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Ação monitória: a natureza jurídica das decisões no procedimento monitório e a constituição do título executivo segundo a Lei nº 9.079/95

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01/10/2002 às 00:00
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Capítulo 5 - O Procedimento Monitório no Brasil e a Lei 9.079/95

Como já colocado no primeiro capítulo deste trabalho, o procedimento monitório brasileiro surgiu com a evolução natural do Direito, e inspirando-se, principalmente, na legislação italiana, na portuguesa e, até mesma, em antigas legislações do nosso país.

Mas a aplicação da ação monitória em nossos ordenamentos não foi matéria fácil para o legislador. Desde o advento do Código de Processo Civil de 1973 que doutrinadores e estudiosos do Direito já pleiteavam junto aos legisladores a inclusão desta ação no rol contido no CPC. Várias foram as tentativas de se alcançar a tão almejada "Lei da Ação Monitória", a qual veio ao linde em 14 de julho de 1995.

Tal lei, por muitos criticada, trouxe o procedimento monitório transcrito em apenas três artigos (1102-a, 1102-b e 1102-c). Como podemos ver, além de trazer um novo procedimento, a Lei 9.079/95 ainda trouxe um novo modo de se transcrever os artigos, sendo esta a interposição de letras após o número. Isso foi necessário para que não fosse necessária a mudança da numeração de artigos posteriores ao citado, o que, embora não sendo a melhor técnica legislativa, trouxe fim ao problema.

Neste breve período de vida, esta lei pode ser considerada como uma das mais comentadas e discutidas pelos doutrinadores. Riquíssimos trabalhos já foram escritos para o melhor entendimento do procedimento monitório, todos trazendo novas figuras e novos questionamentos para o tema. Tais questionamentos se dão pelo não esgotamento do tema nos míseros três artigos destinados ao assunto e pela farta legislação alienígena que versa sobre o tema, como já vista, sendo que cada uma dessas legislações traz institutos diferenciados tratando do assunto.

Mas mesmo com essa infindável gama de trabalhos, a ação ainda não caiu no gosto dos usuários da Justiça. O número de ações propostas é inferior ao esperado, principalmente em comarcas menores, onde a incidência do procedimento monitório para a solução de lides é ínfimo. Acreditamos que em breve estes números irão mudar, tendo em vista a enorme vantagem de propor uma ação monitória a uma ação de cobrança, em virtude de sua maior celeridade e benevolência, como passaremos a examinar.

5.1 – Os benefícios trazidos pelo Procedimento Monitório

O Procedimento trouxe benefícios ímpares para credores e, até mesmo, para os devedores.

Primeiramente, vê-se que o procedimento monitório trouxe uma maior garantia aos credores que possuam créditos estampados em títulos sem força executiva. Antes do advento da Lei 9.079/95, tais credores eram encarados como se fossem credores sem nenhum título, posto que para receberem seus créditos, necessário se fazia a propositura de uma Ação de Cobrança, mesmo caminho trilhado por aqueles credores que não possuíam título algum.

Agora, os credores possuidores de títulos sem força executiva podem usufruir as benesses da nova lei, sendo que os caminhos estampados nesta são muito mais curtos e justos para este tipo de credores.

Injusta era a solução da lei antiga que equiparava os credores com título sem força de executivo e os que não que não possuíam nenhum tipo de título, sendo, pois, merecedor de aplausos o procedimento monitório por melhor resguardar os direitos dos primeiros credores.

Outra benesse da lei é a sua celeridade. Vários são os países europeus que resolvem as lides monitórias com a simples expedição do mandado injuntivo [25] e citação do réu, sendo este o fim desta lei, pois também é benéfico ao réu o pagamento do preço contido no mandado, como veremos logo a seguir.

O procedimento monitório desafogou o Poder Judiciário de vários países europeus no que tange ao número de processos de cobrança e, até mesmo, execução, fazendo-nos crer que o mesmo poderá ocorrer em nosso país.

Inovação justa e inteligente trazida no procedimento em estudo é a isenção do pagamento de custas pelo réu no caso de pronto atendimento ao mandado monitório, ou seja, com o pagamento da dívida aventada sem interposição de defesa (embargos – art. 1102-c, § 1.º) [26]. Tal inovação é benéfica não só ao réu, mas também ao credor e até ao Judiciário [27]. Explico.

A isenção beneficia ao réu ao passo que se vê seduzido a atender ao mandado injuntivo pelo fato do não pagamento das custas. Ora, se o réu cumprir, pronta e espontaneamente, a obrigação que verdadeiramente existe, se verá livre do pagamento de custas, o que, sem sombra de dúvidas, é um benefício trazido pela lei. Demais disso, se o réu interpor os embargos se verá na obrigação de desconstituir o título [28], pois se assim não fizer, condenado será a pagar as custas.

Mesma fundamentação utiliza-se para mostrar os benefícios trazidos ao autor, isto porque o fato da existência da isenção de custas para o réu, possibilitará uma maior probabilidade de pronto pagamento da dívida, tendo o autor sua pretensão atendida prontamente. Há que se ressaltar que no caso do atendimento do pagamento do mandado monitório, o autor é que deverá suportar as custas processuais, mas como diz o ditado popular: "mais vale um pássaro na mão que dois voando"

Ao Judiciário, o benefício pode ser visto no fato da resolução rápida de ações que poderiam ficar meses ou até anos transitando pelas Varas Cíveis de nosso país, sendo que esta rápida resolução pode estar ligada não só à maior celeridade do procedimento, mas, também, a isenção das custas quando do pronto pagamento do réu.

5.2 – Inversão da iniciativa do contraditório.

Embora a primeira vista possa parecer algo inusitado e surpreendente, a ação monitória realmente tem mais essa inovação: a inversão da iniciativa do contraditório. Isso quer dizer que, diferentemente dos demais tipos de procedimento, o monitório só se iniciará com a apresentação dos embargos pelo réu.

A expressão "inversão da iniciativa do contraditório" foi cunhada por Calamandrei, que assim escreveu em seu magistério:

"a finalidade de chegar com à criação do título executivo se alcança deslocando a iniciativa do contraditório do autor ao demandado. (...) O conceito, desde logo lógico e econômico, em que se inspiram estes procedimentos é, pois, o seguinte: que o juízo sobre a oportunidade de abrir o contraditório, e, por conseguinte, a iniciativa de provoca-lo, deve deixar-se à parte em cujo interesse o princípio do contraditório tem inicialmente vigor, isto é, ao demandado" [29]

Como nos ensina o grande mestre italiano, a inversão da iniciativa do contraditório é uma inovação trazida ao Processo Civil pelo procedimento monitório. Tal inversão se caracteriza no fato de que o autor, com o deferimento judicial do mandado injuntivo, já tem, pelo menos momentaneamente, o seu pedido atendido, ou seja, sua pretensão quando da interposição da ação já foi atendida.

Cabe, neste momento, ainda ressaltar que embora possua algumas características da antecipação de tutela, não se pode dizer que na ação monitória haja essa antecipação. Isso pela simples fato de que a tutela antecipada é impositiva, ou seja, o agente se vê compelido praticar o ato determinado pelo julgador, enquanto que na ação monitória o demandado pode atender ou não o preceito jurisdicional.

Assim sendo, cabe ao réu discordar do mandado monitório, impugnar o título por meio dos embargos, ou atender o mandado. Se tomada o segundo caminho, o processo se findará, não havendo que se falar em contraditório, haja vista que em nenhum momento o réu resistiu à pretensão do autor. Agora, se o réu apresentar os embargos, a contraditório se imporá, sendo que cada parte deverá provar o que alegar.

Por assim ser, esta também é uma inovação do procedimento monitório e merece ser observada, haja vista que nos outros procedimentos, o contraditório já é iniciado com o recebimento da inicial e citação do réu.

5.3 – O ônus da prova e a fundamentação na petição inicial

A presente matéria merece muito cuidado ao ser estudada, em virtude que quase a unanimidade dos doutrinadores nacionais e estrangeiros entende que não há que se falar em inversão do ônus da prova na ação monitória.

A inversão do ônus da prova é o fato de não ser necessário ao autor provar aquilo que alegou, mas sim, ao réu provar que o dito pelo autor não é verídico. Na quase unanimidade das ações do Direito Processual Civil pátrio, o ônus da prova cabe a quem alega, estando esta máxima estampada no art. 333, do CPC.

Na Ação Monitória não é diferente. Cabe ao autor da ação provar que realmente o título por ele apresentado está fadado das exigências legais de liquidez, certeza e exigibilidade, além dos demais aspectos descritos em lei. Ao réu, faz-se necessária a prova das alegações feitas para desconstituir, modificar ou impedir o título. Quanto a isso, não se faz necessários comentários mais tormentosos, posto que é matéria já sufragada e de fácil entendimento.

Acontece que, em nosso entendimento, se se comparar a Ação Monitória à Ação de Cobrança, a inversão do ônus da prova existirá, mostrando mais uma vez as benesses das inovações trazidas pela Lei 9.079/95. Senão, vejamos.

A Ação de Cobrança no Processo Civil brasileiro é regida pelo procedimento ordinário ou sumário, devendo obedecer aos passos descritos no CPC, em seu Livro I [30]. Neste tipo de procedimento há que se ressaltar que o autor da ação deverá provar, primeiramente, a existência do débito, bem como a sua formação, fatos e fundamentos, e os demais requisitos descritos no art. 282 e 283, ambos do CPC. Ou seja, antes do advento do Procedimento Monitório, mesmo ele possuindo um título sem força executiva, era obrigado a delimitar na inicial os fatos e fundamentos do pedido, sendo que estes não eram o título, mas sim, uma possível dívida que deveria se constatar. Como se pode ver, o título nada mais era do que um simples elemento de prova, não podendo a inicial se fincar apenas em tal documento para se fundamentar os fatos e o pedido, já que pode ser considerada como uma ação causal.

Com o advento da Ação Monitória, o modo de se proceder é outro. Agora o autor possuidor de um título escrito, de natureza cambial ou não, e sem força executiva fundamenta seu pedido apenas naquele título, se limitando em provar sua liquidez, certeza e exigibilidade, sendo prescindível que se esclareça qual a origem do referido documento, o que, segundo a melhor doutrina, não deve nunca existir na peça inicial, sob pena de se possibilitar maior amplitude na defesa do réu. Nos próximos capítulos falaremos mais sobre a petição inicial, dissertando um pouco mais sobre esse tema.

É insofismável, pois, que há um benefício para o autor, pois não mais terá que demonstrar ao julgador a origem daquele título. E é nesse ponto que entendemos haver uma inversão do ônus da prova.

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Ora, os embargos, meio de defesa utilizado no presente tipo de procedimento, serão uma nova ação, ou seja, uma lide secundária dentro do procedimento em tela, isto porque não será uma simples contestação, mas sim, uma inicial para desconstituir o título. E se assim o é, o autor da lide principal nada demonstrou na inicial sobre os fatos que deram vida ao título que fez nascer o procedimento em epígrafe, isto porque é prescindível a explanação sobre os fatos que deram origem a tal título, e, sendo assim, o mesmo não terá que provar nada a respeito de tal documento. Agora o réu terá que apresentar uma defesa em forma de ação declaratória negativa, pois o seu intuito com a apresentação dos embargos é de negar validade ao título em questão. Aí se pergunta: se o autor nada alega na inicial e como é o réu quem deve provar a inexistência do débito, levando fatos novos e provas aos autos, os quais não foram trazidos pelo autor, há ou não há a inversão do ônus da prova se se comparar a ação em foco com a ordinária de cobrança?

Assim sendo, embora seja claro que não existe inversão do ônus da prova na Ação Monitória, haja vista que o autor tem como fundamento para a propositura de tal ação o título, e que deve provar a certeza, liquidez e exigibilidade do mesmo para ver seu intento atendido, se se comparar a Ação Monitória com a Ação de Cobrança, ambas com o mesmo fundamento fático, não há dúvidas que o ônus da prova está presente.


Capítulo 6 – Documentos hábeis para a propositura da Ação Monitória

Adentrando no Procedimento Monitório brasileiro propriamente dito, analisemos, primeiramente, os títulos capazes de ensejar uma ação monitória.

Como já dito anteriormente, o procedimento monitório surgiu para que os credores que possuíssem algum tipo de título sem força executiva, tivessem sua pretensão atendida mais rapidamente quando ingressasse em juízo. Assim sendo, o diferencial da Ação Monitória em nosso Direito é o título, que deverá conter diversos requisitos para ser tido como hábil para a apresentação da ação. Passemos à análise desses requisitos e das formas dos títulos monitórios.

6.1 – Prova escrita

Faz-se necessário, no presente momento, mesmo que de forma superficial, uma diferenciação do que seja, prova, início de prova e título.

Prova pode ser conceituada como o conjunto de meios empregados para se demonstrar a verdade ou falsidade de um fato controvertido ou não, ou para convencer da certeza de um ato ou fato jurídico.

O início de prova seria o começo da demonstração de um certo fato, mas sem o valor intangível para se ter como verdade absoluta.

Já o título pode ser conceituado como um elemento que possua todos os requisitos essenciais para a demonstração de um fato ou direito, ou seja, demonstra de maneira clara e objetiva a existência de um direito delimitada e visível.

Na ação monitória, os termos título e prova se misturam, haja vista que a prova escrita (chamada de título monitório ou injuntivo) é a prova necessária para a existência da ação em epígrafe.

Nos ensina o mandamento processual: "CPC – Art. 1.102a. A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo..." (grifo nosso)

Cristalina é a norma processual ao nos apresentar que a ação monitória deverá ter como elemento indispensável prova escrita sem eficácia de título executivo. Conclui-se, pois, que a prova escrita é uma espécie do gênero prova documental. Nos capítulos anteriores, dissemos que ação monitória adentrou em nosso Direito Processual com o objetivo de garantir de forma maior os direitos de credores que possuíam títulos escritos sem força executória, sobre aqueles credores que não possuíam quaisquer prova escrita de seu crédito.

Insta observar, pois, que a prova escrita do crédito é o principal elemento para a propositura da ação monitória. Sem ela, não há que se falar na existência do procedimento estudado, pois é a própria lei que assim determina. Por ser assim, e aproveitando a grandiosidade da doutrina clássica italiana, podemos concluir que o Procedimento Monitório adotado em nosso país é do tipo Documental, e, sendo assim, faz-se necessária a presença de um documento escrito para a propositura de tal ação, diferenciando-se do procedimento "puro" adotado em alguns países europeus [31], o qual aceita a prova não só documental, mas também a testemunhal e outros demais tipos.

Analisando mais detalhadamente a questão, procuremos entender o que seja documento. Podemos conceituar documento "uma coisa representativa de um fato [32]." No presente caso, temos o documento como uma representação gráfica de um escrito, ou seja, uma prova escrita. Podemos, então, dizer que o documento que pode dar ensejo à ação monitória não será necessariamente um título executivo, mas recebe este nome para melhor entendimento, devendo ser lembrado que, neste caso, recebe o nome de título monitório ou injuntivo, sendo que esta última nomenclatura advém do Direito Italiano.

O documento também deve ser escrito, isso porque o mandado injuntivo é deferido sem que esteja instaurado o contraditório, e, sendo assim, deve o julgador possuir elementos capazes para a sua convicção inicial, o que seria difícil sem a prova escrita.

Grande discussão existe quando se tem apenas o "começo de prova escrita", ou seja, a prova escrita em si não enseja, com segurança, a existência do crédito, sendo necessária a aglutinação com outras provas para se evidenciar o crédito. Vários são os doutrinadores que entendem ser impossível que o "começo de prova escrita" seja capaz de ensejar uma ação monitória, assertiva que entendemos correta. Senão, vejamos.

Dissemos acima que a ação monitória baseia-se em documento escrito, pois este, e somente este, daria ao juiz plena convicção para entender ser o título capaz ou não de convencê-lo a expedir o mandado injuntivo. Ora, se assim o é, o "princípio de prova escrita" não pode ensejar a ação monitória, isto porque tal prova ainda não é completa, ferindo a lei, posto que a lei fala em prova escrita, e não em "prova escrita" complementada por outro tipo de prova. Demais disso, há que se dizer que o juiz defere o mandado monitório antes da existência do contraditório, não havendo qualquer possibilidade de o autor fazer outra prova, naquele processo, antes da citação, o que, sem sombra de dúvidas, seria contrário ao desenrolar processual.

Mesmo sendo assim, não há como se retirar a legalidade do fato do autor fazer pequenos acertos aritméticos ou complemento da prova escrita com outro tipo de prova anteriormente constituída, posto que não há ilegalidade neste fato. O que não se deve aceitar é, por exemplo, que a prova testemunhal seja necessária para a complementação da prova escrita. Assim sendo, quando a prova escrita não sufraga o direito, não há que se falar em propositura de Ação Monitória, mas sim em Ação Ordinária, pois é nesta última que o autor encontrará ampla possibilidade de provar seu crédito, face à existência da cognição plena, o que é defeso na primeira fase do primeiro procedimento. [33]

Outra questão a ser analisada é qual o tipo de prova escrita será válida, ou seja, qualquer prova escrita ou apenas aquela emanada do devedor?

Alguns autores entendem que a prova escrita deve ser emanada por uma das partes ou por um seu representante, ou que tenha sido por eles elaborada ou, no mínimo, assinada por ele.

Para Carreira Alvim, citando a obra de Amaral Santos [34], o dizer da lei não deve ficar restrito apenas a estes fatos. Assim ele nos escreve sobre o aludido tema:

"Essencial é que a parte, contra a qual é invocado o escrito, pelo fato material da sua participação no escrito ou por sua atuação, considerando como suas as declarações nele contidas, tenha reconhecido que são verossímeis os fatos que do escrito decorrem; é que são apreciadas como ‘começo e prova’ não só os escritos feitos e assinados pela pessoa contra quem se invocam, ou por elas apenas feitos ou somente assinados, como também os escritos que a parte, ou seu representante, haja tacitamente reconhecido como próprios por produzi-los em juízo".

Também o professor Ernane Fidélis possui o mesmo entendimento, embora tal argumentação é contestada pela jurisprudência do STJ [35].

Analisando, chegamos à conclusão de que a razão parece estar com Carreira Alvim. A Lei 9.079/95, exigiu que a prova fosse escrita, mas em momento algum colocou que a mesma deveria ser expedida por uma das partes. No mais, a prova documental exigida para a propositura da ação monitória não precisa ser repleta a requisitos formais. Esta pode ser expedida até mesmo por pessoa diferente das partes do processo, haja vista a não especificação legal de quais são os títulos monitórios.

O entendimento por nós adotado é de que qualquer tipo de prova escrita aceita pelo CPC, pode ser tida como prova hábil para a propositura da ação monitória. Tais provas podem ser encontradas nos artigos 371, 376 e 378, do CPC, os quais enumeram diversas maneiras para a obtenção de prova documental. Ressaltem-se principalmente os artigos 371, III, e 376, I. O primeiro mandamento nos diz que se reputa autor de documento particular aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar, como os livros comerciais e assentos domésticos. O segundo mostra que as missivas e os registros domésticos provam contra quem os escreveu quando enunciam o recebimento de um crédito. Como bem podemos ver, nas duas ocasiões podem se formar documentos a partir de escritos não emanados do punho do obrigado, sendo que estes, sem sombra de dúvidas, podem sim dar ensejo à proposição de ação monitória.

Dito isso, não há dúvidas que o procedimento monitório pode ser utilizado quando se tenha prova escrita que assegure a existência de um direito em favor do autor, e que delimite que o réu seja o verdadeiro devedor.

Ainda quanto ao documento escrito, a doutrina diverge sobre a possibilidade de se ingressar com ação monitória quando o documento apresentado já se constitua título executivo extrajudicial.

Quanto ao fato do título já ser executivo judicial, não há dúvidas de que o julgador deve indeferir a inicial pela carência de ação, com fulcro na falta de interesse jurídico, pois o fim da ação monitória é a constituição de título executivo judicial, como veremos nos próximos capítulos.

Quanto ao título executivo extrajudicial ser ou não prova hábil para a propositura de ação monitória, vemos que a corrente legalista vê a impossibilidade de tal fato, isto porque a lei descreve que o documento deverá ser sem força executiva. Tal argumentação ainda vem amparada pelo entendimento de que se o autor da ação monitória já possui um título executivo mesmo que extrajudicial, faltar-lhe-ia interesse de agir, visto que, na existência de embargos, o processo se tornaria muito mais moroso do que o processo de execução, sendo que o autor ao final da primeira fase do procedimento monitório seria obrigado a obedecer de qualquer forma os trâmites de uma execução, embora esta seja na forma de título judicial.

Outra corrente entende ser possível a utilização de título executivo extrajudicial para a propositura de ação monitória, citando o brocardo jurídico de que "quem pode o mais, pode o menos". Demais disso, utiliza-se do fato de que a ação monitória existe pelo fato de as estatísticas mostrarem o pronto atendimento do mandado injuntivo, sendo este o grande interesse na propositura de tal ação. Por fim, ainda dizem alguns doutrinadores que o título judicial adquirido no final da primeira fase do procedimento monitório é para oferecer mais segurança ao credor.

Filiamo-nos à segunda corrente.

Ernane Fidelis assim nos diz sobre o presente tema:

"Se o título judicial oferece mais segurança para o credor, inclusive quanto à restrição ao âmbito dos embargos do devedor, o credor só perde interesse na monitória se o título for judicial." [36]

Também grande parte da jurisprudência entende desta forma. Vejamos a ementa de um julgado do 1,º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo:

"Ação Monitória – Interposição por portador de notas promissórias – Admissibilidade, ainda que se trate de título executivo extrajudicial. Norma do art. 1102a do Código de Processo Civil, que, ao referir-se à existência de prova escrita sem eficácia de título executivo, apenas objetivou definir genericamente o tipo de documento que de modo geral autoriza a adoção do procedimento monitório [37]."

Os entendimentos divergentes têm razão de ser, mas a nosso ver, não há que se discutir a possibilidade ou não do título executivo extrajudicial ser documento escrito e passível de ser cobrado via ação monitória. Tal discussão nos parece ser mais acadêmica, existindo apenas ínfimos casos em que isso ocorre, motivo pelo qual não se faz necessário ampliarmos a discussão sobre o tema.

Por fim, alguns exemplos de documentos hábeis para a propositura da ação monitória:

- registro de depoimento em juízo de devedor de crédito a outrem ;

- títulos executivos prescritos;

- contrato sem a assinatura de duas testemunhas;

- escrito de punho do réu ou seu representante apontando a existência de um débito com um credor;

- recibo de compra e venda sem as formalidades de título executivo;

- cartas e registros domésticos contra quem os escreveu (art. 376, CPC)

- livros comerciais (art. 378, do CPC)

- tarifas de cartão de créditos mesmo que sem assinaturas;

- documentos que pelo costume ou comodismo não são assinados pelo devedor ("caderneta de padaria", "notinhas de farmácia" etc).

- e qualquer outro meio de prova escrito que tenha poder de convencer o julgador ao deferimento do mandado monitório, sendo sempre necessário que o título tenha sido expedido em virtude de débito do réu da ação proposta.

6.2 – Da liquidez do documento.

Além de o título monitório ter, necessariamente, que ser escrito, também é elementar que seja líquido.

A liquidez nada mais é do que o título estar determinando qual seja a obrigação. Em melhores palavras, a liquidez de um título se afigura no fato de o mesmo descrever o montante ou o objeto devido pelo devedor ao credor. Exemplificando, a liquidez de um documento escrito que afigura um débito em dinheiro do devedor, está no montante desse débito, ou seja, no numerário devido. No caso de obrigação de fazer, a liquidez se encontra na delimitação de qual será o objeto. Por fim, na obrigação de dar coisa certa, encontra-se na delimitação e descrição da coisa.

Importantíssima é a presença da liquidez no título monitório, isto porque se deve convencer o juiz apenas com as provas apresentadas com a inicial, fazendo-se necessário que o autor mostre qual é o direito cobrado, pois o mandado injuntivo determinará o que deverá ser entregue. Não sendo observado o requisito da liquidez do título, cabe ao juiz indeferir a inicial, posto que a prova não está completa (art. 282, inc. VI, do CPC).

Vicente de Paula Marques Filho, nas conclusões de seu brilhante trabalho a respeito da ação monitória [38], nos diz que "o direito material pleiteado em juízo deve possuir os atributos da liquidez e da certeza". [39]

Assim sendo, a liquidez deve ser elemento sempre presente no documento escrito da ação monitória, mas não com os mesmos rigorismos dos títulos executivos, posto que, na maioria das vezes, são documentos simplórios e sem muitos detalhes. O que não deve faltar no documento, é possibilidade de se chegar ao montante, objeto ou ação desejada com o simples uso do discernimento médio, devendo o julgador, como já dito, rejeitar a inicial se necessária for prova mais detalhada.

6.3 – Da exigibilidade do documento.

A exigibilidade do título nada mais é do que a prova de que a obrigação descrita naquele documento já devia ter sido adimplida, ou seja, em palavras mais usuais, que o documento contenha obrigação já vencida e não cumprida.

É importante salientar que para a observação de tal requisito, faz-se necessária não só a utilização de datas certas, mas, também, de modos e costumes de determinadas regiões. Por exemplo, não há como se especificar quando o prêmio de uma rifa deverá ser entregue, mas sabe-se que só poderá ser atendida a obrigação após o sorteio; as "notinhas de açougue e farmácias", também popularmente conhecidas como "fiado", muito utilizadas em cidades de interior, muitas vezes não têm a data especificada da compra, devendo o julgador observar de maneira equânime a exigibilidade de tal título.

Insta observar, pois, que o título para ser hábil à propositura da ação monitória deve descrever obrigação que já deveria ter sido cumprida, não sendo admitida prova com obrigação ainda vincenda.

6.4 – Da certeza do documento.

A certeza é o fato de o julgador ter consciência da existência da obrigação. Em outras palavras, o documento é revestido de certeza ao passo que convence ao julgador da existência de uma obrigação ainda não cumprida.

Alguns autores afirmam ser desnecessária a presença do requisito certeza para o deferimento do mandado injuntivo, posto que o julgador não efetua juízo de maior valoração quando do seu deferimento, o qual será dado apenas em havendo interposição de embargos.

Poucos autores nacionais destacam o requisito "certeza", com exceção de Humberto Teodoro Júnior [40] e Carreira Alvim [41], que comentam, de passagem, tal requisito. Em nosso entendimento, não há como se negar a necessidade da certeza no título monitório. Ora, para o deferimento do mandado monitório, o julgador lança um juízo de valoração, já que só será deferido tal mandado no caso de entender estarem presentes todos os requisitos. Será impossível, pois, o deferimento de mandado monitório no caso de não existir certeza do débito no documento apresentado.

Mas uma vez recorrendo ao professor Ernane Fidélis, este assim nos diz quanto à certeza:

"O certo, pois, é que tanto no título monitório (ou prova escrita para a monitória, quando não se quiser falar em título), o requisito da certeza faz-se presente, ou seja, exige-se convicção jurídica de realidade de direito. Apenas que, dependendo da forma em que os fatos se revelam, tem-se por acertada a relação jurídica e pode-se expedir o mandado executivo, ou a forma escrita não tem o rigor exigido para o título executivo, e expede-se o simples mandado de injunção [42]."

Assim sendo, a presença do elemento certeza no documento da ação monitória é deveras importante, pois existência ou não da obrigação é importantíssima para o deferimento do mandado injuntivo.

6.5 – Conclusão

Por este contexto, e observado os demais requisitos, temos que o documento para a propositura da ação monitória deve ser escrito, líquido, exigível e certo. Mas cabe ressaltar que tais requisitos não devem ser considerados como os de um título executivo, sendo que tal observação deve ser feita de forma mais superficial, já que o título monitório é apresentado para o fim de se transformar em título executivo ao final do processo, quando não houver o atendimento do mandado monitório.

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Sobre o autor
Gian Miller Brandão

bacharel em Direito pela UNIPAC, Barbacena (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Gian Miller. Ação monitória: a natureza jurídica das decisões no procedimento monitório e a constituição do título executivo segundo a Lei nº 9.079/95. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3236. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Monografia desenvolvida sob a orientação do professor Luciano Alencar da Cunha.

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