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Cautelares satisfativas?

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01/11/2002 às 00:00
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4- A Liminar Cautelar

Mas o processo cautelar admite também a tutela liminar. Costuma-se ligar a liminar ao provimento antecipatório proferido ab initio no processo, mesmo porque in limine equivale a dizer ao pórtico, no inicio. Mas não é tão simples. Primeiramente há que se observar que a liminar representa sempre a antecipação dos efeitos pretendidos no processo em que é proferida [16]. Logo, a liminar cautelar antecipa os efeitos da tutela cautelar pretendida. A antecipação de tutela prevista no artigo 273 do CPC antecipa os efeitos da tutela de conhecimento pretendida: a liminar em mandado de segurança a eficácia mandamental que lhe é inerente e assim por diante. Mas nem sempre a liminar é concedida no pórtico do processo, podendo ocorrer até mesmo na fase recursal. Conceder liminar é antecipar. Mas antecipar a que? Ora antecipar ao momento em que o procedimento reconhece como o normal para o pronunciamento acerca daquela questão que se vê antecipado. Deste modo, é liminar o provimento decisório que concedesse os efeitos pretendidos pouco antes da sentença definitiva mesmo que o processo já esteja tramitando a muito tempo. Da mesma forma, provimento liminares podem ocorrer em sede recursal, obviamente dirigidos ao tribunal competente e não mais ao juízo a quo. Mas como o recurso, na opinião dominante (e correta) não instaura um novo processo, o provimento que antecipa efeitos da tutela recursal pretendida é denominado liminar. Exemplo é a concessão de efeito suspensivo a recursos que não o tem a teor do artigo 558 do CPC.

A liminar cautelar apresenta, no entanto peculiaridades. Isto ocorre porque a cautelar já é ela própria uma medida preventiva e isto implica requisito diferente à concessão das liminares em geral. Geralmente, a concessão de liminar esta arrimada na presença de fumus boni iuris e periculum in mora. Porém, no caso das cautelares, apreciar estes elementos equivale a julgar-lhes o mérito. Se para concessão da liminar cautelar fossem estes os seus requisitos, estaríamos frente a um julgamento de mérito posto que a cognição da cautelar já é sumária. Daí que para a concessão da liminar cautelar o requisito reside na possibilidade de que o réu citado possa tornar ineficaz o provimento. Nota-se que a liminar cautelar, além de representar uma antecipação de efeitos da tutela pretendida, ainda traz como característica marcante uma postergação do contraditório, o que não ocorrerá necessariamente nas demais liminares.

Tal se dessume da dicção do artigo 804 do CPC; "É lícito ao juiz conceder liminarmente, ou após justificação prévia sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz, caso em que poderá determinar que o requerente preste caução, real ou fidejussória, de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer". É visível a impropriedade de falar em "liminarmente ou após justificação". Não é pela existência de justificação que o provimento deixa de ser liminar, e se o legislador descurou-se disto foi por tomar o termo liminar naquela acepção a que fizemos referência, ou seja, de provimento ao pórtico do processo. De qualquer forma, nota-se que conceder liminar cautelar é conceder provimento sem ouvida do réu. A justificação a que se faz menção é a do requerente. Chamar o requerido à justificação equivaleria a citá-lo para responder á própria cautelar, pois o tempo de reposta é exíguo e a matéria versada na justificação seria tout court a mesma discutida no mérito. Vejamos as manifestações doutrinárias a respeito.

Pontes de Miranda afirma:"A lei permite, excepcionalmente, que se defira o pedido de medida cautelar nom audita altera parte. Não dispensou afirmação e prova de motivo.; não dispensou, portanto, o elemento de convicção. se a medida, ouvida a outra parte, se tornaria ineficiente, tem ele por si o artigo 804. A velha praxe satisfazia-se com a prova documental com o que os juristas chamavam ‘justificação prévia’, ouvidas as testemunhas que mais pudessem dar prova dos motivos, da urgência e do segredo da medida. Não se desatenda a que a lei supõe cognição incompleta, sim, mas em todo o caso cognição. Não lhe apraz prodigar medidas cautelares. Naturalmente, o artigo 131 tem aí larga aplicação. A prova varia conforme a natureza da causa, e elemento, que na causa principal ou no processo subsequente não bastariam, possuem valor que o juiz lhes reconheça, segundo os princípios. O que pede tem ônus de afirmar e provar, ainda que possa o juiz levar em conta fatos e circunstâncias constantes dos autos, embora não alegadas pela parte." [17]

Para Galeno Lacerda:"O juiz não pode conceder segurança prévia nas cautelares jurisdicionais, se inexistentes os pressupostos da própria cautela. Assim, se impossível esta porque a lei não a permite, se ilegítima as partes para a causa, ou se não houver interesse específico resultante do periculum in mora, ou se se apresentar duvidoso o fumus boni iurus. As liminares, como antecipação provisória da sentença cautelar somente cabem na cautela jurisdicional, antecedente ou incidente. Decretam-se sem audiência do réu, antes da citação, quando o juiz, pela exposição dos fatos, documentos produzidos, justificação exigida, ou demais elementos chegar à convicção de que, com a citação, poderá o demandado tornar ineficaz a medida, pela alienação, subtração ou destruição do respectivo objeto, ou por qualquer outro meio de oposição direta ou indireta à providência, capaz de causar dano à parte" [18]

Ernane Fidélis dos Santos leciona que: "O juiz pode conceder liminarmente a medida cautelar, com ou sem justificação. Portanto, poderá ouvir o requerido, mas se houver suspeita de que, com a citação antecedente, seja de antecipação da medida, seja para que o citado acompanhe a justificação, possa ela tornar-se ineficaz, ao juiz é permitido deferir a cautela, dispensando o contraditório nesta fase" [19]

Barbosa Moreira, de seu turno, opina que: "Alude o art. 804 à possibilidade de que o réu, sendo citado, torne ineficaz a providência; mas deve entender-se que a concessão liminar se legitima sempre que, nas circunstâncias, se mostra necessária para preservar o suposto direito ameaçado quer parte do réu, quer não a ameaça, configurável até em fato da natureza." [20]

     Humberto Theodoro Júnior é da opinião seguinte: "As medidas cautelares representam, quase sempre, restrições de direito e imposição de deveres extraordinários ao requerido. Reclamam, por isso, demonstração, ainda que sumária, dos requisitos legais previstos para a providência restritiva excepcional que tendem a concretizar, requisitos esses que devem ser apurados em contraditório segundo princípio geral que norteia todo o espírito do Código. Muitas vezes, porém, a audiência da parte contrária levaria a frustrar a finalidade da própria tutela preventiva, pois daria ensejo ao litigante de má-fé justamente a acelerar a realização do ato temido em detrimento dos interesses em risco. Atento à finalidade preventiva do processo cautelar, o Código permite ao juiz conceder a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz(Art. 804). Essas medidas excepcionais podem ser autorizadas, tanto na ação cautelar incidente como na precedente e não dispensam a demonstração sumária dos pressupostos necessários para a tutela preventiva" [21].

     Ovídio Baptista da Silva faz uma procedente crítica ao descaso com que a matéria é tratada: " Aqui também os abusos que ase cometem na prática forense são enormes.Os juizes não só não justificam suas liminares como nem mesmo investiam a existência deste requisito, e nem os requerentes de liminares se preocupam seriamente com a demonstração do risco de frustração da medida decorrente da citação do demandado." [22]

Como se pode observar, somente a manifestação de Ernane Fidélis do Santos discrepa da opinião que esposamos. Mais adiante se verá o grave problema que surge da utilização de liminar em cautelares satisfativas. O que deve ser apreendido pelo leitor é que a liminar cautelar toma contornos e feições diferenciadas exatamente pela natureza da tutela cautelar que já é, ela própria, preventiva. A liminar é, consequentemente, prevenção dentro da prevenção, e só se justifica quando houver demonstração de que a citação do requerido implicará provável possibilidade de que tome providência para inutilizar o provimento de mérito. Pensar-se diferente implica conceder ao decisum acerca da liminar conteúdo equivalente ao proferido na decisão final de mérito, pois no processo cautelar o prazo de resposta é extremamente curto e o acompanhamento de justificação, ou a reposta á liminar fora da própria contestação, seria o mesmo que contestar o próprio mérito.


5- A Antecipação dos Efeitos da Tutela.

Não se pode falar na antecipação prevista no artigo 273 do CPC sem antes se fazer menção à correta observação de Ovídio Baptista da Silva que nos demonstra que os que se antecipa são os efeitos da tutela [23]. No mesmo diapasão certifica Teori Albino Zawascki, verbis: "O que se antecipa não é propriamente a certificação do direito, nem a constituição e tampouco a condenação porventura pretendidas como tutela definitiva. Antecipa-se, isto sim, os efeitos executivos daquela tutela". Destarte, não é a sentença que é antecipada, mas sim efeitos dela, não todos, mas somente alguns, os necessários para que sejam evitadas as circunstâncias elencadas no dispositivo perigo de dano irreparável ou de difícil reparação e abuso do direito de defesa.

A ratio assendi do novel, agora não tão novel assim, dispositivo, introduzido pela Lei 8.952/94 é atentar para o tempo como elemento fundamental do processo. Já lembra o alvitre de Luis Guilherme Marinoni que assim como a técnica processual se utiliza do ônus probandi para buscar o equilíbrio entre as partes, também o tempo deve ser sopesado como elemento a ser utilizado para romper o desequilíbrio entre as partes, imputando-se os seus efeitos ao réu que evidentemente não tem razão. De fato, o modo como está estruturado nosso processo, e os sistemas processuais ocidentais de origem romano-canônica de um modo geral, prestigia o valor da certeza em detrimento da celeridade. De certo modo, esta circunstância se deve em muito à filosofia Liberal -Iluminista, para a qual a segurança seria um fator extremamente desejável para os negócios. Isto se explica quando observamos que o modelo econômico do Estado Iluminista se fundamenta na economia de mercado. Sem segurança o funcionamento do modelo econômico estaria comprometido.

Este fator, associado à retomada dos modelos romanos levada a termo pela pandectística aparecem como fatores de causação de um processo que prestigia a segurança ( a actio) e só excepcionalmente as tutelas sumárias ou injuncionais (interdictum). Assim como em Roma a actio, modelo de tutela ordinária, suplantou o interdictum do praetor, modelo de tutela sumária, também o processo moderno se viu compelido à observância deste modelo.

Ocorre que este modelo de Estado veio cedendo no transcurso de século passado ao Estado Social de Direito. Especificamente no campo jurisdicional, a característica marcante do novo modelo de Estado, e que é o compromisso de tornar efetivos os direitos, transcedendo de uma perspectiva formal para uma concreta, material, faz-se sentir na tentativa de tornar a tutela jurisdicional efetiva, produzindo realmente a satisfação daqueles que têm às portas do judiciário. Trata-se de observar o fenômeno jurisdicional sob a ótica do consumidor da jurisdição. Para o Estado Social, não basta construir um sistema formalmente apto a corresponder às expectativas dos jurisdicionados. É preciso que o processo esteja realmente propiciando uma correta aplicação da lei. Mas nosso atual processo ainda está muito apegado a uma doutrina construída sob os auspícios da filosofia liberal, do modelo de Estado-liberal e de Jurisdição que ele preconiza. A ação está ao centro de nossa teoria processual que possui uma perspectiva irrefragavelmente privatista. Cedo ou tarde haveria de irromper um conflito entre a realidade sócio-política e o processo. Basta vermos que hoje há direitos coletivos, trans-individuais, difusos, que rompem com o esquema tradcional do processo e tornam a noção de lide inútil, pois não há um titular certo para a "pretensão resitida". Ao nosso atual CPC, com a redação que possuía antes da reforma processual, por outro lado, não pode ser lançada a pecha de uma total cegueira aos novos tempos. Há sem dúvida inúmeros dispositivos que se coadunam perfeitamente à nova teria processual. Mas sem dúvida carecia de uma reforma. E isto foi feito em meados da década de noventa através de um movimento capitaneado pelos Ministros do STJ Athos de Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, tendo-se então, introduzido a antecipação dos efeitos da tutela como medida de, rompendo com o esquema tradicional da ordinariedade e da segurança, prestigiar a celeridade e principalmente a efetividade, que é a pedra de toque da jurisdição de um Estado Social.

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Há, é certo e não se pode negar, um conflito de valores constitucionais. Segurança e efetividade se opõe. De um lado o inc. XXXV do artigo 5º da CF/88. de outro o inc. LV do mesmo artigo, ou, traduzindo o direito do autor a uma tutela efetiva e o direito do réu a uma ampla defesa. Na verdade os conflitos de valores constitucionais não são novidade dentro do texto das constituições. O problema, in casu, é que estamos diante de valores de igual envergadura e não houve no texto da Constituição indício de opção por um ou por outro, e um deles tem que ceder. Qual? O momento indicará aquele mais consentâneo à realidade. Se nos parece que no momento caminha-se para prestigiar-se a efetividade e a celeridade em detrimento da certeza o que aliás pode ser visto não só aqui como em ouras nações que adotam o mesmo modelo jurídico, cujo exemplo mais gritante é a Itália, onde ma reforma no início dos anos noventa procurou introduzir tutelas injuncionais e execução imediata a algumas espécies de sentenças, dentre ouras medidas, na busca de celeridade.


6- Pressupostos da Antecipação dos Efeitos da Tutela

Este é um ponto de capital importância para nossa análise conforme adiante se verá. Não podemos passar adiante em nossa análise sem verificarmos quais são os requisitos da antecipação de tutela, ou seja, em que condições será deferida. Tais elementos encontram-se no artigo 273 do CPC e passaremos a analisá-los doravante. Reza o artigo citado: "Art. 273- O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I- haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II- Fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manisfesto propósito protelatório do réu. § 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento. § 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3º A execução da tutela antecipada observará, no couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588. § 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5º Concedida ou não a antecipação de tutela, prosseguirá o processo até final julgamento"

Primeiro ponto que salta à vista é o de que a antecipação dos efeitos da tutela carece de provocação da parte, a contrario sensu dos provimentos cautelares (não medidas) que podem ser tomados ex offício pelo magistrado com base no poder geral de cautela [24]. A referência à antecipar a tutela pretendida no pedido inicial é equivoca. Como dissemos, não se antecipa a tutela, mas apenas alguns de seus efeitos práticos. Mas o grande diferencial à cautela, sob o ponto de vista dos requisitos, reside na necessidade de prova inequívoca. O juízo de verossimilhança que resulta da prova inequívoca possui um grau de convencimento bem mais consistente que o juízo de mera verossimilhança das cautelares. Prova inequívoca, a rigor, é a prova capaz gerar um juízo de certeza próprio da cognição exauriente [25]. No entanto, a cognição levada a efeito para a antecipação dos efeitos da tutela é sumária. Não haveria aí uma incongruência ao falar-se em prova inequívoca e em juízo de verossimilhança [26]? Não. Pode resultar de uma cognição sumária um juízo de certeza sem problema algum. Sumariedade ou exauriência dizem com a profundidade da investigação levada a termo e não necessariamente com o grau de convencimento equivalente a probabilidade ou certeza. É claro que quase sempre a certeza exsurge de uma cognição exauriente e a verossimilhança, enquanto mera probabilidade, de uma cognição sumária. Mas nem sempre.

Podemos ter uma cognição exauriente da qual resulte mera probabilidade e então o julgamento será de improcedência. Da mesma forma, poderemos ter uma cognição sumária com o resultado de um grau de convencimento equivalente à certeza e neste caso as chances de um julgamento procedente, após uma cognição mais profunda, é muito grande. Mas é preciso que se diga que, conforme visto, a tradição de nosso processo é a de que juízo de certeza apto a conceder um julgamento de procedência só tem cabimento após uma cognição exauriente, entendida como aquela em que há um aprofundamento na investigação e a ampla participação dos contenedores. Por isso, os juízo que resultam de prova inequívoca realizados em cognição sumária não são exatamente equivalentes ao juízo que resulta das mesmas provas realizados em cognição exauriente, embora se pudesse dizer já na cognição sumária, que ao direito pleiteado realmente fazia jus o postulante.

Temos de compreender então a referência simultânea a prova inequívoca da qual só resulta, no entanto, juízo de verosimilhança em vista da espécie de cognição que é sumária. Em geral a prova inequívoca dá suporte a um juízo de certeza. Mas para que isto ocorra é necessária a realização de uma cognição exauriente, ou seja cognição de rito ordinário via de regra, e tal só ocorre após o regular trâmite processual, assegurada a ampla defesa, o contraditório e a produção de material probatório pela parte atingida pela antecipação de tutela. Deste modo, consoante a letra do dispositivo o que temos é um caso de uma cognição sumária que leva em linha de conta prova inequívoca. A diferença entre o juízo daí resultante quanto ao convencimento, e aquele que resultará ao fim do processo está unicamente relacionada ao fato que o juízo resultante ao fim do processo é o culminar de um procedimento de investigação mais aprofundada e em cujo bojo foi plenamente franqueada a participação do réu. Neste juízo de antecipação de efeitos de tutela, sumário, pode até surgir clara a procedência de um eventual juízo final, mas como está prevista uma cognição mais consistente não se pode efetuar o julgamento desde já, reservando-se este para uma fase em que haja cognição exauriente, mesmo que a conclusão a que lá se vai chegar já se saiba será a mesma. Portanto a presença de prova inequívoca gera na consciência do julgador na prática certeza, ou seja, grau de convencimento equivalente ao que teria em cognição exauriente, posto que o direito se apresenta evidente. Mas juridicamente, como está prevista uma cognição exauriente posterior, esta certeza de fato só permite antecipar os efeitos em caráter provisório.

A certeza jurídica, ou seja, aquela que aos olhos do direito é capaz de embasar um julgamento definitivo de mérito só surgirá com a cognição exauriente ainda que se saiba desde já que seu resultado será igual ao obtido na cognição sumária. Conclui-se que o que o dispositivo quer é que em sede de cognição sumária resulte um grau de convencimento equivalente na prática ao que será de ter-se em cognição exauriente haja vista a clarevidência do direito [27].

O que aqui se nota é que na verdade não estamos diante de outra coisa senão do fumus boni iuris, mas aqui não um fumus boni iuris de feição cautelar [28] que tem característica de um juízo perfunctório. Estamos sim, diante de um fumus boni iuris, enquanto juízo, mais consistente porque lá, no processo cautelar, não há necessidade de prova inequívoca e do juízo realizado não resulta certeza nem prática nem de direito. A fumaça de bom direito que resulta de uma prova inequívoca é na pratica equivalente a um juízo de certeza, logo não é uma mera fumaça, mas sim o reconhecimento da materialidade do direito, que só não é juridicamente tratada como tal porque resulta de uma cognição sumária e provisória. Só um direito que se mostre previamente às escancarras é que pode dar margem à antecipação de tutela. Há uma verossimilhança jurídica, mas um a certeza de fato, porque a prova inequívoca demonstra que o resultado do julgamento final será fatalmente o mesmo.

Mas não basta que haja uma certeza de fato que surgiu de um juízo de cognição sumária devido á evidência verificável prima facie do direito pleiteado. Uma vez que estamos presos a tradição romano-canônica, ainda neste caso não se legitima á luz do direito positivo vigente que se subverta o iter a ser percorrido para a concessão definitiva do direito. É preciso que se verifique que há a probabilidade de dano irreparável ou de difícil reparação [29], e note-se bem esta probabilidade deve se revestir da feição de "fundado receio". Logo não basta a mera invocação genérica de dano, sendo necessário que da situação narrada se possa concluir que há um grau grande de probabilidade de que este dano venha a ocorrer e que ele seja irreparável ou de difícil reparação. Alternativamente deve ocorrer hipótese de manifesto propósito protelatório do réu. A bem da verdade o propósito protelatório nada mais é do que uma forma de abuso do direito de defesa. Neste caso estaremos diante de uma situação em que o réu sustenta uma defesa absolutamente descabida, insustentável, inadmissível primu ictu oculi frente ao ordenamento jurídico.

O parágrafo primeiro do dispositivo é uma superfetação inútil, posto que a Constituição já determina, em seu artigo 93, inc. IX, que todas as decisões judiciais deverão ser fundamentadas e decisão mal fundamentada é decisão sem fundamentação. O parágrafo segundo nos traz limitação que diz respeito a reversibilidade dos efeitos. Se houver irreversibilidade dos efeitos não se poderá antecipá-los em que pese a certeza de fato de que o autor tem razão. Adverte Calmon de Passos acerca da concessão de antecipação de tutela em casos de irreversibilidade: "Admitir a antecipação do que será irreversível é transformar em definitiva uma execução que dessa natureza não se pode revestir ou se colocar o executado, dada a falta da caução, sem garantia de ressarcimento" [30] Em outro trecho, o citado autor preleciona que: "O que disciplina o art. 273 do Código de Processo Civil, pelo amor de todos os deuses (invocar um só insuficiente) não significa a permissibilidade de se requerer liminar em todo e qualquer processo e de o juiz concedê-la com generosidade ímpar, convencido de que o réu, no processo, um sujeito indesejável, que põe obstáculos à celeridade da justiça, sua efetividade, sua instrumentalização, sua eficácia decisiva etc." [31]. No mesmo diapasão Cândido Rangel Dinamarco afirma que:" É preciso receber com cuidado o alvitre de Marinoni para quem se legitimaria o sacrifício do direito menos prol da antecipação do exercício ‘de outro que pareça provável’. O direito não tolera o sacrifício de direito algum e o máximo que se pode dizer é que algum risco de lesão pode-se legitimamente admitir. O direito improvável é direito que talvez exista e, se existir, é porque na realidade inexiste aquele que era provável. O monografista fala da coexistência entre princípio da probabilidade e da proporcionalidade, de modo a permitir-se o sacrifício de bem menos valioso em prol do mais valioso. Mesmo com essa atenuante, não deve o juiz correr riscos e, muito menos expor o réu aos males da irreversibilidade, expressamente vetados pela lei vigente(art. 273, parágrafo 2º)" [32].

O parágrafo terceiro manda aplicar a antecipação de tutela as disposições dos inc. II e III do artigo 588 do CPC. Isto faz com que a antecipação fique limitada, não indo até atos que importem alienação de domínio e requerendo-se caução para o levantamento de dinheiro, de um lado e, de outro, determinando o retorno ao status quo ante uma vez que sobrevenha sentença que modifique o conteúdo da decisão antecipatória.

O parágrafo 4º deixa bem clara a natureza provisória da antecipação os efeitos da tutela que pode ser revogada a qualquer tempo. Mais uma vez a inútil referência à necessidade de fundamentação. Por fim o parágrafo 5º determina que concedida ou não a antecipação o processo prosseguirá. O que também era desnecessário dizer pois caso contrário a antecipação se transmutaria em verdadeira sentença definitiva.

Na prática, estas disposições comportam alguns temperamentos. Um dos exemplos mais claros reside na antecipação de efeitos revestidos de irreversibilidade quando esteja em jogo, verbi gratia, a vida do postulante, necessitando de tratamento médico ou medicamento. Nestes casos a confluência de valores superiores em confronto coma letra da lei tem o condão de desbordá-la, elidindo a sua aplicação [33]. É por outro lado interessante observar como a tradição da ordinarização está arraigada em nosso processo. Mesmo ante a insofismável procedência do pedido do autor, a lei não se contenta com a sua prova, requerendo o abuso de direito ou o propósito protelatório, fazendo conscientemente com que o tempo jogue a favor do réu que não tem razão.

O que há de ficar desta nossa análise, em especial, é a maior rigidez dos requisitos da antecipação de efeitos da tutela. Reconhecida que seja a possibilidade de cautelares satisfativas, ou seja, provimentos cautelares que antecipam efeitos da tutela pretendida ( que deveria sê-lo) em processo acautelado, é de se notar que não há, a priori, vedações quanto a irreversibilidade dos efeitos. Tampouco se fala em aplicação dos incisos do artigo 588. Logo, a cautelar satisfativa obtém o mesmo resultado prático da antecipação os efeitos da tutela sem os mesmo óbices.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Cautelares satisfativas?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3412. Acesso em: 26 abr. 2024.

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