Capítulo 2 – Princípios Gerais do Direito Processual Civil
Antes de adentrar propriamente no tema proposto neste trabalho, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre os princípios norteadores do Direito Processual Civil em nosso país. Isto porque toda e qualquer norma atinente ao Processo Civil deve se reger a partir de princípios semelhantes, buscando sempre a unidade entre os institutos pertinentes à matéria.
Nos dizeres de Djanira Maria Radamés de Sá [9] assevera que para a boa aplicação da lei, imprescindível se faz a observância dos princípios. Além disso, nos diz que existem quatro vigas-mestras, quatro pilares de sustentação no Direito Processual Civil de nosso país, sendo que a partir deles é que nascem todos os princípios norteadores de tal Direito. Assim ela nos apresenta:
"Para que o Processo Civil cumpra sua função, é preciso: 1.º) que sejam selecionados os meios mais rápidos e eficazes de procurar descobrir a verdade a verdade e evitar o erro; 2.º) que haja igualdade no processo e justiça na decisão; 3.º) que o processo seja acessível a todos e demore o menor lapso de tempo possível; 4.º) que se busque o máximo de garantia social sem, no entanto, sacrificar a liberdade individual." [10]
Não buscaremos neste trabalho exaustar todos os princípios processuais, dando maior atenção apenas àqueles que têm ligação com a ação monitória, traçando breves comentários aos mesmos.
2.1 – Princípios Constitucionais
2.1.1 – Princípio do Devido Processo Legal
O presente princípio vem trazendo duas elementares que devem ser observadas para a instauração de qualquer procedimento. O primeiro diz respeito ao processo ser devido, ou seja, ser ele a única forma de se chegar a um resultado, devendo apresentar todos os requisitos exigidos. Também deve ser legal, ou seja, deve obedecer a forma prescrita em lei, já que se trata de Direito Público.
2.1.2 – Princípio da Isonomia Processual
Este princípio, também chamado de Igualdade das Partes, tem por base a premissa de respeitar as partes, dando às mesmas direitos e obrigações iguais. Há que se ressaltar que, em alguns momentos, certas pessoas terão prerrogativas maiores que outras, como, por exemplo, a Fazenda Pública, o Ministério Público etc, mas isso não fere o princípio em foco, pois se está obedecendo a máxima de "tratar igualmente aos iguais, e desigualmente aos desiguais".
2.1.3 – Princípio da Obrigatoriedade de Pronunciamento Judicial e da Motivação das Decisões
Toda lide levada ao Poder Judiciária deve ser analisada pelo julgador, sendo obrigação do Estado-Juiz buscar a resolução de tal querela.
Assim sendo, o julgador não pode furtar de se pronunciar sobre qualquer caso, independentemente de haver ou não solução legal para contenda, devendo usar quando da existência de lacunas, o costume, a analogia ou os Princípios Gerais do Direito.
Também se faz necessária a fundamentação de toda e qualquer decisão proferida pelo julgador, pois aquele que procura a Justiça quer ver seu problema apreciado e ter a resposta para o atendimento ou não de sua pretensão.
2.1.4 – Princípio da Ampla Defesa
Este princípio visa possibilitar a plena liberdade dos cidadãos em alegar fatos para a defesa de seus direitos. Ou seja, a todo aquele que é compelido judicialmente quanto a um seu direito é facultado o direito de usar de todos os meios admissíveis na legislação para protege-lo. Este princípio é utilizado em todos os países verdadeiramente democráticos e visa a proteção dos direitos individuais dos cidadãos.
2.1.5 – Princípio do Duplo Grau de Jurisdição
O ser humano sempre está na busca de verdades absolutas. E nunca se vê feliz quando tem sua verdade combatida por outrem. Além disso, tem uma dificuldade incomensurável de aceitar uma derrota sem lutar até a última de suas forças.
Foi com esse pensamento que nasceu o princípio do Duplo Grau de Jurisdição, sendo este o caminho utilizado por aquele que viu seu interesse prejudicado quando em uma lide.
Há que se dizer que tal princípio deve também ser entendido como uma busca maior da democracia, pois o julgador de primeiro grau pode muito bem se equivocar quando de uma decisão, o que afastaria a justiça do perdedor. Assim sendo, aquele que está insatisfeito com a perda ou ameaça de perda de um seu direito tendo em vista uma decisão, pode valer-se de uma nova apreciação da contenda, buscando a reforma daquela decisão.
2.2 – Princípios Gerais do Processo Civil
2.2.1 – Princípio da Economia Processual
Tem por finalidade obter o máximo de resultado com o menor desprendimento de esforço possível, visando atingir a justiça de forma rápida e barata. Ou seja, deve se buscar a aplicação da lei da forma que mais rapidamente se solucione a lide, visando ainda o mínimo de custo e o máximo na obtenção da justiça.
2.2.2 – Princípio da Instrumentabilidade
Visa que o processo atenda não só os interesses particulares, mas também os interesses difusos da sociedade, tornando o processo mais acessível justo e célere.
2.2.3 – Princípio da Imparcialidade do Julgador
Tal princípio assevera que o julgador deve se abster de seus interesses pessoais para a decisão de toda e qualquer lide. O julgador deve decidir emitindo sua decisão fundada em seu entendimento, obedecendo os ditames da lei e da justiça, não se beneficiando qualquer das partes, pois não se está, com a decisão, beneficiando ou deteriorando alguém, mais sim, dando a cada qual o que é seu por direito.
2.2.4 – Princípio da Disponibilidade
É o poder pelo qual todos os cidadãos têm de querer ou não levar sua lide ao conhecimento da justiça, podendo muito bem se furtar de tal fato.
2.2.5 – Princípio da Persuasão Racional do Juiz
O julgador deve estar adstrito às provas contidas nos autos, mas ele pode valora-las da maneira que considerar mais justa, não existindo, em nosso país, provas mais valiosas que outras. Deve-se lembrar embora possa considerar as provas de acordo com sua consciência, é necessário que fundamente seu entendimento.
2.3 – A visão sistemática da legislação.
Há ainda que se explanar sobre a necessidade da presença dos princípios basilares pelo fato de que a interpretação de todo e qualquer ordenamento deve ser interpretado de maneiro sistemática, ou seja, os institutos atinentes a um mesmo dispositivo devem se atender sobre um mesmo prisma, um completando os outros, buscando uma complementação. Sendo assim, mister se faz a presença de institutos similares e regidos por normas gerais semelhantes, pois se assim não fosse, impossível seria obedecer qualquer legislação.
O CPC/73 não é diferente. Ele é munido de diversos preceitos gerais, os quais devem ser observados quando da análise de casos específicos. Também os princípios que capitanearam o legislador devem ser tidos como leme para a interpretação e aplicação da lei. Isso é se interpretar sistematicamente, ou seja, ter a lei como um sistema, onde cada peça é necessária para se chegar ao resultado final. E esse resultado final buscado pela lei é a Justiça.
Assim sendo, fazendo-se uma análise sistemática na legislação e obedecendo seus princípios norteadores, sempre se estará aplicando a lei de forma correta e justa, possibilitando assim um melhor provimento jurisdicional.
Capítulo 3 - Processo e Procedimento – Diferenças
Matéria de grande valia para o presente estudo, a diferenciação entre processo e procedimento faz-se necessária não só para um melhor entendimento do Direito Processual, mas, também, para se visualizar com exatidão a estrutura do Direito Civil como um todo.
Temos como Ação no Direito Processual brasileiro o direito subjetivo, autônomo e abstrato que têm os cidadãos para pleitear a tutela jurisdicional, quando encontrarem sua pretensão resistida por outrem.
Como bem podemos ver, a ação é um mecanismo que traz até o cidadão comum a tutela jurisdicional, que em nosso país é oferecida pelo Estado, ou seja, aquele que entenda estar sendo lesado em seu direito deverá usar de uma ação para ter esse óbice analisado pelo Judiciário. Ora, mas como se definir a ação ou mecanismo o qual o jurisdicionado usará para ver sua lide resolvida? É aí que entram o processo e o procedimento.
Conceituando, reporto-me ao ensinamento do grande jurista mineiro Ernane Fidelis dos Santos, o qual nos diz que "processo é a soma de atos destinados a determinado fim" [11]. Ou seja, processo é a reunião de todos os atos emanados pelas partes, pelos agentes da justiça e por qualquer outra pessoa que se adentre ao processo, com intuito de se alcançar um fim, que é a sentença de deslinde da causa.
Já o procedimento, Ernane Fidélis o conceitua como sendo "a maneira pela qual se movimenta o processo, a maneira de sua realização" [12]. Como bem podemos ver, então, o procedimento é o que podemos chamar de "marcha ou rito processual", ou seja, é seqüência de realização dos atos determinados pela lei.
Fazendo um comparativo com a indústria automobilística, entremos em uma linha de montagem de um automóvel. O Processo é o meio pelo qual o fabricante usará para montar o carro, ou seja, será a "linha de produção". Já o Procedimento, seria a sucessão de atos pelos quais se chegaria ao fim desejado, à construção do carro, ou seja, primeiro se molda o chassi, depois de coloca os eixos, a lataria etc.
Claro que o Processo Civil é um pouco mais complicado do que "linha de produção" de uma montadora, pois lá o caminho a se trilhar para se chegar à construção do carro é apenas um, enquanto o Processo Civil possibilita-nos uma grande diversidade de caminhos para chegarmos ao objetivo almejado.
Assim, as diferenças entre o Processo e o Procedimento são enormes, mas a dependência entre os dois é ilimitada.
Reportando ao Código de Processo Civil brasileiro, o qual é o objeto de nosso estudo, concluímos a existência de três tipos de Processos: o de conhecimento, o de execução e o cautelar, cada um com suas particularidades, as quais não se fazem necessárias maiores exortações no presente trabalho.
Quanto aos procedimentos, estes são muitos e se subdividem dentro de cada tipo de processo. Explanando rapidamente alguns exemplos, temos que dentro do Processo de Conhecimento estão contidos os procedimentos ordinário, sumário, sumaríssimo e especiais de jurisdição contenciosa ou de jurisdição voluntária. No processo de execução, temos os procedimentos de execução de obrigação de fazer, de obrigação de entregar coisa certa ou incerta etc. Por fim, estão contidos no Processo Cautelar os procedimentos que regulam a busca e apreensão, o arresto, o seqüestro e vários outros. Há que se ressaltar a diferença entre ação e procedimento, pois, as ações têm os mesmos nomes dos procedimentos, mas, como já dito, são coisas completamente diferentes.
Assim sendo, chegamos a conclusão que o Procedimento nada mais é do que a modo pelo qual o processo deve se desenvolver, devendo ser observado para que se chegue ao final sem qualquer nulidade. Já o processo, é a união de todos os atos executados para se alcançar o fim desejado. [13]
Capítulo 4 - Natureza Jurídica da Ação Monitória
Depois de delimitarmos a diferenciação entre processo e procedimento, pergunta-se: e a ação monitória, será um processo ou um procedimento?
Importante é adentrar-se nesta área cinzenta, pois doutrinadores dos mais renomados debatem incessantemente a respeito da natureza jurídica da ação em questão. Uma corrente entende ser a Ação Monitória um novo tipo de processo. Para estes autores, a Ação Monitória não estaria contida em nenhum dos processos existentes, ou seja, não seria Processo de Conhecimento, Cautelar ou Executivo, mas sim, um processo sui generis. Por outro prisma, uma corrente não menos abalizada entende que a Ação Monitória nada mais é que um procedimento dentro dos processos de conhecimento, motivo pelo qual teve sua disciplina inserta no capítulo concernente aos procedimentos especiais.
Analisando a questão, cabe-nos delimitar uma corrente de grande difusão no Processo Civil de infindáveis países, a Tutela Jurisdicional Diferenciada. Nos dizeres do nobre jurista Vicente de Paula Marques Filho, o termo Tutela Jurisdicional Diferenciada é equívoco e merecedor de repulsa, haja vista já ser diferenciada a tutela em todos os casos do Processo Civil, face à sua diversidade de pretensões e soluções. [14]
A Tutela Jurisdicional Diferenciada pode ser entendida como aquela capaz de acrescentar elementos específicos e incomunicáveis a um tipo de ação. Pode ser também entendida como a junção de dois institutos de procedimentos diferentes para se alcançar um resultado que aufere mais rapidez e uma melhor atuação jurisdicional.
A Ação Monitória é, sem dúvida alguma, um tipo de tutela diferenciada, o que é facilmente constatado em seus institutos que ora são de Processo de Conhecimento, ora são de Processo de Execução. Demais disso, a Ação Monitória veio para diminuir a lacuna existente entre os credores que possuíam o título executivo e os que possuíam algum título líquido e certo mas sem força executiva, pois aos possuidores destes últimos, fazia-se necessária a interposição de ação ordinária de cobrança, a mesma utilizada pelos credores sem nenhum título. Agora, com o advento da Ação Monitória, deu-se guarida aos possuidores de títulos sem força executiva, criando o instituto facilitador para o recebimento do crédito.
Assim nos diz Ernani Fidelis sobre a Tutela Diferenciada da Ação Monitória:
"(...) Neste sentido, a monitória seria tutela diferenciada, porque não há dúvida de que, no mesmo procedimento, há forma de tutela de conhecimento e de execução.
Quanto a ser forma de tutela diferenciada, não há dúvida, porque, no procedimento, há manifestação de conhecimento e execução, como também, pela redução dos atos, há de se ter a monitória como forma de tutela sumária, conforme classifica PROTO PISANI.
O que, todavia, dá característica especial à monitória são as formas de composição das diversas fases do procedimento que destoam das figuras comuns do processo de conhecimento ou de execução, além de a finalidade última deste identificar-se com a formação do título executivo judicial, sem se configurar, em seus efeitos, como genuína sentença condenatória" [15]
Assim sendo, a natureza de tutela jurisdicional diferenciada na monitória é quase unanimidade entre os juristas pátrios. Acontece que não existe a mesma harmonia quando se quer conceitua-la em processo ou procedimento.
Dentre os filiados à corrente que entende ser a ação monitória um novo processo estão Antônio Carlos Marcato [16] e José Rodrigues de Carvalho Netto [17]. A outra corrente, que defende que a ação monitória nada mais é do que um novo procedimento com características de processo de conhecimento e execução, destacam-se Ernani Fidelis dos Santos [18], Eduardo Talamini [19], José Rogério Cruz e Tucci [20], Elaine Harzheim Macedo [21], Vicente de Paula Marques Filho [22] e Carreira Alvim [23].
Embora seja a argumentação da primeira corrente bastante abalizada, filiamo-nos à segunda corrente.
O Código de Processo Civil brasileiro, assim como todas as normas codificadas de nosso país, deve ser analisado de forma sistemática, ou seja, não se deve analisar pontos esparsos das normas distantes dos demais, sob pena de se chegar a conclusões precipitadas e errôneas. Demais disso, os princípios norteadores do Processo Civil devem ser resguardados acima de tudo, haja vista sofrer o Código danos irreparáveis.
A vocação legisferante do Brasil é estupefata. A facilidade e velocidade nas quais os institutos legais são modificados chegam aos esmeros do absurdo, existindo normas que mal entraram em vigor e já estão ab-rogadas. Mas embora essa facilidade de se mudar os ordenamentos, não há como se modificar algumas normas específicas e basilares, posto que, se assim for, não se estará mudando apenas um dispositivo, mas sim, todo o ordenamento. Mas não há dúvidas de que muitas mudanças vêm para o bem, pois a sociedade evolui através dos tempos, fazendo-se necessária a evolução também do Direito.
Ainda quanto ao Código de Processo Civil brasileiro, e reportando-nos ao já explanado no capítulo anterior, tal ordenamento trás em seu bojo três tipos de processo: Conhecimento, Execução e Cautelar. Tal tripartição, em nosso entender, é matéria inquestionável e imutável dentro da estrutura sistemática do CPC atual. Acrescentar-se um novo processo a este Código tirar-lhe-ia a sistematicidade necessária para a boa aplicação do Direito. Ora, os institutos criados após a promulgação de um Código devem encontrar respaldo naquelas normas já existentes naquele ordenamento, ou seja, as novas figuras insertas ao Código pelo legislador devem estar em consonância com o restante das normas nele já contidas.
No caso em tela, forçoso seria afirmar que a Ação Monitória, inserida no CPC pela Lei 9.079/95, teria trazido, em apenas três artigos, um novo processo para o Ordenamento Instrumental Civil Pátrio. Não há dúvidas de que a Ação Monitória realmente tenha uma tutela diferenciada, contendo instrumentos condizentes ao processo de conhecimento e ao de execução, mas não deve prosperar a afirmação de que tal ação seria um novo processo.
Utilizando-se da sistematicidade do CPC, e observando a finalidade da ação, temos que a monitória tem o fim primordial de constituição de título executivo judicial através de título sem força executiva. Ora, se esta é a premissa do instituto, não há como se não dizer que estamos frente a processo de conhecimento, pois o que se quer é um pronunciamento jurisdicional por encontrar o credor com uma pretensão resistida, mas a qual não encontra amparo para ser prontamente atendida pelo Judiciário. Assim sendo, deverá o autor provar o necessário para que o aplicador da lei reconheça sua pretensão, o que, data vênia, é o que se busca em um processo de conhecimento.
Além disso, devemos observar onde foi inserida a Ação Monitória no CPC, ou seja, dentro dos Procedimentos Especiais. Ora, se o legislador colocou tal ação dentro do elenco dos procedimentos especiais do processo de conhecimento, não há como se entender diferente. Se o legislador tivesse a intenção de criar um novo tipo de processo, certamente não teria inserido a Ação Monitória naquele capítulo.
Transcrevo o ensinamento de Vicente de Paula Marques Filho a respeito deste pormenor:
"Conceitua-se, apenas com o intuito de colaborar na discussão do tema, o procedimento monitório como ação de conhecimento, de natureza condenatória, cujo procedimento autoriza a expedição de mandado de pagamento ou entrega de coisa em face do réu, inaudita altera parte, transferindo-lhe a iniciativa do pleno contraditório, desde que preenchidas as condições especiais previstas em lei." [24]
Assim sendo, parece-nos insofismável que a Ação Monitória nada mais é do que um novo procedimento para o processo de conhecimento, haja vista que sua finalidade encontra respaldo no Processo de Conhecimento, sendo que sua disciplina nada mais é do que um novo tipo, rápido e justo, de procedimento.