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O contrato de gaveta na compra de imóveis

Agenda 21/02/2015 às 10:17

O imóvel foi vendido pelo chamado contrato de gaveta. Surge a dúvida: quem deverá quitar as despesas condominiais e demais obrigações?

O imóvel foi vendido pelo chamado contrato de gaveta. Surge então a dúvida: quem deverá quitar as despesas condominiais e demais obrigações?

Primeiramente, devemos entender o que é o contrato de gaveta. Este tipo de contrato nada mais é do que um instrumento de uma operação de alienação imobiliária sem qualquer formalidade exigida no âmbito legal.

O principal problema deste contrato é que ele não traz garantias como o contrato formal que consegue registrar e fazer prova da compra e venda, da negociação e do financiamento, o que reflete também na questão de direitos e obrigações quanto ao pagamento de despesas condominiais.

É importante saber que quem firmar um contrato particular de compra de venda, a partir de agora, poderá fazer a anotação no cartório de registro de imóvel. O provimento 050/2010 nesse sentido foi baixado pelo Corregedor Geral de Justiça, como forma de dar uma segurança maior para quem compra o imóvel, ainda que não tenha a propriedade definitiva do bem.

De acordo com o provimento, os cartórios de registro de imóveis ficam autorizados a lavrar a averbação dos contratos e respectivas transferências referentes a imóveis financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação, os chamados “contratos de gaveta”.

A medida vale para contratos de promessa de compra e venda, de cessão de direitos e obrigações, de compra e venda definitiva, ou de qualquer outra denominação e podem ser formalizados por instrumento público ou particular, mas, nesse caso, é preciso que as assinaturas dos contratantes e testemunhas estejam com firmas reconhecidas. Não é necessária a comunicação ao agente financeiro dessa averbação.

O cartório registrador, após conferida a validade formal do contrato, deve proceder à averbação na matrícula do imóvel, fazendo constar a natureza do negócio, seu valor, a forma de pagamento e as condições nele estabelecidas, bem como os nomes dos adquirentes com as respectivas qualificações. No caso de ser um contrato particular, o cartório deve ainda arquivar uma via do contrato apresentado e outros documentos relativos ao negócio firmado.

A transmissão definitiva de propriedade de imóvel cujo “contrato de gaveta” tiver sido averbado no cartório, conforme o provimento da Corregedoria de Justiça terá o registro realizado por meio da apresentação do termo de liberação da hipoteca ou documento equivalente, com a finalidade de constituir o direito de propriedade.

Sendo assim, no âmbito condominial, o contrato de gaveta traz certas peculiaridades.

Devemos sempre lembrar que o promissário comprador é um condômino, e como tal, tem direitos, obrigações e deveres como qualquer um.

Quando um imóvel é vendido através de um negócio não registrado, ou de um instrumento denominado “contrato de gaveta”, devemos nos atentar aos possíveis obstáculos tais como a promessa ou cessão sem registro.

É importante ressaltar que o intitulado "contrato de gaveta", isto é, sem a necessária intervenção ou anuência do agente financeiro no negócio jurídico celebrado é válido, não havendo no ordenamento qualquer vedação à tutela dos sujeitos contratantes.

De toda forma, de acordo com a obrigação propter rem, especialmente no caso de débito condominial, se atrela à própria coisa e por ela responderá o titular, mesmo não sendo o proprietário do imóvel.

Maria Helena Diniz nos ensina que tal obrigação surge no momento em que “o titular do direito real é obrigado, devido a sua condição, a satisfazer certa prestação”.

A obrigação propter rem é uma relação entre o atual proprietário e possuidor do bem e a obrigação decorrente da existência da coisa. Destaque-se que a obrigação é imposta ao titular adquirente da coisa, que se obriga a adimplir com as despesas desta.

O Código Civil de 2002 trouxe esta obrigação em alguns artigos, como por exemplo o artigo 1.345: “O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”.

A jurisprudência não é uníssona neste tema. Alguns acórdãos concluem que a cobrança deverá acontecer somente em face do proprietário, o sujeito que está figurando como dono no registro na matrícula do imóvel, outros imputam a obrigação ao promissário comprador.  

O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que na relação entre condômino e condomínio, poderá o titular do direito da coletividade (condomínio) eleger como devedor das despesas como sendo o possuidor ou o proprietário, é o que descreve a jurisprudência que segue:

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Despesas Condominiais. Cobrança. Ilegitimidade passiva ad causam. Preliminar rejeitada pela sentença. Reiteração em sede recursal. Impropriedade. A contribuição para as despesas do condomínio edilício constitui obrigação de natureza "propter rem", onde a situação jurídica do obrigado representa uma amálgama de direito pessoal e real, não tendo preponderância, para efeito de legitimação passiva ordinária, a condição de possuidor ou proprietário da unidade autônoma sobre a qual recai a obrigação, pois prevalece, em contrapartida, o interesse da coletividade dos condôminos na obtenção de recursos para manutenção da propriedade coletiva comum, podendo o condomínio credor eleger devedor aquele que possui uma relação jurídica vinculada à unidade autônoma, a exemplo do réu na qualidade de titular da unidade autônoma perante o registro imobiliário. Preliminar rejeitada.

Neste outro exemplo, o entendimento do STJ declara a natureza da obrigação em questão no IPTU, por ser o arrematante o titular do direito real.

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL EM HASTA PÚBLICA. AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. ADJUDICAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 130, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. OCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PROPTER REM. EXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. 1. Discute-se nos autos se o credor-exequente (adjudicante) está dispensado do pagamento dos tributos que recaem sobre o imóvel anteriores à adjudicação. 2. Arrematação e adjudicação são situações distintas, não podendo a analogia ser aplicada na forma pretendida pelo acórdão recorrido, pois a adjudicação pelo credor com dispensa de depósito do preço não pode ser comparada a arremate por terceiro. 3. A arrematação em hasta pública extingue o ônus do imóvel arrematado, que passa ao arrematante livre e desembaraçado de tributo ou responsabilidade, sendo, portanto, considerada aquisição originária, de modo que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta. Precedentes: REsp 1.188.655/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 8.6.2010; AgRg no Ag 1.225.813/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 8.4.2010; REsp 909.254/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma DJe 21.11.2008. 4. O adquirente só deixa de ter responsabilidade pelo pagamento dos débitos anteriores que recaiam sobre o Bem, se ocorreu, efetivamente, depósito do preço, que se tornará a garantia dos demais credores. De modo que o crédito fiscal perquirido pelo fisco é abatido do pagamento, quando da praça, por isso que, encerrada a arrematação, não se pode imputar ao adquirente qualquer encargo ou responsabilidade. 5. Por sua vez, havendo a adjudicação do imóvel, cabe ao adquirente (credor) o pagamento dos tributos incidentes sobre o Bem adjudicado, eis que, ao contrário da arrematação em hasta pública, não possui o efeito de expurgar os ônus obrigacionais que recaem sobre o Bem. 6. Na adjudicação, a mutação do sujeito passivo não afasta a responsabilidade pelo pagamento dos tributos do imóvel adjudicado, uma vez que a obrigação tributária propter rem (no caso dos autos, IPTU e taxas de serviço) acompanha o Bem, mesmo que os fatos imponíveis sejam anteriores à alteração da titularidade do imóvel (arts. 130 e 131, I, do CTN). 7. À luz do decidido no REsp 1.073.846/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 18.12.2009, "os impostos incidentes sobre o patrimônio (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR e Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU) decorrem de relação jurídica tributária instaurada com a ocorrência de fato imponível encartado, exclusivamente, na titularidade de direito real, razão pela qual consubstanciam obrigações propter rem, impondo-se sua assunção a todos aqueles que sucederem ao titular do imóvel." Recurso especial provido.

Sendo assim, podemos perceber duas tendências jurisprudenciais distintas, uma em que a responsabilidade pelas despesas condominiais é do proprietário da unidade autônoma, por se tratar de obrigação propter rem (Apelação n.492.802, 11ª Câmara Cível, Tribunal de Alçada de SP) e outra com tese diferente, em que descreve a obrigação de pagamento das cotas condominiais decorre do condomínio e não da posse (Apelação Cível n.29.304, 5ª Câmara Cível, Tribunal de Alçada de SP).

O importante é perceber que responde pelos débitos condominiais quem tem a posse direta, quem desfruta dos benefícios do edifício que dá origem à cobrança da despesa de condomínio, principalmente quando o vendedor do imóvel avisou sobre quem ocupa realmente o imóvel.

Assim, o promissário vendedor, que se comprometeu a alienar o imóvel, mesmo que não tenha sido registrado junto à matrícula, não responde pelas despesas condominiais, desde que o condomínio tenha ciência da informação.

No caso de cessão imobiliária, de acordo com o art. 287 do CPC, a responsabilidade pelo débito é do cedente e não do cessionário, pois o cessionário sub-roga-se nos direito e obrigações do cedente, desde que o condomínio conheça a situação.

Sendo assim, podemos concluir que as despesas de condomínio não são de responsabilidade de quem detém o título registrado, mas deverá incidir sobre o adquirente da unidade, independente de o titulo estar registrado no cartório competente.

Neste entendimento, obrigar o cedente ou proprietário ao pagamento de despesas de exclusividade do comprador ou cessionário poderia ser considerado enriquecimento ilícito, pois estes são os verdadeiros possuidores e titulares do imóvel.

Como sabemos, em nossa sociedade, especialmente no âmbito rural e em comunidades com menores recursos, o contrato de gaveta se faz presente nos negócios imobiliários, e apesar de ser prática muito antiga, ainda está bastante arraigada à realidade social.

Assim, mesmo não se tratando de um tipo de contrato regular, que segue a formalidade legal, ele traz novas garantias para quem opta por utilizar este tipo de contrato, mas cabe relembrar, as despesas de condomínio não são de responsabilidade de quem detém o título registrado, mas deverá incidir sobre o adquirente da unidade, independente de o titulo estar registrado no cartório competente.

Sobre o autor
Bernardo César Coura

Advogado Especialista em Direito Imobiliário e Direito Condominial pela FGV. Especialista em Contratos pela FGV. Especialista em Direito Ambiental pela FGV e Processo Civil pelo CAD. Especialista em Direito Digital, Startups pela FGV. Colunista do Jornal do Síndico, EPD Cursos e Boletim do Direito Imobiliário. Autor de artigos jurídicos, publicados nas revistas e sites especializados. Escritório referência em Direito Imobiliário, reconhecido com um dos melhores de Belo Horizonte, com atendimento nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COURA, Bernardo César. O contrato de gaveta na compra de imóveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4252, 21 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31772. Acesso em: 24 nov. 2024.

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