CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como principal objetivo, nos capítulos 2, 3 e 4 traçar as linhas gerais sobre a responsabilidade do Estado e médica, apontando as peculiaridades da responsabilização civil de ambos e, consequentemente, os aspectos que são imprescindíveis para que a ação regressiva reste exitosa; os principais aspectos relacionados ao diagnóstico médico, bem como as dificuldades existentes no tocante à sua elaboração e, por fim, relacionar todos estes aspectos à possibilidade de adoção da teoria da perda da chance na seara publicista, demonstrando que, de forma cuidadosa, é possível a sua admissibilidade nas condutas comissivas do agente estatal (já que quando presentes os elementos da responsabilidade subjetiva, estarão fatalmente presentes os elementos da responsabilidade objetiva, por ser esta mais abrangente que aquela), bem como nas omissivas, sendo necessário, nesse ponto, a demonstração da culpa do agente e o fato gerador da responsabilidade estatal.
Após o domínio e compreensão dos aspectos relacionados à responsabilidade civil do profissional médico e notadamente as peculiaridades existentes na persecução da conclusão diagnóstica, tentou-se, no Capítulo 4, propor uma solução adequada para a aplicação da teoria da perda da chance, nas hipóteses em o Estado, por meio do profissional médico, incorresse em erro de diagnóstico, quando o dano causado fosse decorrência de conduta omissiva.
É preciso dizer, também, que o presente trabalho centrou-se, talvez, nos dois campos de observação mais férteis e sofisticados da responsabilidade civil: o primeiro relacionado à responsabilidade do profissional médico vinculado às instituições públicas e o consequente direito de regresso, que a despeito de sua importância, ainda são alvo de pouca dedicação doutrinária, sobretudo pelas peculiaridades que envolvem o próprio exercício da profissão médica; e o segundo, relacionado à perda da chance, que malgrado venha sendo objeto de dedicação doutrinária na França, desde 1965, é, ainda, deveras embrionária no cenário jurídico brasileiro.
Analisando, a fundo, tais questões foi possível perceber que estes temas, isoladamente estudados, são muito mais complexos, pois quando analisada a responsabilidade do Estado e a perda da chance pelo erro de diagnóstico cometido pelos profissionais médicos nas hipóteses em que o referido erro seja proveniente de comportamento comissivo, o fato do Estado sujeitar-se, nessas hipóteses, a responsabilidade objetiva implica tão somente a análise da existência da chance real e séria (verificando em cada caso se o resultado favorável seria razoável, ou se não seria de mera possibilidade aleatória) , da conduta e do nexo causal, sem levar em consideração as demais nuances tratadas no tópico referente à responsabilidade direta dos profissionais médicos (que foram imprescindíveis, no entanto, no tocante à análise das características da ação regressiva e da hipótese de responsabilização pelas condutas omissivas do agente estatal).
Conforme visto no Capítulo 4, a Teoria Perte d’une chance, embora originária de uma decisão da Corte de Cassação Francesa, datada de 1965, vem encontrando – mesmo que ainda de modo incipiente – terreno propício ao seu desenvolvimento em diversos ordenamentos jurídicos, dentre eles o brasileiro.
Esta teoria, conhecida no Brasil por Perda de uma Chance, caracteriza-se, conforme visto, pela possibilidade de reparação do dano causado a um sujeito que se vê privado da oportunidade de obter uma benesse ou evitar um prejuízo. Objetiva, portanto, viabilizar que comportamentos desta magnitude sejam passíveis de indenização, e que os vitimizados tenham assegurado o seu direito ao ressarcimento proporcional à chance extirpada.
Viu-se que em tempos de valorização principiológica, da luta pelo combate ao abuso de direito, e de preservação da dignidade da pessoa humana esta teoria surge, assim como outras tantas, como um mecanismo de pacificação social, pois visa restaurar um equilíbrio violado – já que um dano não indenizado é sinônimo de inquietação social – e, também, mostra-se necessária, útil e adequada, visto que serve como freio aos excessos daqueles que agem ilicitamente; além de ser instrumento de efetivação do princípio da reparação integral consubstanciado no art. 944 do Codex.
Nesse diapasão, notou-se que ordenamentos coetâneos – na busca pela satisfatividade do dever de indenizar e atender, de modo suficiente, à cláusula geral da responsabilidade contida no art. 186 do Código Civil – procuram, quando certa e notória a lesão, elastecer os pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil. E é justamente o elastecimento do conceito de dano, um dos pressupostos ensejadores da responsabilidade civil, que possibilita que a vítima seja ressarcida pela perda da própria oportunidade quando esta for séria e real, e não pelo prejuízo final, que, devido ao evento danoso, tornou-se um evento aleatório.
Adotando-se esta classificação de perda da chance como um dano específico e autônomo, foi visto que o nexo de causalidade une a conduta à perda da chance e não ao resultado final, e que, por isso, não há espaço para confusões entre este instituto e os chamados danos emergente e lucro cessante, pois os fatos geradores observados em cada uma destas espécies são completamente distintos, tendo em vista que nos dois últimos o dano final é demonstrável, diferentemente do que ocorre na perda da chance, em que o quantum debeatur a ser indenizado será calculado com base na própria perda da oportunidade, e não nas consequencias de seu desfazimento, como ocorre nas duas outras modalidades. Viu-se, ademais, que a perda da chance pode estar relacionada com um dano aferível, ou não, economicamente. Conforme visto, estes aspectos somente corroboram a tese de que a perda da chance é sim um dano indenizável.
O fato é que a perda da chance não pode ser confundida, conforme visto no Capítulo 4, com danos meramente hipotéticos. Para tanto, exige-se que a sua aplicação esteja lastreada na comprovação da verdadeira chance perdida pelo indivíduo. Isso significa que expectativas pouco prováveis não serão alvo de apreciação judicial. Isso porque, um dos requisitos exigidos para a aplicação desta teoria é justamente a probabilidade suficiente, que será aferida a partir da avaliação de todas as circunstâncias do caso em análise, para que possa ser vislumbrado, se no curso normal e ordinário das coisas era, ou não, provável que se obtivesse a vantagem.
Notou-se, com isso, a importância em analisar o quão real e séria é a chance perdida, pois nos casos em que os pressupostos estudados estiverem devidamente preenchidos, haverá obrigação de indenizar. Contudo, estando estes elementos ausentes, o instituto a ser utilizado não poderá ser, em hipótese alguma, a perda de uma chance, pois meras ilusões não são objetos de reparação, já que os pleitos motivados pelas hipóteses de enriquecimento sem causa, ou locupletamento ilícito não são admitidos pelo ordenamento pátrio.
Sendo assim, foi possível concluir que a responsabilidade nos casos de perda da chance poderá estar focalizada no aspecto da atuação do profissional quando este adotar conduta omissiva, já que o alcance dos resultados esperados mostra-se, em alguns casos – mesmo com toda diligência empreendida – incerto, notadamente na seara médica, que se depara, ainda hoje, com todos os mistérios do corpo humano, tornando o exercício da profissão nitidamente peculiar. Contudo, nas hipóteses de atuação comissiva, a existência dano real e sério provocado pela perda da chance, do nexo e da conduta do agente, são suficientes para configurar a responsabilidade do ente estatal, dispensando-se a análise da conduta médica; pois trata-se de responsabilidade objetiva.
Conforme visto no primeiro Capítulo, é pacífico o entendimento de que a responsabilidade civil deste profissional, assim como de outros tantos, deriva, em regra, de meio, e não de resultado. O diagnóstico médico, em outra ponta, consiste em atividade preambular, que na maioria das vezes, vem acompanhado do respaldo obtido com o avanço tecnológico, oriundo dos aparelhos ou pela precisão dos exames realizados em laboratórios.
Faz-se imperioso ressaltar, todavia, que o erro de diagnóstico é, em princípio, escusável, pois existem sintomas inespecíficos que mascaram determinadas patologias. Por esse motivo, os médicos só deverão responder, em eventual ação regressiva, por falhas de condutas diagnósticas quando estas se mostrarem inadequadas, ou quando forem abrasivas (o que também decorre invariavelmente de uma conduta culposa), ou seja, quando o sintoma for evidente e inconfundível, sendo manifesto a qualquer profissional atuante na área. Deve-se ressaltar, todavia, que tais aspectos somente poderão ser comprovados mediante a realização de prova pericial.
Conforme visto no Capítulo 3, o ato de diagnosticar consiste no enquadramento dos dados elementares observados no paciente em determinada moléstia, o que exige do profissional, pela própria essência da atividade, um grau de prudência, perícia e diligência elevado e, por isso, a falta de qualquer desses elementos é, em alguns casos, essencial para a configuração de um erro de diagnóstico e da consequente procedência de ação regressiva ajuizada pelo ente estatal.
Viu-se, também, que apesar de toda a complexidade existente em explanar a conclusão diagnóstica, o erro de diagnóstico não pode ser tratado com clemência, pois punir o profissional médico, regressivamente, apenas nas hipóteses de erro grosseiro deixará a vítima, inúmeras vezes, sem direito à indenização por atos praticados de forma culposa.
Para solucionar este impasse, foi visto que a postura do magistrado na ação regressiva não deve se voltar à análise do erro de diagnóstico propriamente dito, tendo em vista a dificuldade que tal circunstância reclama, mas sim à avaliação da conduta do profissional médico, comparando-a com a conduta esperada de um profissional que se encontrasse nas mesmas circunstâncias. Ou seja, deve-se analisar o passo a passo percorrido pelo profissional – que deverá encontrar-se pormenorizado no prontuário médico –, pois este é que será objeto de análise pelo magistrado e pelos peritos, já que o erro ou acerto na conclusão diagnóstica são circunstâncias que fogem ao controle até mesmo dos profissionais mais diligentes.
Por isso, endossou-se o entendimento, segundo o qual o médico não será responsabilizado, em ação de regresso, quando agir de acordo com as regras estabelecidas pela ciência médica, diagnosticando com a diligência e a prudência esperada, mesmo que o resultado de sua conduta não seja o esperado, pois o erro, nestas circunstâncias, não poderá, conforme visto no Capítulo 3, ensejar responsabilidade do profissional, malgrado enseje a responsabilidade estatal.
Outro não pode ser o posicionamento, que não este, já que, conforme visto no início deste trabalho, a obrigação do médico, por ser de meio e não de resultado, impõe que apenas o in intineri percorrido pelo profissional até chegar à conclusão diagnóstica seja objeto de toda e qualquer avaliação, seja ela feita pelo próprio paciente, seja feita pelos Tribunais.
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