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Enriquecimento sem causa

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

1.INTRODUÇÃO

Não há que se negar que diariamente nos defrontamos com situações onde há enriquecimento de uns em detrimento de outros. E, esses casos merecem um reparo jurídico. Para tanto, o legislador, ao elaborar o Código Civil, estabeleceu que todo aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir. O pagamento indevido é assunto tratado no Código Civil de 1916, no Título II – Dos efeitos das obrigações –, Capítulo II, Seção VII (arts. 964 a 971), com o seguinte teor:

Art. 964 - Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir. A mesma obrigação incumbe ao que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.

Art. 965 - Ao que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro.

Art. 966 - Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto nos Arts. 510 a 519.

Art. 967 - Se, aquele, que indevidamente recebeu um imóvel, o tiver alienado, deve assistir o proprietário na retificação do registro, nos termos do Art. 860.

Art. 968 - Se, aquele, que indevidamente recebeu um imóvel, o tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pelo preço recebido; mas, se obrou de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos.

Parágrafo único - Se o imóvel se alheou por título gratuito, ou se, alheando-se por título oneroso, obrou de má-fé o terceiro adquirente, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação.

Art. 969 - Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o por conta de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a ação ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas o que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador.

Art. 970 - Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação natural.

Art. 971 - Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei.

Esse Código, no entanto, não trata expressamente do enriquecimento sem causa, assunto que vem inserido no novo Código Civil (Lei 10.406/2002), juntamente com o pagamento indevido, dispostos no Título VII – Dos atos unilaterais –, Capítulo III (arts. 876 a 883) e Capítulo IV (arts. 884 a 886), respectivamente. Segue teor dos artigos, consoante novo Código:

Art. 876 - Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.

Art. 877 – Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro.

Art. 878 - Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto neste Código sobre o possuidor de boa-fé ou de má-fé, conforme o caso.

Art. 879 - Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pela quantia recebida; mas, se agiu de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas e danos.

Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que paga por erro o direito de reivindicação.

Art. 880 - Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o por conta de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas o que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador.

Art. 881 – Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação de fazer ou para eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação fica na obrigação de indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro obtido.

Art. 882 - Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.

Art. 883 - Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por lei.

Parágrafo único. No caso deste artigo, o que deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz.

Art. 884 – Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido..

Art. 885 – A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Art. 886 – Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.

Feita esta breve introdução acerca do assunto, resta-nos entrarmos na conceituação do enriquecimento sem causa, bem como do pagamento indevido, para vermos quais são os posicionamentos dos nossos doutrinadores, da nossa jurisprudência e em quais casos há a caracterização do instituto.


2 ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.

Conceito

Segundo o Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, diz-se do enriquecimento ilícito ser "o acréscimo de bens que, em detrimento de outrem, se verificou no patrimônio de alguém, sem que para isso tenha havido fundamento jurídico". Entende, também, que enriquecimento ilícito, enriquecimento indébito, enriquecimento injusto e enriquecimento sem causa são sinônimos.

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Outros doutrinadores também entendem dessa forma. Limongi França, defendendo essa idéia e conceituando o enriquecimento sem causa, assim se expressa:

"Enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico". [1]

Carlos Valder do Nascimento diz que o pagamento indevido insere-se no contexto do enriquecimento sem causa, o que não se coaduna com a consciência jurídica, que consagra a moralidade como valor supremo da sociedade.

Para Acquaviva enriquecimento ilícito é o "aumento de patrimônio de alguém, pelo empobrecimento injusto de outrem. Consiste no locupletamento à custa alheia, justificando a ação de in rem verso". Por outro lado, entende que enriquecimento sem causa não é o mesmo que enriquecimento ilícito, e assim o define: "É o proveito que, embora não necessariamente ilegal, configura o abuso de direito, insejando uma reparação".

2.2 Desenvolvimento

O princípio do enriquecimento sem causa ou enriquecimento ilícito é expresso na fórmula milenar "nemo potest lucupletari, jactura aliena", ninguém pode enriquecer sem causa. Consiste no locupletamento à custa alheia, justificando a ação de in rem verso. Iure naturae aequum est, neminem cum alterius detrimento et iniuria fieri locupletiorem – é justo, por direito natural, que ninguém enriqueça em dano e prejuízo de outrem.

O enriquecimento compreende todo aumento patrimonial e todo prejuízo que se evite. O empobrecimento, toda diminuição efetiva do patrimônio ou a frustação de vantagem legítima. Entre o enriquecimento de uma pessoa e o empobrecimento de outra é necessário que haja um vinculo, ou seja, um nexo causal, fazendo com que o primeiro enriqueça às custas do segundo. Consiste, como geralmente ocorre, na deslocação de um valor de um patrimônio para outro. Um exemplo seria o deslocamento de um bem do patrimônio de João para o de José, ou melhor explicando, a causa do enriquecimento de José foi o empobrecimento do João. Neste sentido cabe decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme segue:

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO (OU SEM CAUSA) - PRESCRIÇÃO - CORREÇÃO MONETÁRIA - I. Não se há negar que o enriquecimento sem causa é fonte de obrigações, embora não venha expresso no Código Civil, o fato é que o simples deslocamento de parcela patrimonial de um acervo que se empobrece para outro que se enriquece é o bastante para criar efeitos obrigacionais. II. Norma que estabelece o elenco de causas interruptivas da prescrição inclui também como tal qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do direito pelo devedor. Inteligência do art. 172 do Código Civil. (STJ - Resp 11.025 - SP - 3ª T - Rel. Min. Waldemar Zveiter - DJU 24.02.92).

Para que se configure o enriquecimento sem causa é necessário saber se a vantagem patrimonial foi conseguida através de um ato ilícito, de uma causa ou razão injusta. Quando ocorre uma doação, por exemplo, entende-se que aquele que recebeu a doação enriquece na medida em que o doador empobrece, porém esse enriquecimento é justo, uma vez que possui uma causa legítima. Entretanto, quando se fala de causa injusta, o enriquecimento é vedado pela Justiça. Existindo casos neste sentido, a Justiça se manifesta de forma a fazer com que seja restituído o que foi recebido por injusta causa. Porém, essa manifestação da ordem jurídica ocorre somente a partir do momento em que o prejudicado reage, promovendo os meios de obter a restituição.

O "actio in rem verso" é um dos meios de obter a restituição. Entretanto, só sobreviverá a ação de enriquecimento ilícito não havendo outro remédio no ordenamento jurídico processual, como por exemplo, a ação de nulidade do negócio jurídico. Nessa idéia se estriba o art. 886 do novo Código Civil Brasileiro.

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Art. 886 – Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.

A restituição é devida tanto para a pessoa que recebeu sem causa jurídica quanto para a pessoa que recebeu em razão de outra causa que não se realizou ou de uma causa que deixou de existir (Venosa, 2002:208). É o que disciplina o art. 885, do novo Código Civil:

Art. 885 - A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Para alguns doutrinadores enriquecimento sem causa pode ser considerado fonte autônoma das obrigações. Neste sentido é o posicionamento de ORLANDO GOMES, quando diz:

"Não é a lei que, direta ou indiretamente, faz surgir a obrigação de restituir. Não é a vontade do enriquecido que a produz. O fato condicionante é o locupletamento injusto. Evidentemente, o locupletamento dá lugar ao dever de restituir, porque a lei assegura ao prejudicado o direito de exigir a restituição, sendo, portanto, a causa eficiente da obrigação do enriquecimento, mas assim é para todas as obrigações que se dizem legais". [2]

Outros, no entanto, se posicionam ao contrário, como é o caso de Leib Soibelman, que em sua Enciclopédia Jurídica traz a seguinte passagem acerca do tema:

"O direito civil brasileiro não fez do enriquecimento sem causa uma fonte autônoma de obrigações, prevendo apenas a modalidade mais típica do mesmo: o pagamento indevido".

O pagamento indevido está previsto no novo Código Civil, nos artigos 876 a 883 e o enriquecimento sem causa nos artigos 884 a 886, e ambos estão inseridos no Título VII, que trata dos atos unilaterais, como já foi citado.


3 REQUISITOS DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

A doutrina identifica alguns requisitos para que se configure o enriquecimento sem causa, a saber:

a)ausência de justa causa;

b)locupletamento;

c)nexo causal entre o enriquecimento e o empobrecimento.

De mesmo entendimento é Orlando Gomes quando afirma que "há enriquecimento ilícito quando alguém, às expensas de outrem, obtém vantagem patrimonial sem causa, isto é, sem que tal vantagem se funde em dispositivo de lei ou em negócio jurídico anterior" [3]. Para ele são necessários os seguintes elementos: a) o enriquecimento de alguém; b) o empobrecimento de outrem; c) o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; e d) a falta de causa ou causa injusta.

Caio Mário [4] entende como sendo 5 os requisitos, segundo a doutrina francesa:

1º) o empobrecimento de um e correlativo enriquecimento de outro;

2º) ausência de culpa do empobrecido;

3º) ausência do interesse pessoal do empobrecido;

4º) ausência da causa;

5º) subsidiariedade da ação de locupletamento (de in rem verso), isto é, ausência de uma outra ação pela qual o empobrecido possa obter o resultado pretendido.


4 ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NO DIREITO ROMANO

A teoria do enriquecimento sem causa foi construída sob o alicerce das condictiones, presentes no direito Romano, de onde surgiram os conceitos fundamentais.

Segundo o entendimento de Washington de Barros, os romanos já consagravam o pagamento indevido como modalidade de enriquecimento ilícito. Os requisitos para a configuração do pagamento indevida nesta época, eram: ser o pagamento devido, o solvens ter agido com erro e quem recebeu, ter recebido de boa-fé.

Os romanos tentaram, com base na equidade, desenvolver princípios relacionados com a teoria do enriquecimento indevido, porém não conseguiram, cabendo aos legisladores contemporâneos a evolução e o aprimoramento do instituto.

Nesta época surgem as condictiones, através das quais as pessoas podiam reaver o prejuízo por pagamento errôneo. O objetivo dos romanos, com as condictiones, era justamente combater situações injustas, que não eram amparadas por lei, entre elas o enriquecimento ilícito. Desta forma, aquele que locupletasse com a coisa alheia seria obrigado a restitui-la a seu dono.

Os contratos, em Roma, possuíam uma forma abstrata e para diminuir o rigor desse abistratismo, surgem formas técnicas para evitar o enriquecimento sem causa. É nesse momento entra o papel do pretor. Quando um caso particular era merecedor de proteção, o pretor concedia a condictio. Vejamos, a seguir, algumas condictiones:

4.1 A condictio indebiti

A condictio indebiti era a principal e mais antiga condição do direito romano. Era a condictio que sancionava a obrigação resultante da indebiti solutio (pagamento indevido). Ela ocorria quando alguém pagava alguma coisa por erro, porém sempre com a intenção de liberar-se de uma obrigação, que na verdade não existia.

Configurava-se a condictio indebiti quando houvesse a presença dos seguintes requisitos: [5]

a)que tenha havido o cumprimento de uma obrigação que era suposta pelo sujeito (uma solutio), isto é, o cumprimento de prestação para extinguir uma suposta relação obrigacional;

b)que essa solutio fosse indevida, ou seja, que entre solvens e accipiens nunca tivesse existido relação obrigacional ou, ou se já existiu, que já estivesse extinta; ou ainda, que a prestação realizada não fosse objeto da relação obrigacional existente;

c)que o cumprimento da obrigação ocorresse erro de fato escusável

d)o accipiens deveria estar de boa-fé. Se estivesse de má-fé a ação seria outra (condictio furtiva);

e)que a solutio não se referisse a uma obrigação que embora não existisse, a ação, em caso de o réu falsamente negar a dívida, fosse o dobro do valor que realmente se devia, ou a obrigação fosse eliminável por meio de exceção perpétua.

Como a boa-fé era uma exigência, o acipiente (accipiens) só responderia pelo que efetivamente enriqueceu com o pagamento indevido.

Neste sentido é o posicionamento de Silvio de Salvo Venosa:

"Nem sempre o empobrecimento do solvens é igual ao enriquecimento do accipiens. O enriquecimento por parte do accipiens pode ser superior ao empobrecimento; por exemplo, quando a coisa produz frutos, o accipiens deverá restituir não apenas a coisa, mas também seus frutos. Por outro lado, o enriquecimento pode se inferior ao empobrecimento, como, por exemplo, o accipiens vende a coisa obtida por preço inferior a seu valor. Nesse caso, o accipiens não terá de devolver mais do que o verdadeiro enriquecimento". [6]

4.2 Condictio causa data non secuta

Outra forma de condictio que era aplicada visando a restituição de coisa dada em troca de outra coisa que não o foi, ou em troca de um serviço e esse não foi executado. Por exemplo, alguém recebia uma quantia em dinheiro "dote", mas o casamento não se realizava.

4.3 Condictio ob injustam causam

Esta condictio era aplicada aos casos em que alguma coisa era concedia por uma causa contrária ao direito, como, por exemplo, cobrança de juros além do estipulado ou então a restituição de uma coisa recebida com violência. Em ambos os casos a finalidade era a restituição.

4.4 Condictio ob turpem causam

Visava a restituição quando alguma pessoa recebia uma prestação com final imoral. Por exemplo, uma pessoa que recebesse uma quantia para matar outra pessoa. Esta condictio era concedida mesmo que o accipiens tivesse executado a prestação imoral.

4.5 Condictio sine causa

Era utilizado naqueles casos em que uma pessoa dava à outra uma quantia em dinheiro ou coisa para a obtenção de finalidade que não existia ou que não se podia realizar, ou, ainda, para objetivo que viesse a falhar.


5 PAGAMENTO INDEVIDO

"Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir". (art. 876, Código Civil Novo, 1ª parte).

Pagamento indevido constitui um caso típico de obrigação de restituição fundada no princípio do enriquecimento sem causa, segundo o qual ninguém pode enriquecer à custa alheia, sem causa que justifique (DINIZ, 2002:228). Para Maria Helena Diniz, pagamento indevido é uma das formas de enriquecimento ilícito e divide-se em duas espécies: a) pagamento objetivamente indevido e b) pagamento subjetivamente indevido. Haverá pagamento objetivamente indevido quando o indivíduo pagar uma dívida inexistente, por não haver qualquer vínculo obrigacional, ou então, um débito existente, mas que já foi extinto. Neste caso, o indivíduo para erroneamente, uma vez que desconhece da inexistência da dívida. Sendo assim, terá direito de ação de repetição do indébito. Por outro lado, se o fez consciente do erro, não desfrutará dessa tutela legal. O pagamento subjetivamente indevido configura-se quando o sujeito erroneamente paga por algo que se julgava dever, mas que na verdade não o devia. Aqui, há a existência da dívida, porém ela é paga por quem, não sendo devedor, julgava sê-lo.

Segundo Venosa [7], enriquecimento sem causa e pagamento indevido são troncos da mesma cepa, ou seja, o pagamento indevido pertence ao grande manancial de obrigações que surge sob a égide do enriquecimento ilícito.

Maria Helena Diniz afirma que pagamento indevido funda-se no princípio de enriquecimento sem causa, e conceitua:

"Pagamento indevido é uma das formas de enriquecimento ilícito, por decorrer de uma prestação feita por alguém com o intuito de extinguir uma obrigação erroneamente pressuposta, gerando ao accipiens, por imposição legal, o dever de restituir, uma vez estabelecido que a relação obrigacional não existe, tinha cessado de existir ou que o devedor não era o solvens ou o accipiens não era do credor" [8]

O pagamento indevido é o que se faz voluntariamente, por erro. Por exemplo, a pessoa convencida de que deve, vai e paga. Sendo assim, uma vez que aquele que recebe não é verdadeiramente o credor, terá recebido indevidamente, mesmo que de boa-fé. Como não deve ficar com o que não lhe pertence, se não o entregar, poderá ser obrigado a fazê-lo, e para obrigá-lo à restituição, aquele que pagou indevidamente tem a ação de repetição.

Civil. Repetição de indébito. Cheque compensado antes do prazo. Devolução posterior. Erro do banco. Negativa de devolução do gasto. Enriquecimento indevido do correntista. Locupletamento ilícito. Arts. 964 e 965 do Código Civil. Recurso provido. I - Aquele que indevidamente recebe um pagamento, sem justa causa, tem o dever de restituir, não tolerando o ordenamento positivo o locupletamento indevido de alguém em detrimento de outrem.

II - O banco que creditou na conta-corrente do seu cliente o valor de cheque depositado antes do termo final para compensação pode perseguir a devolução daquela quantia se verificar que o titulo de credito estava viciado. (STJ – Ac. Resp. 67731/SC – Decisão: por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento – 4ª Turma; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – 29/10/1997).

É necessário que se prove que foi pago com erro o que na verdade não se devia. É preciso que se tenha feito o pagamento na suposição falsa que se devia. O ônus da prova do erro do pagamento compete ao solvens, conforme disposto no art. 965, CC. Aquele que não provar que efetuou o pagamento por erro ou coação, não terá direito à restituição. Neste sentido foi a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme jurisprudência. [9]

Pagamento indevido sem erro ou coação é considerado ato de liberalidade do solvens e não autoriza a repetição por não lhe faltar causa. Este deve ser também o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, conforme jurisprudência que segue:

"Processual Civil – Ação de indenização – Enriquecimento sem causa – Mandato verbal – Ônus da prova – Fato constitutivo INDEMONSTRADO – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. – Recai sobre o autor o encargo de demonstrar o fato constitutivo de seu direito e sobre o réu o de comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo àquele (art. 333, incs. I e II, do CPC). Apenas quando provados os fatos hábeis a constituir o direito do autor surgirá ao réu o ônus de demonstrar os fatos que lhes impeçam o acolhimento. "Enquanto tal não aconteça, o réu pode limitar-se a negar pura e simplesmente, mesmo no caso de negação indireta, ou seja, de afirmação de um fato incompatível com aquele afirmado pelo autor (negatio per positionem); ele não tem, por enquanto, a necessidade de provar o fato que afirma, porque a sua afirmação é feita só para negar a existência do fato deduzido pelo autor, como fundamento de sua demanda" (Carreira Alvim). (TJSC – AC 98.014681-0 – 4ª C. Cív. – Rel. Des. Pedro Manoel Abreu – J. 30.03.2000).

Segundo Maria Helena Diniz, para que haja a caracterização do pagamento indevido, são necessários os seguintes requisitos:

1.Enriquecimento patrimonial do accipiens à custa de outrem:

2.Empobrecimento do solvens;

3.Relação de imediatidade, ou seja, o enriquecimento de um deve decorrer diretamente da diminuição patrimonial do outro;

4.Ausência de culpa do empobrecido, que voluntariamente paga a prestação indevida por erro de fato ou de direito;

5.Falta de causa jurídica justificada do pagamento efetuado pelo solvens;

Subsidiariedade da ação de in rem verso, ou seja, inexistência de outro meio jurídico pelo qual o empobrecido possa corrigir a situação do enriquecimento sem causa.

Sobre a autora
Cléya Aparecida Henz

acadêmica de Direito na UNIVEL, Cascavel (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENZ, Cléya Aparecida. Enriquecimento sem causa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3416. Acesso em: 15 nov. 2024.

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