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Cautelares satisfativas?

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01/11/2002 às 00:00
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4- A Liminar Cautelar

Mas o processo cautelar admite também a tutela liminar. Costuma-se ligar a liminar ao provimento antecipatório proferido ab initio no processo, mesmo porque in limine equivale a dizer ao pórtico, no inicio. Mas não é tão simples. Primeiramente há que se observar que a liminar representa sempre a antecipação dos efeitos pretendidos no processo em que é proferida [16]. Logo, a liminar cautelar antecipa os efeitos da tutela cautelar pretendida. A antecipação de tutela prevista no artigo 273 do CPC antecipa os efeitos da tutela de conhecimento pretendida: a liminar em mandado de segurança a eficácia mandamental que lhe é inerente e assim por diante. Mas nem sempre a liminar é concedida no pórtico do processo, podendo ocorrer até mesmo na fase recursal. Conceder liminar é antecipar. Mas antecipar a que? Ora antecipar ao momento em que o procedimento reconhece como o normal para o pronunciamento acerca daquela questão que se vê antecipado. Deste modo, é liminar o provimento decisório que concedesse os efeitos pretendidos pouco antes da sentença definitiva mesmo que o processo já esteja tramitando a muito tempo. Da mesma forma, provimento liminares podem ocorrer em sede recursal, obviamente dirigidos ao tribunal competente e não mais ao juízo a quo. Mas como o recurso, na opinião dominante (e correta) não instaura um novo processo, o provimento que antecipa efeitos da tutela recursal pretendida é denominado liminar. Exemplo é a concessão de efeito suspensivo a recursos que não o tem a teor do artigo 558 do CPC.

A liminar cautelar apresenta, no entanto peculiaridades. Isto ocorre porque a cautelar já é ela própria uma medida preventiva e isto implica requisito diferente à concessão das liminares em geral. Geralmente, a concessão de liminar esta arrimada na presença de fumus boni iuris e periculum in mora. Porém, no caso das cautelares, apreciar estes elementos equivale a julgar-lhes o mérito. Se para concessão da liminar cautelar fossem estes os seus requisitos, estaríamos frente a um julgamento de mérito posto que a cognição da cautelar já é sumária. Daí que para a concessão da liminar cautelar o requisito reside na possibilidade de que o réu citado possa tornar ineficaz o provimento. Nota-se que a liminar cautelar, além de representar uma antecipação de efeitos da tutela pretendida, ainda traz como característica marcante uma postergação do contraditório, o que não ocorrerá necessariamente nas demais liminares.

Tal se dessume da dicção do artigo 804 do CPC; "É lícito ao juiz conceder liminarmente, ou após justificação prévia sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz, caso em que poderá determinar que o requerente preste caução, real ou fidejussória, de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer". É visível a impropriedade de falar em "liminarmente ou após justificação". Não é pela existência de justificação que o provimento deixa de ser liminar, e se o legislador descurou-se disto foi por tomar o termo liminar naquela acepção a que fizemos referência, ou seja, de provimento ao pórtico do processo. De qualquer forma, nota-se que conceder liminar cautelar é conceder provimento sem ouvida do réu. A justificação a que se faz menção é a do requerente. Chamar o requerido à justificação equivaleria a citá-lo para responder á própria cautelar, pois o tempo de reposta é exíguo e a matéria versada na justificação seria tout court a mesma discutida no mérito. Vejamos as manifestações doutrinárias a respeito.

Pontes de Miranda afirma:"A lei permite, excepcionalmente, que se defira o pedido de medida cautelar nom audita altera parte. Não dispensou afirmação e prova de motivo.; não dispensou, portanto, o elemento de convicção. se a medida, ouvida a outra parte, se tornaria ineficiente, tem ele por si o artigo 804. A velha praxe satisfazia-se com a prova documental com o que os juristas chamavam ‘justificação prévia’, ouvidas as testemunhas que mais pudessem dar prova dos motivos, da urgência e do segredo da medida. Não se desatenda a que a lei supõe cognição incompleta, sim, mas em todo o caso cognição. Não lhe apraz prodigar medidas cautelares. Naturalmente, o artigo 131 tem aí larga aplicação. A prova varia conforme a natureza da causa, e elemento, que na causa principal ou no processo subsequente não bastariam, possuem valor que o juiz lhes reconheça, segundo os princípios. O que pede tem ônus de afirmar e provar, ainda que possa o juiz levar em conta fatos e circunstâncias constantes dos autos, embora não alegadas pela parte." [17]

Para Galeno Lacerda:"O juiz não pode conceder segurança prévia nas cautelares jurisdicionais, se inexistentes os pressupostos da própria cautela. Assim, se impossível esta porque a lei não a permite, se ilegítima as partes para a causa, ou se não houver interesse específico resultante do periculum in mora, ou se se apresentar duvidoso o fumus boni iurus. As liminares, como antecipação provisória da sentença cautelar somente cabem na cautela jurisdicional, antecedente ou incidente. Decretam-se sem audiência do réu, antes da citação, quando o juiz, pela exposição dos fatos, documentos produzidos, justificação exigida, ou demais elementos chegar à convicção de que, com a citação, poderá o demandado tornar ineficaz a medida, pela alienação, subtração ou destruição do respectivo objeto, ou por qualquer outro meio de oposição direta ou indireta à providência, capaz de causar dano à parte" [18]

Ernane Fidélis dos Santos leciona que: "O juiz pode conceder liminarmente a medida cautelar, com ou sem justificação. Portanto, poderá ouvir o requerido, mas se houver suspeita de que, com a citação antecedente, seja de antecipação da medida, seja para que o citado acompanhe a justificação, possa ela tornar-se ineficaz, ao juiz é permitido deferir a cautela, dispensando o contraditório nesta fase" [19]

Barbosa Moreira, de seu turno, opina que: "Alude o art. 804 à possibilidade de que o réu, sendo citado, torne ineficaz a providência; mas deve entender-se que a concessão liminar se legitima sempre que, nas circunstâncias, se mostra necessária para preservar o suposto direito ameaçado quer parte do réu, quer não a ameaça, configurável até em fato da natureza." [20]

     Humberto Theodoro Júnior é da opinião seguinte: "As medidas cautelares representam, quase sempre, restrições de direito e imposição de deveres extraordinários ao requerido. Reclamam, por isso, demonstração, ainda que sumária, dos requisitos legais previstos para a providência restritiva excepcional que tendem a concretizar, requisitos esses que devem ser apurados em contraditório segundo princípio geral que norteia todo o espírito do Código. Muitas vezes, porém, a audiência da parte contrária levaria a frustrar a finalidade da própria tutela preventiva, pois daria ensejo ao litigante de má-fé justamente a acelerar a realização do ato temido em detrimento dos interesses em risco. Atento à finalidade preventiva do processo cautelar, o Código permite ao juiz conceder a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz(Art. 804). Essas medidas excepcionais podem ser autorizadas, tanto na ação cautelar incidente como na precedente e não dispensam a demonstração sumária dos pressupostos necessários para a tutela preventiva" [21].

     Ovídio Baptista da Silva faz uma procedente crítica ao descaso com que a matéria é tratada: " Aqui também os abusos que ase cometem na prática forense são enormes.Os juizes não só não justificam suas liminares como nem mesmo investiam a existência deste requisito, e nem os requerentes de liminares se preocupam seriamente com a demonstração do risco de frustração da medida decorrente da citação do demandado." [22]

Como se pode observar, somente a manifestação de Ernane Fidélis do Santos discrepa da opinião que esposamos. Mais adiante se verá o grave problema que surge da utilização de liminar em cautelares satisfativas. O que deve ser apreendido pelo leitor é que a liminar cautelar toma contornos e feições diferenciadas exatamente pela natureza da tutela cautelar que já é, ela própria, preventiva. A liminar é, consequentemente, prevenção dentro da prevenção, e só se justifica quando houver demonstração de que a citação do requerido implicará provável possibilidade de que tome providência para inutilizar o provimento de mérito. Pensar-se diferente implica conceder ao decisum acerca da liminar conteúdo equivalente ao proferido na decisão final de mérito, pois no processo cautelar o prazo de resposta é extremamente curto e o acompanhamento de justificação, ou a reposta á liminar fora da própria contestação, seria o mesmo que contestar o próprio mérito.

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5- A Antecipação dos Efeitos da Tutela.

Não se pode falar na antecipação prevista no artigo 273 do CPC sem antes se fazer menção à correta observação de Ovídio Baptista da Silva que nos demonstra que os que se antecipa são os efeitos da tutela [23]. No mesmo diapasão certifica Teori Albino Zawascki, verbis: "O que se antecipa não é propriamente a certificação do direito, nem a constituição e tampouco a condenação porventura pretendidas como tutela definitiva. Antecipa-se, isto sim, os efeitos executivos daquela tutela". Destarte, não é a sentença que é antecipada, mas sim efeitos dela, não todos, mas somente alguns, os necessários para que sejam evitadas as circunstâncias elencadas no dispositivo perigo de dano irreparável ou de difícil reparação e abuso do direito de defesa.

A ratio assendi do novel, agora não tão novel assim, dispositivo, introduzido pela Lei 8.952/94 é atentar para o tempo como elemento fundamental do processo. Já lembra o alvitre de Luis Guilherme Marinoni que assim como a técnica processual se utiliza do ônus probandi para buscar o equilíbrio entre as partes, também o tempo deve ser sopesado como elemento a ser utilizado para romper o desequilíbrio entre as partes, imputando-se os seus efeitos ao réu que evidentemente não tem razão. De fato, o modo como está estruturado nosso processo, e os sistemas processuais ocidentais de origem romano-canônica de um modo geral, prestigia o valor da certeza em detrimento da celeridade. De certo modo, esta circunstância se deve em muito à filosofia Liberal -Iluminista, para a qual a segurança seria um fator extremamente desejável para os negócios. Isto se explica quando observamos que o modelo econômico do Estado Iluminista se fundamenta na economia de mercado. Sem segurança o funcionamento do modelo econômico estaria comprometido.

Este fator, associado à retomada dos modelos romanos levada a termo pela pandectística aparecem como fatores de causação de um processo que prestigia a segurança ( a actio) e só excepcionalmente as tutelas sumárias ou injuncionais (interdictum). Assim como em Roma a actio, modelo de tutela ordinária, suplantou o interdictum do praetor, modelo de tutela sumária, também o processo moderno se viu compelido à observância deste modelo.

Ocorre que este modelo de Estado veio cedendo no transcurso de século passado ao Estado Social de Direito. Especificamente no campo jurisdicional, a característica marcante do novo modelo de Estado, e que é o compromisso de tornar efetivos os direitos, transcedendo de uma perspectiva formal para uma concreta, material, faz-se sentir na tentativa de tornar a tutela jurisdicional efetiva, produzindo realmente a satisfação daqueles que têm às portas do judiciário. Trata-se de observar o fenômeno jurisdicional sob a ótica do consumidor da jurisdição. Para o Estado Social, não basta construir um sistema formalmente apto a corresponder às expectativas dos jurisdicionados. É preciso que o processo esteja realmente propiciando uma correta aplicação da lei. Mas nosso atual processo ainda está muito apegado a uma doutrina construída sob os auspícios da filosofia liberal, do modelo de Estado-liberal e de Jurisdição que ele preconiza. A ação está ao centro de nossa teoria processual que possui uma perspectiva irrefragavelmente privatista. Cedo ou tarde haveria de irromper um conflito entre a realidade sócio-política e o processo. Basta vermos que hoje há direitos coletivos, trans-individuais, difusos, que rompem com o esquema tradcional do processo e tornam a noção de lide inútil, pois não há um titular certo para a "pretensão resitida". Ao nosso atual CPC, com a redação que possuía antes da reforma processual, por outro lado, não pode ser lançada a pecha de uma total cegueira aos novos tempos. Há sem dúvida inúmeros dispositivos que se coadunam perfeitamente à nova teria processual. Mas sem dúvida carecia de uma reforma. E isto foi feito em meados da década de noventa através de um movimento capitaneado pelos Ministros do STJ Athos de Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, tendo-se então, introduzido a antecipação dos efeitos da tutela como medida de, rompendo com o esquema tradicional da ordinariedade e da segurança, prestigiar a celeridade e principalmente a efetividade, que é a pedra de toque da jurisdição de um Estado Social.

Há, é certo e não se pode negar, um conflito de valores constitucionais. Segurança e efetividade se opõe. De um lado o inc. XXXV do artigo 5º da CF/88. de outro o inc. LV do mesmo artigo, ou, traduzindo o direito do autor a uma tutela efetiva e o direito do réu a uma ampla defesa. Na verdade os conflitos de valores constitucionais não são novidade dentro do texto das constituições. O problema, in casu, é que estamos diante de valores de igual envergadura e não houve no texto da Constituição indício de opção por um ou por outro, e um deles tem que ceder. Qual? O momento indicará aquele mais consentâneo à realidade. Se nos parece que no momento caminha-se para prestigiar-se a efetividade e a celeridade em detrimento da certeza o que aliás pode ser visto não só aqui como em ouras nações que adotam o mesmo modelo jurídico, cujo exemplo mais gritante é a Itália, onde ma reforma no início dos anos noventa procurou introduzir tutelas injuncionais e execução imediata a algumas espécies de sentenças, dentre ouras medidas, na busca de celeridade.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Cautelares satisfativas?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -243, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3412. Acesso em: 22 dez. 2024.

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