artigo 224 do Código Penal estabelecia que se presumia a violência nos casos de relação sexual praticada com pessoa que não é maior de 14 anos. No caso analisado, levando em conta a aquiescência e a aparência física e mental da vítima, o tribunal entendeu preliminarmente que não se configurou o tipo penal em virtude das características fáticas não previstas pela norma.[51]

Em casos como estes, Humberto Ávila sustenta que a consequência jurídica prevista pela regra pode deixar de ser implementada, em função da existência de razões superiores àquelas que justificariam a aplicação da regra. Isso afasta o entendimento de que regras são aplicadas de modo tudo ou nada e, consequentemente, fica prejudicado o critério de distinção entre princípios e regras, já que também estas precisam de um processo de interpretação que decide, após análise dos elementos fáticos, quais consequências serão realizadas.

A não realização das consequências previstas por uma regra só pode ser confirmada se, após o exame de aspectos concretos, houver razões suficientes para afastar a obrigatoriedade de uma regra. Neste particular, o entendimento de Humberto Ávila assemelha-se bastante com o de Robert Alexy, pois este, consoante demonstrado acima, afirma que a admissão de exceções a uma regra exige que sejam afastados os princípios formais que exigem o cumprimento das regras do ordenamento. Nisso consiste, inclusive, a maior força do caráter prima facie das regras[52].

Ávila anota que é possível a consideração de elementos específicos de cada situação para deixar de aplicar as consequências previstas em determinada regra, desde que seja feito “com uma fundamentação capaz de ultrapassar a trincheira decorrente da concepção de que as regras devem ser obedecidas”[53]. Por este motivo, entendemos que tal entendimento se aproxima daquele defendido por Alexy, pois também reconhece a necessidade de superação do princípio que determina a aplicação das regras através da carga de argumentação. A diferença, contudo, situa-se na previsão de um método de ponderação, que Alexy não faz.

É sobre a ponderação que incide outra crítica de Humberto Ávila. Para o autor, a ponderação não é utilizada exclusivamente em casos de aplicação de princípios: opera também no âmbito das regras. Acontecem ponderações de regras quando seu conteúdo pode ser superado por razões contrárias. Essas razões contrárias devem ser suficientemente fortes para justificar o descumprimento de uma regra. Tais situações não estão todas previstas no ordenamento jurídico e, por isso, exige-se a ponderação. Ávila expõe seu argumento nos seguintes termos:

O processo mediante o qual as exceções são constituídas também é um processo de valoração de razões: em função da existência de uma razão contrária que supera axiologicamente a razão que fundamenta a própria regra, decide-se criar uma exceção. Trata-se do mesmo processo de valoração de argumentos e contra-argumentos – isto é, de ponderação.[54] (grifo no original)

Assim, percebe-se que Ávila defende a mesma posição que Genaro Carrió já divulgava alguns anos antes, isto é, que uma dimensão de peso não é exclusividade dos princípios, pois também aparecem na aplicação de regras:

Los conflictos entre reglas no siempre pueden resolverse negando la validez de una de ellas. No es infrecuente que una decisión – que bien puede asumir la forma de un compromiso – deba fundarse en el ‘peso’ relativo de cada regla en el contexto del caso concreto de que se trata. La dimensión de peso no es propiedad exclusiva de pautas tales como la que establece que ‘no debe permitirse que alguien se beneficie con su propia conducta ilícita (lato sensu)’.[55]

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Portanto, é fácil perceber que no centro da maioria das questões problemáticas aparece um tema comum: a ponderação.


Notas

[1]           ALEXY, Robert. El Concepto y la Validez del Derecho y Otros Ensayos. Barcelona: Gedisa, 1994. p. 21.

[2]           Id., ibid. p.21.

[3]           ALEXY, Robert. El Concepto y la Validez del Derecho y Otros Ensayos. Barcelona: Gedisa, 1994. p. 123.

[4]           A racionalidade no conceito de direito de Alexy não é um tema livre de críticas. Em Ética e Retórica, 2. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2006, p.329 e seg, João Maurício Adeodato afirma que Alexy tenta unificar as tradições positivistas e jusnaturalistas. É positivista a ideia de que o direito justo é resultado de procedimentos, sem serem aprioristicamente fixados; por outro lado, é jusnaturalista a ideia de que as regras desse procedimento não são construídas pelo direito positivo, mas são postas de fora para dentro, por terem intrinsecamente válidas. Entretanto, seriam racionais apenas aqueles procedimentos que seguem as regras descritas pela teoria da argumentação de Alexy. Adeodato aponta, ainda, que o problema de Alexy reconhecer uma conexão entre o direito e a moral não está na conexão em si, mas, na predeterminação do conteúdo moral a partir de critérios válidos em si mesmos, como o critério racional. Assim, a pretensão de correção parte da ideia de que é possível conhecer objetivamente o conteúdo moral correto do direito.

[5]           GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 67

[6]           ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005. pp. 244-245.

[7]           ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p.30.

[8]           ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005. p. 245.

[9]           ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p.30.

[10]          Id., ibid. p.32.

[11]          GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 68

[12]          ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005. p. 247.

[13]          SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais, v. 798. São Paulo, 2002. p.24.

[14]          GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 69.

[15]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 51.

[16]          Id., ibid. p. 52.

[17]          Sobre o assunto, em Curso de Direito Tributário,16.ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 343, Paulo de Barros Carvalho ensina que o modal deôntico é o elemento diferenciador entre o dever-ser interproposicional e o dever-ser intraproposicional. Aquele corresponde à ligação entre a hipótese normativa e a consequência jurídica, enquanto este “entrelaça o sujeito pretensor ao sujeito devedor”, relação que existe nas regras de comportamento. O dever-ser intraproposicional se triparte, segundo o autor, nos modais obrigado, permitido e proibido. O entendimento de Paulo de Barros Carvalho quanto à presença do modal deôntico apenas nas regras que descrevem um comportamento não se compatibiliza com as ideias de Alexy, porque este defende que o modal está presente em qualquer tipo de norma – inclusive nos princípios.

[18]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 57-58.

[19]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p.59.

[20]          BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Sobre o Conceito de Norma e a Função dos Enunciados Empíricos na Argumentação Jurídica segundo Friedriech Müller e Robert Alexy. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 43. São Paulo, 2003. p. 106.

[21]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 50.

[22]          Id., ibid. p. 70.

[23]          Id., ibid. p. 67-68.

[24]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 71.

[25]          CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional de Teoria da Constituição. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 1034-1035.

[26]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 83.

[27]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002.p.  86.

[28]          Id., ibid. p. 86.

[29]          Cf. ALEXY, Robert. Tres Escritos Sobre los Derechos Fundamentales y la Teoría de los Principios. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2003, p. 107-108  e também ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 55.

[30]          ALEXY, Robert. Tres Escritos Sobre los Derechos Fundamentales y la Teoría de los Principios. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2003. pp. 108-109.

[31]          ALEXY, Robert. Tres Escritos Sobre los Derechos Fundamentales y la Teoría de los Principios. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2003. p. 110.

[32]          Id., ibid. p. 88. Em exemplo sugerido, Alexy faz referencia a duas  normas escolares: uma proíbe os alunos de saírem da sala antes de soar o sinal e outra ordena que os alunos abandonem as salas caso o alarme de incêndio toque. Neste caso, é introduzida uma cláusula de exceção e, quando toca o alarme de incêndio, não deve ser cumprida a primeira norma. A invalidação de qualquer uma conduziria a uma situação esdrúxula: os alunos estariam autorizados a sair da sala em qualquer instante ou deveriam nelas permanecer se houvesse um incêndio.

[33]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 88.

[34]          Id., ibid. p. 89.

[35]          A tradução espanhola utiliza exatamente o termo precedencia. Não se deve confundir com algum tipo de critério de anterioridade de um princípio em relação ao outro. Para melhor elucidação, vale ressaltar que o termo transmite a ideia de preferência.

[36]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 92.

[37]          O exemplo e sua representação são do próprio Alexy, Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 92.

[38]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. pp. 92-93.

[39]          Id., ibid. p. 94.

[40]          Id., ibid. p.98.

[41]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 95.

[42]          Id., ibid. p. 97.

[43]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 99.

[44]          Id., ibid. p. 100.

[45]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 100.

[46]          Id., ibid. pp. 138,139.

[47]          Id., ibid. p. 141.

[48]          Id., ibid. p. 140 e 141.

[49]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 146.

[50]          Id., ibid. p. 156 e 157.

[51]          ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 37.

[52]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 100.

[53]          ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. São Paulo: Malheiros, 2003. p.41.

[54]          Id., ibid. p. 46.

[55]          CARRIÓ, Genaro. Notas sobre Derecho y Lenguaje. 5.ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2006. p. 353.

Sobre o autor
André Canuto de F. Lima

Analista Judiciário lotado no Supremo Tribunal Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, André Canuto F.. A teoria dos princípios de Robert Alexy. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4078, 31 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31472. Acesso em: 5 nov. 2024.

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