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Cautelares satisfativas?

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01/11/2002 às 00:00
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Texto que trata da utilização da tutela cautelar como meio anômalo de obtenção da antecipação da tutela antecipatória, da aplicação da fungibilidade entre as tutelas e das conseqüências processuais da indevida invocação da cautela em lugar da antecipação


Sumário: 1- Introdução. 2- As funções jurisdicionais. 3- Fumus boni iuris e periculum in mora. 4- A Liminar Cautelar. 5- A Antecipação dos Efeitos da Tutela. 6- Pressupostos da antecipação dos Efeitos da Tutela. 7- As Cautelar Satisfativas.8- Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória. 9- Subsistem as Cautelares Satisfativas?.10- Fungibilidade?. 11- Cautelar satisfativa e Impossibilidade Jurídica do Pedido. 12- Cautelares Típicas e Atípicas. 13- Panorama após a Lei 10.444. Fungibilidade? 14-Conclusões. 15- Bibliografia. 16. Notas.


1-Introdução

O processo é instrumento. Neste campo, mais do que em qualquer outro tem valia o brocardo "ex facto oritur ius", pois o processo enquanto instrumento, apresenta uma grande, maleabilidade ao contexto em que opera. Não podemos, contudo, olvidar que a norma de processo tem um caráter eminentemente público o que faz com que mesmo nos países que adotam um direito consuetudinário, as normas processuais tendam a adquirir um grau maior de estabilidade sem que isto possa infirmar o que acabamos de dizer acerca da adaptabilidade.

Esta natureza instrumental do processo considerada frente a um sem fim de situações que não encontram respaldo expresso na legislação faz com que o sistema sempre encontre saídas quando se encontra diante de situação não especificamente contemplada. Isto dá origem a remédios anômalos, as vezes aberrantes. Como exemplos podemos citar a utilização do mandado de segurança para conferir efeito suspensivo aos recursos, especialmente ao agravo de instrumento, e a utilização de cautelares satisfativas, o que discrepa frontalmente da função cautelar.

Objetivamos tratar deste último caso, ou seja, das cautelares satisfativas. Se outrora eram toleradas, hoje, ante a reforma do Código de Processo Civil, operada em meados da década passada e que instituiu a antecipação de tutela (rectius: dos efeitos da tutela), não se nos parece lícita a utilização de tal expediente. No entanto, vemos todos os dias ingressarem em juízo, ainda hoje, cautelares de cunho nitidamente satisfativo, espaço este que deveria estar sendo ocupado pela antecipação dos efeitos da tutela, prevista no artigo 273 do CPC.

A gravidade do problema é percebida mais claramente quando observamos que os requisitos para a obtenção da antecipação dos efeitos da tutela no processo de conhecimento são mais rígidos do que o juízo de mera verossimilhança requerido pela tutela cautelar. Logo, a utilização da cautelar satisfativa, implica, em última, análise, burla à lei. Não bastasse isto, há que notar que o processo de inspiração romano-canônica prestigia o valor da certeza, consequentemente os efeitos da tutela pretendida só podem ser outorgados após cognição plena e exauriente, significando dizer em profundidade e em extensão. A cautelar por seu turno, representa uma forma de sumarização por excelência, portanto uma forma de tutela incompatível com a antecipação de efeitos correspondentes aos buscados no processo acautelado. A subsistência da possibilidade de cautealres satisfativas é o nosso objeto de análise.


2- As funções jurisdicionais

O processo moderno estrutura-se em três distintas funções: conhecimento, cautela e execução. Não são estanques. Assim é que no processo de conhecimento, acolhida a classificação de Pontes de Miranda [1], temos sentenças excecutivas e mandamentais que prescindem de processo autônomo. Por outro lado, no processo de execução há incidentes tipicamente cautelares como o arresto, dito por Araken de Assis pré-penhora [2].

Nem sempre foi assim. A própria função cautelar é de construção dogmática recente. Surgiu da verificação de que a demora do trâmite processual poderia implicaria inutilidade da tutela pretendida. Com o advento do Estado Democrático Social de Direito, que preocupa-se em produzir uma tutela jurisdicional eficaz, efetiva, é bem de ver que o processo cautelar ganha maior importância.

Cumpre perpassarmos perfunctoriamente as três espécies de tutela para bem apreendermos algumas noções que nos serão úteis. O processo de conhecimento tem por base a cognição, o acertamento. Partimos de uma situação de incerteza que clama pela aplicação do Direito. Grosso modo, visa-se conhecer do caso e determinar a existência ou não de um direito subjetivo. O nosso processo está fundado sobre a doutrina de Carnelutti que se baseia na noção do litígio como o conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida [3]. Esta doutrina, dominante nos ordenamentos processuais de inspiração romano-canônica, faz com que o processo de conhecimento incida sempre sobre uma situação litigiosa. Acolhida a classificação de Pontes de Miranda, são identificáveis cinco eficácias sentenciais dentro do processo de conhecimento: declaratória, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental. Esta classificação, contudo passa longe de ser unanimidade dentro da processualística pátria, pois uma gama de autores bastante significativa considera que as eficácias mandamentais e executivas lato sensu nada mais são do que desdobramentos da eficácia condenatória. As eficácias mandamentais e executivas realmente muito se aproximam da condenação na medida em que impõe um comportamento positivo ou negativo, Diferenciam-se porque prescindem de outro processo( de execução) para fazer valer concretamente o comando da sentença, logo não há a formação de um titulo excutivo, como ocorre na condenação, não se podendo falar, da mesma forma, em uma execução forçada nos termos preconizados no livro II do CPC. Entre elas a diferença reside no fato de que se fala em sentença mandamental quando a ordem é dirigida a uma autoridade, como ocorre no mandado de segurança, ao passo que a sentença executiva volta-se a qualquer um que não detenha a qualidade de autoridade ou gente público, ou que o sendo, não esteja respondendo a este título. Exemplo típico destas últimas temos nas ações possessórias e nas ações de despejo. As sentenças declaratórias, ou também ditas declarativas, caracterizam-se pela declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, e, excepcionalmente de fato, neste último caso especificamente se referindo à declaração da falsidade de documento ( CPC, art. 4, inc. II). As sentenças declaratórias operam efeitos ex nunc, retroagindo no tempo, em ralação à data em que foram prolatadas, para atingir situações passadas cujo suporte fático irá dizer composto ou não. Nada há a executar nas sentenças declaratórias, mas já se alvitrou em doutrina que haveria imanente nesta espécie um comando dirigidos erga omnes o qual implicaria um dever de respeito e abriria caminho à providência tendentes a fazer observar este respeito. Tal posição é por demais forçada e não merece acolhida.

Respeito toda a sentença e todo o provimento jurisdicional merecem, operando-se erga omnes [4], e isto não deve ser confundido com a coisa julgada, que diz com a possibilidade de rediscussão entre outros que não foram partes no processo. Mas a sentença declaratória não acatada na verdade dará margem a um processo condenatório em obrigação de fazer ou de não fazer, não operando, per se stante, ação concreta capaz de caracterizar-se como execução de sentença. A sentença condenatória, por seu turno, acresce à declaração um "plus", um "quid" representado pela sanção, pela precetação, a qual declarando existente uma obrigação, abre, em caso de descumprimento por parte do devedor, a via da execução força, dita execução aparelhada, ao autor [5]. A movimentação do Estado-Juiz para cumprir a sanção insculpida no comando da sentença faz-se às instâncias do interessado, titular do direito reconhecido, ou a quem a lei atribua legitimidade. Há uma exceção ao princípio "nemo judice sine actore" no Direito do Trabalho em que a execução pode ser iniciada de ofício. Nos demais casos, cabe ao interessado dar inicio a uma nova relação processual, distinta, portanto, da primeira, representada pelo processo de execução, no bojo do qual a sanção se tornará efetivamente operativa.

Costuma-se dizer, e a doutrina o faz quase que unissonamente, que a sentença condenatória opera com efeitos ex tunc. Isto está errado. A nosso ver há que se separar a eficácia declaratória, que toda a sentença de condenação traz, da eficácia condenatória. Se a principal característica da condenação reside na constituição do titulo executivo, possibilitando a execução forçada, é bem de ver que tal só ocorre à partir da sentença e dali para frente. O que retroage é a eficácia declaratória que diz existente uma obrigação anterior à sentença, no entanto o efeito condenatório não vai até lá, passado, para criar um título e lhe atribuir executuvidade desde então. Esta não existe ex ante, senão após a sentença, embora atingindo a obrigação que é anterior e cuja existência é atestada pela própria sentença condenatória. Sempre que houver improcedência de um pedido condenatório, a sentença toma feição de declaratória negativa

As sentenças constitutivas se caracterizam por criar, modificar ou extinguir relações jurídicas. Quando extinguem relações jurídicas são ditas constitutivas negativas ou desconstitutivas [6]. Casos típicos de sentenças constitutivas são as proferidas em ações de separação e divórcio e todas as ações anulatórias, quando julgadas procedentes. Quase sempre sentenças constitutivas têm vida em ações nas quais o resultado só pode ser obtido por via jurisdicional quando são sentenças "constitutivas necessárias". O efeito constitutivo, ou desconstitutivo, opera ex nunc, asssim como nas sentenças mandamentais e executivas, pois que só então opera-se no mundo jurídico os efeitos do comando sentencial.

Feita esta diferenciação, cumpre frisar que não existem sentenças puras em que se verifique somente uma eficácia. Como apontou Pontes de Miranda, quase sempre as sentenças têm ínsitas todas as eficácias. Construiu a partir desta premissa a classificação "quinária de constante quinze", pela qual são atribuídos valores de um a cinco para cada eficácia e cuja soma será sempre quinze, havendo sempre uma eficácia preponderante [7]. Assim sendo, as sentenças condenatórias teriam condenação cinco, declaratividade quatro, constitutividade três e assim por diante. Mas neste ponto concordamos com Ovídio Baptista da Silva quando afirma que embora seja verdade que nenhuma sentença seja pura, por outro lado não se pode dizer que estejam sempre presentes todas as eficácias. O usual é que estejam presentes sempre mais de uma eficácia, mas nem sempre todas elas, a não ser que se queira achar coisas onde não existem através de interpretações forçadas.

O processo de execução parte da premissa de um título executivo judicial ou extra judicial. A atividade preponderante nesta espécie de tutela não é cognitiva, mas satisfativa, tanto assim que Carnelutti falava no processo de conhecimento como sendo um processo de pretensão resistida, enquanto o processo de execução seria um processo de pretensão insatisfeita. Mas é erro afirmar-se que no processo de execução não exista cognição. Aliás o sentido de cognição, ligando-se ao de instrução, não é restrito a forma alguma de tutela com exclusivismo. O que se pode dizer é que no processo de execução não há lugar para uma cognição exauriente e que a cognição que nele se realiza não é a finalidade do processo, mas instrumento para que se cumpra sua finalidade. Explica-se a asserção mencionando-se que a atividade cognitiva está presente, exempli gratia, no recebimento da inicial. Neste momento, o magistrado irá ver se diante de si encontra-se um título judicial. Não irá, por certo, aprofundar-se na atividade investigativa, mas também não pode negligenciar na verificação de pressupostos processuais e condições da ação, e isto é cognição. Vê-se que a cognição não é a finalidade última deste espécie de tutela, mas é imprescindível a que o processo tenha seguimento.

Há, ainda, uma série de incidentes que podem eventualmente aparecer no próprio processo de execução. Recentemente ganhou corpo a utilização das exceções de pré-executividade, que na verdade já haviam sido referidas por Pontes de Miranda [8] pelo menos umas quatro décadas. As exceções de pré-executividade representam clara exceção ao princípio de que não haveria lugar para discussão acerca da execução senão em sede de embargos, que são, como sabido, uma ação incidental, porem de conteúdo autônomo e de eficácia desconstitutiva ou constitutiva negativa. Tem se dado uma amplitude exagerada ao âmbito de questões que podem ser veiculadas por via desta forma de oposição. Na verdade, uma vez que o processo de execução parte de um título executivo que goza de presunção "iuris tantum" de liquidez, exigibilidade, e certeza e que e via natural de oposição ao processo de execução é a ação de embargos, torna-se evidente que a matéria veiculada nas exceções da pré-executividade só pode versar matéria que poderia ser conhecida de ofício, em especial a referente aos pressupostos processuais e condições da ação. Caso contrário, estaríamos admitindo uma oposição com força de embargos no que diz respeito á possibilidade de elidir a ação executiva sem que, no entanto, houvesse necessidade de garantia do juízo pela penhora.

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O processo de execução, como dissemos, é marcado por atividades satisfativas. Tais atividades manifestam-se por atos de agressão patrimonial buscando obter no patrimônio do devedor a satisfação da obrigação que deixou de cumprir, e que se encontra encartada em título executivo. O título executivo pode ser representado por sentença judicial, cível ou penal, ou por documento a que a lei atribua executividade. A diferença entra ambas as execuções reside na matéria veiculável no embargos, que no caso de título extrajudicial é mais ampla, haja vista o fato de não passado pelo crivo do poder judiciário. Como estamos diante de uma demanda satisfativa, a participação do executado é absolutamente dispensável o que não significa dizer que foram abolidos o contraditório e a ampla defesa. Por não ser a cognição a finalidade do processo de execução, a sentença nele proferida não tem o cunho de uma sentença de mérito, mas tem por finalidade tão somente declarar findo o processo. Aliter no processo de embargos, que é um processo de conhecimento. Contudo, a apelação interposta nos embargos não tem efeito suspensivo e julgados improcedentes, segue a execução em caráter definitivo.

O processo cautelar aparece como um tertium genus [9] que serve aos processo de execução e cautelar. O escopo do processo cautelar é o resguardo da eficácia da sentença a ser proferida em processo de execução ou das atividades satisfativas levadas a termo na execução. Tendo uma função assecurativa, não se presta o processo cautelar para a tentativa de obtenção de resultado equivalente ao pretendido no processo acautelado porque a cautela se presta a assegurar a eficácia do processo e não o direito material parte diretamente [10]. Este último só indiretamente é ressalvado. Da mesma forma, havendo uma função eminetemente garantiva, o processo cautelar dá vida a provimentos essencialmente provisórios e temporários pois que, estando a cautela umbilicalmente ligada a um processo principal, sua subsistência está condicionada á permanência da necessidade de segurança daquele. A aqui surge o problema da ausência de um processo a acautelar, como ocorre nas vistorias "ad prepetuam rei memoriam". A doutrina nacional, ligada a doutrina de Carnelutti, centrada na lide, não considera verdadeiras cautelares aquelas em que não haja lide. Todos os casos que figuram no livro III do CPC mas nos quais não se vislumbra lide são considerados casos de "cautelares administrativas" e portanto excluídos do exercício de jurisdição. Esta visão denota um apego a um processo privatista, próprio de um Liberal -iluminista e dos primórdios da ciência processual do século XIX. A moderna teoria processual busca se coadunar aos princípios de um Estado Social através da corrente instrumentalista [11]. A visão ortodoxa do processo está centrada sobre a noção de "ação", a visão vanguardista, ao revés, utiliza como centro de gravidade a jurisdição, o que demonstra uma tendência publicizante do processo.

O mesmo influxo publicizante se faz sentir sobre o processo que, para a doutrina tradicional, só existe frente á lide, caso contrário o que há é procedimento. Para a doutrina de vanguarda, processo existe desde que há procedimento animado pelo contraditório, logo existe processo mesmo em âmbito administrativo [12]. Nos filiamos a esta corrente pois acreditamos que o processo não se pode desvincular do modelo de Estado que se lhe dá aplicação. Para se verificar a unidade de processo e procedimento, formando na verdade um a só realidade, basta ver que os princípios atilados para o processo aplicam-se obrigatoriamente nos ditos "procedimentos". Formação de coisa julgada e lide não podem ser elementos para identificação do que seja processo e estabelecer uma distinção que não existe no plano ôntico.

Por isso achamos que ainda naqueles casos em que não exista um processo a acautelar em vista de ser proposto, há verdadeiras cautelares, e não cautelares administrativas, porque há exercício de jurisdição sempre que o Poder Judiciário aplica o Direito ao caso concreto, desde que não seja em atividade de administração de seus próprios serviços.

Obviamente não há formação de coisa julgada material no processo cautelar devido a sua função de instrumentalização de outro processo ou de uma situação dinâmica, e de sua natureza acautelatória, Cessado o motivo, deixa de existir a necessidade de manutenção do efeito cautelar. Interessa-nos mais de perto a possibilidade ou não de obtenção de efeitos idênticos aos almejados no processo principal acautelado, o que vem a ser o móvel da discórdia. Antes, porém, façamos uma análise da espécie de cognição realizada no bojo do processo cautelar.


3- Fumus Boni Iuris e Periculum in Mora

O fumus boni iuris e o periculum in mora são comumente ditos pressupostos da cautela. Isto é um erro. Somente a utilização de um sentido não técnico ao vocábulo pressupostos ou requisitos podem ser acarretar esta associação. O periculum in mora e o fumus boni iuris são elementos do mérito da cautela. Antes de tratarmos deles, vejamos a espécie de cognição levada a efeito na cautela. A cognição levada a cabo no âmbito do processo cautelar, ao contrário do que ocorre no processo de conhecimento, não se baseia em um juízo de certeza, mas em um juízo de verossimilhança, portanto perfunctório, superficial. Aqui cabe distinguir a cognição exauriente da cognição sumária. A cognição dentro do processo pode sofrer limitações em profundidade (vertical) ou em extensão ( horizontal). No primeiro caso pode ser exauriente ou sumária. No segundo plena ou parcial. Quando tratamos de cognição parcial, temos diante de nós um caso em que há uma limitação quanto às questões que serão apreciadas e que estão envoltas na lide. Mas aquelas que forem apreciadas o serão através de uma cognição aprofundada ou seja mediante uma investigação de um suporte probatório produzido com ou sem limitações sem limitações quanto à matéria. Permitir-se-á a produção plena de provas e o juiz conhecerá delas sem limitações, emitindo, a fim e ao cabo, um juízo de certeza, que corresponde a uma situação de máximo convencimento acerca das soluções dadas às questões que lhe foram submetidas, apto a formar coisa julgada(cognição exauriente), ou ao contrário teremos em relação a estas questões uma cognição sumária(limitação em sentido vertical). Mas enfim, só algumas questões serão tratadas frente ao todo da demanda. Exemplo temos nas ações possessórias, em que só a posse está em questão, abstraindo-se juízos acerca da propriedade. Assim também nas ações de divórcio conversão, em que a lei expressamente limita as questões a serrem tratadas. A cognição plena, a contrario sensu, abrange a totalidade de questões que compõe a demanda, sendo o modelo de cognição tipo do processo de conhecimento de rito ordinário.

Quando falamos de limitações quanto à profundidade não estamos nos referindo às questões da matéria objeto do processo, mas sim a limite na atividade investigativa que será realiza frente a cada qual das questões. Não há exclusão de nenhum questão, entendida questão como o ponto de fato ou de direito controvertido. Mas quando da investigação realizada no material objeto de análise, está será realizada de forma superficial, perfunctória, não aprofundada, ou ao contrário será aprofundada e ilimitada, dando ensanchas respectivamente a juízos de verosimilhança ou de certeza. O convencimento, em uma e outra situação, varia de intensidade, indo da probabilidade à certeza.

Vale notar. Como já referimos, que são possíveis combinações de cognição sumária plena, sumária parcial; exauriente parcial e exauriente plena. No processo cautelar, em regra temos cognição sumária plena, com limitação em profundidade, não em extensão. No processo cautelar, temos uma cognição sumária e via de regra plena. Logo a limitação é no sentido vertical, não horizontal. Conhece-se a íntegra das questões da demanda cautelar sem contudo que tal conhecimento seja em profundidade.

Visto este aspecto, estamos prontos a lançar algumas luzes acerca do fumus boni iuris e do periculum in mora. Fumus boni iuris, literalmente fumaça do bom direito, diz respeito à verossimilhança do direito acautelado. Faz referência à plausibiliade [13] do direito que se quer acautelar, levando-se em conta regras de lógica, máximas da experiência e o direito posto [14]. A aferição tomará em linha de conta o direto "in statu assertionis" [15]com referência a uma hipótese concreta, ou seja tomando os dados do caso concreto e não uma situação completamente abstrata. É preciso grande atenção neste ponto porque o fumus boni iuris não se refere, como pode parecer ao observador menos atento, aos fundamentos da cautela, representados pela situação de risco e pala necessidade de intervenção preventiva do judiciário. A referência ao direito acautelado se faz necessária porque não seria legítima a concessão de proteção a um direito que, ainda sob a forma de mera pretensão, se afigura inadmissível frente ao ordenamento. Assim sendo, se me irrogo a condição de credor para pedir arresto ou sequestro, tenho que fazer menção a uma obrigação com os requisitos que a lei imprime para a concessão do sequestro. É sobre este direito material, que será objeto da ação acautelada, ou que constitui a situação sobre a qual incide a cautela, que se refere a fumaça do bom direto, que se caracteriza pela viabilidade dele frente ao ordenamento.

Já no periculum in mora encontram-se a situação de risco que demanda a cautela associada ao perigo de demora em obtenção de uma tutela através do processo de conhecimento ou de execução. Na situação de um sequestro com a qual trabalhamos anteriormente, teríamos verbi gratia a alienação do patrimônio pelo devedor e o risco de que a execução não alcance seu desiderato devido á demora da penhora. Também poderíamos citar o exemplo de ação reipersecutória em que a permanência do bem em mãos de uma das partes pode representar risco de perecimento. Neste caso, pode ser pedida o depósito do bem, se houver risco em decorrência da demora. Dentro do periculum in mora identificamos, portanto, duas situações, uma representando um evento, ato ou fato jurídico que pode por em risco o bem da vida pretendido; outra representado pelo fator temporal e que se materializa na premência de intervenção posto que a via ordinária do processo de execução ou de conhecimento não será suficientemente célere para impedir a consumação do risco. Aqui, no periculum in mora, iremos encontrar a invocação dos dispositivos pertinentes e constantes do livro de processo cautelar, que representaram o fundamento legal da tutela. O fundamento de fato é composto pelos fatores já mencionados do provável evento danoso e da premência temporal.

Agregados a fumaça do bom direito e o perigo na demora, literalmente traduzidos, correspondendo ao direito acautelado (fumus boni iuris), à situação danosa provável e ao perigo da demora (periculum in mora), a cautelar poderá ter acolhida, julgando-se-lhe o mérito.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Cautelares satisfativas?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -243, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3412. Acesso em: 22 dez. 2024.

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