1. Conceito
Prova ilícita é aquela "colhida com infringência às normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas leis, freqüentemente para a proteção das liberdades públicas e, especialmente, dos direitos de personalidade e mais especificamente do direito à intimidade" [1].
"A garantia constitucional da ação tem como objeto o direito ao processo, assegurando às partes não só a resposta do Estado, mas ainda o direito de sustentar suas razões, o direito ao contraditório, o direito de influir sobre a formação do convencimento do juiz" [2].
O direito à prova engloba todo e qualquer meio probatório ao dispor das partes. A regra é a liberdade probatória. Há, todavia, exceções, que devem ser razoavelmente justificadas.
Abandona-se, portanto, na atualidade, a enumeração taxativa dos tradicionais meios de prova para permitir que "se recorra a expedientes não previstos em termos expressos, mas eventualmente idôneos para ministrar ao juiz informações úteis à reconstituição dos fatos (provas atípicas)" [3].
Normalmente, estabelece-se uma confusão entre os termos "prova ilegal", "prova ilícita" e "prova ilegítima", mas há diferenças.
A prova ilegal é o gênero, i.e., o conjunto de todas as provas obtidas com infração às normas de direito (prova vedada).
Prova ilícita e ilegítima são espécies de prova ilegal. A primeira viola proibição de direito material, i.e., infringe normas ou princípios postos pela Constituição e pelas leis, a fim de proteger as liberdades públicas, os direitos da personalidade e sua manifestação – o direito à intimidade e a segunda infringe proibição de ordem processual.
"A prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade em uma eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados, ensina Heleno Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência criminal, transcrita pela defesa. A Constituição brasileira, no art. 5º, inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos" [4].
2. Correntes doutrinárias
Nos trabalhos da Assembléia Constituinte que elaborou a Constituição Federal de 1988, exerceu grande influência um grupo de juristas que acessorou os congressistas. Entre eles predominava a corrente da não admissão das provas obtidas ilegalmente. Deve-se a isto a proibição categórica do art. 5º, LVI.
Não obstante esta proibição é perfeitamente possível que uma prova considerada ilícita venha a tornar-se lícita por força do princípio da proporcionalidade, corolário do Estado de Direito e grande colaborador da repressão ao crime, devido ao caráter relativo do princípio constitucional da inadmissibilidade das provas ilicitamente adquiridas. Por isto tem sido admitida, entre nós, respeitando-se o princípio da presunção de inocência, a prova ilícita, exclusivamente, para inocentar.
A jurisprudência do STF é uníssona no sentido de que o princípio da proporcionalidade deve ser aceito somente pro reo, mas há uma decisão isolada do STJ que admite o princípio da proporcionalidade pro reo ou pro societate:
"EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. ESCUTA TELEFÔNICA COM ORDEM JUDICIAL. RÉU CONDENADO POR FORMAÇÃO DE QUADRILHA ARMADA, QUE SE ACHA CUMPRINDO PENA EM PENITENCIÁRIA, NÃO TEM COMO INVOCAR DIREITOS FUNDAMENTAIS PRÓPRIOS DO HOMEM LIVRE PARA TRANCAR AÇÃO PENAL (CORRUPÇÃO ATIVA) OU DESTRUIR GRAVAÇÃO FEITA PELA POLÍCIA. O INCISO LVI DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO, QUE FALA QUE ´SÃO INADMISSÍVEIS...AS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO´, NÃO TEM CONOTAÇÃO ABSOLUTA. HA SEMPRE UM SUBSTRATO ÉTICO A ORIENTAR O EXEGETA NA BUSCA DE VALORES MAIORES NA CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE. A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, QUE É DIRIGENTE E PROGRAMÁTICA, OFERECE AO JUIZ, ATRAVÉS DA ´ATUALIZAÇÃO CONSTITUCIONAL´ (VERFASSUNGSAKTUALISIERUNG), BASE PARA O ENTENDIMENTO DE QUE A CLÁUSULA CONSTITUCIONAL INVOCADA É RELATIVA. A JURISPRUDÊNCIA NORTE-AMERICANA, MENCIONADA EM PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NÃO É TRANQÜILA. SEMPRE É INVOCÁVEL O PRINCIPIO DA ´RAZOABILIDADE´ (REASONABLENESS). O ´PRINCÍPIO DA EXCLUSÃO DAS PROVAS ILICITAMENTE OBTIDAS´ (EXCLUSIONARY RULE) TAMBÉM LÁ PEDE TEMPERAMENTOS. ORDEM DENEGADA." [5]
Como bem assevera José Frederico Marques, "limitações várias, decorrentes dos princípios constitucionais de proteção a garantia da pessoa humana, impedem que para a procura da verdade lance-se mão de meios condenáveis e iníquos de investigação e prova (...) inadmissível é, na Justiça Penal, a adoção do princípio de que os fins justificam os meios, para assim tentar legitimar-se a procura da verdade através de qualquer fonte probatória" [6].
Acrescenta Ada Pellegrini Grinover que é "inaceitável a corrente que admite as provas ilícitas no processo, preconizando pura e simplesmente a punição daquele que cometeu o ilícito (male captum bene retentum): significa ela, ao mesmo tempo, a prática de atos ilícitos por agentes públicos ou por particulares e compactuar com violações imperdoáveis aos direitos da personalidade. No Estado de Direito, a repressão do crime não pode realizar-se pela prática de ilícitos, que são, freqüentemente, ilícitos penais". [7]
Se um acusado consegue demonstrar sua inocência de maneira inconteste, mas com base em prova ilícita, tem-se inclinado a doutrina pela não-aplicabilidade do art. 5º, LVI, CF, já que o direito de provar a inocência se impõe sobre o interesse estatal de sancionar condutas típicas. Além disso, não pode interessar ao Estado a condenação de um inocente em detrimento da impunidade do verdadeiro culpado.
Encaixa-se aqui, igualmente, a prova ilícita em legítima defesa, pois os direitos humanos fundamentais, entre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º, CF, não podem servir de escudo de proteção à prática de atividades ilícitas e nem se prestar a afastar ou diminuir a responsabilidade por atos criminosos, pois, desta forma, estar-se-ia desrespeitando o Estado de Direito.
Se, v.g., uma vítima de extorsão grava sua conversa com o criminoso, esta prova é válida, pois este invadiu a esfera de liberdades públicas da vítima ao ameaçá-la e coagi-la e esta, em legítima defesa de suas liberdade públicas (o que exclui a ilicitude da prova por ser causa de exclusão da ilicitude) produziu a referida prova para responsabilizar o agente. Outro caso é o do filho que realiza gravação de vídeo, clandestinamente, comprovando maus-tratos por parte de seu pai e sem o conhecimento deste. Não se pode, igualmente, objetivar a proteção da intimidade do pai agressor, pois este, anteriormente, desrespeitou a dignidade e incolumidade física de seu filho, que, em legítima defesa, produziu a referida prova. [8]
Neste sentido foi o voto do Min. Moreira Alves no Habeas Corpus 74.678-1/SP: "seria uma aberração considerar como violação do direito à privacidade a gravação pela própria vítima, ou por ela autorizada, de atos criminosos, como diálogo com seqüestradores, estelionatários e todo tipo de achacadores. No caso, os impetrantes esquecem que a conduta do réu apresentou, antes de tudo, uma intromissão ilícita na vida privada do ofendido, esta sim merecedora de tutela. Quem se dispõe a enviar correspondência ou telefonar para outrem, ameaçando-o ou extorquindo-o, não pode pretender abrigar-se em uma obrigação de reserva por parte do destinatário, o que significa o absurdo de qualificar como confidencial a missiva ou a conversa" [9].
Tal flexibilização não importa em ofensa ao princípio constitucional da igualdade das partes, pois a acusação dispõe de recursos mais amplos que o réu.
"Em tal perspectiva, ao favorecer a atuação da defesa no campo probatório, não obstante posta em xeque a igualdade formal, se estará tratando de restabelecer entre as partes a igualdade substancial. O raciocínio é hábil, e, em condições normais, dificilmente se contestará a premissa da superioridade de armas da acusação. Pode suceder, no entanto, que ela deixe de refletir a realidade em situações de expansão e fortalecimento da criminalidade organizada, como tantas que enfrentam as sociedades contemporâneas. É fora de dúvida que atualmente, no Brasil, certos traficantes de drogas estão muito mais bem armados que a polícia e, provavelmente, não lhes será mais difícil que a ela, nem lhes suscitará maiores escrúpulos, munir-se de provas por meios ilegais. Exemplo óbvio é o da coação de testemunhas nas zonas controladas pelo narcotráfico: nem passa pela cabeça de ninguém a hipótese de que algum morador da área declare à polícia, ou em juízo, algo diferente do que lhe houver ordenado o ´poderoso chefão´ local". [10]
Antes da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido três casos eliminando as interceptações telefônicas clandestinas, posição que foi corroborada com a advento da Carta Magna de 1988. Duas destas decisões são referentes ao processo civil determinando o desentranhamento dos autos de fitas gravadas clandestinamente, respectivamente em 11/nov./1977 e 28/jun./1984 e a terceira é relativa ao processo penal, determinando, o STF, trancamento de inquérito policial que se baseou em interceptação telefônica realizada por particulares, esta em 18/12/1986.
Os tribunais têm aplicado o dispositivo constitucional e o STF tem mantido sua posição de não admissão de provas ilíctas, como se pode deferir do HC-69.912/RS, julgado em 30/jun./1993 e no julgamento da ação penal 307-3/DF contra o ex-Presidente Collor e Paulo César Farias [11].
Necessário é ressaltar o caráter relativo do princípio constitucional da inadmissibilidade das provas ilicitamente adquiridas.
Este caráter relativo só pode ser validamente aplicado no caso concreto, em que se saberá qual interesse se sobreporá aos demais (princípio da proporcionalidade). Cite-se, aqui, a sábia colocação do mestre Celso Ribeiro Bastos: "o preceito constitucional há de ser interpretado de forma a comportar alguma sorte de abrandamento relativamente à expressão taxativa de sua redação" [12].
A Constituição estabelece, expressamente, que são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos, mas não expõe a conseqüência da contrariedade de tal mandamento. Todavia, os princípios gerais sobre a atipicidade constitucional abraçaram a árdua tarefa de orientar o intérprete.
É cediço que, a desobediência a um mandamento constitucional, acarreta, como sanção, no mínimo, nulidade absoluta. Com relação a esta matéria, deduz-se que a aceitação de uma prova ilícita no processo importaria, no mínimo, nulidade absoluta da prova, não podendo servir como fundamento de decisão judicial.
Ada Pellegrini Grinover leciona que "as provas ilícitas, sendo consideradas pela Constituição inadmissíveis, não são por esta tidas como provas. Trata-se de não-ato, de não-prova, que as reconduz à categoria da inexistência jurídica. Elas simplesmente não existem como provas: não têm aptidão para surgirem como provas (grifo original). Daí sua total ineficácia" [13].
As provas irregularmente admitidas no processo não poderão ser apreciadas em nenhuma instância, pois não têm existência jurídica, e deverão ser desentranhadas dos autos, conforme já determinou o STF.
"Ocorre que o fato de o STF não admitir, de longa data, as provas ilícitas não tem o condão de gerar a nulidade de todo o processo, pois como ressalta o Ministro Moreira Alves, a previsão constitucional não afirma ´que são nulos os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos´ (voto do Min. Moreira Alves, no HC-69.912/RS, DJU 25/mar./1994)."
Poderemos identificar três situações relativas à sentença que se baseou em prova viciada pela ilicitude do meio com que foi obtida:
a) Se a sentença transitou em julgado será nula e poderá ser desconstituída por revisão criminal;
b) Se se tratar de habeas corpus o tribunal anulará a sentença e determinará o desentranhamento das provas viciadas;
c) Se a sentença foi pronunciada por Júri. Esta questão desdobra-se em dois casos:
1º) A decisão se apoiou na prova ilícita poderá ser reformada por recurso ou anulada por habeas corpus. Neste último caso, não sendo impetrado o remédio constitucional, o juiz Presidente não tomará qualquer providência, sendo, porém, o veredicto dos jurados, inevitavelmente nulo.
2º) Se, apesar de estar inserida no processo, a prova ilícita não foi levada em consideração na pronúncia, o Presidente ordenará seu desentranhamento antes que os jurados dela tomem conhecimento. Observe-se que, se a ela se fizer qualquer referência no plenário, o juiz deverá dissolver o Conselho de Sentença.
Em síntese, se a sentença se basear em prova obtida por meio ilícito, será nula, todavia, não o será se o juiz motivá-la em razões que provem que ela não foi a única prova que fundamentou sua decisão ou que chegaria ao mesmo convencimento independentemente da sua existência. Esta a orientação do Supremo no HC 73.461 julgado em 11-06-96, do qual foi o relator o Min. Octavio Galotti: "se as provas que serviram de base à sentença e ao acórdão foram obtidas sem auxílio dos elementos informativos fornecidos pela escuta telefônica, não há falar em nulidade da condenação. Hipótese em que não se aplica a doutrina dos ‘frutos da árvore envenenada’ " [14]. No mesmo sentido o HC-74.441/SP: "A escuta telefônica, prova ilicitamente obtida, nenhuma influência exerceu, no caso, na formação do convencimento do Magistrado de 1º grau e do Tribunal prolator do acórdão impugnado, já que se basearam em outros elementos de prova, validamente recolhidos, sendo certo, ademais, que as investigações policiais tiveram início com base em denúncia anônima e não com a escuta referida. Nulidade inexistente." [15]
Cite-se o voto do Min. Ilmar Galvão, afirmando a interceptação telefônica, in casu, como subsidiária e ineficaz, não sendo possível atribuir-lhe o poder de invalidar o processo e conseqüentemente a sentença condenatória.
Corrobora este entendimento o expresso a seguir:
"EMENTA: HABEAS CORPUS. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. NÃO-ACOLHIMENTO. Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de censura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica - prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, e que contaminava as demais provas que dela se originavam - não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial." [16]
Sendo a prova vedada, entretanto, fundamento da decisão, impossível é a aceitação do processo, salvo em benefício da defesa, pois há que se prestigiar o bem de interesse público consistente na paz social.
Isto posto, é evidente a dificuldade de se chegar a conclusões definitivas a respeito da efetividade da inadmissão das provas ilícitas, que só poderá ter orientação fixa diante do caso concreto que se nos apresentar.
A decisão da nossa Corte Suprema no HCQO-74.299/SP anulou o processo criminal, "com base no voto do relator, a partir do entendimento de que toda a persecução criminal havia resultado de escuta telefônica ilícita" [17].
Diametralmente oposto foi o voto do Ministro Moreira Alves no HC-69.912/RS, j. 30/jun./1993 quando, referindo-se ao art. 5º, LVI, CF, afirma que "não diz esse dispositivo que são nulos os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos. Portanto, se num processo houver provas lícitas e ilícitas, a ilicitude destas não se comunica àquelas para que se chegue à absolvição por falta de provas, ou se anule o processo pela ilicitude de todas as provas produzidas".
3. Prova ilícita por derivação
Esta é outra questão que gera controvérsias, segundo a qual o processo com prova ilícita ressente-se de nulidade totalmente ou somente sobre os atos subsequentes à produção da famigerada prova.
"O problema das provas ilícitas por derivação, por uma imposição lógica, só se coloca nos sistemas de inadmissibilidade processual das provas ilicitamente obtidas. Concerne às hipóteses em que a prova foi obtida de forma ilícita, mas a partir da informação extraída de uma prova obtida por meio ilícito. É o caso da confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido; ou da interceptação telefônica clandestina, pela qual se venham a conhecer as circunstâncias que, licitamente colhidas, levem à apuração dos fatos." [18]
É o caso, v.g., da interceptação telefônica através da qual a polícia descobre um esquema de tráfico de drogas com nomes de envolvidos, local que o objeto do crime será repassado etc. A gravação, sem dúvida constituiria prova ilícita e seria excluída do rol probatório do processo.
Mas, e o flagrante dos envolvidos no delito, seria válido?
Ao nosso ver, não, pois o bem jurídico tutelado (a intimidade) seria, igualmente, atingido. E, além disso, a interceptação não teve fulcro em ordem judicial.
Isso decorre do fato de que "a regra da exclusão é aplicável a toda prova maculada por uma investigação inconstitucional" [19]. É a conhecida teoria dos frutos da árvore envenenada, doutrina de procedência norte-americana segundo a qual se não for possível o acesso a outras provas sem o apoio da prova ilícita as demais ficam contaminadas pela ilicitude desta, i.e., o vício de origem se tranfere para as demais provas.
Mas a admissão dessa teoria não constitui proibição absoluta da utilização de elementos derivados da prova ilícita, visto que tem encontrado limitações na doutrina nacional, estrangeira e pela própria Corte Suprema norte-americana. São eles: independent source (quando a prova ilícita não é absolutamente determinante para a descoberta da prova derivada, i.e., se entre elas não houver conexão de causa e efeito); inevitable discovery (quando a prova seria, inevitavelmente, descoberta por investigação legal); purged taint (quando for possível distinguir o meio de obtenção da prova secundária da ilegalidade inicial).
A nossa Constituição relegou à doutrina e jurisprudência a disciplina a respeito da prova ilícita por derivação, só tendo manifestado seu posicionamento expresso quanto à inadmissão da prova ilícita.
Com efeito, de nada adiantaria vedações à admissibilidade de prova se, por via derivada, informações colhidas através de condutas atentatórias ao ordenamento, pudessem servir ao convencimento do juiz.
"Decorrendo as demais provas do que levantado via prova ilícita, tem-se a contaminação daquelas, motivo pelo qual não subsistem." [20]
A existência de uma prova ilícita no processo não anula todo o feito, como bem ressaltou o min. Moreira Alves no HC 69.912-0/RS, DJU 25/03/1994. Neste caso, será mister demarcar as conseqüências da inadmissibilidade de tal prova, determinando se todas as provas que dela procederam serão contaminadas ou se apenas a prova obtida com infringência ao direito material será excluída.
"As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, art. 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo." [21]
O STF decidiu, por força dos votos dos Ministros Carlos Velloso, Paulo Brossard, Sydney Sanches, Néri da Silveira, Octávio Gallotti e Moreira Alves, no referido Habeas Corpus, pela admissibilidade das provas derivadas das ilícitas [22].
O julgamento do referido HC 69.912/RS, indeferiu, inicialmente, a ordem por maioria de 6 votos a 5, entendendo que a ilicitude da prova ilícita não se comunica às provas derivadas foi, posteriormente, anulado pela declaração de impedimento de um dos Ministros [23]. Foi realizado novo julgamento, no qual foi deferida a ordem pelo empate, já o Regimento Interno do STF (art. 150, §3º) determina que o empate favorece o paciente, decidindo-se, portanto, pela contaminação das provas derivadas das ilícitas (teoria dos frutos da árvore envenenada) [24]. In verbis:
"... NÃO OBSTANTE, INDEFERIMENTO INICIAL DO HABEAS CORPUS PELA SOMA DOS VOTOS, NO TOTAL DE SEIS, QUE, OU RECUSARAM A TESE DA CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS DECORRENTES DA ESCUTA TELEFÔNICA, INDEVIDAMENTE AUTORIZADA, OU ENTENDERAM SER IMPOSSÍVEL, NA VIA PROCESSUAL DO HABEAS CORPUS, VERIFICAR A EXISTÊNCIA DE PROVAS LIVRES DA CONTAMINAÇÃO E SUFICIENTES A SUSTENTAR A CONDENAÇÃO QUESTIONADA; NULIDADE DA PRIMEIRA DECISÃO, DADA A PARTICIPAÇÃO DECISIVA, NO JULGAMENTO, DE MINISTRO IMPEDIDO (MS 21.750, 24.11.93, VELLOSO); CONSEQÜENTE RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO, NO QUAL SE DEFERIU A ORDEM PELA PREVALÊNCIA DOS CINCO VOTOS VENCIDOS NO ANTERIOR, NO SENTIDO DE QUE A ILICITUDE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - A FALTA DE LEI QUE, NOS TERMOS CONSTITUCIONAIS, VENHA A DISCIPLINÁ-LA E VIABILIZÁ-LA - CONTAMINOU, NO CASO, AS DEMAIS PROVAS, TODAS ORIUNDAS, DIRETA OU INDIRETAMENTE, DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS NA ESCUTA (FRUITS OF THE POISONOUS TREE), NAS QUAIS SE FUNDOU A CONDENAÇÃO DO PACIENTE."
Esta é a orientação do STF no HC-72.588/PB:
"... 3. As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, art. 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente. 4. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo." [25]
É importante observar que, "pela apertada margem de um voto, a atual posição do Supremo é pela inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação" [26], sendo suficiente, v.g., a aposentadoria de um Ministro favorável à inadmissão de tais provas para que o posicionamento jurisprudencial possa se alterar [27].
Diante de todas estas considerações, fica uma indagação: a doutrina dos "frutos da árvore venenosa" não seria um fator de ampliação das perspectivas para infratores atuais e potenciais de escapar às sanções cominadas em lei gerando uma onda de impunidade devida à expansão da criminalidade organizada?
Esta é, sem dúvida, uma questão, muito difícil de responder. Não se deve, todavia, olvidar a colocação do mestre José Carlos Barbosa Moreira que ressaltou "a enorme dificuldade que sentimos em aderir a uma escala de valores que coloca a preservação da intimidade de traficantes de drogas acima do interesse de toda a comunidade nacional (ou melhor: universal) em dar combate eficiente à praga do tráfico – combate que, diga-se de passagem, é também um valor constitucional, conforme ressalta da inclusão do ‘tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins’ entre os ‘crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia’ (art. 5º, nº XLIII)" [28] (grifo no original).