No dia 23 de maio de 2014, foi assinado pela Presidenta da República, Dilma Rousseff, o Decreto nº 8.423, que “institui a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS”.
Mal publicado na imprensa oficial, o instrumento foi fortemente atacado por setores da mídia e dos partidos de oposição. Alguns chamaram de medida bolchevista, em referência aos sovietes organizados por Trotsky após a Revolução Russa de 1917. Outros, como o líder da oposição, Mendonça Filho, do DEM, afirmou que o documento era uma reprodução do Bolivarianismo adotado na Venezuela.
Particularmente entendo que a construção de sovietes foi a medida mais construtiva da Revolução Russa, pena que a experiência tenha sido perdida com a assunção de Stalin e o início das perseguições aos revolucionários históricos e pensamentos diferentes, inclusive contra o próprio Trotsky. Mas não é da Rússia que estamos falando, e sim da nossa Democracia Constitucional.
Aliás, não poderia ser esperado nada de diferente do DEM, partido que agrega o que a mentalidade mais atrasada da política nacional, inclusive os principais defensores do modelo político instaurado depois do Golpe Militar de 1964. O DEM é uma mera representação folclórica do coronelismo patrimonialista!
O grande problema é que apenas o PCdoB, o PSOL e, obviamente, o próprio PT viram neste ato jurídico como medida importante para fortalecer a participação da sociedade nas decisões públicas, o que pode ser sinal de um grande atraso na mentalidade de boa parte dos atuais Congressistas.
Chama atenção que o PSB, que hoje utiliza a participação social como cosmética de um programa de governo absolutamente regressivo não ter assumido uma posição forte em defesa da Política Nacional de Partição Social. Ao contrário, assim como o DEM e o PSDB, fez oposição à nova regra, inclusive com o coro dos novos convertidos da Rede de Sustentabilidade.
Lembro que no próprio preâmbulo da Constituição Federal há uma menção castradora da soberania popular: “nós representantes do povo Brasileiro…”. Mesmo na Constituinte, a maioria dos participantes confundiu o seu papel de representantes com o de detentores da soberania. Talvez seja o preço que pagamos por realizar a mudança da Carta Institucional dentro de uma legislatura eleitoral.
Mas há diversos exemplos de reação conservadora contra inovações participativas. O orçamento participativo, processo de gestão deliberativo-popular mais importante do país, e reconhecido em diversas partes do planeta, em diversos momentos foi vítima de ataques de setores da imprensa e de grupos reacionários e conservadores, que viram na sua proposta uma tentativa de substituir o poder legislativo pela participação direta da população.
Tais medidas contrárias ao incentivo à participação popular só podem ser fruto de ignorância política. Além das audiências públicas, imperativas no planejamento urbano, na análise do impacto ambiental e no planejamento orçamentário, todos regidos por Lei, a própria Norma Fundamental de 1988 reconhece o Plebiscito, o Referendum e a Iniciativa Popular como instrumentos de participação direta da população.
Nos Estados Unidos, ícone do capitalismo, alguns governos locais possuem a cultura de decidir pautas importantes em assembleias públicas. Aliás, a importância da participação popular para consolidar a Democracia Norte-americana foi reconhecida ainda no seu início por Tocqueville:
“É incontestável, na realidade, que, nos Estados Unidos, o gosto e o costume do governo republicano nasceram nas comunas e no seio das assembleias provinciais [...]. Cada cidadão nos Estados Unidos transporta, por assim dizer, o interesse que lhe inspira sua pequena república do amor da pátria comum”.
A República da Suíça, sede do mais rigoroso sigilo financeiro, é gerida por constantes referendos e plebiscitos, motivo pelo qual também é considerada como exemplo de Democracia sólida.
Discordo veementemente de Joseph Schumpeter, a Democracia não mostra estabilidade e solidez na apatia, e sim no movimento constante e ativo dos cidadãos e das cidadãs. Não falo de um movimento voluntarista esvaziado, mas numa participação construída à partir da construção coletiva, com o reconhecimento e organização em partidos políticos.
Já afirmamos diversas vezes que a participação é elemento essencial para a consolidação da Democracia. Aliás, a garantia do exercício direto da soberania é um direito fundamental e primário dos cidadãos e cidadãs, e um dever para todos os administradores públicos.
Portanto, ao garantir uma sistemática mais transparentes da participação popular, a atual Presidenta Dilma cumpriu com o seu dever institucional, e abriu um espaço essencial para a consolidação da nossa cidadania ativa.
Logo, diferentemente do observado na cegueira de alguns políticos conservadores, a Política Nacional de Participação Social não é nem bolchevismo, nem bolivarianismo, mas um reforço fundamental ao princípio democrático que deve orientar o trabalho dos nossos administradores.
Também não é matéria submetida à reserva de Lei, como o orçamento e a modificação dos vencimentos dos servidores, mas de organização do funcionamento das ações do próprio Poder Executivo, portanto, perfeitamente regulamentável por Decreto.
Seria interessante que o Congresso Nacional adotasse medidas semelhantes às propostas pela atual Chefe do Executivo Federal, o que poderia ajudar numa recuperação da legitimidade social do Parlamento.
Reafirmo posições anteriores, tanto os partidos como o Poder Legislativo são essenciais à Democracia, mas é inegável que muitos representantes do povo, especialmente aqueles situados no campo da direita política, estão bem distante de posições já cristalizadas na sociedade como, por exemplo, a criminalização da homofobia.
Mas voltando ao Decreto nº 8.243/2014, o instrumento regulamenta de forma clara um funcionamento orgânico de uma série de instrumentos já existentes na administração pública federal, bem como a integração dos mesmos. Cito como exemplos os diversos conselhos de política pública (assistência social, meio ambiente, saúde, educação, etc.), audiências públicas, consultas públicas, e Conferências Nacionais.
O Mesa de Diálogo, “mecanismo de debate e de negociação com a participação dos setores da sociedade civil e do governo diretamente envolvidos no intuito de prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais” (art. 2º, VI), também é um instrumento participativo já existente, mas agora reconhecido formalmente e institucionalizado.
A Ouvidoria Pública Federal também é importante, pois permite um contato direto da população com o centro do poder para apresentar denúncias, realizas solicitações, sugestões, elogios e críticas diretamente, sem intermediários. Trata-se de medida que complementa a Lei de Acesso à Informação, que vem abrindo a caixa preta de muitos governos desde a sua publicação.
Mas a institucionalização de dois novos instrumentos, o fórum interconselhos e ambiente virtual de participação, são uma grande e positiva inovação no novo marco regulatório.
Os ambientes virtuais têm sido muito utilizados desde o início do Governo Lula, e garantido a transparência na aplicação dos recursos públicos. Um exemplo disto é o Sistema de Convênios e Contratos de Repasse da Administração Pública Federal – SICONV, que tem garantido a plena publicidade na execução dos instrumentos de repasse firmados pelo Governo Federal.
Conforme destaca o próprio portal Federal de Dados Abertos,
“A disponibilização dos dados do SICONV é um compromisso firmado pelo governo brasileiro na Parceria para Governo Aberto (Open Government Partnership – OGP do inglês). O governo está comprometido em promover a transparência dos gastos públicos, fornecer informações de valor agregado à sociedade e promover a pesquisa e inovação tecnológica através da implementação das políticas brasileira de dados abertos”.
No mesmo caminho está o Portal da Transparência, criado no Governo Lula, e mantido pela Controladoria Geral da União, onde podemos identificar todos os gastos públicos, desde um simples pagamento de diária de viagem, até de contratos e convênios com valores elevados.
Voltando à Política Nacional de Participação Social, outra iniciativa importante é o Fórum Interconselhos:
“mecanismo para o diálogo entre representantes dos conselhos e comissões de políticas públicas, no intuito de acompanhar as políticas públicas e os programas governamentais, formulando recomendações para aprimorar sua intersetorialidade e transversalidade” (art. 2º, VII, do Decreto 8.243/2014).
Trata-se de uma medida não apenas inovadora, mas fundamental para qualificar as políticas públicas. Hoje existem vários conselhos de políticas públicas que atuam em ações intersetorias, como o Conselho das Cidades e o Conselho Nacional do Meio Ambiente, por exemplo. O Fórum deve contribuir para que estes Conselhos não formulem políticas conflitivas, fortalecendo, assim, a qualidade dos marcos regulatórios administrativos.
Por fim, resta um importante instrumento de participação social ainda não muito abordado, criado pela Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, e em perfeita consonância com a Política Nacional de Participação Social, que é o Procedimento de Manifestação de Interesse Social:
“Art. 18. É instituído o Procedimento de Manifestação de Interesse Social como instrumento por meio do qual as organizações da sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos poderão apresentar propostas ao poder público para que este avalie a possibilidade de realização de um chamamento público objetivando a celebração de parceria”.
Como se observa, é um mecanismo voltado para que a própria sociedade civil apresente, de forma fundamentada, sugestões para enfrentar lacunas de políticas públicas, e indicar locais e regiões onde devem ser aplicadas medidas mais incisivas dos governos.
Deve ser ressaltado que Procedimento de Manifestação de Interesse Social, criado por Lei, não está limitado Governo Federal, mas poderá utilizado, também, no âmbito estadual e municipal, ampliando as esferas de atuação da sociedade civil.
Portanto, como demonstramos neste breve relato, nos últimos 12 anos a atuação do Partido dos Trabalhadores no Governo Federal tem contribuído de maneira decisiva para a ampliação dos instrumentos voltados a participação da sociedade civil construção de políticas públicas e para o controle social.
Assim como já havia feito anteriormente no final da década de oitenta do século passado, com o inovador Orçamento Participativo de Porto Alegre, durante o Governo de Olívio Dutra, o PT vem criados espaços cada vez maiores para o exercício ativo da cidadania.