Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Dolo eventual no homicídio de trânsito.

Submissão à pressão social em face da patente violação ao princípio da reserva legal ou cabimento, com aplicação do Código Penal em detrimento do Código de Trânsito Brasileiro

Agenda 11/09/2014 às 23:58

Apresenta-se um debate sobre a imputação do dolo eventual em homicídios decorrentes de acidentes de trânsito com motoristas embriagados.

O aumento constante do número de acidentes causados por motoristas que ingeriram álcool fizeram vítimas fatais nas estradas brasileiras trouxe à tona a discussão sobre os diferentes entendimentos acerca da presença do dolo eventual nestes fatos.

Este tema tornou-se muito recorrente, principalmente na impressa, porque o bem jurídico em risco, neste caso, é a vida e é indiscutível que este é um dos bens mais zelados e protegidos pelas leis brasileiras (previsto no artigo 5º, caput, da Carta Magna Brasileira de 1988) e tal situação infringe, ainda, o Código de Trânsito Brasileiro, que garante:

“Art. 1º, § 2º. O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito”. [1]

O Código Penal trata da embriaguez no seu inciso II do artigo 28, determinando que ela não excluirá a imputabilidade penal (capacidade de responder por seus atos na esfera criminal), seja voluntária ou culposa e pelo álcool ou substâncias análogas (entorpecentes).

Entretanto, para falar de dolo eventual é preciso que se esclareça o conceito de dolo e culpa. Assim, a redação do artigo 18 do Código Penal dispõe que o crime é doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” [2] e em seu parágrafo único determina que “salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente” [3].

Sabendo-se que a conduta só pode ser portadora de dolo ou culpa, a ausência das duas características, portanto, faz com que o fato deixe de ser típico. O crime culposo é concentrado no inciso II do artigo 18 do Código Penal, que diz que esse tipo de crime se caracteriza “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia” [4]. Para o doutrinador Julio Fabbrini Mirabete, esse crime pode ser definido como “a conduta humana voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado” [5].

O ponto que divide dolo e culpa é a separação entre os conceitos do dolo eventual e da culpa consciente. O dolo eventual é caracterizado pela presença de vontade no agente de realizar a conduta, pela consciência dela e do nexo de causalidade. Fernando Capez, para explicar, diz que “o agente não quer diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo (dolo eventual), ou não se importa em produzir este ou aquele resultado (dolo alternativo) [6]”. Para este mesmo jurista, culpa consciente é, portanto, “aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite” [7]. O resultado, então, é previsível e até previsto pelo agente, porém ele não possui o desejo de consumá-lo nem assumir o risco, pois entende ser capaz de evitar que o resultado seja produzido. Importante destacar que o dolo eventual só é caracterizado quando o agente ultrapassa os limites da normalidade, não se preocupa se o delito irá ou não ser realizado.

Muitos tribunais têm entendido, inclusive, que um sujeito dirigir embriagado e em alta velocidade caracteriza-se o dolo eventual, pois é certo que ele, neste caso, assumiu o risco de produzir o resultado. Infere-se, assim, que a teoria do consentimento é a adotada pelo Código Penal Brasileiro.

Vale lembrar, também, que a Lei nº 9.503 de 1997 inovou acrescentando os crimes de trânsito. O que mais gera discussão é o artigo 302, que caracteriza o homicídio praticado na direção de veículo automotor como culposo (diferente do que pode ser observado até agora com os conceitos a respeito de dolo eventual, principalmente), contudo, sabe-se que há a presença do dolo eventual, indiscutivelmente.

Rogério Greco ainda diz que “exige-se, portanto, para a caracterização do dolo eventual, que o agente anteveja como possível o resultado e o aceite, não se importanto realmente com a sua ocorrência” [8].

Mirabette vem para fortalecer este pensamento dizendo que:

“Nesta hipótese, a vontade do agente não está dirigida para a obtenção do resultado; o que ele quer é algo diverso, mas, prevendo que o evento possa ocorrer, assume assim mesmo o risco de causá-lo. Essa possibilidade de ocorrência do resultado não o detém e ele pratica a conduta, consentindo no resultado” [9].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            O mesmo doutrinador ainda diz que “há o dolo eventual, portanto, quando o autor tem seriamente como possível a realização do tipo penal se praticar a conduta e se conforma com isso” [10]. Um exemplo citado por Mirabete é o do motorista que direciona e vai com o carro contra muitas pessoas, pois tem pressa para chegar ao seu destino, sabendo que poderá haver a morte dos pedestres ali presentes.

            Apesar da redação do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, ainda há quem, erroneamente, continue julgando esses crimes sem a observância da lei especial e sim seguindo apenas princípios e o Código Penal que segue linha diversa. Nestes casos, esquece-se, contudo, que o correto é que a lei especial prevaleça sobre a geral.

            Deste modo, com todas as divergências legais, doutrinárias e jurisprudenciais, fica claro que o que se deve buscar, principalmente, é maior severidade nas penas impostas àqueles condutores que se embriagam conscientes do risco que estão causando ao bem maior da coletividade: a vida.

            Em tempo, cabe salientar que pressão social e clamor público não podem também pesar mais que o que está determinado legalmente, pois é notório esse tipo de acontecimento, o que pode levar, porém, a um julgamento desproporcional e sem o amparo legal e dos princípios essenciais.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível em: http: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9503.htm Acesso em: 30 abr. 2012.

BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 30 abr. 2012 .

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2004.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Vol. I. 14. ed. 2012. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Vol. I. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2006.


[1] BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível em: http: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9503.htm Acesso em: 30 abr. 2012.

[2]  BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 30 abr. 2012 .

[3] BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 30 abr. 2012 .

[4] BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 30 abr. 2012 .

[5] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Vol. I. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 121.

[6] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 190.

[7] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 197.

[8] GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Vol. I. 14. ed. 2012. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. p. 206

[9] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Vol. I. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 116.

[10] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Vol. I. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 116.

Sobre a autora
Loana Viana

Acadêmica do 9º semestre do curso de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!