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Cautelares satisfativas?

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

8- Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória

As diferenças entre tutela cautelar e antecipação de tutela são gritantes. Em uma frase se pode resumir o abismo que as separa: cautela é segurança para a execução. Antecipação é execução para a segurança. De fato, embora senso largo se possa vislumbrar uma função acautelatória [36] na antecipação de tutela, ela corresponde a um verdadeira execução, ou seja uma execução antecipada dos efeitos pretendidos no próprio processo em que se verifica. Por aí se vê que quando se fala em fumus bini iuris na antecipação, ao contrário do que ocorre na cautela, estamos falando em verossimilhança do direito objeto do próprio processo em andamento e não de objeto de futuro processo. A finalidade principal da antecipação não é acautelar, mas sim a satisfação do direito. Também se pode falar em diferenças quanto à provisoriedade e temporariedade. Tanto a antecipação quanto a cautela destinadas a ter duração efêmera no tempo.

Mas quanto à cautela fala-se em temporariedade pois durará enquanto perdurar o risco que visa evitar [37]. Já a antecipação é provisória pois o provimento antecipatório está destinado a ser substituído pela sentença definitiva a ser prolatada no âmbito do mesmo processo.

Além disto, as cautelares, que podem ser incidentes a um processo de conhecimento ou preparatórias, e portanto prévias ao processo acautelado, dão origem a uma relação processual distinta, fato este que não ocorre na antecipação, que é um incidente "intraneus" ao processo de conhecimento. Mas as principais diferenças que nos interessam, a par da natureza ontologicamente diversa das cautelas e antecipações, está nos requisitos, pois estamos levando em conta para fins de análise a possibilidade de cautelares satisfativas, que tendo efeito prático equivalente à antecipação de tutela, tornam, na prática, inexistentes as diferenças retrocitadas.

Com efeito, admitida a acautelar satisfativa, seus resultados tornam-se em tudo semelhantes a uma tutela de conhecimento, inclusive quanto à imutabilidade que pode ocorrer naqueles casos de irreversibilidade fática dos resultados. Em algumas relações instantâneas, a só ocorrência de um fato tem como conseqüência esvaziar todo o conteúdo desta relação. Nestes casos, obtida uma tutela cautelar que implicasse na ocorrência de dito fato, teríamos produzido uma imutabilidade de fato equivalente à coisa julgada. É claro que sempre haverá o caminho das perdas e danos, mas como modernamente se busca a execução específica, realçando a natureza de sucedâneo das perdas e danos, e tendo direito a parte ao retorno do status quo ante, ainda que obtenha um ressarcimento de prejuízos ainda assim subsistirá um gravame de não ter obtido exatamente o que teria se não houvesse a antecipação de efeitos da tutela, quer pela via normal quer pela via anômala. Isto ocorre em todos os casos de irreversibilidade. Dir-se-á que isto também ocorre na antecipação de tutela. É certo, mas os requisitos para a antecipação são mais rígidos e dificultam a ocorrência de tais situações. Por isso há que ressaltar a diferença entre os requisitos de uma e outra medida.

Destarte, como as cautelares satisfativas aberram dentro da sistemática processual, não houve previsão de maiores óbices dentro do Livro destinado à sua disciplina no CPC, mesmo porque não se alvitrava sua existência. Os requisitos para a obtenção da cautela, que como referimos melhor se definem como elementos do mérito da cautela, foram previstos tendo em vista que os provimentos cautelares destinar-se-iam a resguardar a eficácia de outro processo, sem contudo implicar adiantamento dos efeitos deste processo. Logo, as providência práticas obtidas com a cautela jamais tomariam a gravidade de uma antecipação dos efeitos da tutela pretendida. Ainda que na prática as medidas cautelares pudessem transferir a posse ao requerente da medida, o título a que estaria nele seria o de depositário, o que é bem diferente de ter posse a título de antecipação de efeitos de um processo. Em síntese, a disciplina do processo cautelar não previa que com base nesta espécie de tutela se fosse pleitear providência de tamanha gravidade como seja a antecipação dos efeitos da tutela. Por isso, não prevê, a disciplina das cautelas, limitações frente a irreversibilidade dos efeitos, nem quanto á aplicação de princípios da execução específica. O instituto cautelar não foi estruturado para comportar uma providência de tamanha gravidade.

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Para a antecipação de tutela, previu o legislador, atentando para a gravidade que representa, uma postergação do contraditório associada à obtenção da tutela pretendida em alguns de seus efeitos, uma série de requisitos bem mais rígidos do que previra para a cautela. Permitida a cautela satisfativa teremos dois remédios de função igual com requisitos diferentes e destinados a mesma situação. As conseqüências e a possibilidade deste quadro é o que iremos ver adiante.


9- Subsistem as Cautelares Satisfativas?

A pergunta em epígrafe representa o núcleo de nossa abordagem. É exatamente a sua resposta que buscamos. Pois bem, respondendo, não titubearemos em afirmar que a resposta há de ser um rotundo não, e os motivos passamos a expor.

Primeiramente as mais comezinhas regras de lógica jurídica nos dizem que os remédios anômalos só têm vida porquanto subsistir a anomalia que os impõe. È claro que se o legislador prevê expressamente acerca de determinada matéria está afastando a invocação de tratativas outras acerca desta mesma matéria. Ora se há um princípio de que lex postriori deroogat lex priori, com muito maior razão se há de aplicar este princípio quando lei vem disciplinar coisa que sequer estava em lei anterior, pelo contrário resultava da tolerância da aplicação de uma disciplina que fora estruturada para fim totalmente diverso. Mas não bastam estas considerações simples. É preciso ir adiante para observarmos o quão descabida é a subsistência de cautelares com função satisfativa.

Como temos dito ao longo desta nossa breve análise, o processo brasileiro e de um modo geral todos os sistemas processuais de inspiração romano-canônica, tem como pedra de toque a certeza e por via de conseqüência a ordinarização do rito como método padrão para atingimento do escopo de obtenção dela. Todo e qualquer provimento que, antecipando efeitos da tutela, refoge a este figurino, ganha ares, irrefutavelmente, de uma providência excepcional e grave, que subverte a ordem natural das coisas (cognição e execução). Daí se justificar a aposição de um série de requisitos mais rígidos dos que os exigido para a obtenção da cautela. Note-se bem, o legislador sopesando a gravidade da providência a que ia dar vida, houve por bem condicioná-la a tais e quais requisitos. A admissão da cautela satisfativa, uma vez que o processo cautelar não está adstrito a os mesmos limites, tem como resultado a obtenção de um mesmo resultado sem as mesmas garantias ao demandado. Logo é evidente que não podemos trazer a lume uma providência que desborda dos requisitos legais. E o que é pior, em alguns casos poderá resultar deste processo uma imutabilidade fática que em última análise teria igual valor prático ao da coisa julgada, pois como dito, a parte tem direito à providência que resguarde especificamente seu direito sendo as perdas e danos mero sucedâneo. Além disto, a execução das perdas e danos está condicionada a existência de patrimônio. Se não houver garantia patrimonial no patrimônio do agora devedor e antes beneficiado pela providência que se viu revista, tolitur quaestio, caberá aguardar e nada mais.

É claro que este risco também existe na antecipação dos efeitos da tutela, mas neste caso, além de a lei resguardar expressamente a ocorrência, pelo menos se tem maior controle e a probabilidade de reversão do provimento antecipatório é muito menor do que o cautelar porque a antecipação, por ser baseada em prova inequívoca, atinge um maior nível de convencimento e maior probabilidade de consonância com a realidade.

Mas um outro aspecto, e este é vulgarmente descurado reside nos nefastos efeitos da admissão da tutela liminar na cautela satisfativa. Uma vez obtida a liminar cautelar satisfativa pode ocorrer o exaurimento da relação que constitui a res in judicio deducta. Como a tutela cautelar é temporária e não provisória, ou seja não está destinada a ser necessariamente substituída por uma sentença, posto que proferida em uma sentença final, e como a liminar cautelar, que também é uma possibilidade, não implica necessariamente um julgamento de matéria que será novamente retratada no julgamento de mérito da cautela, já que a liminar cautelar é sui generis porque a cautela já é prevenção em si mesma, poderá ocorrer que a concessão da liminar cautelar implique em perda do objeto do processo cautelar, e portanto teríamos uma estabilização da liminar e via de consequência, pela natureza satiasfativa desta liminar e do processo cautelar em que foi proferida, a denecessidade de processo principal.

Expliquemos com um exemplo que tivemos ocasião de presenciar concretamente. Determinada pessoa ingressa com liminar cautelar pedindo a realização de novo exame psicológico, afirmando que pleiteará em ação ordinária a anulação dos exames aos quais se submeteu. Ressumbra o caráter nitidamente satisfativo desta providência, que seria caso de antecipação de tutela e não de cautela. No entanto a liminar cautelar lhe é deferida, sendo então em novo exame que jamais poderá encontrar as condições doa anterior que é o que vale para que a igualdade dos candidatos seja preservada, aprovada. Dito candidato frequenta o curso de formação ténico -profissional e passa a exercer cargo público. Como a execução da limiar cautelar não está sujeita aos predicativos do artigo 588, e como já há uma situação consumada, o juiz ao julgar a cautelar dá pela perda do objeto da cautela, tornado desnecessário o ingresso da ação principal já que a situação de exercício do cargo está consumada por força da cautela, e o que é pior da liminar cautelar. Quer dizer que a liminar cautelar implica a perda do objeto da cautela e uma vez que a demanda toma contornos de satisfatividade, torna-se desnecessário reafirmar o conteúdo da liminar cautelar em ação principal porque a parte já obteve o resultado que queria na prática, resultado este que se consumou. Assim, em mera sede de liminar cautelar, obteria resultado equivalente na prática à tutela a ser obtida no processo principal, acautelado, e sem necessidade de movê-lo ou de sequer obter um resultado favorável no mérito da cautela.

Nota-se que o manter-se a cautelar satisfativa redunda em permitir-se franca burla à lei. Para que mover processo de conhecimento se a cautela é um caminho muito mais fácil e é possível obter resultados práticos equivalentes?. È bem verdade que no caso anterior poderia o Estado ingressar com demanda anulatória, mas já encontraria um situação consumada, o que já é, de per si, um óbice, e traria como consequência o ônus de ter de mover ação, o que antes seria um peso sobre os ombros do beneficiado pela cautela.

Estamos portanto, convencidos de que não há como sustentar a permanência das cautelares satisfativas [38]. Pensamos assim não só porque há agora um disciplina específica que determina que a antecipação de efeitos da tutela pretendida é a antecipação prevista no artigo 273 do CPC, como pelo fato de que a permanência desta teratologia implica tornar letra morta o artigo 273, na medida em que concede um remédio igualmente eficaz e mais fácil em todos os sentidos de que o jurisdicionado se valeria sem necessidade de demonstrar os requisitos mais rígidos do sobredito dispositivo de Estatuto Processual Civil Pátrio.


10- Fungibilidade?

Uma vez que se ingresse em juízo com pedido cautelar pleiteando resultado que equivale ao pedido de processo de conhecimento, correspondendo a pedido cautelar satisfativo, portanto vedado, já que o pedido deverá ser veiculado processo de conhecimento com pedido de antecipação de tutela, quid iuris? A respeitável opinião de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira [39] pugna pela aplicação da fungibilidade. Data vênia, não cremos que seja caso de aplicar-se fungibilidade.

A fungibilidade é a possibilidade de conhecer de um instrumento erroneamente utilizado como se fora o correto. Não há nem nunca houve, ao menos não no direito codificado nacional, expressa previsão de fungibilidade genérica entre ações, mas específica sim, como é o caso das possessórias. Houve, no entanto, previsão de fungibilidade nos recursos quando disciplinados no antigo CPC de 1939. O artigo 810 daquele diploma previa a possibilidade de aplicação da fungibilidade recursal quando interposto erroneamente desde que ausente erro grosseiro ou má fé do recorrente. Dispositivo de igual teor não se encontra no atual CPC. Inobstante, a doutrina reconhece, seguida pela jurisprudência, a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Se nos parece que, dada a semelhança das situações, são plenamente cabíveis e invocáveis os princípios construídos à luz de uma fungibilidade recursal no caso de apreciação de fungibilidade entre ações.

Deste modo temos que os indagar se há erro grosseiro ou má fé. Mas que se há de entender por erro grosseiro? A doutrina erigida sob a vigência do antigo CPC reconhecia o erro grosseiro naqueles caos em que não houvesse uma dúvida objetiva, ou a contrario sensu naqueles casos em que a dúvida fosse subjetiva, ou seja devida a má interpretação ou aplicação do direito á espécie levada a termo pela parte ao apreciar a situação. Isto ocorreria notadamente naqueles casos em que nos defrontássemos com situações em que já houvesse jurisprudência consolidada acerca da matéria ou a comunis opinium doctorum já houvesse se manifestado por uma orientação. Nestes casos, sustentando a parte uma posição absolutamente descabida e discrepante haver-se-ia por configurado o erro grosseiro. Nos caos de má fé, a parte conhecendo a diversa interpretação doutrinária e jurisprudencial fazia uso do recurso errado com fim procastinatório ou objetivando produzir tumulto processual. Aplicados estes princípios, mutatis mutandis, às ações, veremos que no caso específico das tutelas cautelares satisfativas e antecipações de tutela não pode haver fungibilidade.

Esta negativa se torna clara na medida em que o dispositivo do artigo 273 do CPC não deixa margem à dúvidas acerca do descabimento das cautelas satisfativas. Todos os casos em que se pretenda a antecipação de efeitos da própria tutela a ser buscada em processo de conhecimento enquadram-se hoje na antecipação do artigo 273. Qualquer interpretação contrária, sustentando a manutenção das cautelas satisfativas não encontra respaldo lógico ou jurídico de nenhuma espécie e neste caso sustentar-se contra expressa, clara e incontroversa disposição legal é sem dúvida erro grosseiro. Logo estaria afastada a possibilidade de fungibilidade na medida em que se utilizar de pedido cautelar em lugar de antecipação dos efeitos da tutela constituiria insofismável erro grosseiro.

Mas não é somente este obstáculo que se levanta contra a fungibilidade. A possibilidade de obtenção de liminar cautelar inaudita altera parte por via cautelar, possibilitaria uma obtenção de antecipação dos efeitos da tutela liminarmente com os pressupostos da cautela até que eventualmente, dando pelo erro aplica-se o magistrado a fungibilidade para converter cautelar satisfativa em antecipação. Por fim, um último óbice se levanta na aplicação da fungibilidade e este é de fato intransponível. Materializa-se na impossibilidade de conversão de diferentes tutelas entre si. Não se pode pretender a conversão de execução em cautela ou conhecimento; de cautela em conhecimento ou execução e vice versa. Mas então qual é o destino do processo que ingressou indevidamente em juízo. Responderemos no próximo tópico. Porem podemos adiantar que somente uma nova relação processual poderá corrigir a cinca [40].

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Cautelares satisfativas?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -243, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3412. Acesso em: 23 dez. 2024.

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