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O dever de transparência e a publicação de dados referentes à remuneração dos servidores públicos

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Agenda 01/01/2015 às 14:39

5  CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988 inaugurou um novo marco jurídico no Brasil, encerrando o período no qual a publicidade (transparência) era vista como algo desnecessário. Inspirado pelo Princípio Republicano, o princípio da publicidade (artigo 37 da Constituição Federal) pretende garantir que o titular e destinatário do poder (o povo) fiscalize cada passo da administração.

É evidente que, como toda norma constitucional, a publicidade não é um direito absoluto. Há restrições no próprio texto constitucional (segurança nacional, por exemplo). Esse tipo de restrição à publicidade não implica inconstitucionalidade. A finalidade da restrição é evitar o uso indevido da própria publicidade e, em última análise, garantir a estabilidade da sociedade.

A Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 5º, a proteção à intimidade e vida privada (privacidade). Isto é, garante ao cidadão a proteção das informações relacionadas à vida privada, tais como modo de vida doméstico, nas relações familiares e afetivas em geral, fatos, hábitos, etc.

É importante destacar que o fato de inexistir norma reputando determinado dado como sigiloso não autoriza afirmar que se trata de dado público de livre acesso. Algumas informações estão ligadas diretamente ao indivíduo e, dessa forma, protegidas pelo direito à intimidade, independentemente de norma legal expressa nesse sentido.

Os dados relativos ao patrimônio e remuneração dos cidadãos, dentre eles os funcionários públicos federais, são protegidos pelo princípio da proteção à intimidade e vida privada (privacidade), na medida em que trata-se de informação sensível ao âmbito doméstico.

Com fundamento no dever de publicidade, foi promulgada, em 2011, a lei de acesso à informação (Lei nº 12.527/2011). Referida norma foi regulamentada, em âmbito federal, pelo Decreto nº 7.724/2012 que determina, expressamente, a publicação de dados individualizados sobre a remuneração dos servidores, inclusive em sites da internet.

A publicação dos referidos dados é ilegal, na medida em que a Lei 12.527/2011 não determina expressamente a publicação de dados individualizados sobre a remuneração dos servidores. Logo, o Decreto 7.724/2012 extrapolou o poder regulamentar e, de forma indevida, inovou o ordenamento jurídico.

A disposição genérica da Lei 12.527/2011 sobre transparência de dados não engloba a publicação de dados individualizados da remuneração dos funcionários, na medida em que trata-se de dado afeto à intimidade e vida privada. Logo, impossível interpretação extensiva ou ampliativa da lei para restringir direito constitucional.

De qualquer forma, os dados referentes à remuneração do servidor são englobados pelo direito constitucional à intimidade e vida privada. Logo, mesmo se existisse lei ordinária determinando a divulgação dos dados individualizados da remuneração, tal norma seria eivada do vício da inconstitucionalidade material.

Por fim, é preciso conciliar o direito individual à intimidade e vida privada com os Princípios da Publicidade e Moralidade, inscritos no artigo 37 da Constituição Federal.

No que tange à remuneração, deve prevalecer o direito à intimidade, com a impossibilidade de divulgação do salário individualizado do funcionário. Por outro lado, para garantir o dever de publicidade, outros dados gerais referentes ao funcionalismo (total de funcionários, plano de carreira, total de gastos com funcionalismo, provisão orçamentária para pagamento de funcionários, etc.) podem ser publicados, garantindo integralmente a observância aos princípios do art. 37 da Constituição.

Cabe notar que o entendimento atual do STF sobre o tema é pela possibilidade de publicação de dados referentes à remuneração individualizada do servidor. Segundo o STF, não haveria violação à intimidade e seria, somente, a aplicação do princípio da publicidade, sem qualquer excesso de exposição.


6  REFERÊNCIAS

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 12ª ed. São Paulo: Saraiva. 2006

________________. Lei de Introdução às Normas do Direito Civil Brasileiro Interpretada. 17ª ed. São Paulo: Saraiva. 2012.

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GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5ª ed. Volume II. São Paulo: Saraiva. 2008

LOPES MEIRELLES, Hely. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.

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RÁO, VICENTE. O Direito e a Vida dos Direitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35ª. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2012.

____________________. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2004.


Notas

[1].SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35ª. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2012. p. 671/672.

[2].SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35ª. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2012. p. 206.

[3].CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 4ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 524.

[4].SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2004. p. 210.

[5].SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª. ed. São Paulo: Melhoramentos, 2004. p. 210.

[6].Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 0247486-17.2011.8.26.0000. Rel. Des. Osvaldo de Oliveira. DJE 07/12/2011.

[7].Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 900.10.282875-1. Rel. Des. Marrey Uint. DJE 07/12/2011.

Sobre o autor
Marcelo Carita Correra

Procurador Federal,<br>exerceu a advocacia privada em São Paulo/SP<br>Bacharel em Direito pela PUC-SP<br>Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRERA, Marcelo Carita. O dever de transparência e a publicação de dados referentes à remuneração dos servidores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4201, 1 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31606. Acesso em: 19 dez. 2024.

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