SUMÁRIO: Introdução; 1 Do concurso público. 2 Do direito à nomeação: evolução da jurisprudência do STJ. 3 Da limitação do direito à nomeação conforme disponibilidade orçamentária; Considerações finais; Notas; Referências.
RESUMO: O presente trabalho visa identificar, à luz das normas de regência, da doutrina e da jurisprudência pátrias, a repercussão do entendimento adotado pelo Superior Tribunal Justiça no Recurso em Mandado de Segurança n. 35.211-SP no direito à nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas previstos no edital do respectivo concurso público.
PALAVRAS-CHAVE: Concurso público. Direito a nomeação. Inexistência.
INTRODUÇÃO
O concurso público é, sem dúvida, a forma mais democrática de ingresso nos quadros funcionais da Administração. Por isso mesmo, a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) elegeu essa modalidade como a forma básica de provimento originário dos cargos públicos no país.
Nesta senda, a disposição constitucional acima mencionada cumulada com os diversos atrativos que o serviço público oferece, tais como a estabilidade, a irredutibilidade de vencimentos, entre outros, fizeram com que cada vez mais pessoas se submetessem a concursos públicos no Brasil.
Entretanto, ante a falta de normas gerais que regulassem com precisão os diversos aspectos da relação travada entre os concursandos a e Administração promotora dos certames, não poucas questões acabaram sendo levadas ao Poder Judiciário para resolução; uma delas foi o direito à nomeação.
Há tempos que os tribunais pátrios se debruçam sobre causas em que candidatos pleiteiam nomeação para cargos públicos, alegando inclusive direito líquido e certo, sobretudo quando classificados dentro do número de vagas previstas no edital do concurso público. Esse ponto estava pacificado na jurisprudência pátria. Acontece que uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), corte jurídica à qual compete a análise última da legislação federal brasileira, pode causar, na prática, uma reviravolta nesse cenário.
Este estudo se propõe a investigar exatamente a repercussão que o entendimento esposado em tal decisão pode ter no direito à nomeação dos candidatos aprovados em concursos públicos. Para tanto, abordar-se-á os principais dispositivos legais pertinentes, a doutrina e a jurisprudência sobre a questão.
1 DO CONCURSO PÚBLICO
A Constituição Federal, em seu art. 37, incisos II a IV, determina que
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período;
IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira
Para Carvalho Filho1, “concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas”. Ainda segundo esse renomado juspublicista,
O concurso público é o instrumento que melhor representa o sistema do mérito, porque traduz um certame de que todos podem participar nas mesmas condições, permitindo que sejam escolhidos realmente os melhores candidatos.
Baseia-se o concurso em três postulados fundamentais. O primeiro é o princípio da igualdade, pelo que se permite que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem a vaga em condições idênticas para todos. Depois, o princípio da moralidade administrativa, indicativo de que o concurso veda favorecimentos e perseguições pessoais, bem como situações nepotismo, em ordem a demonstrar que o real escopo da Administração é o de selecionar os melhores candidatos. Por fim, o princípio da competição, que significa que os candidatos participam de um certame, procurando alçar-se a classificação que os coloque em condições de ingressar no serviço público.
Por isso mesmo o concurso público mereceu um pequeno estatuto constitucional.
Com base nesses pressupostos o Supremo Tribunal Federal (STF) inclusive já decidiu que estavam banidas das formas de investidura no serviço público admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que seriam formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressara por concurso (ADIN n. 231, Rel. Min. Moreira Alves, julgada em 5.8.1992). Tal julgamento deu origem ao enunciado n. 685 da súmula da jurisprudência do STF, que enuncia: “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.
Se um candidato logra aprovação em determinado concurso público, pode passar a ter direito líquido e certo à nomeação. É deste tema que se ocupará o capítulo seguinte.
2 DO DIREITO A NOMEAÇÃO: EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ
Segundo Mello2, denomina-se provimento. “o ato de designação de alguém para titularizar cargo público”.
A Lei n. 8.112/1990, prevê, em seu art. 8º, as seguintes formas de provimento: nomeação; promoção; readaptação; reversão; aproveitamento; reintegração; e recondução. Mello3 as classifica em: “a) provimento autônomo ou originário; e b) provimentos derivados, os quais compreendem hipóteses de variação vertical, derivação horizontal e derivação por reingresso.
A única forma de provimento autônomo ou originário seria justamente a nomeação, por não guardar qualquer relação com a situação anterior do beneficiário.
A jurisprudência do STJ, no início dos anos 1990, entendia que o candidato aprovado em concurso público tinha possuía mera expectativa de direito à nomeação, salvo se houvesse desrespeito à ordem de classificação do certame, caso em que passaria a ter direito a exigir sua nomeação. É o que percebemos do julgado que se passa a transcrever:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PUBLICO. APROVAÇÃO. NOMEAÇÃO. A APROVAÇÃO EM CONCURSO PUBLICO CONFERE AO CANDIDATO EXPECTATIVA A NOMEAÇÃO. NÃO TEM DIREITO DE EXIGI-LA. ILEGALIDADE HAVERA CASO A PUBLICA ADMINISTRAÇÃO PROMOVA NOMEAÇÃO EM DESRESPEITO A ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO. (STJ, RMS 494/RS, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/11/1990, DJ 25/02/1991, p. 1455).
Já por volta dos anos 2000, a jurisprudência começou a admitir a existência de direito à nomeação caso houvesse comprovação de que, no prazo de validade do certame, as vagas ofertadas no concurso fossem preenchidas por terceiros à título precário, como demonstra o julgado abaixo:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRETERIÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS. CONTRATAÇÃO PRECÁRIA DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE. Recurso Especial. 1. É unânime na jurisprudência o entendimento de que os candidatos aprovados em concurso públicos possuem mera expectativa de direito à nomeação; nasce esse direito se, dentro do prazo de validade do concurso, são preenchidas as vagas por terceiros, concursados ou não, à título de contratação precária. 2. Recurso Especial conhecido mas não provido. (STJ, REsp 263.071/RN, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, julgado em 24/10/2000, DJ 04/12/2000, p. 91)
Em 2008, começou a se consolidar na Terceira Seção do STJ o entendimento de que candidatos aprovados dentro do número de vagas estabelecido no edital do concurso teriam direito subjetivo à nomeação no prazo de validade do certame. É o que deixa claro o julgado que se segue:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO. NOMEAÇÃO. NÚMERO CERTO DE VAGAS. PREVISÃO. EDITAL. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CARACTERIZAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. Em conformidade com a jurisprudência que vem se firmando na 3ª Seção do STJ, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação, e, não mera expectativa de direito. 2. Consoante precedentes da 5ª e 6ª Turmas do STJ, a partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, de acordo com a necessidade do serviço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital. 4. Recurso ordinário conhecido e provido, para conceder a ordem apenas para determinar ao Estado de Minas Gerais que preencha o número de vagas previstas no Edital (STJ, RMS 22.597/MG, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 12/06/2008, DJe 25/08/2008).
Em 2012, essa jurisprudência torna-se praticamente pacificada, como se percebe pelo precedente infra transcrito:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. PRETERIÇÃO NÃO COMPROVADA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO COMPROVADO. 1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital tem direito líquido e certo à nomeação. Durante o período de validade do certame, compete à Administração, atuando com discricionariedade, nomear os candidatos aprovados de acordo com a sua conveniência e oportunidade. 2. Esse entendimento (poder discricionário da Administração para nomear candidatos aprovados no certame durante sua validade) é limitado na hipótese de haver contratação precária de terceiros para o exercício dos cargos vagos e ainda existirem candidatos aprovados no concurso. Nessas situações, a expectativa de direito destes seria convolada, de imediato, em direito subjetivo à nomeação. 3. A despeito da jurisprudência do STJ, in casu, não conseguiu o agravante provar que o Tribunal nomeou candidatos em vagas que surgiram posteriormente à homologação do concurso durante a validade deste. 4. Agravo Regimental não provido. (STJ, AgRg no RMS 38.543/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 15/10/2012)
Ampliando ainda mais o direito à nomeação, em 2013, o STJ entendeu que mesmo se inicialmente classificados fora do número de vagas, a Administração deveria nomear os candidatos aprovados caso surgissem ou fossem criados novos cargos, conforme se depreende do seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CADASTRO DE RESERVA. VAGAS SUPERVENIENTES. DIREITO SUBJETIVO À CONVOCAÇÃO. RECONHECIMENTO. 1. A aprovação do candidato dentro do cadastro de reserva, ainda que fora do número de vagas inicialmente previstas no edital do concurso público, confere-lhe o direito subjetivo à nomeação para o respectivo cargo se, durante o prazo de validade do concurso, demonstrado o interesse da Administração Pública, surgirem novas vagas, seja em virtude da criação de novos cargos mediante lei, seja em razão de vacância decorrente de exoneração, demissão, aposentadoria, posse em outro cargo inacumulável ou falecimento. Precedentes. 2. No caso, a Administração Pública, por meio do Edital nº 002-CG/2011, convocou mais 585 candidatos, habilitados em cadastro de reserva, para a opção regional do recorrente. O surgimento de 113 vagas decorrente da desclassificação de candidatos implica a convocação do recorrente para submeter-se às etapas seguintes do certame, atendidos os requisitos exigidos dos demais candidatos convocados. 3. Recurso ordinário provido. (RMS 38.011/BA, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/03/2013, DJe 21/03/2013)
Como se vê, a jurisprudência do STJ evoluiu para reconhecer cada vez o direito dos candidatos à nomeação, porém o fez sempre se guiando pela análise das disposições do edital do concurso, que vinculariam o ente público.
3 DA LIMITAÇÃO DO DIREITO À NOMEAÇÃO CONFORME DISPONIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA
Ainda que a jurisprudência do STJ tenha se consolidado no sentido de reconhecer o direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados dentro do número de vagas ofertadas ou mesmo criadas pela Administração, a citada Corte Superior sempre esteve atenta às peculiaridades dos casos concretos apreciados.
Por isso mesmo, existem precedentes que negam a existência de tal direito em situações específicas, como, p. ex., a criação de vagas no decorrer do certame, mas sem haver disponibilidade orçamentária para provê-las. Nesse norte: AgRg no RMS 37.982/RO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 20/08/2013; RMS 37.700/RO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/04/2013, DJe 10/04/2013.
Contudo, no RMS 35.211/SP, relatado pelo Min. Campbell Marques, julgado em 02.04.2013, a Segunda Turma do STJ entendeu que mesmo os candidatos aprovados dentro do número de vagas não teriam direito subjetivo à nomeação, considerando disposição expressa do respectivo edital no sentido de que seria possível preenchimento em número inferior ou superior ao inicialmente previsto, em função da disponibilidade financeira existente. Vale transcrever as partes relevantes da ementa do referido julgado:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. processo SELETIVO. ART. 37, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. LEI ESTADUAL Nº 500/74. APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO EM EDITAL INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO, TENDO EM VISTA EXPRESSA PREVISÃO NO EDITAL SOBRE A POSSIBILIDADE DE PREENCHIMENTO DE NÚMERO INFERIOR OU SUPERIOR ÀS VAGAS COLOCADAS EM CERTAME. 1. Trata-se, na origem, de mandado de segurança impetrado com o objetivo de obter nomeação e posse em razão de aprovação em processo seletivo de contratação temporária dentro do número de vagas previsto no edital. 2. Esta Corte Superior adota entendimento segundo o qual a regular aprovação em concurso público em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital confere ao candidato direito subjetivo à nomeação e posse dentro do período de validade do certame. [...]. 7. Porém, no caso dos autos, o edital foi claro ao afirmar acerca da possibilidade de nomeação dos aprovados em número inferior ou superior das vagas colocadas no certame. Assim, como afirmado pelo Tribunal a quo, "conquanto não se olvide o já decidido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, acerca do direito subjetivo que nasce para a pessoa aprovada em concurso público, dentro do número de vagas previstas no respectivo edital (v.g. MS 26.447/MS e MS 27.575/BA), cumpre ressaltara circunstância de, no presente caso, ter o edital de convocação expressamente previsto a possibilidade de nomeação dos aprovados em número inferior ou superior aos das vagas colocadas em certame, conforme a disponibilidade financeira existente (item 10, das disposições finais, fls. 62). Por conseguinte, não se há falar em direito líquido e certo à nomeação de candidatos aprovados" (fls. 135/136). 8. Recurso ordinário não provido.
Não por coincidência o STF, no RE 598.099/MS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, publicado DJe de 3.10.2011, já havia julgado nesse mesmo rumo. Dada a importância do julgado, passo a transcrever sua ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. II. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. BOA-FÉ. PROTEÇÃO À CONFIANÇA. O dever de boa-fé da Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a Administração torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos. III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO. Quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário. IV. FORÇA NORMATIVA DO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. Esse entendimento, na medida em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público, que vincula diretamente a Administração. É preciso reconhecer que a efetividade da exigência constitucional do concurso público, como uma incomensurável conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos. O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos. O princípio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público. V. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (sem destaque no original)
Observa-se, pois, que o STJ, no RMS 35.211/SP, perfilhou-se ao entendimento do STF no RE 598.099/MS, restando franqueado à Administração a possibilidade de apor nos editais cláusulas obstativas à nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas ali previstas, tendo em vista questões orçamentárias. Naturalmente, essa orientação jurisprudencial deverá ganhar espaço também nos tribunais inferiores e juízos de primeiro grau, tanto da justiça federal quanto da justiça estadual.
De fato, não se pode ignorar que a mesma Constituição Federal que dispôs sobre concursos públicos impõe, em seu art. 169, caput e § 1º, incisos I e II, a responsabilidade fiscal, determinando que:
Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.
§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas:
I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;
II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
De qualquer forma, as vias judiciais estarão abertas aos candidatos que se considerarem ameaçados ou lesados em seu direito à nomeação. Em caso de judicialização da questão, as entidades públicas envolvidas deverão se esmerar em comprovar as limitações financeiras eventualmente declinadas no instrumento convocatório do certame.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo que foi exposto acima, conclui-se que, segundo a jurisprudência pátria, os candidatos aprovados em concurso público podem possuir direito subjetivo à nomeação.
A existência desse direito, no entanto, dependerá da análise do caso concreto, notadamente do edital do certame, que poderá conter dispositivo obstativo da nomeação, mesmo para os classificados dentro do número de vagas ali previsto, conforme já decidiu o STJ seguindo entendimento do STF.
A jurisprudência dessas Cortes, neste particular, coadunam os princípios do concurso público e da responsabilidade fiscal, ambos de envergadura constitucional, e em breve deverá se disseminar também entre os tribunais inferiores e juízos de primeira instância.
NOTAS
1. CARVALHO FILHO, José do Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 563.
2. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 308.
3. Op. cit., p. 309.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 out. 2014.
BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. Acesso em: 30 set. 2014.
CARVALHO FILHO, José do Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.