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Desapropriação-sanção para fins de reforma-agrária e o respectivo microssistema normativo.

Necessidade de contemporaneidade do Laudo de Avaliação e Vistoria do INCRA e da perícia judicial

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Agenda 18/11/2014 às 10:45

Não deve ser dada uma nova chance ao proprietário de imóvel improdutivo para torná-lo produtivo e modificar a conclusão estatal, sob pena de se subverter a ordem jurídica e de confrontar seriamente os princípios da efetividade e da segurança jurídica.

Resumo: A desapropriação-sanção implica um microssistema normativo da reforma-agrária, cujos dispositivos não podem ser interpretados meramente a partir de parâmetros da processualística ordinária, visto que imbute valores e princípios sensíveis, consagrados expressamente na Constituição de 1988 e que devem nortear a atuação do Administrador Público, na consecução de políticas públicas, e do Judiciário, ao apreciar, processar e julgar as causas rurais, como a ora abordada. Nesse sentido, a hermenêutica constitucional e legal caminha para a predominância das políticas públicas estatais e do respectivo microssistema, do qual deriva a conclusão de que a produtividade do imóvel a ser considerada é aquela verificada pelo servidor público da Autarquia Federal INCRA, quando da elaboração subsequente do Laudo de Avaliação e Vistoria, seja pelo Administrador, para a edição do decreto expropriatório, seja pelo Judiciário ,para a sentença a ser proferida em ação anulatória, declaratória ou a própria expropriatória.

Palavras-chave: desapropriação. reforma. agrária. contemporaneidade. perícias.

Sumário: Introdução. 1. Análise geral dos tipos de desapropriação previstos no ordenamento jurídico brasileiro. 2. Os pressupostos e requisitos da desapropriação para fins de reforma-agrária. 3. Os índices GUT e GEE – contemporaneidade das perícias judicial e do INCRA na fase declaratória. Conclusão. Referências.


Introdução

O estudo em comento pretende expor, inicialmente, as modalidades expropriatórias tratadas pelo ordenamento brasileiro e, após, analisar o instituto da desapropriação-sanção para fins de reforma-agrária, com suas fases, rito sumário da ação judicial pertinente, imissão provisória na posse e a modalidade de indenização específica para esse instituto.

Por sua vez, o objeto central desse artigo se destina a abordar a própria produtividade do imóvel rural classificado como improdutivo pelo ente público e, assim, passível de ser expropriado e destinado à implementação de políticas públicas de reforma-agrária.

Conforme abaixo se verá, o procedimento expropriatório possui duas fases, a declaratória, necessariamente administrativa, na qual o imóvel é vistoriado e o ente estatal produz o respectivo Laudo de Vistoria e Avaliação, e a fase executória, judicial ou administrativa, quando o bem passará efetivamente ao domínio público, com a indenização do expropriado.

Ocorre que, não obstante a vedação legal para a ação de desapropriação tratar especificamente sobre a produtividade do bem, é comum que o proprietário ajuíze outra demanda, de cunhos anulatório ou declaratório, quanto ao aludido decreto expropriatório ou o próprio processo administrativo. Nessa situação, caso a discussão acerca da produtividade ou não do imóvel rural seja submetida ao crivo judicial, normalmente se fará necessária a instrução probatória do feito, da qual decorrerá a elaboração de um Laudo Pericial.

A questão tormentosa que há nessa contenda diz respeito ao período que deve ser considerado pelo julgador. Explique-se melhor. Enquanto o ente expropriante insiste que se deve levar em consideração tão-somente o intervalo em que houve a apuração, vistoria e consequente elaboração do Laudo de Vistoria, em processo administrativo expropriatório, o expropriado defende que à perícia judicial incumbe apreciar os atuais elementos, produções e índices do bem.

Todavia, não é incomum que haja uma discrepância entre tais intervalos, mormente se atentarmos para o fato de que muitas vezes o procedimento expropriatório é longo, complexo e depende inevitavelmente de recursos públicos e de pessoal para sua conclusão e que, portanto, entre tantos incidentes, o proprietário pode ter conferido efetiva produtividade ao bem, ainda mais em tempos recentes de verdadeira valorização fundiária no Brasil.

Feita essa breve introdução, cumpre sintetizar que o objeto do estudo que ora se inicia é expor os fundamentos pelos quais se faz necessária a contemporaneidade entre tais perícias, administrativa e judicial, corroborada pelas orientações hodiernas da doutrina e da produção jurisprudencial.


1. Análise geral dos tipos de desapropriação previstos no ordenamento jurídico brasileiro:

A desapropriação está prevista na Constituição da República Federativa do Brasil de de 1988 (CF) em seu artigo 5º, inciso XXIV, que assim preconiza “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.”

De forma geral, pode-se descrever a desapropriação como um procedimento de direito público, administrativo ou judicial previsto em lei, através do qual o Poder Público, ou seus delegados, transfere para si, mediante prévia declaração de necessidade pública ou utilidade pública, ou de interesse social, de forma unilateral e compulsória, a propriedade de terceiro, normalmente por meio de indenização prévia, justa e em dinheiro.

Sobre o caráter “prévio” da indenização, significa que deve ser ultimada antes da consumação da transferência do bem. Por sua vez, “justa” será a indenização que “corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio. Indenização justa é a que se consubstancia em importância que habilita o proprietário a adquirir outro bem perfeitamente equivalente e o exime de qualquer detrimento[1].”

Nesse prisma, a regra é a desapropriação ordinária, ou seja, aquela que imprescinde de demonstração da utilidade pública, necessidade pública ou do interesse social e, mais, a indenização deve ser justa, prévia e dinheiro.

Ao lado da desapropriação ordinária, há outras formas de expropriação, denominadas pelo Constituinte Originário como desapropriação extraordinária ou desapropriação-sanção e a desapropriação-confisco. Ocorrem quando se dá o inadequado aproveitamento do solo urbano, a improdutividade do imóvel rural ou a prática de crime (confiscatória) e estão previstas, respectivamente, nos artigos 182, parágrafos 3º e 4º, inciso III, 184 e 243, todos da Carta Magna, respectivamente, que têm a seguinte dicção:

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Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

(...)

§ 3o - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4o - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

(...)

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

§ 1o - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

§ 2o - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.

§ 3o - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.

(...)

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014)

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014).

Ao regulamentar a regra do artigo 5º, inciso XXIV, do texto de 1988, que advêm desde a Constituição Imperial de 1824, o Decreto-Lei n.º 3.365, de 21 de junho de 1941, também considerada “Lei Geral da Desapropriação”, dispõe sobre os casos de desapropriação por utilidade pública.

Já a Lei n.º 4.132, de 10 de setembro de 1962, define os casos de desapropriação por interesse social.

Sobre a desapropriação urbanística estabelecida no artigo 182, parágrafo 4º, inciso III, da CF, está regulamentada pela Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada de “Estatuto da Cidade”.

Ainda, mencione-se que o procedimento adotado para a expropriação confiscatória (artigo 243 da CF), recentemente alterado no texto constitucional, encontra-se disciplinado pelas Leis n.ºs 8.257, de 26 de novembro de 1991, e 10.279, de 12 de setembro de 2001, e pela Medida Provisória n.º 2.183-56, de 24 de agosto de 2001.

Por fim, acerca da desapropriação rural, com previsão nos artigos 184 e 191 da CF, o respectivo procedimento está tratado na Lei n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, com as alterações posteriores, e na Lei Complementar n.º 76, de 06 de julho de 1993, alterada pela Lei Complementar n.º 88, de 21 de dezembro de 1996.

Vejamos as peculiaridades da desapropriação para fins de reforma-agrária.


2. Os pressupostos e requisitos da desapropriação para fins de reforma-agrária:

Particularmente no tocante à desapropriação para reforma-agrária, tem como objeto o imóvel rural que desatende à sua função social, conforme estatuído nos artigos 5º, inciso XXIII, e 186 da Constituição, cujas redações são as seguintes:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social

(...)

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

No entanto, a regra é geral e comporta exceções, eis que o artigo 185 da Carta Magna veda a incidência desse tipo expropriatório em algumas hipóteses, como sobre a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outro bem, e, logicamente, sobre a propriedade produtiva. Este é o inteiro teor do dispositivo:

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II - a propriedade produtiva.

Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.

A ação de desapropriação para fins de reforma-agrária tem rito sumário próprio, conforme determinado pelo artigo 184, parágrafo 3º, da Carta Magna, estabelecido pela Lei Complementar n.º 76/1993.

Além de lei especial reger esta ação de desapropriação, a Lei Complementar detém status superior às demais leis ordinárias. Por isso, o Código de Processo Civil (CPC) tem aplicação subsidiária e apenas no que for compatível com a referida Lei Complementar, nos termos do seu artigo 42[2]. Esse, aliás, é o teor do recente Informativo de Jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), de n.º 547, de 08 de outubro de 2014, conforme se nota do seguinte julgado:

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DISPENSA DE CITAÇÃO DO CÔNJUGE NA DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA.

Na ação de desapropriação por utilidade pública, a citação do proprietário do imóvel desapropriado dispensa a do respectivo cônjuge. Isso porque o art. 16 do Decreto-Lei 3.365/1941 (Lei das Desapropriações) dispõe que acitação far-se-á por mandado na pessoa do proprietário dos bens; a do marido dispensa a da mulher”. Ressalte-se que, apesar de o art. 10, § 1º, I, do CPC dispor que “ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações que versem sobre direitos reais imobiliários”, o art. 42 do referido Decreto-Lei preconiza que o CPC somente incidirá no que for omissa a Lei das Desapropriações. Assim, havendo previsão expressa quanto à matéria, não se aplica a norma geral. Precedente citado do STF: RE 86.933, Segunda Turma, DJ 18/6/1979. REsp 1.404.085-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 5/8/2014. (sem destaques em amarelo no original)

A ação de desapropriação para fins de reforma-agrária tem caráter preferencial em relação a quaisquer outras relativas ao mesmo imóvel rural, com respaldo no artigo 18 da Lei Complementar n.º 76/1993. Em outras palavras, esta demanda possui ritmo absolutamente célere, diante da presunção constitucional e legal de urgência (STJ, REsp 1206629/ES).

Como se pode perceber, ao lado das normas gerais da legislação processual civil, de aplicação subsidiária a maiores das normas de caráter especial, tem-se um microssistema normativo da reforma-agrária, cujos dispositivos não podem ser interpretados meramente a partir de parâmetros da processualística ordinária. De fato, a ação expropriatória imbute valores e princípios muito além do simples procedimento do CPC, de uma sequência objetiva e linear de atos processuais. Isso porque os fundamentos dessa medida estão consagrados expressamente na Constituição de 1988 e devem nortear a atuação do Administrador Público, na consecução de políticas públicas, e do Judiciário, ao apreciar, processar e julgar as causas rurais, como a ora abordada.

A respeito, mister recordar que as peculiaridades da ação de desapropriação, como a adoção do rito sumário, o instituto da imissão prévia na posse, o caráter preferencial e prejudicial da ação em questão, são evidências de que o ordenamento jurídico fez uma ponderação de interesses em favor da destinação imediata de imóveis rurais descumpridores da função social, para a reforma-agrária, em prejuízo daqueles especulativos, destinados ao acúmulo desordenado e desigual de riquezas.

Já se viu ser regra que a indenização seja paga em dinheiro. Entretanto, há exceção na desapropriação para fins de reforma-agrária, disciplinada através da Lei Complementar n.º 76/1993 (artigo 184 da Constituição Federal). Isso porque o maior valor devido ao expropriado, como a terra nua, deverá ser indenizado por meio de Títulos da Dívida Agrária (TDA), com cláusula de preservação do valor real, e as benfeitorias úteis e necessárias serão pagas em dinheiro.

O procedimento em questão fica sob a responsabilidade do INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA, Autarquia Federal, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, criado pelo Decreto-Lei n.º 1.110, de 09 de julho de 1970, cuja representação judicial e extrajudicial incumbe à Procuradoria-Geral Federal (PGF), integrante do Ministério da Advocacia Geral da UNIÃO (AGU).

Esse procedimento expropriatório segue duas fases, sendo a primeira administrativa, de cunho declaratório, na qual o bem é declarado passível de desapropriação, no âmbito do ente expropriante, e a segunda consiste na fase executória, que pode se dar em meio judicial ou ainda administrativo.

Nesse contexto, encerrada a primeira fase, a fase declaratória, quando se tem como confirmada a intenção de desapropriar o bem, o Poder Público passa a adotar providências para efetivar a desapropriação, com o fim de transferir efetivamente o bem do patrimônio privado para o seu patrimônio público.

De outro lado, a fase executória pode ser resolvida brevemente e mediante acordo celebrado entre o Poder Público e o expropriado, de maneira que todo o procedimento se desenvolverá na seara administrativa. Nada obstante, em não havendo ajuste de vontades, seguir-se-á a fase judicial ou litigiosa, iniciada pelo próprio Poder Público, que deverá obedecer ao procedimento prelecionado no Decreto-Lei n.º 3.365/1941, também aplicado à desapropriação por interesse social fundada na Lei n.º 4.132/1962, em razão do disposto em seu artigo 5?.

Cabe registrar que a discussão na via judicial é restrita, posto que “Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública” (artigo 9º do Decreto-Lei n.º 3.365/1941).

Nesse sentido, sucintamente tem-se que, declarado o bem improdutivo, o Poder Público poderá concluir a transferência para o patrimônio público, mediante mera transação com o particular envolvido, com os pagamentos devidos em TDA´S e dinheiro. Ou, sem solução amigável extrajudicial, inicia-se uma nova fase do procedimento, agora litigiosa, na qual o Poder expropriante buscará o reconhecimento por sentença da aquisição originária do bem, por meio da desapropriação, com as anotações subsequentes.

Note-se, por oportuno, que na fase executória, mesmo na via judicial, é possível que, desde logo, as partes encerrem a lide por acordo a ser homologado em juízo. Todavia, caso isso não ocorra, seguir-se-á um procedimento judicial, com contraditório, ampla defesa, instrução do feito, enfim uma sequência de atos longa, que demanda excessiva cautela e muita atenção das partes envolvidas e do magistrado, face aos valores e interesses envolvidos, no qual merece destaque certamente os vetores da produtividade e da função social da propriedade, da equidade e da valorização das pequenas e médias propriedades produtivas, voltadas ao bem geral da Nação, em detrimento de latifúndios improdutivos e meramente especulativos.

A questão a ser abordada envolve uma controvérsia muito comum em procedimentos desse porte, principalmente quando o expropriado, antes ou ao lado dessa ação de desapropriação intentada pelo INCRA, ajuíza outra, de natureza anulatória ou declaratória, na qual discute a própria produtividade do bem ou algum vício no processo expropriatório.

Havendo em cenário, haverá provavelmente a designação de perícia judicial e a crucial divergência que se dará consiste no elemento temporal, critérios, índices, tipos de produções e cenários a serem considerados pelo avaliador designado pelo magistrado.

Explique-se melhor.

Em geral, o processo administrativo de desapropriação é muito extenso, notadamente em sua fase declaratória, na qual os servidores do ente expropriante procedem a extenso estudo sobre o local investigado, o bem, se produtivo ou não, os recursos naturais próximos, o relevo da região, a viabilidade fática, econômica e logística de se instalar um programa de assentamento para fins de reforma-agrária. Enfim, o processo merece muita cautela e precisão, em virtude do elevado número de pessoas envolvidas, direta e indiretamente, e da expectativa que gera aos eventuais expropriados e beneficiados com uma futura instalação do aludido programa. Além disso, é salutar destacar que as atividades do Executivo contam com limitações orçamentárias e reduzido número de pessoal, muitas vezes insuficiente para tal mister tão importante, além de ser comum nos dias atuais o contingenciamento de recursos públicos, o que eleva a necessidade de a decisão do administrador público ser prudente e adequada ao exercer a discricionariedade administrativa e atender à lei. Afinal, é notório que as necessidades são muitas, as políticas públicas são de extrema relevância, mas os recursos são escassos e finitos.

Cabe frisar que a vistoria do INCRA apura as condições de uso do imóvel rural em um período de tempo determinado, correspondente aos 12 (doze) meses inteiros imediatamente anteriores ao do recebimento da comunicação de vistoria preliminar pelo proprietário rural. Ainda, é imperioso registrar a premissa “de que os laudos agronômicos elaborados pelo INCRA são dotados de rigor científico e se traduzem no exercício regular de uma atividade estatal prevista pelo sistema legislativo[3].”

Desse minucioso estudo do INCRA, na primeira fase do procedimento expropriatório, resulta a produção de um Laudo de Vistoria e Avaliação (LVA), relativo ao imóvel rural classificado como socialmente desfuncionalizado.

Ocorre que, não raro, entre a feitura desse Laudo, a cargo dos servidores do INCRA, e o ajuizamento da respectiva ação expropriatória ou a propositura da ação anulatória ou declaratória supracitada decorre tempo considerável, mais ainda até a designação do perito judicial e a produção do trabalho do expert. Não se olvide que nos tempos recentes houve uma considerável valorização fundiária, com destaque para o interior do Estado de São Paulo, do que resultou grande especulação imobiliária e uma elevação extraordinária dos preços dos alqueires e subsequentes negociações. Ainda, diante da oscilação interna e externa da economia e das produções mais rentáveis, não raro há mudanças constantes de tipos de produção, seja na pecuária, seja na agricultura, como se pode exemplificar com o crescimento da indústria canavieira no interior paulista.

Logo, pode ocorrer que o cenário que o perito do juízo encontre hoje não corresponda mais àquele verificado e constatado pelos servidores da Autarquia Federal na fase inicial, administrativa.

A divergência, então, dá-se sobre qual critério deve ser aceito e considerado, isto é, os índices apresentados pelos servidores do INCRA no precitado Laudo de Vistoria e Avaliação ou aqueles mencionados pelo profissional auxiliar do juízo em seu Laudo Judicial.

Feita essa apresentação teórica, serão na sequência expostos os fundamentos teóricos e o posicionamento dos dias atuais da doutrina e da orientação pretoriana a respeito de tema tão instigante, face os reflexos sociais e financeiros que dele advém.

Sobre a autora
Graziele Mariete Buzanello

Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) (2002-2006). Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp (Rede LFG) (2010). Pós Graduada em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB/CEAD) (2014). Procuradora Federal (desde 2007).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUZANELLO, Graziele Mariete. Desapropriação-sanção para fins de reforma-agrária e o respectivo microssistema normativo.: Necessidade de contemporaneidade do Laudo de Avaliação e Vistoria do INCRA e da perícia judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4157, 18 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34016. Acesso em: 23 dez. 2024.

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