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Agência reguladora

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01/10/2002 às 00:00
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1. – INTRODUÇÃO

As agências reguladoras surgem com o firme propósito de controlar através do planejamento e normatização as atividades privadas na execução dos serviços de caráter público, sendo órgão imprescindível no processo de descentralização estatal vivido pelo Estado.

Resume de forma brilhante o ilustre administrativista Diógenes de Gasparini o surgimento das agências reguladoras em nosso ordenamento, aduzindo o seguinte:

"Com a implementação da política que transfere para o setor particular a execução dos serviços públicos e reserva para a Administração Pública a regulamentação, o controle e a fiscalização da prestação desses serviços aos usuários e a ela própria, o Governo Federal, dito por ele mesmo, teve a necessidade de criar entidades para promover, com eficiência, essa regulamentação, controle e fiscalização, pois não dispunha de condições para enfrentar a atuação dessas parcerias. Tais entidades, criadas com essa finalidade e poder, são as agências reguladoras. São criadas por lei como autarquia de regime especial recebendo os privilégios que a lei lhes outorga, indispensáveis ao atingimento de seus fins. São entidades, portanto, que integram a Administração Pública Indireta." [1]

E é neste contexto que o presente trabalho se desenvolverá, abordando temas polêmicos e atuais que envolvam as agências reguladoras, sem a pretensão, contudo, de esgotar o assunto que é complexo e vasto e que embeleza e engrandece o Direito Administrativo neste momento de transições e reformas.


2.0 – CONTEXTO HISTÓRICO

As mudanças no cenário político-econômico-social do mundo levaram a interdependência econômica dos países e influenciaram na política estatal interna de cada um deles que vive hoje um período de transformações internas, sendo estas transformações mais ou menos intensas dependendo do grau de desenvolvimento de cada país.

A esse fenômeno deu-se o nome de globalização que, como bem ressaltou o ilustre mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto é um "fenômeno sociológico de expansão dos horizontes de interesses das sociedades humanas". Continua, ainda, o douto jurista:

‘A globalização já foi cultural, pelo poder do exemplo, como se deu no mundo Helênico; foi política, pelo poder da espada, como no mundo romano; foi econômica, pelo poder das riquezas, como no mundo ibérico dos descobrimentos e religiosa, pelo poder da fé, como no mundo cristão.

Outros movimentos globalizantes apresentaram combinações desses interesses, como o da expansão do Islã e o do imperialismo, sendo que este último se desdobrou em manifestações específicas, como o inglês, o norte-americano e, por ultimo, o soviético.

A globalização que se experimenta neste fim de século e de milênio ultrapassa, porém, todas essas experiências, pois ela não é só mais ampla e diversificada: é, sobretudo, mais profunda, pois é um produto da Revolução das Comunicações e, por isso, veio para permanecer.’ [2]

O que podemos extrair desta lição é que em todas as épocas se buscava a globalização através de um comportamento ativo de seus idealizadores, entretanto, nesta globalização que vivemos, assumimos um papel passivo de recebermos quase que de forma coercitiva os dogmas desta nova etapa civilizatória, a qual o próprio Diogo denominou como a "Era do Conhecimento".

As conseqüências deste novo ciclo são imensas, pois o acesso indiscriminado das pessoas às informações resulta em se formar uma consciência crítica coletiva que se desdobra na participação e reivindicação da população por eficiência no atendimento de suas necessidades, seja pelo poder público seja pelo privado.

Vem a tona a discussão de qual deve ser o "tamanho" do Estado e seu respectivo âmbito de atuação. A falência do hiper-estado (Bem-estar social e o Socialista), dominante durante todo o século vinte, fez perceber que a existência de um Poder Central por mais forte e poderoso que seja, não atende de forma satisfatória aos anseios sociais. Como bem advertiu Daniel Bell, o Estado se tornou grande demais para os pequenos problemas e pequeno demais para os grandes problemas. [3]

Desta forma, a busca de um Estado "exato", ou seja, nem ‘grande’ nem ‘pequeno’ é o novo desafio para o limiar do século que se inicia. Institutos como o da privatização e concessão, desestatização e terceirização aparecem com força máxima em nosso ordenamento jurídico. O surgimento de agências reguladoras, agências executivas e organizações socias torna-se imprescindível à governabilidade do Estado. Busca-se assim a eficiência através do aprimoramento do modelo gerencial de gestão do Estado, surgindo o conceito da chamada Administração Pública Gerencial (ou NPM, New Public Management) que visa a despolitização das decisões eminentemente técnicas que antes eram tomadas pelo modelo burocrático de gestão permeado pelo capricho de políticos e interesses de partidos.

O Estado torna-se menor, retirando-se do domínio de áreas conquistadas pela iniciativa privada, embora subsistente a supervisão administrativa, em resguardo da finalidade pública. O Poder Público tende a concentrar-se na prestação de serviços públicos essenciais associados ao bem-estar, à educação, a cultura, a saúde e ao meio ambiente, limitando-se a exercer a vigilância e o complemento de atividades privadas segundo princípio da subsidiariedade. [4]


3.0 – NATUREZA JURÍDICA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Com a política de Reforma do Estado em prática, o legislador, imbuído pelo sentimento da despolitização da gestão estatal, buscando de forma incansável a aplicação do modelo gerencial na Administração Pública no que tange, neste primeiro momento, aos serviços prestados à coletividade, entendeu por bem criar agências reguladoras sob a forma de autarquia sob regime especial, tendo como único precedente e modelo de tal regime o Banco Central do Brasil.

Ensina Odete Meduar[5] que "O termo autarquia, que literalmente significa ´ poder próprio´, foi o usado pela primeira vez pelo publicista italiano Santi Romano, em 1897, para identificar a situação de entes territoriais e institucionais do Estado unitário italiano. Para Romano, autarquia significava administração indireta do Estado exercida por pessoa jurídica, no interesse próprio e do Estado. Em monografia sobre comunas, publicada em 1908, no ´Primo Trattato’, de Orlando, Santi Romano menciona que a autarquia ´ é uma forma específica de capacidade de direito público ou, mais concretamente, a capacidade de administrar por si seus próprios interesses, embora estes se refiram também ao Estado’.

No Brasil, muitas autarquias surgiram a partir do final das décadas 20 e 30. As primeiras obras doutrinárias sobre autarquias datam de meados desta década (a de Tito Prates da Fonseca, 1935, a de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, 1939)."

Nos termos do art. 5º, inciso I, do decreto-lei 200/67, autarquia é "o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizado."

Na lição de Hely Lopes Meirelles, "A autarquia não age por delegação, age por direito próprio e com autoridade pública, na medida do jus imperii que lhe foi outorgado pela lei que a criou. Como pessoa jurídica de direito público interno, autarquia traz íncita, para a consecução de seus fins, uma parcela do poder estatal que ele deu vida. Sendo um ente autônomo, não há subordinação hierárquica da autarquia para com a entidade estatal a que pertence, porque, se isto ocorresse, anularia seu caráter autárquico. Há mera vinculação à entidade matriz de que, por isso, passa a exercer, um controle legal, expresso no poder de correção finalístico do serviço autárquico".[6]

Na mesma esteira de raciocínio entende Diógenes Gasparini, "A Administração Pública, sempre que desejar descentralizar uma dada atividade cuja cura lhe foi atribuída pelo ordenamento jurídico, observado, naturalmente, o interesse público, cria, por lei, uma pessoa pública de natureza administrativa e para ela transfere a titularidade da atividade ou serviço e, obviamente, sua execução. A entidade criada para esse fim é a autarquia. A ela se outorga, como própria, a atividade, ou serviço, que se pretende ver descentralizada e, como não podia deixar de ser, a correspondente execução. O trespasse da atividade à autarquia significa a transferência da titularidade e, por conseguinte, da execução que lhe corresponda. Essa, como vimos, a desempenhará em seu próprio nome, prestando-a por sua conta e risco, embora sob controle da administração pública que a criou."[7]

Entretanto, no decorrer dos anos, o controle finalístico (controle de resultados) das autarquias foi sendo substituído pelo controle dos meios de sua atuação, resultando no engessamento de suas atividades, de tal sorte que pouco se distinguia a autarquia de um departamento da Administração Direta. Daí a necessidade de encontrar novos caminhos para escapar dessas restrições genéricas que, visando coibir determinados abusos, acabarão por emperrar a entidade descentralizada.

A solução encontrada foi à criação da autarquia sob regime especial, que se distingue da autarquia comum apenas por lhe conferir a lei maiores privilégios, de modo a ampliar a sua autonomia e possibilitar o cumprimento adequado de suas finalidades, conforme ensinou o professor Eurico de Andrade Azevedo [8].

Insta acrescentar que a expressão autarquias de regime especial surgiu, pela primeira vez, na Lei 5.540, de 28.11.1968, art. 4º, para indicar uma das formas institucionais das universidades públicas. [9]

Conclui-se assim, que a natureza jurídica da agência reguladora é a de autarquia de regime especial, pois assim foi determinado pela lei que as instituiu. Entende-se por autarquia de regime especial, em uma conceituação simplista e prática, nada mais do que uma autarquia que possui maiores privilégios que as autarquias comuns, tais como possuir ampla autonomia técnica, administrativa, financeira e orçamentária, bem como, poder normativo que serão vistos detidamente a posteriori.


4.0 – PRIVILÉGIOS DA AUTARQUIA DE REGIME ESPECIAL

Diante desta realidade onde a autonomia e independência são premissas imprescindíveis ao desenvolvimento da atividade reguladora, alguns privilégios devem ser firmados para que a autarquia instituída possa atuar de forma eficaz no exercício da fiscalização pelo Estado.

Desta forma, faz-se necessário ao exercício satisfatório da agência: I) possuir ampla autonomia técnica, administrativa e financeira, de maneira a ficar, tanto quanto possível, imune às injunções político-partidárias, aos entraves burocráticos e a falta de verbas orçamentárias; II) expedir normas operacionais e de serviço, de forma a poder acompanhar o ritmo extraordinário do desenvolvimento tecnológico e do atendimento das demandas populares; III) aplicar sanções com rapidez, respondendo aos reclamos da população e exigências do serviço; IV) por fim, associar a participação dos usuários ao controle da fiscalização do serviço.

Para o exercício destas funções, escolheu o governo a forma de autarquia sob regime especial, outorgando-lhe poderes para que, de forma austera e independente, atuasse o exercício da regulação estatal.

Arnold Wald[10] identifica a independência que caracteriza uma agência reguladora em quatro dimensões:

1º) independência decisória - consiste na capacidade da agência de resistir a pressões de grupos de interesses no curto prazo. Procedimentos como o de nomeação e demissão de dirigente, associados com a fixação de mandatos longos, escalonados e não coincidentes com ciclo eleitoral, são arranjos que procuram isolar a direção da agência de interferências indesejáveis, tanto por parte do Governo, quanto da indústria regulada.

2º) independência de objetivos - compreende a escolha de objetivos que não conflitem com a busca prioritária do bem-estar do consumidor. Uma agência com um

número pequeno de objetivos bem definidos e não conflitantes tende a ser bem mais eficiente que uma outra com objetivos numerosos, imprecisos e conflitantes.

3º) independência de instrumentos - é a capacidade da agência de escolher os instrumentos e de regulação de modo a alcançar os objetivos da forma mais eficiente possível.

4º) independência financeira – refere-se a disponibilidade de recursos materiais e humanos suficiente para execução das atividades de regulação.

O festejado autor Diogo de Figueiredo Moreira Neto [11], elenca o que chama de quatro importantes aspectos de atuação das agências reguladoras:

1º) independência política dos gestores, investidos de mandatos e com estabilidade nos cargos durante um termo fixo;

2º) independência técnica decisional, predominando as motivações apolíticas para seus atos, preferentemente sem recursos hierárquicos impróprios;

3º) independência normativa, necessária para o exercício de competência reguladora dos setores de atividade de interesse público a seu cargo; e

4º) independência gerencial orçamentária e financeira ampliada, inclusive com a atribuição legal de fonte de recursos próprios, como, por exemplo, as impropriamente denominadas taxas de fiscalização das entidades privadas executoras de serviços públicos sob contrato.

Esta é a nova visão da atuação do Estado na economia, que ao mesmo tempo em que diminui sua participação direta na prestação de serviços, impõe o fortalecimento de sua função reguladora e fiscalizadora.

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Para melhor entendimento dos privilégios que gozam as autarquias especiais no exercício de suas atividades, veremos detidamente, a seguir, cada um deles.

4.1 – INDEPENDÊNCIA NORMATIVA E SUA COMPETÊNCIA DE ATUAÇÃO

Inicialmente, faz-se necessário algumas anotações sobre os Princípios da Legalidade e da Tripartição dos Poderes para que se possa percorrer o tema abordado de forma precisa.

O Princípio da Legalidade, dogma consagrado pela Constituição vigente (art. 5º, II) e imprescindível para a existência do Estado, determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

José Afonso da Silva aduz de forma expressa que "a palavra Lei (art. 5º, II da CF), para a realização plena do princípio da legalidade, se aplica, em rigor técnico, à lei formal, isto é, ao ato legislativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado de conformidade com o processo legislativo previsto na Constituição (art. 59 a 69).

Cabe então uma indagação: é possível que a própria Lei (formal) transfira do Poder Legislativo para o Poder Executivo a competência de "legislar" (não por lei, mas por ato normativo próprio) sobre matéria determinada? A resposta é positiva, na ocorrência do fenômeno denominado deslegalização, tipo de delegação de competência, que será visto detidamente em tópico próprio.

Para Canotilho, "Lei é uma regulamentação intrinsecamente aberta estabelecida segundo critérios jurídico-constitucionais prescritos." Estaríamos, portanto, no caso das agências reguladoras, diante de uma forma de regulamentação prescrita pela lei e pela Constituição. Pela Lei na forma vista acima (fenômeno da deslegalização) e, pela Constituição, no dispositivo constitucional permissivo (art.21, XI) que acena para um órgão regulador. Deve-se ressaltar que, para os defensores do princípio da legalidade puro e inviolável, tal situação é concebida como uma exceção Constitucional à própria regra estabelecida pela Constituição.

Desta forma, entendo correta a definição moderna do princípio da legalidade trazida na lição do Constitucionalista Alexandre de Morais, na qual ensina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de espécie normativa devidamente elaborada pelo Poder competente, segundo as normas do processo legislativo constitucional, determinando a Carta Magna, desta forma, quais os órgãos competentes e quais os procedimentos de criação das normas gerais. [12]

A Teoria da Separação dos Poderes, incorporada ao constitucionalismo através da obra de Montesquieu [13], tem como premissa básica assegurar a liberdade dos indivíduos. Sustenta o filósofo iluminista, que o efeito da reunião dos poderes em uma única pessoa é a constituição de um poder tirano.

De fato, quando se pretende desconcentrar o Poder, atribuindo seu exercício a vários órgãos, a preocupação maior é a defesa da liberdade dos indivíduos, pois maior a concentração do Poder maior será o risco de um governo ditatorial[14].

Atualmente, desenvolvida e adaptada a novas concepções e relacionada à idéia do controle do Estado Democrático, a Teoria da Separação dos Poderes[15] além de determinar o sistema de freios e contrapesos entre as funções estatais, objetiva aumentar a eficiência do Estado pela distribuição de suas atribuições entre órgãos especializados.

O sistema Constitucional vigente adotou a Tripartição dos Poderes, albergando este princípio no art. 2º do texto constitucional, princípio este de tal relevância para o nosso ordenamento jurídico, que foi "petrificado" pelo art. 60, § 4º, III da CF.

A divisão dos poderes, conforme foi visto, fundamenta-se em dois elementos: a especialização funcional e a independência orgânica[16].

A atividade legisferante do Estado, originariamente exercida pelo Poder Legislativo, dentro da concepção da tripartição, tem como objeto precípuo do Poder- Função a ele atribuído, produzir normas para o funcionamento racional e equilibrado do Estado e o desenvolvimento e convivência harmônica de seu povo. Pontua-se, aqui, o principio da reserva legal, que constitui uma garantia individual em nossa Carta Política atual, e que tem sido tradicionalmente adotado nos ordenamentos constitucionais dos Estados de Direito.

Ocorre que, embora seja o Poder Legislativo o órgão tradicionalmente competente para elaborar leis, o Princípio da Separação dos Poderes vem sendo gradativamente mitigado, com a ocorrência do fenômeno das delegações legislativas que têm por escopo proporcionar a outros órgãos (Executivo e Judiciário) competência normatizadora, objetivando atribuir "poder legislativo" ao próprio órgão que criará a norma coadunada com a peculiaridade dos assuntos pertinentes.

Deve-se ressaltar, que a norma delegada só terá validade se houver previsão legal para sua edição; se forem cumpridos os requisitos elencados pela lei permissora e, por fim, se estiver de acordo com o ordenamento jurídico vigente.

Nesta linha de raciocínio leciona Diogo de F. M. Neto, "Como, em princípio, não se fazia necessária e nítida diferença entre as matérias que exigem escolhas político-administrativas e as matérias que devam prevalecer às escolhas técnicas, a competência legislativa dos parlamentos, que tradicionalmente sempre foi privativa, na linha do postulado da Separação dos Poderes, se exerceu, de início, integral e indiferenciadamente sobre ambas. Somente com o tempo e o reconhecimento da necessidade de fazer a distinção, até mesmo para evitar que decisões técnicas ficassem cristalizadas em lei e se tornassem rapidamente obsoletas, é que se desenvolveu a técnica das delegações legislativas." [17]

A ocorrência de delegação de poder, inicialmente de competência privativa de outro órgão, é praxe em nosso ordenamento jurídico, e ocorre em todas as Funções Estatais (Executivo, Legislativo e Judiciário), enriquecendo e fortalecendo o regime democrático de Direito vigente, pois de uma forma mitigada cumpre-se o Princípio da Separação dos Poderes que previa a desconcentração dos poderes. O que temos hoje é a desconcentração do poder que já era desconcentrado, permitindo uma melhor gestão do Estado.

De fato, a independência normativa das agências reguladoras, como dito anteriormente, é condição sine qua non para que a regulação ocorra de forma satisfatória e íntegra. Para Diogo de F. M. Neto, (...) "essa competência normativa atribuída às agências reguladoras é a chave de uma desejada atuação célere e flexível para a solução, em abstrato e em concreto, de questões em que predomine a escolha técnica, distanciada e isolada das disputas partidarizadas e dos complexos debates congressuais em que preponderam as escolhas abstratas político-administrativas". [18]

Devemos diferenciar três tipos de delegação do poder legislativo. A delegação receptícia, que consiste na transferência ao Poder Executivo da função de produzir normas com força de lei, assumindo o poder Legislativo como próprio o conteúdo da norma delegada. O art. 59, IV, c/c art. 68 da Constituição Federal de 1988 trata das Leis Delegadas, tendo suas condições formais e materiais estipuladas no art. 49, V da mesma Carta Política, podendo, ainda, submeter-se ao controle político em caso de exorbitância dos limites da delegação, que é o chamado veto legislativo. A delegação remissiva, outra forma de delegação, consiste na remessa, pela lei, a uma norma subseqüente a ela que deverá ser elaborada pela Administração, sem força de lei. Não vincula o poder delegante podendo ser revogada a qualquer tempo, pois o Poder Legislativo não assume como próprio o conteúdo da norma delegada. Trata-se, aqui, da regulamentação ou do poder regulamentar.[19] A deslegalização, que será vista detidamente em tópico próprio, por tratar-se exatamente de uma modalidade nova de delegação e por ter sido a modalidade adotada pelas agências reguladoras.

4.1.1 - A QUESTÃO DA DESLEGALIZAÇÃO

Surgido na França, o instituto da deslegalização traz em seu bojo a possibilidade de outras fontes normativas, estatais ou não, regular por atos próprios determinada matéria, ou seja é a retirada do âmbito da lei propriamente dita o condão de reger determinada matéria.

De forma resumida a deslegalização modificou a postura tradicional da técnica de delegação, no sentido de que o titular de um determinado poder não ter dele a disposição, mas tão somente o exercício, passando-se a aceitar, como fundamento da delegação, a retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias, do domínio da lei (domaine de la loi) passando-as ao domínio do regulamento (domaine de l’ordonnance).[20]

O conceito de deslegalização oferecido por Gianmario Demuro, trazida à colação pelo mesmo Diogo, determina de forma concisa e precisa os contornos deste instituto: "é a transferência da função normativa (sobre matérias determinadas) da sede legislativa estatal a outra sede normativa" [21]

No Brasil, a Constituição Federal traz em vários dispositivos a possibilidade da deslegalização, quais sejam: art.22, parágrafo único; art. 217, I e seu parágrafo 1º; art. 220, parágrafos 3º e 4º; a Emenda Constitucional nº 8 que alterou a redação do art. 21, XI; a Emenda Constitucional nº 9 que alterou a redação dada ao art. 177 parágrafo 2º, III.

Como não foi proibido genericamente a deslegalização legal será sempre possível no ordenamento constitucional vigente desde a Constituição não a proíba expressamente.

Deve se consignar que o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determinou a revogação de todas as normas delegadoras de competência normativa, in verbis:

"Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito esse prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I – ação normativa;

II – alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie."

Por óbvio que o dispositivo transcrito se propõe a por termo aos abusos praticados pelo regime ditatorial que vigia até a promulgação da atual Carta, mas não se propõe a por termo a delegação legislativa, proposta por diversas vezes pela própria Constituição, conforme supra exposto.

No caso das agências reguladoras, trata-se de uma delegação legislativa conhecida pela doutrina e jurisprudência americana como ‘delegation with standards’, que ocorre quando o ato emanado pelo poder legislativo fixa parâmetros (standards) adequados e satisfatórios para se pautar a atuação do órgão delegado, ou seja é a fixação de limites à atuação do poder delegado. [22]

Para o Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Luís Roberto Barroso[23] (...)"a doutrina brasileira passou a encarar com certa atenuação a questão das delegações legislativas, para admiti-las, com reservas, sempre que o legislador oferecesse standards adequados, isto é, quando houvesse início de legislação apta a confirmar dentro em limites determinados a normatização secundária do órgão delegado. Inversamente, quando o órgão legislativo abdicasse de seu dever de legislar, transferindo a outros a responsabilidade pela definição das alternativas políticas e diretrizes a seguir, a invalidade seria patente".

(...) "Cumpre remarcar, nesse passo, que o poder regulamentar, em sentido rigorosamente técnico, é privativo do Presidente da República, nos termos da letra expressa do inciso IV do art. 84 da Constituição Federal. De sorte que, a rigor, não deve utilizar a expressão quando se trate de atribuição desempenhada por órgão qualquer do Poder Executivo ou por entidade da Administração Direta. Tais órgãos e entidades, é certo, titularizam, em certos casos, competências para expedir atos administrativos normativos – gênero do qual regulamento é espécie. Mas, por evidente, não desfutram, no particular, de franquias mais amplas do que as que pode desfrutar o Chefe do Poder Executivo."

De fato o ato normativo é gênero do qual regulamento é espécie, entretanto, em virtude do exposto pelo Dr. Barroso sobre a nomenclatura errônea – Poder Regulamentar – entendo, que não de trata de Poder Regulamentar e sim de Poder Regulador (buscando aqui uma nomenclatura diferenciada), pois cria, dentro de padrões pré-fixados (standards) pela lei originária da agência reguladora, uma normatização que "inova no ordenamento" visto que não visa explicitar a lei ou lhe dar executabililidade como deve fazer o regulamento propriamente dito, mas sim direcionar a execução dos serviços públicos prestados ou resolver conflitos através da norma infra legal advinda da necessidade setorial concreta e inédita.

Exemplos de deslegalizações Legais, visto que os exemplos supracitados são de deslegalizações constitucionais, são os casos da Lei 9427/96 que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANELL, onde possibilita a agência de regular, entre outras, a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica. (art. 2º) [24]

Essa é a espécie de delegação que as agências reguladoras deverão possuir. A lei determina seu âmbito de atuação e os atos normativos produzidos pelas agências regerão o mercado de atuação específica de cada agência. A celeridade das decisões é imprescindível para a gestão eficaz do negócio e essas normas direcionaram rapidamente o rumo a ser tomado sem a morosidade que impera no poder legislativo seja pela desídia de seus parlamentares, seja pelo devido processo legal, normalmente longo e lento.

Insta acrescentar que não há de se falar em riscos de injustiças neste processo de deslegalização pois as empresas reguladas não são hipossuficientes juridicamente para sofrerem alguma lesão irreversível visto que a Constituição Federal disponibiliza a qualquer tempo a ida ao Poder Judiciário para proteger qualquer lesão ou ameaça a direito (art.5º, XXXV).

4.1.2 – LIMITES AO PODER NORMATIVO

O objetivo da delegação de poder normativo às agências reguladoras tem como causa única e exclusiva, dar a possibilidade de se editar de forma rápida normas de cunho exclusivamente técnico. A discricionariedade técnica é o fundamento de validade das normas reguladoras baixadas pelas agências.

Ultrapassar os limites técnicos ao acrescentar as normas reguladoras critérios políticos-administrativos onde não deviam existir, caracterizará invasão de poder próprio à esfera das decisões do poder legislativo. Deve-se atentar, portanto, que a discricionariedade técnica existe apenas quando a decisão que nela se fundar poder ser motivada também tecnicamente. Esta é, quiçá, a limitação mais importante, pois afasta, ao mesmo tempo, o arbítrio, o erro, a impostura e a irrazoabilidade. [25]

Desta forma temos limitações materiais – normas de cunho técnico - e formais, dado pela normatização de lavra sempre infralegal.

4.2 – INDEPENDÊNCIA DECISÓRIA

Para Marcos Juruena Villela Souto as agências reguladoras não são tão independentes quanto deveriam, pois, sua independência, esbarra no princípio da jurisdição una.

Para ele "a citada independência dos órgãos reguladores é relativa, posto que vigora o ‘ princípio da jurisdição una, o que implica em dizer que nenhuma lesão ou ameaça de lesão escapará à apreciação do Poder Judiciário. Essa submissão das decisões das agências reguladoras ao magistrado diminui-lhes a força e a eficácia de agilizar o procedimento, solucioná-los através da intervenção de técnicos habilitados e reduzir os custos do contencioso. O ideal é introduzir a limitação da lei nº 9307 (que regula arbitragem), somente admitindo o questionamento jurisdicional se houver vícios formais na decisão, respeitadas as situações em que há direitos indisponíveis do estado". [26]

Peço vênia para discordar do Douto Jurista, pois se é verdade que para a reforma do Estado é necessário um órgão que haja de forma célere e eficaz na busca de uma prestação dos Serviços Públicos, condizentes as necessidades da população, tanto quanto é verdade que o princípio da Tripartição dos Poderes está sendo mitigado, também é verdade que não se pode transpor Garantia Constitucional para tanto. Nesse caso os meios não justificam os fins, até porque os meios são inconstitucionais sendo portanto inadmissíveis. A possibilidade legal de existência de um órgão que reúna a edição, a fiscalização e o julgamento de seus atos seria constituir legalmente um poder totalitário, execrado pelo ordenamento constitucional vigente, através do que dispõe o princípio pétrio da Separação dos Poderes. Como citou anteriormente o próprio Montesquieu, seria a possibilidade da criação de um poder tirano.

Desta forma, entendo possível a agência reguladora normatizar, fiscalizar e julgar seus próprios atos, entretanto entendo impossível retirar do Judiciário o poder de julgar determinada causa. O que a lei visa possibilitar é uma forma mais rápida de resolver conflitos mas não retirar de ninguém a possibilidade de discutir essa causa em juízo se alguma das partes se sentir lesada.

Se a regulação no que tange a resolução de conflitos for eficiente, havendo concessões mútuas com objetivo de um fim comum, qual seja, a melhor prestação do serviço, não há porque se preocupar com a ida ao Judiciário, pois as partes não o procurarão. Contudo, se a mediação não for feita de forma adequada, a busca do Judiciário é imperativa. Assim, se houver uma boa atuação das agências reguladoras na resolução de conflitos e na edição de normas, o judiciário não assusta, entretanto, se essa atuação não se der de forma eficaz e adequada o Judiciário é imprescindível para a manutenção do Estado de Direito.

Ademais, a praxe, como se sabe, é o corporativismo, por força do qual dificilmente nos processos administrativos se conclui por erro da Administração, fatos pelos quais vejo inafastável a garantia individual proposta pelo art. 5º XXXV; e 2º c/c art. 60 § 4º, III e IV de nossa Carta Política.

4.3 – AUTONOMIA ECONÔMICA-FINANCEIRA

A fim de impedir a submissão das agências reguladoras a qualquer tipo de condição, garantindo-lhe a autonomia exigida para seu funcionamento de acordo com o modelo fixado, estabeleceu-se uma forma de aquisição de receita sem que os recursos transitem pelo erário. Instituiu-se, para tanto, a "taxa de regulação" ou "taxa de fiscalização dos serviços concedidos ou permitidos", que é devida pelo concessionário ou permissionário dos serviços e pagas diretamente às agências reguladoras. Calcula-se o valor da taxa com base em percentual sobre o proveito obtido com a concessão ou permissão.

A primeira celeuma criada foi no tocante ao custeio da regulação pelo próprio fornecedor do bem ou serviço regulado, fato este assim criticado pelo douto Marcos Juruena Villela Souto: "A agência, com isso, não depende de recursos orçamentários, mas, em compensação, submete-se à crítica de ser custeada pelo sujeito fiscalizado".[27]

Traz, ainda à colação na mesma obra, o festejado jurista, parecer de Lucia Helena Salgado, que analisa a questão nos seguintes termos:

"O argumento inicial é no sentido de que regulação seria ´adquirida´ pela indústria e desenhada e operada primariamente para seu benefício (Stigler), ao que se contrapõe a inteligência de que nenhum interesse econômico captura de forma exclusiva o corpo regulatório. Ele deriva um equilíbrio em que o político maximizador de utilidade aloca benefícios entre grupos otimamente. Assim, dado que consumidores podem oferecer votos ou dinheiro em troca de algum afastamento do equilíbrio de cartel, a proteção pura do produtor não será, em geral, a estratégia política dominante (Peltzman)". [28]

Entendo, entretanto, que não há de se falar em submissão, pois as receitas adquiridas são de natureza compulsória e os valores determinados por uma base de cálculo pré-estabelecida por lei. Ademais, não se trata de uma relação comercial propriamente dita e sim de uma ação fiscalizadora e reguladora do Estado no exercício legítimo de seus poderes. Qualquer verba recebida a maior do valor estipulado, com objetivo outros senão os da mantença do órgão regulador, tipificaria crime punido pelas leis penais.

O segundo ponto controverso da questão é no que tange à natureza jurídica da taxa de regulação devida. Parte da doutrina entende que se trata de um tributo e a outra parte entende que a referida taxa tem natureza contratual.

Para os que entendem tratar-se de um tributo, a defesa caminha no sentido de que a taxa fora instituída por lei cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia definido no art.145, II da CF e no art. 78 do Código Tributário Nacional, posto que se trata de prestação pecuniária, compulsória, que não constitui sanção de ato ilícito, instituída por lei e cobrada mediante atividade administrativa vinculada. E assim sendo, seria vedada tal previsão, vez que taxa não pode ter base de cálculo típica de imposto.

Diferente, contudo, é o entendimento da ilustre procuradora do estado do Rio de Janeiro Vera Lucia Kirdeik [29], que em parecer trazido a lume na obra de Marcos Juruena [30], esclarece que "a referida ´taxa´ tem natureza contratual, não sendo cobrada em função de um serviço público prestado pelo Estado às concessionárias nem, tampouco, pelo exercício do poder de polícia, caracterizado este, valendo-se da eleição de Celso Antônio Bandeira de Mello, pelas manifestações impositivas da Administração limitadoras da liberdade, distinguindo-se de outras manifestações impositivas da Administração porque ´ originam-se de um título jurídico especial relacionador da Administração´. Visa, pois, remunerar os serviços de fiscalização do cumprimento das normas contratuais ou legais pertinentes. E o faz amparada na lição sempre atualizada de Hely Lopes Meirelles, que expõe:

"É comum ainda nos contratos de concessão de serviços públicos a fixação de um preço, devido pelo concessionário ao concedente a título de remuneração dos serviços de supervisão, fiscalização e controle de execução do ajuste a cargo deste último.".

Dever-se ressaltar que a aplicação prática de tal discussão se faz no sentido de transfigurar como inconstitucional a taxa de regulação sendo esta concebida como tributo, visto que por vedação constitucional a taxa não pode ter base de cálculo própria de imposto.(art. 145 § 2º da Constituição da República).

Ocorre que o STF vem sistematicamente se posicionando no sentido de entender legitima a cobrança da taxa, o que faz esta discussão se limitar ao campo meramente doutrinário, conforme publicado em seus informativos abaixo transcritos:

"INFORMATIVO do STF Nº 119 - TAXA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.

Iniciado julgamento de recurso extraordinário afetado ao plenário pela segunda turma (ver informativo 112) em que se discute a constitucionalidade de taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários, instituídos pela lei nº 7.940/89. O ministro Carlos Velloso, relator, proferiu voto no sentido da constitucionalidade da referida lei, afastando a tese da empresa recorrente na qual sustenta que a variação do valor da taxa em função do patrimônio líquido contribuinte equivaleria à adoção desse patrimônio como base de cálculo do tributo, descaracterizando a natureza contraprestacional da taxa. Salientou, ainda, que a tabela prevista na lei questionada - que é apenas uma referência sobre o valor fixo, não estabelecendo para agressividade de alíquotas - observa o princípio da capacidade contributiva, que também pode ser aplicado às taxas (CF, art. 145, § 1º: ´ sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte´.). Após os votos do ministro Nelson Jobim, Maurício Corrêa e Ilmar Galvão, acompanhando o voto do ministro Carlos Velloso, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do ministro Marco Aurélio. RE 182.737-PE, rel. Min. Carlos Velloso, 20.08.98."

"INFORMATIVO do STF Nº 146 - TAXA DE FISCALIZAÇÃO: CVM.

Concluído o julgamento de recursos extraordinários em que se discute a constitucionalidade da taxa de fiscalização do mercado de títulos e valores mobiliários, instituídos pela lei nº 7.940/89 (ver informativos 82,112 e 119). O tribunal, por maioria, mantendo as decisões recorridas, entendeu constitucional a referida taxa. Considerou-se: 1) que o fato de a taxa variar em função do patrimônio líquido da empresa não significa que se patrimônio líquido constituam sua base de cálculo - serve, apenas, de elemento informativo num montante a ser pago, quando da aplicação da tabela prevista na lei; 2) que o critério adotado para a cobrança da taxa observo princípio da capacidade contributiva, que também pode ser aplicado essa espécie de tributo, principalmente quando se tem como fato gerador o poder de polícia. (CF, art. 145, § 1º: ´ sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte´.). Vencido o Min. Marco Aurélio, que declarava a inconstitucionalidade da referida lei. RE 177.835-PE; 179.177-PE; 182.737-PE; 202.533-DF e 203.981-PE, rel. Min. Carlos Velloso, 22.04.99."

"INFORMATIVO do STF Nº 137 - TAXA E CRITÉRIOS DE INCIDÊNCIA

Indeferida medida liminar em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte - CNT, contra a Taxa de Fiscalização e Controle dos Serviços Públicos Delegados, instituída pelo Estado do Rio Grande do Sul (Lei estadual 11.073/97, regulamentada pelo Decreto 39.228/98), cujo valor, a ser pago pelos Delegatários dos Serviços Públicos prestados no referido Estado, é definido de acordo com o faturamento do contribuinte, conforme tabela de incidência progressiva. À primeira vista, o Tribunal, por maioria de votos, afastou a alegação de ofensa ao art. 145, § 2º, da CF ("As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos."), uma vez que o referido tributo não incide sobre o faturamento das empresas contribuintes, mas apenas utiliza-o como critério para a incidência de taxas fixas. Vencido o Min. Néri da Silveira, relator, que, considerando relevante a tese de inconstitucionalidade sustentada pela autora da ação - no sentido de que a variação do valor da taxa em função do faturamento do contribuinte equivaleria à adoção desse faturamento como base de cálculo do tributo, descaracterizando sua natureza jurídica, transformando-a em imposto – deferia o pedido de medida liminar. ADInMC 1.948-RS, rel. Min. Néri da Silveira, 4.2.99."

4.4 – INDEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA DOS GESTORES

As leis instituidoras das agências reguladoras estabeleceram um processo peculiar de nomeação de seus dirigentes, não sendo através de concurso público, provimentos de cargos de confiança através da livre nomeação ou contratação excepcional de mão-de-obra temporária.

A diretoria é composta através da escolha dos dirigentes (pessoas de reputação ilibada e notório saber do setor regulado) pelo Chefe do Poder Executivo, passando em seguida pela aprovação do Poder Legislativo, conhecido como sabatina do Congresso.

Trata-se portanto de agentes políticos e não de agentes administrativos, não tendo que estar portanto submetido às condições de "contratação" do servidor público nas formas vistas (concurso, livre nomeação ou temporário). Submetem-se, os dirigentes das agências reguladoras, a critérios definidos em lei, que determina a forma e as condições de sua contratação e sua exoneração, não podendo sê-la feita senão nas hipóteses legalmente autorizadas.

Deve ainda a lei estipular que durante o mandato ou na quarentena posterior a ele não poder os dirigentes da agência manter qualquer vínculo com o concedente, concessionário ou associação de usuários.[31]

Estas e outras medidas legais têm o intuito de desvincular da atividade reguladora qualquer interesse que não seja o interesse Público, objetivando um direcionamento eficaz na prestação do serviço para que atenda assim os anseios da população.

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Sobre o autor
José Maria Pinheiro Madeira

professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá, professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, professor do CEPAD (Centro de Estudos Pesquisa e Atualização em Direito), professor palestrante do IBEJ (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Agência reguladora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3339. Acesso em: 28 mar. 2024.

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