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Princípio da insignificância: aplicação no Direito Ambiental e Direito Tributário

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Agenda 17/09/2015 às 16:22

4 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM OUTROS RAMOS DO DIREITO

Vislumbra-se atualmente que a jurisprudência tem acolhido o princípio da insignificância além do ramo penal do qual se originou e a tendência é que esse princípio estenda-se a todos os ramos do Direito Brasileiro. Isaac Sabbá Guimarães ensina:

A jurisprudência tem adotado o Princípio da Insignificância nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão corporal, de lesão insignificante ao fisco, de maus-tratos de importância mínima, crime de descaminho, no caso de dano de Pequena Monta, de lesão corporal de extrema singeleza e Crimes contra a Fauna. Entretanto, o entendimento adotado segue sempre uma mesma linha, ou seja, a lesão ou o fato praticado, por ser insignificante, torna-se atípico, além dos argumentos da proporcionalidade, da mínima intervenção, da fragmentariedade e da subsidiariedade (2004, p. 01).

Na explicação do autor, percebe-se que o direito não pode se preocupar com a resolução de questões que não ofereçam um mínimo de ofensividade, e por isso, deve-se amoldar a parâmetros razoáveis e assim, desobstruir o sistema judiciário.

O Estado somente deve atuar em casos em que a conduta seja uma grave afronta ao bem juridicamente tutelado, defendendo uma postura preventiva e educativa e a repreensão somente adotada quando necessária medida mais severa.

4.1 Princípio da Insignificância no Direito Ambiental

O Direito Ambiental preocupa-se com a preservação do meio ambiente. O artigo 225 da Constituição Federal aduz que o meio ambiente equilibrado é direito de todos e a sua preservação é dever do Estado e da sociedade.

É necessário que o Estado exerça sua ação inibitória e preventiva havendo risco de danos ou degradação ao meio ambiente, por esse ser um bem protegido constitucionalmente e um direito fundamental. Assim, Marcos Destefenni aponta:

Uma das mais evidentes e preocupantes ofensas á dignidade da pessoa humana decorre da agressão ao meio em que o ser humano vive e em que se relaciona.

Assim sendo, o dano ambiental é uma das maiores afrontas à dignidade da pessoa humana.

Daí porque o direito constitucional enunciado no art. 225 da Constituição Federal, qual seja, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, é mais um dos direitos e garantias fundamentais que integra o rol constitucional mencionado exemplificativamente no art. 5º da Constituição Federal. (2005, p. 134).

Dessa maneira o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser sobremaneira protegido. O parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição Federal aduz que as condutas que causarem lesões ao meio ambiente, estão sujeitas a sanções penais. Dessa forma, o Direito Penal tem a função de salvaguardar o meio ambiente e reprimir os crimes ambientais. Isso se justifica pela relevância jurídica do meio ambiente, considerado patrimônio das presentes e futuras gerações.

Quando se fala em meio ambiente penalmente tutelado é importante esclarecer que se divide em três elementos, quais sejam: elementos naturais (fauna e flora), elementos artificiais (ordenamento urbano: edificações, ruas, praças etc.) e culturais (patrimônio cultural). Desse modo o conjunto desses elementos deve manter-se equilibrado e a preservação é dever de todos.

Há divergências quanto ao reconhecimento do princípio da insignificância tratando-se de crimes praticados contra o meio ambiente.

A inaplicabilidade de tal princípio se fundamenta na ideia de que o meio ambiente é um bem universal e um direito difuso, devendo ser protegido demasiadamente, justificando assim a intervenção penal, não podendo comportar exceção tendo o meio ambiente, garantia de proteção erga ominis, ou seja, um dever de cuidado que se estende a toda humanidade. Segundo Vladimir Passos de Freitas:

(...) o meio ambiente é bem jurídico de difícil, por vezes impossível, reparação. O sujeito passivo não é um indivíduo, como no estelionato ou nas lesões corporais. É toda a coletividade. O alcance é maior. Tudo deve ser feito para criminalizar as condutas nocivas, a fim de que o bem jurídico, que na maioria das vezes é de valor incalculável, seja protegido. (2000, p. 198).

Para os críticos, a utilização da sanção penal para conter as agressões ao meio ambiente demonstra-se a mais eficaz, pois as demais medidas não penais não possuem o mesmo efeito de contenção.

Os adeptos à aplicação do princípio da insignificância no Direito Ambiental afirmam que em situações onde não ocorre sequer ameaça ao meio ambiente, deve ser reconhecida a insignificância, tendo como principal alicerce o princípio da subsidiariedade, onde apregoa-se que será utilizado o meio sancionador menos gravoso ao agente, podendo a infração ser processada na esfera administrativa ou civil. A esse respeito Ivan Luiz da Silva explica que:

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Em face dos bens jurídicos fundamentais, o Direito Penal atua como ultima ratio, ou seja, como ultima instância de proteção aos bens imprescindíveis à sociedade. Isso significa que apenas será empregada a tutela penal quando todos os outros meios de proteção - cíveis e administrativos - não lograram êxito na guarda dos bens tutelados. (2008, p. 67).

Cumpre assinalar que o Direito Penal que se conhece e estuda deve ser utilizado como última alternativa (ultima ratio) na resolução dos conflitos, assim, na tutela ambiental não é diferente, ou seja, o Direito Penal somente deverá ser aplicado quando os demais meios do direito (administrativo e civil) se esgotarem ou forem insuficientes. Édis Milaré ensina que:

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na sua concepção moderna é um dos direitos fundamentais da pessoa humana, o que, por si só, justifica a imposição de sanções penais às agressões contra ele perpetradas, como extrema ratio. Em outro modo de dizer, “ultima ratio da tutela penal ambiental significa que esta é chamada a intervir somente nos casos em que as agressões aos valores fundamentais da sociedade alcancem o ponto do intolerável ou sejam objeto de intensa reprovação do corpo social” (2007, p. 913).

Para que se possa aplicar o princípio da insignificância no ramo ambiental, primeiramente é preciso esclarecer que não serão os delitos que serão considerados como insignificantes ou de bagatela, mas os fatos, ou seja, o resultado da conduta é o que determinará seu grau de significância. Nas palavras de Ivan Luiz da Silva:

A lesão ao meio ambiente considerada penalmente insignificante será determinada através do critério de insignificância concreta, que consiste na avaliação dos índices de desvalor da ação e desvalor do resultado que compõem o injusto penal ambiental praticado com o objetivo de aferirmos seu grau de lesividade. Haverá uma lesão ambiental penalmente insignificante quando nessa avaliação concluirmos que ambos os índices demonstram que é ínfimo o grau de lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tutelado. (2008, p. 89).

Nessas linhas, o que se afirma é que para a aplicação do princípio da insignificância no Direito Ambiental se aferir-se-á o binômio: desvalor da ação e desvalor do resultado. Vale mencionar a concepção de Freitas:

É preciso que fique demonstrada no caso concreto. É dizer, o magistrado, para rejeitar uma denúncia ou absolver o acusado, deverá explicitar, no caso concreto, porque a infração não tem significado. Por exemplo, em crime contra a fauna não basta dizer que é insignificante o abate de um animal. Precisa deixar claro, entre outras coisas, que este mesmo abate não teve influência no ecossistema local, na cadeia alimentar, analisar a quantidade de espécimes na região e investigar se não está relacionado entre os que se acham ameaçados de extinção. (2006, p. 44).

Nestes termos, não basta que o juiz em sua livre convicção, justifique a aplicação da insignificância pelo pequeno dano causado, mas pelo impacto que esse dano causará a todo o ecossistema. Outro exemplo é a pequena quantidade de animais, devendo ser analisado, sobretudo o risco de extinção da espécie, qual a importância desses animais para a cadeia alimentar e preservação do equilíbrio ecológico, em sentido amplo. Para exemplificar, Ivan Luiz da Silva assim aduz:

Numa primeira avaliação afere-se e o grau de lesividade da conduta considerando-se-lhe de per se (quantidade de exemplares abatidos, possibilidades de extinção da espécie etc.); numa segunda avaliação analisa-se a conduta em relação ao meio ambiente como um todo (importância e função da espécie, a afetação do equilíbrio ecológico etc.). A conclusão de insignificância da conduta será obtida quando a avaliação desses índices indicar que a lesão não é capaz de pôr em perigo o bem ambiental tutelado. (2008, p. 91-92).

Importante mencionar o Habeas Corpus 112.563, decidido pelo Supremo Tribunal Federal em 21/08/2012, de Santa Catarina, em que pela primeira vez o STF reconheceu a aplicação do princípio da insignificância em crimes ambientais.

No referido caso José Alfredo Mattos Dias, foi processado por prática de crime ambiental ao ser surpreendido com doze camarões e rede de pesca, e infringir o artigo 34, parágrafo único, inciso II da Lei 9605/98. Nas instâncias inferiores, a pena privativa de liberdade foi reduzida para restritivas de direito, o que fez com que o recurso chegasse até a Suprema Corte.

O Relator do processo, Ministro Ricardo Lewandowski foi contra a absolvição do autor do crime, ao aduzir que embora fosse ínfima a quantidade de camarões, ele poderia ter causado grande prejuízo ao meio ambiente, ao pescar em período proibido e com apetrechos não permitidos em prejuízo do ecossistema e norma constitucional que protege o meio ambiente. Afirmou ainda que a pena reduzida já aplicada se demonstrava razoável e proporcional.

O Ministro Cesar Peluso por sua vez foi favorável à concessão da absolvição, pela atipicidade da conduta, tendo em vista o insignificante objeto da ação.

Por último, o Ministro Gilmar Mendes, entendeu que o caso poderia até se enquadrar a um crime famélico, dado a desproporção da pena à conduta praticada, e que nesse caso, a sanção penal não deveria ser a melhor medida a ser aplicada.

Dessa forma, por maioria de votos, José Alfredo Mattos Dias foi absolvido e teve sua conduta considerada atípica, pela efetiva aplicação do princípio da insignificância em crime ambiental, pelo Supremo Tribunal Federal.

4.2 Princípio da Insignificância no Direito Tributário

O Direito Tributário regula a relação entre a Fazenda Pública e os contribuintes. O artigo 3º do Código Tributário Nacional dispõe: “art. 3º - Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Por meio do artigo supramencionado, logicamente os tributos são cobrados, por previsão legal, através de uma atividade administrativa e em tese os tributos são compulsórios, ou seja, a pessoa não paga os tributos por sua vontade e consciência, paga para que não incida em crime tributário.

O Decreto Lei nº 8.137 de 27 de dezembro de 1990, dispõe acerca dos Crimes contra a ordem tributária, econômica e consumo, e nos artigos 1º e 2º são elencadas as condutas tidas como crimes, e dentre elas podem ser destacados os verbos: omitir, fraudar, falsificar, negar, deixar de recolher.

Verificadas as condutas descritas acima, a Fazenda Pública pode instaurar um processo administrativo onde os fatos serão apurados e o contribuinte querendo, poderá apresenta sua defesa e depois de encerrados os procedimentos administrativos, a União lança os valores na divida ativa da União, onde administrativamente faz a cobrança.

Quando os valores dos tributos lançados na divida ativa atingem uma quantia que compense a cobrança, pode ingressar com ação de execução fiscal para cobrança da dívida judicialmente.

 Se a Fazenda Publica constatar, no entanto, que a ação de execução fiscal é muito dispendiosa, e os valores a serem cobrados não atingem um patamar mínimo que compense a cobrança, o Estado não se obriga ao ajuizamento da ação de execução fiscal, na justificativa de que as custas processuais serão iguais, senão maiores que o valor a ser cobrado e decide portanto pela não instauração do processo judicial, tendo como fundamento o princípio da insignificância.

Hugo de Brito Machado a respeito do tema pondera:

É certo que o objeto jurídico protegido nos crimes contra a ordem tributária não é o patrimônio do Estado, mas a ordem jurídica tributária. A realização do tipo penal destrói de algum modo a eficácia do sistema normativo e degrada a ordem tributária. Mas daí não se pode concluir que o valor econômico do resultado obtido com o cometimento ilícito seja irrelevante. Muito pelo contrário, especialmente quando no sistema jurídico são introduzidas normas dispensando até o agente público de promover a cobrança do tributo de até certo montante, à consideração de que o dispêndio de recursos financeiros com a ação de cobrança supera o valor que a Fazenda Pública pretende receber (2011, p. 84).

É possível na explicação do autor, vislumbrar que o princípio da insignificância pode ser aplicado no Direito Tributário, quando não se compensar o ajuizamento de uma ação de execução, pelo ínfimo valor a ser cobrado.

Nessas linhas, assim como as outras esferas do direito que atuam na solução dos conflitos, os crimes de ordem tributária, também tem consagrado o princípio da insignificância como fundamento para não intervenção do Estado. Esse entendimento foi confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que nesses casos deve prevalecer o princípio da insignificância. Sob essa ótica, Fernando Capez instrui que:

De acordo com o art. 20 da Lei 10.522, de 19 de julho de 2002, as execuções fiscais da União de débitos iguais ou inferiores a R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) serão arquivadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional, sem cobrança, dada a insignificância do valor da dívida. Com isso, entendemos que referido montante passou a servir de parâmetro para se considerar atípica a sonegação fiscal de até R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). (2005, p.15).

Torna-se nítido que a União com o fim definir o patamar mínimo para ajuizamento da ação de execução da dívida fiscal ativa, estipulou no artigo 20 da lei 10.522/02 que valores inferiores a dois mil e quinhentos reais não seriam cobrados judicialmente se utilizando das execuções fiscais, pois não compensariam o ajuizamento da ação na época.

Importante mencionar que a Lei 11.033 de 2004 estipulou que a quantia considerada de pequeno valor para ajuizamento das execuções fiscais seria de R$10.000,00 (dez mil reais) e a Portaria Nº 75, de 22 de março de 2012 alterou o valor para R$20.000,00 (vinte mil reais), determinando que quantia igual ou inferior a esse valor não fossem executadas. Verifica-se no artigo 1º da referida portaria que o Ministro de Estado da Fazenda resolve:

Art.1º Determinar

I - a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). (BRASIL, 2012)

Diante do exposto fica fácil compreender que há dois valores para a serem considerados, o valor de R$1.000,00 (mil reais) para inscrição do crédito na Divida Ativa da União e o valor mínimo para ajuizamento da execução fiscal R$20.000,00 (vinte mil reais).

Então quando se fala de arquivamento pelo reconhecimento do princípio da insignificância no Direito Tributário, o que bem na verdade se verifica é o tempo que demorará até que o montante do crédito somado a novos lançamentos, juros e correções monetárias atinjam o valor determinado para se ajuizar a execução fiscal.

A que ao contrario possa suscitar não significa que a divida ativa deixará de existir, o que ocorrerá é a não expedição da Guia de Recolhimento da União que é o titulo executivo com o qual o devedor é cobrado judicialmente, sob pena de ter seus bens penhorados.

Os créditos tributários continuarão a serem lançados, reajustados e cobrados administrativamente, até que se atinjam os valores já mencionados, constatando-se significativa economia processual por parte do estado que ajuíza menos ações, com valores maiores, compensando as custas com a execução fiscal. Seguindo esse raciocínio, Fernando Capez descreve que:

Na hipótese de crime de descaminho de bens, em que o débito tributário e a multa não excederem determinado valor, a Fazenda Pública se recusa a efetuar a cobrança em juízo, nos termos da Lei 9.579/97, sob o argumento de que a irrisória quantia não compensa a instauração de um executivo fiscal, o que levou o Superior Tribunal de Justiça a considerar atípico o fato, por influxo do princípio da insignificância. (2005, p. 14-15).

Existem críticas a respeito do tema, pois acredita-se que há muita disparidade entre a aplicação do valor considerado insignificante nos crimes cometidos contra o patrimônio na esfera penal e os crimes cometidos na esfera tributária.

Sobre o autor
Daniel Jorge de Almeida Salvador

Acadêmico em Direito, cientista social

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALVADOR, Daniel Jorge Almeida. Princípio da insignificância: aplicação no Direito Ambiental e Direito Tributário . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4460, 17 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33655. Acesso em: 23 dez. 2024.

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