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Agência reguladora

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Agenda 01/10/2002 às 00:00

5.0 – FUNÇÃO REGULADORA

O Estado no exercício do jus imperii, no decorrer do século que se finda, sempre exerceu a função reguladora da economia em suas diversas vertentes. Entretanto, com surgimento do Welfare State o Estado assumiu a economia, tomando para si a responsabilidade de seu desenvolvimento, sendo esta gradativamente estatizada o que determinou o afastamento da iniciativa privada e a proliferação de entidades estatais industriais, de início, sob a forma autárquica e, posteriormente de paraestatais (empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações econômicas e subsidiárias).

Desta forma, a regulação e o controle feito pelo Estado passaram a se tornar inócuos e sem sentido, já que não havia necessidade de uma duplicidade de controles, haja vista a existência do controle inerente à própria atividade administrativa pública. Assim, os órgãos estatais de controle foram desaparecendo quando não confundidos em uma mesma entidade que ao mesmo tempo em que prestava o serviço fazia seu controle.

Com a busca de um Estado preocupado apenas com suas atividades essenciais, e por conseqüência imbuído na vontade de desestatizar a economia passando assim, as atividades essencialmente econômicas para o setor privado, ressurge a necessidade da fiscalização e controle estatal dessas atividades.

No Brasil, como bem lembrou Diogo de F. M. Neto, esta evolução sofreu atraso de quase uma década pois, a Constituição de 1988, estava destinada a ser o último modelo instituidor de um Estado do Bem-Estar Social e, por isso, não continha nem previa providências para a retomada do desenvolvimento dos serviços públicos no país. Como já nasceu obsoleta, com pouco mais de três anos de existência já sofria sua primeira Emenda. O Brasil enveredado pela contramão da história foi levado a promulgar uma carta política ditada pelo o utopismo; pela demagogia dos populistas e progressistas; pelo corporativismo dos grupos organizados; pelo socialismo dos que criam piamente ser possível fazer justiça social sem liberdade econômica pelo estatismo; pelo paternalismo, pelo assistencialismo; pelo fiscalismo dos que se despreocupavam com as conseqüências desmotivadoras da sobrecarga tributária; e por fim da xenofobia dos que viam o país como alvo de um imenso complô internacional [32].

Contudo, o Estado de forma hercúlea conseguiu superar os percalços e obstáculos impostos e iniciar seu processo de modernização tendo como passo marcante à criação das agências reguladoras.

Segundo Vital Moreira[33], podemos vislumbrar três concepções de regulação: (a) em sentido amplo, é toda a forma de intervenção do estado na economia, independente dos seus instrumentos de fins; (b) num sentido menos abrangente, é a intervenção estadual na economia por outras formas que não a participação direta na atividade econômica, equivalendo, portanto, ao condicionamento, coordenação e disciplina da atividade econômica privada; (c) num sentido restrito, é somente o condicionamento normativo da atividade econômica privada (por via de lei outro instrumento normativo).

Tony Posner[34] destaca que na visão dos economistas, trata-se de uma intervenção estatal em decisões econômicas das empresas, normalmente vista como ato político de restrição de mercados.

Por fim, de forma acertada, Marcus Juruena Villela Souto [35], define a função regulatória, afirmando que a regulação deve ser considerada sob três aspectos, a saber, a regulação de monopólios, em relação aos quais os devem ser minimizadas as forças de mercado através de controles sobre os preços e a qualidade do serviço, regulação para a competição, para viabilizar a sua existência e continuidade, e a regulação social, assegurando prestação de serviços públicos de caráter universal e a proteção ambiental.


6.0 - CRIAÇÃO E EXTINÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Sendo uma autarquia, as agências reguladoras devem ser criadas por Lei ordinária específica, conforme exige o inciso XIX do art. 37 da Constituição Federal, e por representar uma opção discricionária de descentralização de uma função da Administração, a iniciativa desta lei é privativa do chefe do poder executivo pelo que dispõe a Constituição Federal em ser art. 84, II, c/c 61, § 1º, II, alínea ‘e.

As agências reguladoras, pelo princípio da simetria, só poderão ser extintas por Lei, cujo juízo de conveniência e oportunidade inclui-se no exercício do poder hierárquico de quem a instituiu. Assim, a iniciativa de Lei que vise a extinção de determinada agência obrigatoriamente terá que ser de iniciativa do chefe do Poder Executivo.

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7.0 – EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL (DIREITO COMPARADO)

O termo agências reguladoras advém da tradução direta da expressão regulatory agencies (ou regulatory commissions), surgida na Inglaterra em 1834 e nos Estados Unidos em 1887 com a criação da Interstate Commerce Commission. [36]

Cabe transcrever a brilhante obra de pesquisa do Prof. Mauro Roberto Gomes de Mattos que traduz de forma concisa a trajetória deste instituto:

"No direito norte-americano o vocábulo agência tem sentido amplo, e segundo a lei de procedimentos administrativos (Admistrative Procedure ACT), abrange qualquer autoridade do governo dos EUA, esteja ou não sujeita ao controle de outra agência, com exclusão do Congresso e dos Tribunais".

É uma passagem sumária, as agências administrativas são divididas em reguladoras - regulatory agency - e não reguladoras - non regulatory agency. As agências reguladoras são as que exercem, por delegação do Congresso, poderes normativos e decisão que afetam os administrados com que se relacionam, condicionando seus direitos, liberdades ou atividades econômicas, resolvendo conflitos entre a própria administração e os mesmos cidadãos.(...).

O fenômeno das agências marcou a transformação dos serviços públicos, que deixaram de ser prestadas diretamente pelo Estado, passando para os particulares tal tarefa. Este novo quadro significa que os modelos anglo-saxão e norte-americano não seguiram o tradicional modelo francês adotado pela Europa continental e pelo nosso país, pois o Estado fica com a incumbência de regular serviços prestados pelo ente de direito privado. Nessa moldura, Héctor A. Mairal destaca que a Argentina imitou modelo norte-americano". [37]

Como já foi dito, a criação das agências reguladoras é o resultado direto do processo de retirada do Estado da economia. Na Alemanha, este novo conceito tem sido chamado de "economia social de mercado".

Nos países que adotam um sistema similar ao que está sendo implantado no Brasil, ou seja, um sistema regulador, observa-se uma oscilação no poder das agências, ora maior, ora menor, variando de acordo com o período histórico de transição de cada nação. Várias nações contam com agências reguladoras, e o número destas varia de acordo com cada país. Os EUA contam com 72 agências; o Canadá com 15; a Argentina com 12; a Dinamarca com 9; a Holanda com 7; Alemanha e Suíça com 6; China com 5 e França com 4.

O Brasil concebeu inicialmente três agências, ANP - Agência Nacional do Petróleo (lei nº 9.478/96); ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações (lei nº 9.472/97) e ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica (lei nº 9.427/96). Posteriormente a estas, foram criadas a ANVS - Agência Nacional de Vigilância Sanitária (lei nº 9782/99) ; ANS - Agência Nacional de Saúde e por fim a ANA - Agência Nacional de Águas (lei nº 9.984/2000).

Em alguns estados foram criadas agências que visam, da mesma forma que as nacionais, regular serviços delegados. Encontram-se agências reguladoras de serviços públicos delegados nos estados do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Bahia, Pará, Ceará, Rio de Janeiro, Sergipe, Pernambuco e São Paulo. Além de suas funções específicas em relação aos serviços delegados dos estados, as agências estaduais podem firmar convênios com as agências nacionais, com escopo de realizar os serviços de regulação nacional dentro de seu território.

O Estado ao perceber que seu modelo burocrático de funcionamento emperrava o novo processo de desenvolvimento vivido, impossibilitando a sua gestão e afetando sua governabilidade, tanto no tocante a prestação de serviços quanto à própria forma de administração estatal, resolveu pôr fim ao chamado "Welfare State" iniciando a política de um Estado voltado apenas para as suas funções essenciais, concedendo a exploração dos serviços públicos não essenciais ao particular.

Para a gestão do serviço público concedido criamos então as agências reguladoras, instituto europeu que se desenvolveu com força total nos Estados Unidos que atuam controlando e regulando o exercício da prestação de serviço público por empresa privada. Este órgão, desburocratizado e profundo conhecedor das novas técnicas do mercado regulado, surge sob o regime de autarquia especial, possuindo privilégios em relação às autarquias comuns como autonomia técnica, financeira, administrativa e normativa, o que o desvincula da burocracia e politicagem da administração estatal.

Neste passo, entendo que o Estado está no caminho certo, iniciando uma nova era da Administração Pública através de conceitos modernos e investindo em uma administração gerencial que busca acima de tudo transparência e efetividade objetivando dar eficiência aos serviços públicos prestados.


Notas

1.GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, 5ª Edição. São Paulo, Saraiva, 2000. Pág. 342

2 - MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo Globalização, Regionalização, Reforma do Estado e da Constituição, Rio de Janeiro, Revista de Direito Administrativo nº 211: jan. /mar.1998. Pág. 1.

3 - Ob. Cit. Item 2 – pág. 2.

4 - TÁCITO, Caio. A Reforma do Estado e a Modernidade Administrativa, Rio de Janeiro, Revista de Direito Administrativo nº 215: jan. /mar.1999. Pág. 2.

5 - MEDUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, 4ª Edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000. Pág. 77.

6 - MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 23ª Edição, 1998. Pág. 298.

7 – Ob. Cit. Item 1, pág. 271/272.

8 - AZEVEDO, Eurico de Andrade. Agências Reguladoras. Rio de Janeiro, Revista de Direito Administrativo nº 213: jul. /set.1998. Pág. 143.

9 – Ob. Cit. Item 5, pág. 81.

10 - WALD, Warnold e MORAES, Luiza Rangel de. Agências Reguladoras. Brasília, Revista de Informações Legislativas jan. / mar. 1999.

11 - MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo, Rio de Janeiro; Renovar, 2000. Pág. 148.

12 - MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 6ª edição revista, ampliada e atualizada com a EC Nº 22/99. São Paulo, Atlas, 1999. Pág. 487.

13 - Espírito das Leis – Montesquieu, Livro XI, cap. VI.

14 - Elementos de Teoria Geral do Estado – DALLARI, Dalmo de Abreu, 19ª Ed. - Saraiva, 1995.

15 - Embora seja clássica a expressão Separação de Poderes, é pacífico que o poder do Estado é uno e indivisível. O que existe de fato é a Separação de Funções estatais, quais sejam: Função Executiva, Legislativa e Judiciária.

16 - Independência Orgânica significa que além da especialização funcional, cada órgão deve ser efetivamente independente, postulando sem qualquer meio de subordinação.

17 – Ob. Cit. Item 11. Pág. 162.

18 – Ob. Cit. Item 11. Pág. 162.

19 - Ob. Cit. Item 11. Pág. 165.

20 - MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Natureza Jurídica, Competência Normativa e Limites de Atuação, Rio de Janeiro, Revista de Direito Administrativo nº 215: jan. /mar.1999. Pág. 77.

21 – Ob. Cit. item 20. Pág. 78.

22 - BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro, Renovar, 2001. Pág. 173.

23 – Ob. Cit. item 22. Pág. 173. Pág. 182.

24 - Ob. Cit. Item 11. Pág. 172.

25 - Ob. Cit. item 20. Pág. 81/82

26 - Marcos Juruena Villela. Agências Reguladoras. Rio de Janeiro, Revista de Direito Administrativo nº 216: abr. / jun. 1999. Pág. 132.

27 - SOUTO, Marcos Juruena Villela. Desestatização, Privatização, Concessões e Terceirizações, 3ª Edição Atualizada. Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2000. Pág. 268.

28 – A economia política da ação antitruste. São Paulo: Singular, 1998, pp 84-86. Extraído da ob. cit. item 28. Pág. 268.

29 – Parecer s/nº, exarado em 1/12/1998 no processo administrativo nº E-04/887.145/98, provocado por consulta da ASEP – Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro. Extraído da ob. cit. item 28. Pág. 269.

30 – Ob. cit. item 28. Pág. 269.

31 – Ob. cit. Item 27. Pág. 140.

32- Ob. cit. 2. Pág. 149/150.

33- Vital Moreira, Auto-Regulação profissional e a Administração Pública. Coimbra. Almedina, 1997. Pág. 3/7.

34- Tony Posner, Law and the regulators. Oxford. Claredon Press, 1997, pág. 3/7.

35- Ob. cit. Item 28. Pág. 249.

36 – Ob. cit. Item 5. Pág. 87

37 - MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Agências Reguladoras e Suas Características. Rio de Janeiro, Revista de Direito Administrativo nº 218: out. /dez.1999. Pág. 87.

Sobre o autor
José Maria Pinheiro Madeira

professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá, professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, professor do CEPAD (Centro de Estudos Pesquisa e Atualização em Direito), professor palestrante do IBEJ (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Agência reguladora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3339. Acesso em: 23 nov. 2024.

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