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O namoro contemporâneo e suas implicações jurídicas

Agenda 14/10/2014 às 16:01

O presente artigo tem por finalidade fazer uma breve análise sobre eventuais implicações jurídicas decorrentes dos namoros contemporâneos, à luz de pesquisa doutrinária e jurisprudencial.

Não se sabe ao certo quando o namoro surgiu, mas já convivemos com este tipo de relação afetiva há algum tempo. A maioria das pessoas utiliza o namoro como pré-condição para o estabelecimento de uma futura entidade familiar, passando pelo noivado e em seguida o casamento, definido este último ato antropologicamente como o vínculo estabelecido entre duas pessoas mediante o reconhecimento governamental, religioso ou social.

Entretanto, devido às contínuas mudanças sociais, as relações pessoais sofreram significativas transformações, cabendo ao direito a constante adaptação para suprir sua função de instrumento de controle social.

Antigamente, o namoro expressava o ato de cortejar a pessoa desejada sem implicar qualquer tipo de intimidade e geralmente os pais escolhiam os companheiros para seus filhos. Em muitos casos, beijo na boca era só depois do casamento.

Todavia, com a mudança nas relações sociais, por volta dos anos 60 e 70 surgiu o famoso “é proibido proibir”, em que o sexo começou a fazer cada vez mais parte da vida dos ainda não casados. As pessoas começaram a querer "experimentar" ou fazer um "test drive" nas outras pessoas antes de assumir um compromisso.

Nessa senda, cada vez mais muitos casais de namorados começam a passar mais dias juntos, geralmente aos finais de semanas e quando viam já estavam morando na mesma casa. Outros tomam essa decisão com o intuito de fazerem um “teste” para o casamento ou simplesmente interessados em pegar um atalho para o tão sonhado "enfim sós". Entretanto, ao viver embaixo do mesmo teto, pode-se considerar que o casal viva em uma união estável, condição que gera uma série de consequências legais de grande relevância.

Nesse sentido, faremos uma breve reflexão a respeito das implicações e dos efeitos jurídicos que esses relacionamentos mais modernos podem trazer aos casais e qual é a atual visão doutrinária e jurisprudencial sobre o tema.

Como é sabido, o namoro não pode ser considerado juridicamente como uma entidade familiar, tanto que não encontramos na lei um conceito. Desse modo, se não há qualquer previsão legal, podemos dizer que não há pressupostos legais para o estabelecimento do namoro, a não ser requisitos morais, impostos pela própria sociedade e pelos costumes locais.

Desta forma, recorrendo-se ao dicionário Houaiss, podemos verificar que namoro é quando “duas pessoas têm um relacionamento amoroso em que a aproximação física e psíquica, fundada numa atração recíproca, aspira à continuidade.”[1]Nesse sentido, não dá para considerar o namoro como uma entidade familiar, mas tão somente a expectativa futura de se formar uma família, que normalmente advêm com o casamento.

Euclides de Oliveira leciona que o namoro é tido como uma escalada do afeto, ou seja, um crescente processo de convivência que pode encaminhar a uma futura família, vejamos:

Passo importante na escalada do afeto ocorre se o encontro inicial revela o início de uma efetiva relação amorosa. Dá-se então, o namoro, já agora um compromisso assumido entre homem e mulher que se entendem gostar um do outro. Pode ser paixão à primeira vista, embora nem sempre isso aconteça, pois o amor vai se consolidando aos poucos, com encontros e desencontros do casal embevecido. Do latim in amoré, o namoro sinaliza situação mais séria de relacionamento afetivo.[2]

Todavia, em muitos casos o comportamento do casal no namoro poderá ensejar os requisitos que configuram a união estável. Por esse motivo é tão difícil, na prática, encontrar as diferenças entre a união estável e esse tipo de namoro mais sério. E aí ocorre um grande problema, pois mesmo sem a intenção de constituí-la, estará configurada a união estável, decorrendo vários efeitos jurídicos indesejados.

De proêmio, para entender melhor essa problemática moderna, faz-se necessário fazer uma análise perfunctória do conceito da união estável.

Ao regular o § 3º do artigo 223 da Constituição Federal, o Código Civil conceituou a união estável, no artigo 1.723, como a união entre “...o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. O § 1º do referido artigo complementa que “a união estável não será constituída se estiver presente qualquer dos impedimentos matrimoniais, previstos no artigo 1.521 do Código Civil, com exceção das pessoas casadas, desde que separadas de fato ou judicialmente.”

Interessante ressaltar que a antiga lei que tratava dos requisitos da união estável, Lei 8.971/94, fixou como condição para o reconhecimento como estável a relação de no mínimo cinco anos ou das quais houvesse nascido filho. Já com a Lei n. 9.278/96 esse prazo foi extinto e o artigo 1º estabeleceu que as características da união estável são convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

Como podemos perceber, o requisito do tempo não é mais um elemento preponderante para caracterizar uma união estável. Flávio Tartuce aduz que:

Questão que sempre entre em cena para diferenciar os institutos é o tempo de convivência, havendo julgados que levam em conta tal critério. Com o devido respeito, penso que tal requisito objetivo não é fator predominante para a fixação da união estável, tendo mero caráter acessório. Um casal pode, eventualmente, ter uma paixão momentânea e decidir logo nos primeiros anos que viverá em união estável. Assim, fazem imediatamente um contrato de convivência declarando a intenção de viver como companheiros. Em casos tais, a entidade familiar passar a gerar efeitos a partir de então (efeitos ex nunc).[3]

Todavia, mesmo com o desaparecimento do requisito temporal, ainda podemos encontrar julgados que levam em conta o tempo como critério objetivo de diferenciação entre um simples namoro e uma união estável, conforme acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

UNIÃO ESTÁVEL - INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE VIDA EM COMUM OU 'ANIMUS' DE CONSTITUIÇÃO FAMILIAR - CONFIGURAÇÃO DE MERO NAMORO COM LONGA DURAÇÃO - PEDIDO IMPROCEDENTE. A declaração judicial de existência de união estável deve atender alguns requisitos de ordem subjetiva - vontade de constituição familiar - e objetiva - vida em comum por longo período de tempo. Caso a parte autora não logre êxito em comprovar que os dois critérios se faziam presentes na relação, não há que se falar em sociedade de fato, mas em simples relação de namoro, por mais longo que seja o período. Por certo que a união estável depende da comunhão de momentos mais íntimos, não só de frequência a festas e clubes, mas também de união nos momentos de doenças e tristezas. Comprovada a moradia em separado, a falta de vontade de unir-se em vida em comum, embora não havendo nenhum impedimento, bem como comprovado que nas internações hospitalares o de cujus era assistido pelos irmãos, com quem morava, e não por aquela que se revela apenas como namorada, não é de ser reconhecida a união estável.[4]

Mas a questão não é tão simples, pois podem ser encontradas decisões que afastam a união estável, mesmo para relacionamentos de longa duração, como abaixo reproduzido:

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS DE RELACIONAMENTO PÚBLICO MORE UXÓRIO E COM ANIMUS FAMILIAE NÃO DEMONSTRADOS. RELACIONAMENTO QUE, EMBORA LONGO, NÃO PASSOU DE UM NAMORO. Ausente demonstração de que as partes mantiveram um relacionamento caracterizado como união estável, pois não restaram consubstanciados os requisitos da publicidade e do ânimo de constituir família, tendo as partes mantido apenas um relacionamento afetivo que, embora longo, não passou de um namoro, sem residência conjunta, ao contrário do que fora afirmado pela demandante. Sentença de improcedência.[5]

Além disso, no aspecto patrimonial, praticamente iguala-se a união estável ao casamento, por sujeitar-se, no que couber, ao regime da comunhão parcial de bens. Analogamente, o direito a alimentos entre companheiros obedece aos critérios previstos para parentes e cônjuges, fixando-se de acordo com as necessidades do alimentante e as possibilidades do alimentado.

Destaca-se ainda que atualmente a união estável pode ser configurada em relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n. 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n. 133, onde foi dispensada a diversidade de sexo.

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Outra questão interessante a ser analisada é a existência de filhos comuns do casal. Será que se o casal tiver filhos em comum, poderíamos então afirmar que a relação deixou de ser um namoro e passou a ser uma união estável?

Flávio Tartuce pondera que a existência de prole comum do casal pode ser um forte indicativo que configura que aquela relação é estável, mas não será determinante. Na visão da Tartuce:

Outra situação fática que pode entrar em cena para a definição da existência de um namoro ou de uma união estável é a existência de prole em comum do casal. Não se negue que a questão possa realmente pesar para que se conclua pela existência de uma família. Porém, para tanto, o casal deve estar vivendo como tal. Havendo distanciamento físico e afetivo, pode ser que nem namoro exista, eis que, por exemplo, a existência de gravidez desgastou a relação. O surgimento de um filho é justamente um dos efeitos de maior relevância que podem decorrer do namoro.[6]

Nessa linha, a 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu que um filho do casal não é suficiente para caracterizar união estável. Na apelação[7]discutia-se o marco inicial para a configuração da união estável, pois, enquanto o companheiro sustentava que o início da relação se deu no ano de 2000, com o nascimento da filha do casal, a companheira indicou, com base em prova documental, o mês de dezembro de 2001. Como a aquisição do apartamento ocorreu em 2000 e a união estável foi estabelecida entre o final de 2001 e julho de 2008, o imóvel não estaria entre os bens a serem divididos.

No entanto, muitos julgados ainda consideraram a existência de filhos comum substancial para a conclusão de existência da união estável:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO NA VIGÊNCIA DA LEI N. 8.213/91. FILHAS. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE COMPROVADA. COAUTORA. COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL. PROLE COMUM. INDÍCIO FORTE DA EXISTÊNCIA DA UNIÃO DE FATO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. CARÊNCIA E CONDIÇÃO DE SEGURADO. CONCEITOS DISTINTOS. INCAPACIDADE LABORATIVA INICIADA DURANTE O PERÍODO DE GRAÇA. FALTA DE COMPROVAÇÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. APOSENTADORIA POR IDADE OU POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADA. I - Aplicável a Lei nº 8.213/91, vigente à época do óbito do segurado. II-O grau de parentesco das coautoras (menores impúberes) com o falecido está comprovado com as certidão de nascimento acostadas aos autos. III-A existência de prole em comum é indício forte da existência da união estável. IV-O último vínculo empregatício do falecido comprovado nos autos cessou em 04/03/1994. Considerando ter o de cujus contribuído por menos de 120 (cento e vinte) meses, o período de graça previsto em lei cessou em 16/05/1995, na forma prevista no Decreto nº 2.172, de 05 de março de 1997. V- Só cumpre carência quem é segurado, ou seja, quem participa do custeio. Para que o benefício pudesse ser concedido, deveria ter sido comprovada a condição de segurado, mesmo que desnecessário o cumprimento da carência. VI- Não perde a qualidade de segurado aquele que deixa de contribuir em razão de estar incapacitado para o trabalho, porque a incapacidade é contingência com cobertura previdenciária. Se tinha direito a cobertura previdenciária no período, não pode perder a qualidade de segurado enquanto estiver incapacitado para o trabalho. VII-A incapacidade exige prova técnica, feita por perícia médica do INSS ou do juízo. No caso presente, a incapacidade não restou demonstrada pelas autoras. VIII- Não tendo o de cujus, na data do óbito, direito a nenhuma cobertura previdenciária, seus dependentes também não o têm. IX- Apelação das autoras improvida.[8]

Mas então o que seria essencial para constatar se determinada relação seria um namoro ou uma união estável?

Como já mencionado, dentre os requisitos necessários à configuração da união estável: convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família, entende-se que o último seria o determinante.

Carlos Roberto Gonçalves[9]leciona que o principal elemento para a configuração da união estável é o “affectio maritalis” que consiste no ânimo ou objetivo de constituir família. É absolutamente necessário que os companheiros efetivamente constituam uma família, não bastando apenas o animus ou a vontade, pois, dessa forma, um mero noivado ou namoro seria equiparado a uma união estável.

Gonçalves explica que:

Não configuram união estável, com efeito, os encontros amorosos mesmo constantes, ainda que os parceiros mantenham relações sexuais, nem as viagens realizadas a dois ou o comparecimento juntos a festas, jantares, recepções etc., se não houver da parte de ambos o intuito de constituir uma família.[10]

Todavia, poder-se-ia argumentar que em um namoro também há o objetivo de constituir uma família, podendo ser facilmente confundido com uma união estável. Mas Flávio Tartuce esclarece dizendo que no namoro não há ainda a constituição de família, ou melhor, não há a efetiva comunhão de vida. Já na união estável os companheiros vivem como se casados fossem, já há uma família. Nas palavras do doutrinador:

...o que diferencia os institutos é que no namoro há um objetivo de constituição de família (animus familiae). Como se escreveu em coautoria com José Fernando Simão, o que diferencia os institutos é que no namoro há um objetivo de constituição de família futura, enquanto que na união estável essa família já existe. A questão do tratamento da situação fática pelas partes e pela sociedade é essencial para a diferenciação categórica. Por vezes, na união estável há um tratamento entre as partes como se fossem casados, com o intuito de uma comunhão plena de vidas (tractatus). O mesmo se diga em relação ao reconhecimento ou reputação social da existência da entidade familiar (reputatio ou fama).[11]

Resolvido o ponto de diferenciação entre o namoro e a união estável, é preciso verificar quais são, atualmente, os efeitos jurídicos que podem decorrer de um namoro.

Como um primeiro efeito, destaca-se analisar se o rompimento de um namoro geraria direito a indenização a um dos parceiros, o que tem se tornado comum. Relações, não tão sérias, mas um pouco mais duradouras não raramente estão tendo um momento posterior ao seu término: as cadeiras do Judiciário.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais enfrentou essa questão ao decidir que a ruptura de relacionamento amoroso por si só não justifica indenização. Tratava-se de um caso em que um homem, já aposentado, estava sendo processado por ter desistido de se casar com sua ex-namorada, também aposentada. Ela sustentava que o ex-namorado, depois de alimentar suas esperanças quanto ao casamento por 39 anos, enquanto eles se relacionavam, descumpriu as promessas e rompeu com ela, causando-lhe sofrimento e decepção.

O juiz de primeira instância havia reconhecido que a aposentada poderia se sentir ressentida com a ruptura, mas afirmou que o fato não caracteriza conduta passível de ser penalizada com indenização. Para o magistrado, o estabelecimento e a manutenção de um vínculo amoroso baseia-se na liberdade e da livre escolha individual. O desembargador Moacyr Lobato, da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), rejeitou recurso da aposentada e confirmou decisão de primeira instância. O relator esclareceu que a frustração de expectativa de casamento não justifica indenização por danos morais, porque não viola dever jurídico legítimo, já que não se comprovou haver compromisso pré-nupcial ou acerto formal entre as partes. Segue a ementa do referido acórdão:

APELAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXPECTATIVA DE CASAMENTO. AUSENCIA DE PROVA DO ATO ILÍCITO E DO DANO. RECURSO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. - Nos termos do art. 333, I do Código de Processo Civil, incumbe ao autor a prova quanto ao fato constitutivo de seu direito. - Os danos morais indenizáveis dependem da prova de ato ilícito, sem a qual o pedido não merece ser julgado procedente. - Alegação genérica de danos morais suportados em decorrência de frustração da expectativa de contrair casamento, sem qualquer prova da evidencia de prejuízos à honra e imagem, impede a procedência do pedido de indenização.[12]

Contudo, cabe destacar que poderá estar presente o direito de indenizar quando houver quebra de promessa de casamento. Para tanto, conforme explica José Fernando Simão[13], deve-se evidenciar a grave quebra da confiança e da boa-fé objetiva por um dos noivos ou namorados, com notórias repercussões sociais. A simples ruptura do relacionamento, conforme já se demonstrou, não configura ato ilícito.

Nesse diapasão, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em um caso semelhante ao anterior, entendeu o dever de indenização para uma mulher que teria sido enganada pelo seu parceiro, após um relacionamento que durou cinco anos, porque descobriu que ele era casado.

O Tribunal decidiu que a mulher, autora no processo, deveria receber indenização por danos morais e materiais do seu ex-namorado, por ter descoberto, por meio de uma notícia de jornal, que ele era casado e tinha uma filha. De acordo com a autora, o ex-namorado fazia promessas de casamento e ambos chegaram a procurar moradia para viverem juntos. Mas, passado um tempo, a autora teria visto, por meio do jornal da cidade, uma foto do namorado ao lado de outra mulher, com um bebê no colo, o que há trouxe um grande choque emocional e uma posterior depressão. Colaciona-se o referido acórdão abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL - ENVOLVIMENTO AMOROSO - PROMESSA DE CASAMENTO - NOIVADO - CONVÍVIO EM SOCIEDADE - DESCOBERTA POR MEIO DE NOTÍCIA DE JORNAL DE QUE O NAMORADO ERA CASADO - VEXAME - CONSTRANGIMENTO - HUMILHAÇÃO - DANO MORAL - OCORRÊNCIA - INDENIZAÇÃO - VALOR - AUMENTO OU REDUÇÃO - NÃO CABIMENTO - MONTANTE FIXADO EM CONFORMIDADE COM O CASO CONCRETO E EM RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE - Configura dano moral indenizável a conduta de pessoa já casada que omite tal fato e se envolve, durante anos, com jovem, com ela ficando noivo e convivendo, sob promessa de casamento, para depois, romper o relacionamento, diante da descoberta da situação pela própria jovem, por meio de notícia de jornal, fato que foi causa de profundo constrangimento, humilhação e sofrimento psíquico. - Não se há de aumentar ou diminuir o valor arbitrado para a indenização por dano moral se está ele em conformidade com as circunstâncias do caso concreto, atendendo, assim, aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. v.v.: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS - NÃO COMPROVAÇÃO - PRIMEIRO RECURSO DESPROVIDO; SEGUNDO, PARCIALMENTE PROVIDO. - Mesmo considerando que os recibos apresentados pela autora, em princípio, comprovam seus gastos com a aquisição do enxoval, que deveria guarnecer a residência das partes após o casamento, não há nos autos prova no sentido de que tais bens tenham permanecido na posse do réu. - O dano material indenizável, requisito da obrigação de indenizar, é a desvantagem experimentada no bem jurídico, ou seja, a diminuição ocorrida no patrimônio da vítima, cabendo ao prejudicado a comprovação do efetivo prejuízo, eis que o dano hipotético não justifica a reparação. - Primeiro recurso desprovido; segundo, parcialmente provido.[14]

Outra questão atual enfrentada em muitos namoros e que pode gerar sérios efeitos jurídicos é a responsabilidade civil e criminal pela divulgação de fotos ou vídeos íntimos da ex-namorada ou ex-namorado na Internet, sem consentimento. Havendo graves repercussões sociais, ficará demonstrado o dano à imagem da pessoa exposta, gerando consequências patrimoniais ou morais. Neste sentido, adverte Antonio Jeová Santos que:

Se existe um direito a opor-se à publicação da imagem com independência de prejuízos materiais, sua violação importa, por si só, um dano moral, que está constituído pelo desgosto de ver a personalidade avassalada. Este direito foi expressamente referenciado no art. 5º da Constituição Federal, inc. V (“é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”), X (“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”) e XXVIII (“são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e da voz humanas, inclusive nas atividades desportivas).[15]

O poder judiciário também já vem mostrando avanço no tocante a esta nova matéria do direito, como se vê no julgado abaixo:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. UTILIZAÇÃO DESAUTORIZADA E INADEQUADA DE IMAGEM. USO VEXATÓRIO, OFENSIVO A REPUTAÇÃO. Hipótese em que a imagem, captada sem autorização, e ainda que consentida fosse, foi divulgada na internet. Tudo isto, obviamente, sem a autorização e o conhecimento da dona da imagem. Inegável a ofensa à honra. Poder-se-ia dizer que o uso, no caso, foi inadequado e desautorizado, dando ensejo, por estas duas razões, à indenização pelos danos que a exposição causou. A lei tutela o direito à imagem, mormente quando o uso é abusivo e ofensivo à reputação, causando uma situação desprimorosa. Nestes casos, a publicação sem prévia autorização, por si só, já tipifica dano à imagem, tornando devida a indenização por dano moral. Havendo, como no caso vertente, a finalidade vexatória, mais evidentes a ilicitude da conduta e a ofensa.[16]

Além da responsabilidade civil, não poderíamos deixar de mencionar a responsabilidade criminal para aquele que divulgar fotos íntimas de outrem sem autorização. O ato pode ser classificado como difamação (imputar fato ofensivo à reputação) ou injúria (ofender a dignidade ou decoro), segundo os artigos 139 e 140 do Código Penal. E caso envolva criança ou adolescente, o artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) qualifica como crime grave a divulgação de fotos, gravações ou imagens de crianças ou adolescentes em situação de sexo explícito ou pornográfica.

Por derradeiro, diante da sensação de insegurança e medo que tem tomado conta de alguns casais de namorados, tendo em vista que um simples namoro ou um relacionamento fugaz poderiam gerar obrigações de ordem patrimonial, começou a proliferar um instrumento denominado “contrato de namoro”, que Maria Berenice Dias conceitua como sendo “um contrato para assegurar a ausência de comprometimento recíproco e a incomunicabilidade do patrimônio presente e futuro”[17].

O namoro também pode gerar a presunção relativa de paternidade, pois os tribunais têm levado em conta se na época da concepção havia um relacionamento entre a mãe e o suposto pai. Isso porque o namoro é um relacionamento mais intenso do que um simples encontro casual.

Nesse sentido, reproduzimos abaixo a ementa de um julgado sobre o tema:

APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS. OMISSÃO INJUSTIFICADA À REALIZAÇÃO DO EXAME DE DNA PELO SUPOSTO PAI. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DA PATERNIDADE. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS CONSISTENTES. RELACIONAMENTO À ÉPOCA DA CONCEPÇÃO. PATERNIDADE RECONHECIDA. PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA DEVIDA. FIXAÇÃO ADEQUADA. 1. Enquanto parte processual, o sujeito tem o dever de informar o juízo acerca de sua mudança a país estrangeiro, de que depende suas futuras intimações. Atitude em contrário caracteriza omissão e desatenção aos deveres e ônus processuais, sendo a ele imputado eventual descumprimento. 2. A omissão injustificada da realização de exame de DNA pelo suposto pai acarreta presunção iuris tantum de paternidade, nos termos da Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Em não havendo exame de DNA, a prova testemunhal contundente que demonstre a existência de namoro e a ocorrência de relação sexual à época da concepção, é suficiente è embasar o reconhecimento da paternidade dos envolvidos, nos termos do artigo 363, I e II do Código Civil de 1916. 4. Recurso conhecido não-provido.[18]

Nessa linha, não poderíamos deixar de ressaltar que a existência de um namoro entre a mãe e o suposto pai, poderá ser suficiente para o judiciário fixar a prestação de pagamento de alimentos, até mesmo provisionais.

Ainda, ressalta-se que as lides decorrentes de namoro não são julgadas pelas varas de família, mas pelas varas cíveis, pois, como mencionado no início deste trabalho, namoro não são considerados entidade familiar, mas como uma sociedade de fato regida pelo direito das obrigações.

Desta forma, em uma eventual partilha de bens aquele que contribuiu para a aquisição ou melhoria do bem que não é de sua propriedade, terá o direito de ser indenizado, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do proprietário. É necessário, no entanto, que cada despesa seja devidamente comprovada. E o valor da indenização ficará restrito ao ressarcimento da quantia com a qual contribuiu. Essa é exatamente a hipótese do seguinte julgado:

INDENIZAÇÃO. Pedido de restituição de quantias pagas ao ex-namorado para reforma de imóvel de propriedade dele. Hipótese de necessidade de acerto de contas após a ruptura do relacionamento. Ausência de danos morais. Recursos desprovidos[19]

Interessante que Silvio de Salvo Venosa explica o que ele chama de verdadeiro “temor ao amor”, que se caracteriza pelo medo que levam os casais a assinar este tipo de contrato com a finalidade de afastar a responsabilização patrimonial que pode ocorrer no término da relação.

Entretanto, a maioria da doutrina e da jurisprudência entende que este instrumento não tem capacidade de afastar os efeitos de uma união estável por esta ser regulada através de normas cogentes, as quais são inafastáveis pela vontade das partes, além de poder se tornar fonte de enriquecimento ilícito de um dos consortes em detrimento do outro, pois os bens adquiridos durante a relação podem ter sido fruto de esforço comum do casal.

Por todo exposto, conclui-se que o namoro, apesar de não ser juridicamente uma entidade familiar, poderá trazer várias implicações jurídicas, dependendo das circunstâncias fáticas, como a presunção relativa de paternidade e o dever de indenização pela sua ruptura.

Ademais, verificou-se que o namoro contemporâneo pode ser facilmente confundido ou até mesmo convertido em uma união estável, se preenchido os requisitos. Todavia, a diferença substancial entre as duas relações é o “animus” de constituir uma família que existe na união estável.


REFERÊNCIAS

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2011.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2007.

SIMÃO, José Fernando; TARTUCE, Flávio. Direito Civil. São Paulo: GEN/Método, 2008.

TARTUCE, Flávio. Direito de Família: Namoro – Efeitos Jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011.

VENOSA, Silvio de Salvo. Família - Entre o Público e o Privado: Contratos Afetivos – O Temor do Amor. São Paulo: Lex Magister, 2012.


Notas

[1]HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Objetiva, 2007. 1.993 p.

[2]EUCLIDES DE OLIVEIRA, 2006 apud TARTUCE, Flávio. Direito de Família: Namoro – Efeitos Jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011. 256 p.

[3]TARTUCE, Flávio. Direito de Família: Namoro – Efeitos Jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011. 256 p

[4]TJ-MG 100240577460830011 MG 1.0024.05.774608-3/001(1), Relator: VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE, Data de Julgamento: 26/05/2009, Data de Publicação: 10/07/2009

[5]TJ-RS - AC: 70042115501 RS , Relator: Roberto Carvalho Fraga, Data de Julgamento: 29/06/2011, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/07/2011

[6]TARTUCE, Flávio. Direito de Família: Namoro – Efeitos Jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011. 256 p

[7]TJ/SC, Terceira Câmara de Direito Civil. Apelação Cível n. 2012.078495-2, Relator: Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Data da decisão: 15.01.2013.

[8]TRF-3 - AC: 6074 SP 2004.61.09.006074-5, Relator: JUIZ CONVOCADO HONG KOU HEN, Data de Julgamento: 02/06/2008, NONA TURMA

[9]GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2011, 614 p.

[10]GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2011, 615 p.

[11]TARTUCE, Flávio. Direito de Família: Namoro – Efeitos Jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011. 256 p.

[12]TJ-MG, Relator: Moacyr Lobato, Data de Julgamento: 10/06/2014, Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL

[13]SIMÃO, José Fernando; TARTUCE, Flávio. Direito Civil. São Paulo: GEN/Método, 2008. 106-111 p.

[14]TJ-MG - AC: 10209080830091001 MG , Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 11/06/2014, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 18/06/2014

[15]Dano moral indenizável. SP, Lejus, 1999, 2ª ed. revista e ampliada, p. 387

[16]TJ-RS - AC: 70051206464 RS , Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Data de Julgamento: 12/12/2012, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 17/12/2012

[17]DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. 7. Ed. São Paulo: RT, 2010, 181 p.

[18]TJ-PR – AC: 3663623 PR, Relator: Fernando Wolff Bodziak, Data de Julgamento: 27/06/2007, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 7421

[19]TJSP, 4a Câmara de Direito Privado, Apelação nº 994.07.121833-0, rel. Des. Teixeira Leite, j. 09-09-2010, v.u.

Sobre o autor
Isaque Soares Ribeiro

Assistente administrativo jurídico do Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo (CNB/SP) e graduando pelo curso de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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