Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Dispensa de licitação para desenvolvimento institucional:

entre a ontologia e o pragmatismo

Exibindo página 2 de 3
Agenda 08/06/2015 às 12:23

3. CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL

De todos os elementos normativos deste tipo específico de contratação direta, o mais árido é a definição de “desenvolvimento institucional”.

O conceito de desenvolvimento institucional é relevante como se depreende do enunciado da Súmula nº 250 do Tribunal de Contas da União:

SÚMULA Nº 250

A contratação de instituição sem fins lucrativos, com dispensa de licitação, com fulcro no art. 24, inciso XIII, da Lei n.º 8.666/93, somente é admitida nas hipóteses em que houver nexo efetivo entre o mencionado dispositivo, a natureza da instituição e o objeto contratado, além de comprovada a compatibilidade com os preços de mercado.

Observa-se que é mister realizar a análise do efetivo nexo entre o conceito de “desenvolvimento institucional” com o objeto do contrato. Portanto, sob pena de dispensar licitação fora das hipóteses previstas em lei (art. 89 da Lei nº 8666/93), impõe-se questionar: o que é o objeto de contrato “desenvolvimento institucional”? Senão vejamos.

O objeto social da instituição deve abranger as áreas de desenvolvimento institucional e tal constatação deve estar prevista explicitamente em seu regulamento, regimento interno ou estatuto. Observa-se do exposto que a incumbência expressa no estatuto ou regimento, de desenvolvimento institucional, trata da avaliação objetiva da qualidade da pessoa jurídica a ser contratada mediante dispensa de licitação.

Contudo, considerando que podem haver alterações nos diplomas constitutivos, merece nota a observação de Miranda e Rocha: “[...] a previsão estatuária ou regimental não necessariamente deve estar na origem, posto que não há imposição legal para isso, como ocorre expressamente no inciso VIII. Neste caso o legislador permitiu que as instituições a serem contratadas diretamente fossem criadas posteriormente à edição da lei, a qualquer tempo. De igual modo, admite-se que uma instituição altere seus estatutos e deles passe a constar o objetivo exigido pelo artigo em comento”. (MIRANDA, ROCHA, 2008, p. 104).

Considerando-se o conceito juridicamente indeterminado da expressão “desenvolvimento institucional”, é importante valer-nos da lição da doutrina especializada. Neste sentido, cita-se Marçal Justen Filho:

Existe maior dificuldade no tocante ao conceito de “desenvolvimento institucional”, inclusive por efeito de uma espécie de autorreferibilidade do dispositivo. Ali se incluem as instituições que promovem o desenvolvimento de outras instituições. Deve-se reputar que o dispositivo alude às instituições sociais e políticas. Talvez o maior aprofundamento sobre esse dispositivo seja propiciado pelo exame, adiante realizado, do vínculo de pertinência entre o objeto do contrato e a função da instituição. (FILHO, Marçal Justen., ,p. 327)

Para o Professor Jorge Ulysses Jacoby Fernandes, o interesse público impõe restrição ao termo, através dos seguintes dizeres:

De todas as expressões utilizadas no inciso pelo legislador, o “desenvolvimento institucional” foi a mais ampla. Se a doutrina se debate, até agora, por açambarcar e analisar as acepções da palavra instituição, a rigor, “desenvolvimento institucional” compreenderia crescimento, progresso, de qualquer coisa em que possa estar compreendido o termo instituição. Cuidam do desenvolvimento institucional tanto uma empresa que possui um centro de controle de qualidade, como uma faculdade, sindicato ou associação de moradores, qualquer “instituição”, portanto, que se dedique a um fim. Por óbvio, impõe o interesse público a restrição ao termo, a fim de que o mesmo se harmonize com o ordenamento jurídico. (FERNANDES, 2007, p. 487)

Observa-se que a concepção apontada pela doutrina, apesar do seu apelo por um fechamento exegético, acaba por ser por demais ampla e subjetiva.

Defendendo tese divergente, Niebuhr afirma que “o intérprete deve tratar os casos que lhe são apresentados com olhos na parte inicial do inciso XXI do artigo 37 da Constituição” (Niebuhr, 2003, p. 315). Ou seja, há a necessidade de utilização da interpretação conforme a Constituição, formulando, conceito restritivo e não ampliativo nos casos de dispensa.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Nesse passo, uma proposta de interpretação conforme a Constituição atrai para o debate o artigo 218 do texto constitucional:

Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.

§ 1º - A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências.

§ 2º - A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

§ 3º - O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.

§ 4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

§ 5º - É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.

Jessé Torres Pereira Junior, ao comentar o conteúdo do inciso XIII, do artigo 24, da Lei de Licitações, contribui:

A Lei licitatória cumpre, neste inciso, a ordem do art. 218 da Constituição Federal, que incumbe o Estado de promover e incentivar “o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas”. A determinação do §4º do preceito constitucional nitidamente inspira esta hipótese de dispensabilidade, ao cometer à lei, imperativamente, o dever de apoiar e estimular “as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formulação e aperfeiçoamento de recursos humanos.” (Pereira Junior, 2003, p. 281).

Vittorio Constantino Provenza, Procurador do Ministério Público Especial do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, retira da norma constitucional o interesse público específico perseguido pelo Constituinte: o fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico. (PROVENZA, 2006, p. 9). E conclui: “o iter vocabular formado pelas palavras ‘pesquisa’, ‘estudo’ e ‘desenvolvimento’ tem por estuário um inequívoco ponto: a geração de conhecimento”. (PROVENZA, 2006, p. 9)

Considerando o caráter programático do texto constitucional, que se difunde um contexto de fomento ao desenvolvimento das instituição, não é forçoso concluir que a contratação em comento possui um duplo desiderato.

A uma, “o desenvolvimento institucional está intimamente ligado ao desenvolvimento de atividades direcionadas ao aperfeiçoamento de funções da própria contratante [...]” (MIRANDA, ROCHA, 2008, p. 105).

A duas, o desenvolvimento refere-se a “impulsionar a atuação e o aperfeiçoamento das pessoas (instituições) que serão contratadas por se dedicarem às referidas atividades (pesquisa, ensino, desenvolvimento institucional ou recuperação social do preso), e não o desenvolvimento da própria Administração”. (TREIN, SAMPAIO, 2003, p. 1031)

Diante do exposto, o preenchimento ontológico do conceito de “desenvolvimento institucional” somente pode ser encontrado em completude com a Constituição que expõe a relevância do fomento do ensino, da pesquisa e do desenvolvimento tanto para o Brasil, quanto para a contratante e também para a contratada. Afinal, o texto constitucional não faz distinção entre quem deverá receber incentivo de desenvolvimento mediante a contratação direta pela Administração Pública.

Noutras palavras, numa leitura constitucional, observa-se um sistema legal de fomento desenvolvimentista indireto neste tipo de contratação, a saber: i) no sentido imediato, disponibilizar serviços à Administração Pública e ii) de forma mediata, incentivar o crescimento da própria entidade, afinal todos os recursos aferidos por ela deverão ser reutilizados na sua atividade fim que é o ensino, pesquisa e desenvolvimento, os quais perfazem objetivo do Estado e da sociedade brasileira, conforme a Constituição e como já demonstrado acima.

Com efeito, para além do texto da Lei de Licitações, há que se agregar ao debate do conceito de “desenvolvimento institucional” o alcance do objetivo constitucional relativo ao desenvolvimento. A Administração opta pela contratação direta para usufruir de serviços técnicos, com entidades criadas com o mesmo escopo, as quais ao receber pelos serviços deverão, por força de lei, investir novamente nas mesmas áreas previstas, criando assim um ciclo virtuoso de fomento direto – a favor da Administração Pública – e indireto – em favor da sociedade e da instituição – ambos concorrendo para a materialização do ditame constitucional.

Constatado essa razão maior para a contratação direta, logo, não deve haver apenas uma única resposta juridicamente válida para o caso da contratação direta de entidade de desenvolvimento institucional. Todavia, caberá conjugar o sentido maior do ordenamento jurídico, mesmo que em caráter propositivo, em que medida a Administração pode fomentar as instituições incumbidas do desenvolvimento institucional.

O sentido, segundo a Constituição que deve ser perseguido a se realizar a contratação, é o fomento indireto de instituições voltadas para áreas tão essenciais ao progresso do Brasil: ensino, pesquisa e desenvolvimento institucional e não apenas uma mera contratação que a Administração Pública se beneficia de um serviço e executa pagamento.

Feita esta exposição, resta arrostar quais interpretações possíveis para o termo “desenvolvimento institucional”, a partir da doutrina, das decisões dos Tribunais de Contas, para ao fim expor uma conceituação propositiva.

Quanto à definição do que seria o chamado “desenvolvimento institucional”, a doutrina de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes leciona que:

“d) de todas as expressões utilizadas no inciso pelo legislador, o “desenvolvimento institucional” foi a mais ampla. Se a doutrina se debate, até agora, por a açambarcar e analisar as acepções da palavra instituição, a rigor “desenvolvimento institucional” compreenderia crescimento, progresso, de qualquer coisa em que possa estar compreendido o termo instituição.” (FERNANDES, 204, p. 416)

Em síntese, o Desenvolvimento Institucional é toda ação de política pública que resulta, ou se espera gerar, um crescimento, aperfeiçoamento, progresso da Contratante e de seus “clientes”, quer o cidadão, quer outro órgão público”, segundo o Tribunal de Contas de Santa Catarina, Processo nº ALC - 05/04256254. (negrito nosso)

Para completar este sentido, transcreve-se excerto do Acórdão/TCU nº 777/2004 -Plenário: “Assim, ações de desenvolvimento institucional correspondem ao estabelecimento e implementação das estratégias da instituição com vistas a cenário futuro” (negrito nosso).

Não há na Lei de Licitações ou em seus regulamentos específicos um conceito legal de desenvolvimento institucional, como já afirmado. Entretanto, por analogia inclui no debate o Decreto nº 7.423, de 31 de dezembro de 2010, em seu artigo 2º traz a seguinte definição:

Art. 2º Para os fins deste Decreto, entende-se por desenvolvimento institucional os programas, projetos, atividades e operações especiais, inclusive de natureza infraestrutural, material e laboratorial, que levem à melhoria mensurável das condições das IFES e demais ICTs, para o cumprimento eficiente e eficaz de sua missão, conforme descrita no Plano de Desenvolvimento Institucional, vedada, em qualquer caso, a contratação de objetos genéricos, desvinculados de projetos específicos.

Este Decreto veio em substituição ao Decreto nº 5.205 de 14 de setembro de 2004, que dispunha em seu §3º, art. 1º:

Para os fins deste Decreto, entende-se por desenvolvimento institucional os programas, ações, projetos e atividades, inclusive aqueles de natureza infra-estrutural, que levem à melhoria das condições das instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica para o cumprimento da sua missão institucional, devidamente consignados em plano institucional aprovado pelo órgão superior da instituição.

Note-se que a alteração foi quanto ao tipo de instituição destinatária; contudo, o elemento essencial do termo “desenvolvimento institucional” permaneceu o mesmo, isto é, “entende-se por desenvolvimento institucional os programas, projetos, atividades e operações especiais, inclusive de natureza infraestrutural, material e laboratorial”.

Note-se que o desenvolvimento institucional é algo inserido num programa ou projeto e que pode ser atividades ou operações inclusive de infraestrutura. Nesse sentido, tem-se até o precedente de contratação de serviços de informática, sob o pálio do termo desenvolvimento institucional, conforme Processo n. 014.470/94-2 aprovado pelo Tribunal de Contas da União (in “Contratação Direta sem Licitação”, 5ª. Edição, pg.: 422 – nota de rodapé).

Diante do todo exposto, mas sem a pretensão de concluir o debate, deverá o conceito de “desenvolvimento institucional” ser interpretado i) conforme a Constituição, ii) perfazer contrato que, além de ofertar determinada utilidade de interesse para a contratante é, ainda, fomento desenvolvimentista da sociedade e suas instituições e, por fim, iii) estar inserido num programa ou projeto.

Expostas estas observações, não é forçoso concluir que a definição de “desenvolvimento institucional” não é algo em si, isto é, não comporta um objeto único pré-definido. Entretanto, num giro hermenêutico, observa-se que possui um sentido de finalidade, ou seja, um objetivo a ser obtido. Em outras palavras, desenvolvimento institucional “correspondem ao estabelecimento e implementação das estratégias da instituição com vistas a cenário futuro”, Acórdão/TCU nº 777/2004 -Plenário.

Noutros termos, “desenvolvimento institucional” não se trata de objeto fixo e fechado ontologicamente nele; todavia, possui a conotação de “meio para um objetivo desenvolvimentista”, que comporta vários objetos contratuais e capaz de gerar utilidade que agregue valor para a Administração Pública e para a sociedade.

Daí o grande desafio para o aplicador do direito que se socorre numa subsunção baseada num conceito fechado e específico para realizar a aplicação da norma. O termo “desenvolvimento institucional” não é um conceito jurídico pré-determinado; mas um gênero que comporta algumas espécies de objeto que deverão proporcionar esse objetivo.

A questão da necessidade de se rever este termo na lei de licitações merece um debate apartado. Afinal, após a demonstração ora realizada – que rompe com a premissa da ontologia apriorística do conceito jurídico e, noutro extremo, adota uma hermenêutica conceitual constitucionalizada e crítica – conclui-se que há a possibilidade de mais de uma interpretação correta ou, então, de dúvidas, de enganos de exegese ou de questionamentos por mera interpretações divergentes do conceito contido no termo jurídico “desenvolvimento institucional”.

Em suma, denominar “desenvolvimento institucional” como algo pré-estabelecido perfaz uma leitura parcial da complexidade do problema e quiçá com inconsistências hermenêuticas. Contudo, na forma com que se apresenta e fora debatido neste texto, o conceito desvela a fragilidade deste termo jurídico, desenvolvimento institucional, notadamente, porque está lavrado num artigo de lei que deveria primar pela leitura restritiva e objetiva. Trata-se de problemática notória e que merece eficiente medida por parte do reformista da Lei Geral de Licitações.

Sobre as autoras
Élida Graziane Pinto

Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo. Pós-Doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Doutora em Direito Administrativo pela UFMG.

Juliana Faria

Procuradora do Estado de Minas Gerais<br>Pós-graduada em Direito Econômico Internacional (Coimbra)<br>Advogada (UFMG) e Economista (PUCMINAS)<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Élida Graziane; FARIA, Juliana. Dispensa de licitação para desenvolvimento institucional:: entre a ontologia e o pragmatismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4359, 8 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33186. Acesso em: 19 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!