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Ação monitória: a natureza jurídica das decisões no procedimento monitório e a constituição do título executivo segundo a Lei nº 9.079/95

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Agenda 01/10/2002 às 00:00

PALAVRAS-CHAVES – monitória – decisões pertinentes – natureza jurídica

SUMÁRIO: Resumo informativo; Introdução ; Capítulo 1 – Origem Histórica, 1.1.– O Direito, 1.2.– Ação Monitória, 1.2.1– Legislação Italiana, 1.2.2.– Legislação Portuguesa, 1.2.3– Legislação Brasileira; Capítulo 2 – Princípios Gerais do Direito Processual Civil, 2.1 – Princípios Constitucionais, 2.1.1 – Princípio do Devido Processo Legal, 2.1.2 – Princípio da Isonomia Processual, 2.1.3 – Princípio da Obrigatoriedade de Pronunciamento Judicial e da Motivação das Decisões, 2.1.4 – Princípio da Ampla Defesa, 2.1.5 – Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, 2.2 – Princípios Gerais do Processo Civil, 2.2.1 – Princípio da Economia Processual, 2.2.2 – Princípio da Instrumentalidade, 2.2.3 – Princípio da Imparcialidade do Julgador, 2.2.4 – Princípio da Disponibilidade, 2.2.5 – Princípio da Persuasão Racional do Juiz, 2.3 – A visão sistemática da legislação ; Capítulo 3 – Processo e Procedimento – Diferenças ; Capítulo 4 – Natureza Jurídica da Ação Monitória ;Capítulo 5 – O Procedimento Monitório no Brasil e a Lei 9.079/95, 5.1 – Os benefícios trazidos pelo Procedimento Monitório, 5.2 – Inversão da iniciativa do contraditório, 5.3 – O ônus da prova e a fundamentação na petição inicial ; Capítulo 6 – Documentos hábeis para a propositura da Ação Monitória, 6.1 – Prova Escrita, 6.2 – Da liquidez do documento, 6.3 – Da exigibilidade do documento, 6.4 – Da certeza do documento, 6.5 – Conclusão, Capítulo 7 – A Petição Inicial, o Mandado Injuntivo e a citação do réu no Procedimento Monitório, 7.1 – A Petição Inicial, 7.2 – Do Mandado Injuntivo, 7.2.1 – Requisitos do Mandado Monitório, 7.2.2 – Natureza Jurídica do Mandado Monitório, 7.2.2.1 – Cabe recurso da decisão, 7.3 – Citação do réu ; Capítulo 8 – Da não apresentação de embargos pelo demandado e da constituição do título executivo judicial, 8.1 – Da constituição do título executivo judicial pela não interposição de embargos, 8.1.1 – Sentença Suspensivamente Condicionada, 8.1.2 – Constituição do título independente de decisão (pleno direito), 8.1.3 – Prolação de Sentença após o término do prazo de apresentação dos embargos, 8.2 – A sentença que transforma o mandado injuntivo em título executivo judicial ; Capítulo 9 – Os embargos e o seu julgamento, 9.1 – Nomenclatura e prazo para a apresentação dos embargos, 9.2 – Natureza Jurídica dos embargos à monitória, 9.2.1 – Relevância da definição da natureza jurídica dos embargos, 9.2.2 – Embargos com natureza jurídica de contestação, 9.2.3 – Embargos com natureza jurídica de ação declaratória incidental negativa., 9.2.4 – Entendimento doautor, 9.3 – Amplitude de defesa e desnecessidade de prévia segurança do juízo, 9.4 – Processamento dos embargos, 9.5 – O julgamento dos embargos, 9.6 – Do recurso cabível, 9.7 – Natureza jurídica do título adquirido e a execução ; Conclusão; Bibliografia.


RESUMO INFORMATIVO

O presente trabalho versa sobre um dos temas mais debatidos no nosso atual direito processual: a Ação Monitória. Instituto ainda infante em nosso país, a Ação Monitória, instituída entre nós pela Lei 9.079, de 14 de julho de 1995, tenta trazer, através de seus mandamentos, uma maior celeridade para o recebimento de créditos que são configurados por documentos escritos. Procuramos, neste trabalho, ressaltar o caráter histórico da aludida ação, com sua origem e as normas, nacionais e estrangeiras, que lhe deram forma. Também está presente a discussão de ser esta ação um novo tipo de procedimento ou um novo processo. A análise dos Princípios Processuais e institutos da Ação Monitória vem retratada de forma seqüencial, passando-se pelos diversos pormenores do procedimento, dando atenção maior para os documentos hábeis para propositura da ação, citação e os embargos, que são a forma de defesa da ação em foco. Mas o maior objetivo deste trabalho, é delimitar quais são as decisões existentes na Ação Monitória, e, em caso de existência, qual a sua natureza jurídica. Desde já deve se ressaltar que o tema em epígrafe é dos mais tormentosos no Direito Processual Civil de nosso país nos dias atuais, havendo corrente doutrinárias capitaneadas pelos mais brilhantes autores nacionais e estrangeiros que seguem caminhos diametralmente opostos sobre o mesmo tema. Mas ao mesmo tempo em que o assunto é por demais conflituoso, também é dos mais belos de nossa legislação, pois o instituto é dotado do maior bem buscado pelo Direito: a JUSTIÇA. E é com esse intuito de se buscar a verdadeira justiça, mola mestra de qualquer sociedade democrática, é que buscamos fazer deste trabalho não um simples texto sobre o assunto, mas sim, uma forma de se possibilitar a todo jurisdicionado a real e correta obtenção de seus direitos.


INTRODUÇÃO

Desde os primórdios do Direito, há um ponto que nunca deixou de ser causa de discussão: a morosidade do pronunciamento jurisdicional.

Não é difícil de se entender o porquê de tal crítica. Todo aquele que procura as raias da justiça apresenta um problema que, no seu entender, é o mais importante de todos, e que se não for resolvido rapidamente, perderá sua razão de ser.

Em nosso país não é diferente. Todas as vezes que se pergunta a um cidadão sobre a justiça e o direito, há unicidade na resposta: a morosidade é a sua principal característica.

Mas ao longo do tempo, o Direito tem tentado encontrar novos caminhos para dirimir esta morosidade, criando institutos que possibilitam maior rapidez no desfecho da lide. Isso pode ser notado com o advento do processo de execução, das ações cautelares, da antecipação de tutela e liminares, que hoje são de grande monta. Mas ainda assim o Direito ainda se encontra longe de resolver este problema.

Atentando a tal visão, a Ação Monitória veio com a missão de tornar mais célere o processamento de ações de cobrança de dívidas quando se exista qualquer tipo de documento escrito. E é com esse instrumento que o legislador nacional vem buscar, mais uma vez, a aplicação da justiça e o cumprimento das obrigações assumidas pelos cidadãos tupiniquins de uma maneira mais célere e precisa. O Código de Processo Civil em seu Capítulo XV, que consta de apenas três artigos: 1.102.a, 1.102.b e 1.102.c, e seus respectivos parágrafos, acrescentados pela Lei 9.079/95, define o novo procedimento, aguçando sobre seu processamento e requisitos.

Tema dos mais tormentosos e discutidos não só direito brasileiro, mas também em diversos países europeus, a Ação Monitória é um dos assuntos que geram maior número de obras jurídicas no atual momento jurídico nacional.

No presente trabalho, explanamos sobre o contexto histórico, os princípios norteadores do Direito Processual brasileiro, a instituição da ação monitória e suas principais características, mas sem a pretensão de esgotá-las neste pequeno trabalho, pois nosso interesse maior é dissertar sobre a natureza jurídica das decisões emanadas no presente procedimento.

Tal interesse se funda na necessidade de possibilitar ao jurisdicionado o bom e acertado uso da justiça, seja na garantia de seu direito, ou mesmo no caso do segundo grau de jurisdição, se este for cabível.

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O assunto é por demais debatido, não havendo unicidade de posicionamentos. Nosso interesse é, de maneira objetiva e clara, apresentar conclusões sobre as aludidas naturezas jurídicas, para que se verifique, enfim, a boa prática e aplicação da justiça!


Capítulo 1 - Origem Histórica

1.1 – O Direito

O ser humano, assim como tudo que advém da natureza, é dado ao crescimento, ao desenvolvimento, ou como diria Darwin, à evolução. Ou seja, apesar de todos os homo sapiens [1] terem caracteres semelhantes ao longo dos tempos, ele vai se aperfeiçoando, buscando a cada dia novos modos de viver.

A evolução do homem fez com que este buscasse formas de melhor convivência. Nos primórdios da espécie humana, os viventes eram pessoas solitárias, vivendo em ínfimos grupos de três ou quatro pessoas. A vida era, até certo ponto, mais fácil, isto porque o homem preocupava-se apenas em conseguir o alimento e vestuário para seu pequeno grupo.

Acontece que, como já falado, o homem evoluiu e percebeu que poderia ser mais fácil sua existência se pudesse dividir suas tarefas com mais pessoas. Foi aí então que passou a viver em grupos maiores, formando as primeiras comunidades. E, como já era de se esperar, o homem começa a se desenvolver ainda mais. Desenvolve armas de pedra para caçar animais maiores; começa a habitar cavernas mais profundas para se proteger dos eventos naturais, como tempestades e incêndios.

Com o apoio de seus comuns, o homem vai se desenvolvendo cada vez mais e começa a ter controle sobre a natureza. As três maiores descobertas de todos os tempos, que são o fogo, a roda e a escrita, acoplados à inteligência dada aos seres humanos, possibilitaram ao homem se tornar o soberano entre todos os animais da natureza. A vida do homem se tornara mais fácil, agora ele podia controlar algumas forças da natureza.

Acontece que o homem não conseguiu se conformar com aquela pequena comunidade em que habitava. Ele se sentindo cada vez mais forte, percebeu que se houvesse o apoio de mais e mais pessoas, o desenvolvimento seria ainda maior. Havia necessidade de vôos ainda mais altos. Foi aí então que surgiram as primeiras sociedades.

Mas, como não poderia deixar de ser, inspirando-se no exemplo bíblico de Adão e Eva, o homem passou a querer mais poder. Nos dizeres do livro sagrado, Adão e Eva habitavam o paraíso, tinham tudo que precisavam para viver, mas quiseram ser mais; buscavam ser iguais a Deus. Não conseguiram, acabaram traindo a confiança do Criador e envergonhados por estarem nus.

Parecendo inspirados na aventura frustrada dos pais de toda a criação, o homem também quis ser mais. Só que dessa vez, seu objetivo era outro: não ser igual a Deus, mas ser o soberano dos homens. O homem vivente em sociedade passou a interessar pelo poder, pela dominação sobre seus iguais. Agora o homem já não tinha mais o desejo de evoluir sua sociedade; seu interesse era crescer sozinho, ser mais forte, mais inteligente, mais astuto que os demais para conseguir o almejado poder.

O homem agora se vê em duas posições: dominado e dominador. E a partir deste momento surge a primeira necessidade de se ter um conjunto de regras. A sociedade agora não é dotada apenas de iguais, por isso era necessário se impor regras para garantir (garantir?) os direitos de cada um dentro da sociedade.

E várias outras foram as causas de se criar o conjunto de normas para se bem viver. As tábuas da Lei apresentadas por Moisés são um conjunto de normas que apresentava como as pessoas deveriam se portar para chegar ao reino dos céus; o Código de Hamurab, com a famosa lei de Talião; as Leis Egípcias e Fenícias; a Legislação Romana, todas elas são mostras da necessidade da existência de um ordenamento para reger a vida em sociedade.

Assim surge o Direito, como um conjunto de regras que vise o bem viver em sociedade.

Com o passar dos anos, vários foram os estudiosos que entenderam a grandiosidade do Direito. Ele passa a ser encarado não mais como um ordenamento pífio, mas sim como uma ciência, a ciência do Direito. Os debates acalorados, a necessidade de mudanças nos ordenamentos, a busca de se entender qual a real necessidade da sociedade, fizeram do Direito a ciência mais controversa e bela de todos os tempos. Hoje não se tem o Direito apenas como um conjunto de ordenamentos para a vida em sociedade, mas sim como um instrumento de Justiça para os homens e prazer para os estudiosos.

Por assim ser, o Direito moderno não é somente uma ciência como a Matemática e a Física. Na verdade, assim como a pintura, a literatura, a música e a escultura, o Direito é uma arte que se torna mais bela a cada dia, beleza esta que se encontra não só na justiça almejada, mas também pela diversidade de pensamentos e opiniões retiradas de um mesmo assunto. Comparando com a literatura, o Direito não é mais o soneto, o qual sua beleza se observa não só pelas palavras, sendo necessária, também, a observação até mesmo do número de versos e estrofes. O Direito atual é como a poesia moderna, não se faz primaz a forma, mas sim à beleza das palavras e opiniões.

1.2 – A Ação Monitória

Assim como o homem, o Direito evolui com o passar do tempo, trazendo novos meios para se chegar à tão almejada justiça, sua maior busca. Além disso, o Direito de um país serve sempre como exemplo para legislações alienígenas. No caso da Ação Monitória não é diferente, o Direito brasileiro inspirou-se em algumas legislações extravagantes para se incluir a presente ação em nosso país. As legislações da Alemanha, da Suíça, da Noruega e dos Países Baixos são exemplos de legislações que serviram como sustentáculo para o advento da nossa.

A Ação Monitória surgiu para se buscar um provimento judicial mais célere, o que realmente ocorreu em muitos países, com o pronto pagamento chegando a quase noventa por cento das ações propostas em alguns países. O legislador ao criar tal ação quer possibilitar que as dívidas que não se assentem em títulos executivos possam ter uma solução rápida, sendo esta sua principal razão de ser.

Embora seja inegável a importância das legislações supracitadas para o advento da Ação Monitória no Brasil, não há dúvidas de que as duas legislações que mais influenciaram o advento desta ação em nosso ordenamento foram a Italiana e a Portuguesa. Por assim ser, a análise da origem histórica da ação em nosso país pautar-se-á nestas duas legislações, além da própria legislação pátria, no presente trabalho.

1.2.1 – Legislação Italiana

Já no Direito Medieval clássico, encontram-se resquícios do provimento monitório. Nos dizeres de Giuseppe CHIOVENDA [2], o primeiro sinal que se tem, no Direito Italiano, da ação monitória vem do mandatum de solvendo com clausula justificativa. Este, com diversos mecanismos similares ao Direito atual brasileiro, era um provimento judicial que visava o recebimento de créditos não cobertos pela ação executiva. Tal mandatum, tinha por fim não a citação do devedor, mas sim, o pronto pagamento da obrigação. O mandatum deu origem a várias legislações, tais como a Francesa e a Alemã.

Há que se ressaltar que, sem sombra de dúvidas, o caráter monitório do mandatum de solvendo com clausula justificativa é de salutar importância para a existência da ação monitória nos diversos países que a adotam hodiernamente. Isso pode se ver no Processo Civil Italiano atual, ao qual passaremos a tecer breves alusões.

O Direito Processual Civil Italiano atualmente tem em seus institutos a Ação Monitória ou Injuncional, o qual muito se assemelha com o procedimento atualmente utilizado no Brasil. Não há dúvidas que a atual Ação Monitória Italiana segue os princípios basilares do mandatum acima descrito, embora também exista influência de outras ordenações alienígenas.

A ação monitória italiana muito se assemelha a sua co-irmã austríaca. Ela tem início como toda e qualquer ação, ou seja, com uma petição inicial, a qual deve conter um documento escrito capaz de comprovar a dívida, mas não havendo necessidade de que tal documento seja público, sendo esta a principal diferença do procedimento austríaco, haja vista que neste faz-se necessária à existência de documento público não executivo.

Recebida e autuada a inicial, o Juiz, de plano, observa a possibilidade de se decretar ou não o mandado injuntivo. O Juiz deve observar se o título é certo, líquido além dos demais pressupostos legais, como a pessoa do devedor e a exigibilidade do título. Caso esteja em ordem o título, o Juiz determinará que se expessa o referido mandado para o pagamento, estando, desde já, o credor citado para a ação.

Passado isso, o credor terá três caminhos: pagar a quantia descrita no mandado, embargar ou simplesmente não responder. Utilizado o primeiro, a ação terá seu fim, pois o objetivo do credor foi alcançado.

No caso de o réu embargar a monitória, o mandado injuntivo terá sua eficácia suspensa, instaurando-se o contraditório a partir da apresentação daquela peça. Julgado os embargos, se procedentes, extinguirá a eficácia do título, pondo fim a ação monitória. Interessante é a decisão que julga improcedente os embargos. Ela somente tem o condão de rejeitar as alegações do réu, não tendo esta força executiva. No entender da doutrina majoritária italiana, o que se tornará executivo, neste caso, será o mandado injuntivo (art. 647, 1; e 643, 1, ambos do CPC Italiano). Tal posição é embasada pelo jurista mineiro Ernane Fidélis dos Santos, em brilhante obra sobre o assunto [3].

Por fim, e sendo este um dos pontos centrais do presente trabalho, está o fato de o réu não apresentar embargos, nem satisfazer o pagamento do mandado injuntivo. Tal situação tem na doutrina italiana quase unanimidade de pensamento a respeito do caminho a se trilhar no presente caso. Para que se dê força executiva ao mandado injuntivo, necessário se fará a existência de uma sentença transformando em executivo aquele mandado.

Assim sendo, o que se têm quando não há manifestação do réu na Ação Monitória é uma sentença que transformará o mandado monitório em título executivo [4].

Nos casos de improcedência dos embargos ou ausência de manifestação do réu, se terá, após tal fase, a execução do título adquirido através de execução por título judicial.

1.2.2 – Legislação Portuguesa

Outra legislação que contribuiu para a instituição da Ação Monitória Brasileira foi, sem sombra de dúvidas, a legislação Portuguesa, principalmente as Ordenações Manoelinas e Filipinas, as quais traziam em seu bojo a ação chamada "Decendiária" ou da "Assinação em dez dias", a qual foi a precursora da ação por nós analisada.

Falando primeiramente da ação decendiária trazida pelas Ornações Manoelinas, temos que tal instituto era utilizado para receber créditos demandados por escritura pública, ou alvarás com força de escritura pública reconhecido pela parte.

A ação decendiária recebeu esta denominação em virtude de seu procedimento, haja vista que, presentes os requisitos, o juiz assinava o prazo de dez dias para que o réu pagasse ou, embargando, desse prova da quitação ou ainda alegasse e provasse outras defesas que tivesse, sendo que a matéria de defesa era ilimitada.

Assim sendo, se o réu cumprisse a obrigação descrita no mandado ou apresentasse prova que o desobrigasse, de plano, a ação estava encerrada.

Outras hipóteses ainda poderiam ser cabíveis: o réu citado comparecia a juízo mas não pagava nem apresentava motivo para a não quitação, o que ensejava a condenação por sentença; igual decisão era tomada quando o réu nem mesmo comparecia a juízo.

Por fim, era possível que o réu comparecesse e embargasse, mas não apresentasse provas que ilidissem prontamente o pagamento, tendo em vista necessitarem de tempo para se efetivarem (a prova testemunhal, por exemplo). Neste caso, era cabível a execução provisória, mas o juízo deveria ser garantido. Interessante era a decisão que rejeitava ou aceitava os embargos. No primeiro caso, o réu, além de pagar o valor do título, era condenado a ressarcir o autor das custas processuais e todas as outras despesas relativas ao processamento, e uma outra verba no mesmo montante da dívida principal, a qual seria dividida entre o autor e a "Piedade" [5]. Mas caso os embargos fossem julgados procedentes, era o autor da ação quem suportaria as custas processuais e todas as outras despesas do réu com o processo, além de pagar em dobro o que pretendia provar, ficando a metade de tal montante para o réu e a outra, para a "Piedade".

As Ordenações Filipinas trouxeram Ação Decendiária com o mesmo processamento da anterior. Acontece que tais Ordenações ampliaram o âmbito de aplicação de tal ação, ao aumentar o valor possível a ser cobrado de 30.000 para 120.000 mil reais [6]. Além disso, e esta sim a mais importante alteração, foi a ampliação do leque de pessoas que poderiam validar por escritura pública o título necessário para a interposição da ação de Assinação em Dez Dias, como Cardeais, Bispos, Viscondes, entre outros. Agora as sentenças que não ensejassem execução eram passíveis, também, deste tipo de ação.

Outra mudança contida tanto nas Ordenações Filipinas quanto nas Manoelinas é que foi retirada do pagamento ou devolução em dobro no caso de interposição de embargos, o que, sem sombra de dúvidas, possibilitou uma maior aplicação da presente ação [7].

1.2.3 – Legislação Brasileira

O Brasil viveu sob o regime colonial Português por mais de trezentos anos. Assim, nossa vocação legisferante retorna ainda há esse tempo colonial, onde a legislação portuguesa era a utilizada no Brasil. Assim sendo, temos que a tradição monitória brasileira também começa com as ordenações citadas quando falávamos em legislação portuguesa.

Acontece que em 1822, o Brasil tornar-se-ia "independente" da Coroa Portuguesa, necessitando o jovem país de um ordenamento próprio.

No que tange ao Processo, o primeiro ordenamento que o regulou foi o Regulamento 737, o qual versava sobre o Processo Comercial. Já neste regulamento estava prevista a Ação da Assinação de Dez Dias (art. 246-269). Este instituto trouxe regras quase semelhantes às contidas nas antigas Ordenações. Seu ponto diferencial fora a ampliação do elenco de títulos passíveis de tal ação. Além disso, passou a ser restringida conforme o documento apresentado, opondo-se, pois, ao antigo ordenamento no qual plena era a oponibilidade de defesa. Por fim, reduziu-se o caráter personalíssimo da ação, haja vista que os "endossadores" também poderiam usufruir da ação em questão para recebimento dos créditos.

A Consolidação Ribas, reunida pelo Conselheiro Antônio Joaquim Ribas, e que teve força de lei, transformando-se no primeiro Ordenamento processual civil de nossa nação, também trouxe em seu bojo a Ação Decendiária, com regras peculiares às ações já explanadas.

Com a Constituição de 1891, a competência para legislar sobre Processo Civil passou para os Estados. Sendo assim, vários entes da Federação fizeram seu próprio ordenamento processual. A ação decendiária estava presente em quase todos os ordenamentos, com destaques para os Estados de São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Pará, pela brilhante legisferação a respeito do tema

No Estado de São Paulo, o Diploma Processual Civil trazia a ação decendiária em seus art. 767/771. Tal ação era cabível ao credor de obrigação líquida e certa, mas que não tivesse força de executiva. No entender de Amaral Santos e Antônio Carlos Marcato [8], tal procedimento fazia valer obrigações de dar, consistente em dinheiro ou coisa, e que fossem fundadas em prova escrita. Depois de recebido o título, o juiz mandava citar o réu para uma audiência, na qual seria assinado ao réu o prazo de dez dias para fazer o pagamento ou apresentar embargos. Decorrido o decêndio, os autos voltariam conclusos ao juiz que poderia tomar um dos seguintes caminhos: proferia sentença definitiva se o réu não pagasse ou não oferecesse embargos, transformando aquele título em executivo; se o réu ofertasse os embargos e estes fossem considerados irrelevantes, ou mesmo se considerado relevante, se não fosse comprovado no decêndio, o juiz também proferiria sentença definitiva; por fim, se os embargos fossem relevante e cumpridamente comprovados no decêndio, o juiz receberia os embargos para a discussão.

Em 1.º de Março de 1940, entra em vigor o primeiro Código de Processo Civil da República, tornando-o novamente uno e de competência da União. Este brilhante trabalho não contemplou a Ação Decendiária. Também o Código de 1973 não trouxe aquela ação, embora existissem diversos defensores para o seu retorno.

Coube então ao legislador ordinário trazer a voga uma ação que muito se assemelha com a desusada ação decendiária: a Ação Monitória, incluída no CPC pela Lei 9.079/95, a qual passaremos a estudar.

Sobre o autor
Gian Miller Brandão

bacharel em Direito pela UNIPAC, Barbacena (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Gian Miller. Ação monitória: a natureza jurídica das decisões no procedimento monitório e a constituição do título executivo segundo a Lei nº 9.079/95. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3236. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Monografia desenvolvida sob a orientação do professor Luciano Alencar da Cunha.

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